domingo, 17 de janeiro de 2021

Um dia de Natal na casa de Rodolfo Weber e dona Emilia


"Tudo ai era português, a começar da loja dos Guedes e terminar no sonhador que descobrira as fontes de águas mineral, o Venâncio, Depois começaram a emigrar de Baependi os italianos - e Caxambu se encheu dos Viotti. Os sírios, os libaneses, os humildes turcos chegaram depois e o Bechara, o José Calil, o Abdallah, os Sarkis, mascates de uma genialidade itinerante que punha no chinelo a matreirice mineira, foram os antecessores de meu pai no lugar."(1) 

Este texto, de David Nasser, retrata bem o perfil dos imigrantes que vieram para a cidade no início do século passado. Caxambu teve o privilégio de contar com eles, que ajudaram a escrever a sua história econômica e política. Hoje vamos contar sobre austríaco Rodolfo Weber, um imigrante tardio se compararmos com os seus antecessores. Ele chegou à cidade na década de 1940 e não a deixou mais. Suas obras podem ser vistas na região urbana  e nos arredores, parte escondida nos seus alicerces. Permanecem não só o seu trabalho em concreto, mas também uma geração de filhos e netos. Vamos lá!

O pai, um pintor famoso

Antes de falarmos sobre seu Rodolfo, temos que falar de seu pai, também Rudolph Weber, pintor conhecido da Academia de arte de Viena. Nascido em Spitz, Austria, em 1872, casado com Karolina Burnner (1889-1926), com quem teve três filhos: Marianne, Hans e Rodolfo (1906-?). 

Em 1900 Rudolph muda-se para Spitz an der Donnau e concentra-se em retratar os seus arredores. Convocado para a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), serviu como tenente oficial na marinha. Ao voltar para a casa, teve grandes dificuldades para se adaptar à nova vida, conta o bisneto Rodolfinho. O bisavô tinha alta patente militar e estava acostumado a ser servido. Karolina, que tinha se mudado para interior, estava mais  preocupada em dar comida aos três filhos. Ela falava em criar porcos para atender a demanda da cozinha, enquanto Rudolph pensava em suas telas de pintura. Ela falava em pão e ele, de arte. Duas diferentes visoes de mundo, que levaram à separação do casal. 

Rudolph casa-se então com a pintora Anna Tischler (1881-1955). Ambos faziam parte da União de pintores de Wachau. Juntos fizeram viagens, retratando paisagens italianas do Tirol, do Lago de Garda e de Adria. A partir de 1933, ele se ocupa em pintar a cidade de Krems an der Donau (foto). À primeira exposição em 1919, em Krems, seguiram outras 40. Seus trabalhos eram regularmente apresentados na Wiener Künstlerhaus. Ficou conhecido pelas técnicas de aquarela, guache e pintura a óleo. Apesar do grande esforço de manter a União dos pintores, o tempo chegou. A associação se dissolveu em 15 de janeiro de 1978 e deixou a memória de pintores como Rudolph Weber, o pai de Rodolfo, que faleceu em Krems-Stein em 1949.



Karolina Brunner, mãe de Rodolfo Weber, aos 25 anos de idade fotografada
em 1914. Ao fundo a residência da família de Rodolfo Weber no interior da Áustria.

Karolina teve um triste fim. Ela faleceu num acidente, aos 38 anos de idade, quando levava marmita para o genro, tendo seu vestido se enroscado numa turbina elétrica. Foi encontrada sem vida. Rodolfo tinha então 20 anos. As informações de como, onde e por quem os filhos foram criados nos faltam. Muitas lacunas ficaram. Elas estão para sempre sepultadas com os que se foram.

Uberaba, Uberlândia

O que pudemos resgatar, pelo esforço, telefonemas, conversas com o seu bisneto, Rodolfinho e sua mãe, nora de Rodolfo, pusemos neste texto.

Rodolfo Weber filho nasceu na cidade de Spitz, Áustria em 24 de maio de 1906. Imigrou muito jovem para o Brasil, mais especificamente para Minas Gerais. Ele chegou ao Brasil quando o Estado promovia a modernização da infraestrutura urbana dos municípios. Rodolfo deixou suas obras espalhadas por algumas cidade minieras. Como não possuía documento ou diploma que comprovasse sua qualificação profissional em engenharia civil com especialização em alicerces, foi declarada como profissão na sua certidão de casamento "pedreiro". Mas o que isso importava na época? A competência nos trabalhos confirmava sua formação profissional. Mão de obra especializada era valiosa para aquele momento que o país vivia. 

Inicialmente fixou-se em Belo Horizonte, onde se casou com a vienense Emília Antonia Suatek (24/5/1906-?) num dia que se anunciava a primavera, 20 de setembro de 1930. A prometida noiva, que tinha ficado à espera na Áustria, foi recebida no porto do Rio de Janeiro. O pretendido noivo financiou sua passagem para o Brasil com dinheiro ganho na... loteria. Emilia embarcou no vapor sem certeza de que ele a esperava. Uma aventura! Imaginem, não tinham telefone nem celulares. Mas na chegada, lá estava ele de chapéu de palheta à sua espera... Inesquecível. Da união nasceram quatro filhos: Rodolfo José, Christina Mari, Günther Hans e Emi Lucia.

Em Belo Horizonte trabalhou como mestre de obras, atuando na construção de igrejas. A igreja de São José, no bairro Barro Preto foi uma delas. Sua especialidade era erguer as sólidas bases de concreto armado.

 
Rodolfo morou ainda em Uberaba e Uberlândia antes de ir para Caxambu. Desde o início da colonização do Brasil, as duas cidades já eram ponto de confluência das províncias de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, e por isso, se tornaram um importante centro mercantil. Por Uberaba passaram boiadas, sal e outro, gêneros alimentícios. Em 1922 a Câmara Municipal de Uberaba aprovou um projeto de saneamento da cidade que somente pode ser realizado em 1937. A cidade passou por intervenções importantes no denominado "Saneamento e Planta de Extensão de Uberada", de autoria do engenheiro Saturnino de Britto executado pela Empresa Mineira de Construções tendo Rodolfo à frente como mestre de obras na canalização do Córrego das Lages, (foto). Na década de 40, Uberaba era uma cidade elegante, quase... européia. Lá que nasceu Gunther primeiro filho de Rodolfo. (foto/Praça Rui Barbosa).

Foto l ponte entre Uberaba e Uberlândia; foto 2 e 4 obras de canalização do Córrego das Lages, em Uberaba; foto 4: Rodolfo com sua motocicleta da marca India, presente de Emilia; foto 5: obra concluida.

Em Uberlândia, entre 1937 e 1938, Rodolfo fo gerente da loja Ocatiba, que tinha sede em São Paulo e era especializada na venda material de construção e ferragens. Foi lá que ele adquiriu experiência no ramo de negócios.

Rodolfo estava fazendo uma obra em São Lourenço, no início dos anos de 1940, quando foi chamado para trabalhar em Caxambu na construção do Cassino Glória (foto 4). Com projeto de Freire e Sodré, uma dupla de arquitetos cariocas responsáveis por inúmeras edificações pelo Brasil afora, o cassino foi inaugurado em 1942. A firma manteve Rodolfo sob contrato para erguer o Hotel Gloria, terminado em 1946.

Dona Emilia ainda não pensava em fixar residência na cidade e achava que voltariam para Belo Horizonte, mas acabaram fixando residência na hidrópolis. A vida seguiu. Como mestre de obras, prestava acessoria a diversas construções e administrava uma pequena loja de material de construção ao lado de sua residência, a única da cidade. O estabelecimento era gerido pela sua esposa na sua ausência. Quando o trem ainda rodava nos trilhos, chegavam à Caxambu vagões de cal e cimento a seu pedido. Caxambu também vivia um boom na construção de prédios.

 

Trabalhou na construção da Casa Oriental (foto 5, de costas) e ajudou a reerguer o Colégio Santa Terezinha (foto 1) após o terrível incêndio em 1960. Dirigiu as obras dos Edifício Halle e Aparecida (foto 6), seu último grande trabalho. Meu pai trabalhou em ambos como eletricista. No currículo de Rodolfo, também consta a coordenação das obras da ponte sobre o rio na cidade de Cruzília (foto, 3) e a ponte sobre o rio Taboão, além de obras no colégio Santo Ignácio em Baependi. Na foto 3, uma residência em Caxambu.

Em 1952 entrou com o pedido de naturalização, ano também em que foi padrinho de batismo de minha irmã Elizabeth Ayres. Foi candidato a prefeito de Caxambu pela UDN, União Democrática Nacional, em 1962, partido chefiado pelo Dr. Acácio de Almeida, perdendo para Abel Murta de Gouveia, que posteriormente foi cassado pelo regime militar em 1964. No mesmo pleito concorreu pelo PSD Edmundo Dantas. Estas últimas informações foram enviadas pelo atento leitor e colaborador várias vezes deste Blog, Antonio Claret Maciel dos Santos.

Álbum de família/As Emílias/ três gerações: as Omas/lembranças 


As gerações de brasileiros de imigrantes austríacos. Emilia Antonia Suatek (homônima de sua mãe) em sua felicidade com sua filha Emi e seu neto Rodolfinho (foto 1). No colo de Emilia Antonia Suatek, avó, Oma, em (foto 2 e 3) Rodolfo bisneto, conhecido por Rodolfinho, orgulho da bisavó, a "oma" que levava o bisneto à missa empedernidos das roupas de domingo e depois iam passear no Parque das Águas. 

Em busca das raízes


Em 1970 a neta de Rudolph, Emi Weber à esquerda e Adila Weber, nora de Rodolfo Weber fizeram uma visita à cidade de Krems. A cidadezinha continua lá com sua história, suas ruas, suas lembranças. 

Passados mais de 50 anos, o cheiro dos pães de mel com chocolate ainda estão no meu nariz, e a mesa de coberta de guloseimas, numa tarde de Natal, quando visitamos a família Weber em sua residência. Na soleira da porta estava a Grossmutter, primeira palavra em alemão que aprendi a falar. Exatamente nesta porta e exatamente vestida como a foto. Era a mãe de Emilia, também Emilia, que não falava português, e brincava com um novelo de lã e um gatinho. 
 
Agradecimentos:
Agradeço à família Weber por confiar tanta informação e material iconográfico, particularmente ao Rodolfinho e sua mãe, Adilia Weber, que forneceram valiosas informações para que pudéssemos contar a sua história.
Foto:
Todas as fotos dos Weber são do arquivo privado da família, cedidas gentilmente por Rodolfo Weber, neto de Rodolfo, conhecido como Rodolfinho.
Foto de Fernando Niman da construção da Casa Oriental.
Foto do Cassino Glória cedida por Julio Jeha.
Fonte:
KRUG, Wolfgang:Wachau. Bilder aus dem Land der Romantik. Aus der Sammlung des Niederosterrichen Landesmuseum und der Topographischen Sammlung der Niederösterreichen Landesbibliothek.

Arquivo Público Municipal de Uberlândia, acervo Naguettini in SIMAO Pamela Aparecida Viera -Cidade e fotografia: Espaços e história na produção do fotógrafo Angelo Naguettini, Uberlândia (1940-1950)

Silveira, Leonardo José in Evolução do centro urbano de Uberaba/ MG/ Brasil
Miranda, Ana Paula Tavares, in Arquitetura Moderna no Triangulo Mineiro e Alto Paranaíba, indicios para a constructor de uma cultura arquitetônica (1945-1975).

Lourenço, Luis Augusto Bustamante, in Das Fronteiras do Império ao coração da república: O território do Triangulo Mineiro na transição para a formação sócio- espacial capitalista na segunda metade do século XIX- São Paulo, 2017.
(1) Revista O Cruzeiro, David Nasser
Agradecimentos:
Julio Jeha