domingo, 30 de abril de 2017

Morte no sertão / Na pista dos primeiros caxambuenses/ Parte 2/ Um sítio chamado Mombasa na paragem do Caxambu




Carlos Pedroso da Silveira foi um bandeirante, um dos primeiros a adquirir terras na "paragem do Caxambu", casado com  Izabel de Souza Ébanos Pereira. Ambos eram descendentes de famílias nobres e moravam em Taubaté, até ele ser assinado numa emboscada, em 1719.

Todo sacrifico pelo Brasil

No brasão da cidade de Taubaté, traz "Todo o sacrifico pelo Brasil", em homenagem aos bandeirantes, considerados aqueles que extenderam as fronteiras do Brasil para além do Tratado de Tordesilhas,  os descobridores de ouro e fundadores de povoados, que se tornaram as grandes cidades do Brasil. Mas este era somente um lado da medalha. Não podemos esquecer eles foram responsáveis do extermínio  da população indigena; mortos pelo trabalho, doenças transmitidas pelos brancos e a perda irrecuperável de sua cultura e identidade.  Em São Paulo ergueram-se monumentos aos bandeirantes, deram nome a ruas e praças e hoje são tratados como heróis.  Heróis? Mas esta é outra história. Voltemos para...

Carlos Pedroso não chegou a morar nas terras "na paragem do Caxambu" que recebeu de Sesmarias de D. Francisco Martins Mascarenhas, concedidas por provisão, em 30 de setembro de 1706, em parceria com o seu genro Francisco Alves Correia, mas mantinha lá uma pequena criação de gado para alimentar os sertanistas em suas viagens em direção às minas. 
Um lugar chamado Mombasa

Numa escritura de dívida contraída por Carlos Pedroso, datada de 3 de outubro de 1707, deu como garantia o dito sitio do "Mombaça". No seu testamento seus herdeiros declararam: "um sítio na paragem chamada Mombaça com duzentas braças de terras e a criação de trinta cabeças de gado vacum". Mombasa é a capital do Quênia, no continente africano, fundada no século XII pelos mercadores árabes e ocupada pelos portugueses nos séculos 15, 16, e 17. De lá saiam  de escravos para  a colônia Brasil e foram conduzidos para trabalhar nas minas e plantações e em terras de propriedade de Carlos Pedroso. Com eles vieram os nomes que entravam para a toponimia de Caxambu.

Ha nos registros paroquiais de Baependi diversos registros nomeados "sitio Mombasa", e isto quer dizer estamos falando do mesmo lugar e com absoluta certeza, era o mesmo dos seus primeiros ocupantes "na paragem do Caxambu". 

Abaixo o registro de 18 de abril de 1730, transcrito pelo historiador Pelucio, onde se lê: Rosaura, filha de Joana, escrava de Anna Moreira (Caxambu), isto é moradora do Caxambu, sendo os padrinhos Francisco d`Arruda, solteiro (Caxambu) e Margarida Buena, casada (Bombaça), escrito erroneamente com "b", batizada por Frei Miguel. Não restam dúvidas que o sitio Mombaça era o mesmo citado em outros registros. De fato o lugar existiu nos arredores da hoje Caxambu.


Carlos Pedroso ocupou cargos como militar, mestre-de-campo, ouvidor e governador de TaubatéPindamonhamgaba e Guaratinguetá sendo responsável, entre 1695 a 1705, pela captação dos impostos sobre  exploração do ouro. E "... por-que o seu carácter era um estorvo que convinha afastar" (1), isto é, ele foi rigoroso na cobrança dos quintos do ouro e isso gerou conflitos, que culminaram no seu assassinato. O crime não foi esclarecido, nem culpados foram punidos, como prometeu o Conde de Assumar em correspondência a viúva Izabel, que se mudou de Taubaté após o trágico acontecimento, por temer por sua vida e de seus familiares, indo morar com a família na... Nas terras que seu marido tinha na paragem do Caxambu. Então indiretamente Carlos Pedroso e sua família estão ligados a ocupação das terras que originaram a cidade.

"N`essas terras havia grandes plantações de mantimentos para os viandantes desde princípio das Minas", escreve Diogo de Vasconcelos, em História Antiga de Minas Gerais. Dona Izabel seus familiares deram continuidade ao trabalho e investiram nas plantações de mantimentos destinados aos viajantes que se dirigiam para as Minas e portanto foram mesmo os primeiro ocupantes das terras  que originaram a cidade de Caxambu. Segundo Francisco de Assis Carvalho Franco eles foram considerados "os primeiros grandes fazendeiros que ali se estabeleceram". (2)

Fonte:
(1) Vasconcelos, Diogo, História Antiga de Minas Gerais
Lima, Leandro Santos de, in Bandeirismo Paulista: o avanço na colonização e exploração do interior do Brasil (Taubaté, 1645 a 1720), 2011, São Paulo.
(2) Franco, Francisco de Assis Carvalho
Foto:
Monumento ao bandeirante, na cidade de Taubaté, inaugurado em 2000, in A Voz do Vale. Acervo de Liygia Fumagali Ambrogi.
Carlos Pedroso da Silveira, no vitral no Hall do Palácio da Bolsa, "A Epopéia dos Bandeirantes", em São Paulo, desenho de Benedicto Calixto, 1922, in Novo Milênio.

terça-feira, 25 de abril de 2017

100 mil visualizações!



O Blog da Familia Ayres/Freitas/Pereira/Silveira esta a 4 anos no ar e hoje superamos as 100 mil vizualizações. É pouco? É muito? Não posso dizer, mas estamos muito felizes com a repercussão do nosso trabalho. Agradecemos aos leitores, familiares, colaboradores, amigos que estão ajudando a contar as muitas histórias. 
Solange Ayres

domingo, 23 de abril de 2017

Chácara das uvas/ O Ramo dos Solers



Impossível não falar da Chácara das Uvas e vir aquelas lembranças. O sossego na rede, o imenso galinheiro de tia Mercedes,  a charrete puxada pela tinhosa égua Rolinha, o ribeirão, a mina d`agua, a represa e o pequenino curso d`agua que corria pelo jardim, os pés altos das pereiras, o laranjal,  a castanheira, onde debaixo existia um pequeno laguinho cheio de sapos, o caramanchão das samambaias e orquídeas, o forno de barro e os biscoitos de polvilho... Tanta coisa boa... Tanta lembrança... De ter tomado banho de água, esquentada na serpentina do fogão à lenha... A cortina vermelha e o corredor mau assombrado (imaginação minha). Da trepidação dos vidros da cristaleira, ao passar pela sala... A casa da tia Mercedes era mágica.

Um espanhol em Caxambu

E aconteceu o que o Jornal O Baependiano tanto apregoava: Os imigrantes chegaram, pelo menos a Caxambu. Salvador Soler Y Contesti, filho de espanhol, chegou ao Sul de Minas por volta do ano de 1910, jovem ainda. Seus pais vieram da região de Mont Serrat, (villa Tetri) que fica na província da Catalunha, à noroeste na Espanha e primeiramente se radicaram, em Poços de Caldas.

A imigração espanhola para o Brasil teve início, no ano 1890. Ela estava inserida no contexto da substituição de mão de obra escrava nas lavouras de café. O governo brasileiro subsidiava as passagens. O fato atraiu grande numero de espanhóis, sobretudo de Andaluzia, Espanha. Embora menor que os portugueses e italianos, os espanhóis foram o terceiro maior contingente de imigrantes recebidos pelo Brasil. Em 1900 2/3 da população espanhola se ocupava direta ou indiretamente com atividades agrícolas. A pobreza no campo incentivaram os espanhóis a abandonarem o seu país e tentar a sorte além-mares. Embora os espanhóis não eram os imigrantes preferidos da elite brasileira.


Os espanhóis estavam entre os imigrantes mais pobres do Brasil. Muitos chegavam com a expectativa de melhorar de vida. O que encontraram foram péssimas condições de trabalho e baixa remuneração nas lavoura cafeeiras. Decepcionados com o Brasil retornaram 65% deles voltaram para Espanha. O pai de Salvador Soler ficou.

Caxambu, nos anos de 1910, tempo em que Salvador Soler chegara, estava a todo vapor. Na administração do prefeito  Camilo Soares (1912-1916) foram feitas grandes reformas urbanas que incluíam o jardim central, hoje Praça 16 de Setembro, com desenho paisagístico de José da Silva Reis, o Chico Cascateiro, e os jardins cuidados pelas mãos de Ramiro Rodrigues Freitas. A cidade ia ficando cada vez mais aprazível para os aquáticos, assim denominados os turistas que vinham fazer o seu turismo de verão, e atraindo gente, como o filho de imigrante espanhol Salvador Soller Y Contesti.


Em 1905, Salvador já teria contato com a Família Ayres, pois ele foi o padrinho, juntamente com Thereza Constestina Soler,  de Salvador filho de João Bruno da Silva e Izabel Ayres de Lima, filha de José Fernandes Ayres, o Trançador-pai.


Salvador casou-se pela primeira vez vez com Maria da Luz e da união nasceram 5 filhos. Walter Soller, Tereza Soller, Emilio Soler, Salvador Soler filho, Solerzinho, que faleceu de uma apendicite.

Filho ilustre

O filho de Salvador, Walter Soler chegou a ser vereador de Caxambu, e presidiu a câmara de vereadores por longo tempo, além do que ainda serviu na Segunda Guerra Mundial, junto aos Aliados no combate aos nazistas, na Italia. Voltou como herói de guerra. Mas o golpe de Estado, de 10 de novembro de 1937, e o período do Estado Novo, provocaram a suspensão das atividades da Assembléia de Minas e das demais câmaras legislativas do país por 10 anos. A câmara de Caxambu realizou sua ultima reunião, em 15 de outubro de 1937, retomando os seus trabalhos, em 8 de dezembro de 1947. Na ocasião tomaram posse o vereador Walter Soller juntamente com Emundo Pereira Dantas, Abelardo de Sá Guedes, dentre outros. Em 15 de setembro de 1981 o Plenário da câmara recebeu o nome de Walter Soler, pois foi o vereador que mais tempo a presidiu. Seu casamento com Maria Ribeiro Maciel foi noticiado no jornal O Patriota, de 10 de julho de 1948, demonstrando que ele era uma pessoa muito querida e reconhecido  político na cidade. (Leia mais sobre Walter Soler e sua noiva Célia Ayres de Lima)

Os "S", o Ramo dos Solers

Mas não estaríamos falando aqui de Salvador Soller se ele não tivesse casado de segundas núpcias com uma Ayres. Mercedes Ayres de Lima (1910-?) batizada em 6 de maio por Sebastião Barilo e Agueda Brochado; filha de Gervasia Maria da Conceição e  José Ayres de Lima, o Trançador-filho, neta da escrava  Sabina Maria da Conceição e bisneta da também escrava Justinianna Maria da Conceição, a Nana como era chamada. Com a união, Mercedes perdeu o "Ayres" e adquiriu o nome no marido "Soller", dando aí a origem do Ramo dos Solers.

Pois, Salvador ficou viúvo e encontrou, na igreja, a sua segunda esposa. Vocês sabem, na época as abordagens eram extremamente formais, mas Mercedes não resistiu, até porque ela já estava solteira e "em idade avançada" para época, 30 anos, para contrair matrimonio. Não perderam tempo. Casaram-se, no ano de 1940 e dessa segunda união vieram 5 filhos ao mundo todos batizados com inicias "S": Solon, Sodré, Saulo, Solange e Sergio, os dois últimos gêmeos. Ah, o parto deles   foram feitos, segundo a nossa biblioteca familiar Célia Lima/Ayres Araujo, pela parteira  e tia pelo lado paterno, Maria José Freitas/Ayres, a Mariquinha, (aqui também biografada no nosso Blog). Os gêmeos Solange Soler e Sergio Soler nasceram, na Rua Quintino Bocaiúva, na residência de vó Gervásia. A única desavença entre os dois era a mania dele de guardar mortadela nos bolsos do paletó. Ah, as desavenças de casal...

Salvador Soler e seu maravilhoso pomar

Salvador adquiriu terras, que se transformou na "Chácara da Uvas". Ela foi assim denominada não à toa: Suas parreiras produziam cachos que chegavam a pesar 5 quilos! Nos anos 40 e 50 foi dado como ponto de visita turística de Caxambu. Laborioso, Salvador plantou não somente uvas, mas, arroz feijão, olivas e frutas de diferentes qualidades, exatamente como o clima da região mandava. Dela saía fantásticas peras, maçãs, pêssegos, castanhas do Pará, caquis, laranjas que iam parar direto na mesa dos hotéis da cidade, fresquinhas para o café da manhã. Ele aprendeu ofício de agricultor e nos detalhes nada escapava para manter a alta qualidade de sua colheita. Com certeza com os familiares na Espanha e com sua experiência transformou aquele grande pedaço de chão em um produtivo pomar. Seu prazer era completo, quando recebia visitas dos veranistas para ver o seu grande trabalho. Ele sabia como tratar as figueiras, como fazer excertos das variedades,  resultando frutas macias, saborosas, doces como mel, descreveu Solange sua filha.  Pela sua experiência sabia que para uma boa produtividade, havia de ter plantas femininas e masculinas como no caso das castanheiras e olivas. As frutas eram uma a uma envolvidas em papéis impermeáveis, amarradinhas com embiras, pequenos finos cordões, evitando o ataque de bichos e pássaros. O zelo tinha os seus efeitos. Próximo a época da colheita as árvores viam-se todas "vestidas de branco". Um espetáculo para os olhos e mais tarde para o paladar.

Água e vinho

Mas a Chacara produzia não somente frutos. Surpreendentemente fiquei sabendo que lá era também produzia vinhos e ainda, de três variedades! O tinto, branco e rosé, amadurecidos em barris! Eles iam para a mesa dos hotéis mais chics da cidade, como o Hotel GloriaPalace Hotel,  Hotel LopesHotel Bragança, degustados pelos turistas, que de dia bebiam água e a noite... Ic! Vinho da Chácara das Uvas. E claro, ele era o único fornecedor de vinho para as celebrações das missas, (ai!), celebradas pelo Monsenhor João de Deus (leia aqui a biografia completa de João de Deus). Solange Soller chegou a amassar com os pés calçados em tamancos, as uvas nas gamelas, junto com os empregados da chácara, para sua fabricação. Sendo a Espanha tradicional produtor de vinhos, nada mais natural que houvesse uma continuidade da cultura da uva, no país que seus pais resolveram escolher para imigrar. Na publicação "Agricultor Almanak Lambert" de 1936, constava Salvador Soller como "produtor". E era.

Distribuição de cestas e embornais (cheios!)

A Chácara tinha uma pequena "venda" na entrada que continha produtos de primeira necessidade, vendidos para os moradores locais. Salvador tinha o costume de fazer cestas e presentear membros da família que moravam Rio de Janeiro, mandados atravez dos motoristas da antiga empresa de ônibus Cavisa. Outras cestinhas de frutas iam para a irmã Lucia, do Colégio Normal Santa Terezinha. E era ritual todos os anos encher os embornais dos moradores da Vila Santo Antonio com arroz, carne de sol, feijão, acúcar, café. Era o seu lado cristão complacente com os mais necessitados. No natal comprava roupa, chapéu, camisa, botinas para vestir os pobres da vila.
Salvador Soller na política


Salvador Soler era ativo na vida política da cidade, assim como foi seu filho Walter. Ele foi juiz de Paz e em 21 de julho de 1945, participou da comissão executiva da fundação do Diretório Municipal do Partido Social Democrático, o PSD de Caxambu, juntamente com os políticos proeminentes da época, Rangel Viotti, o redator do Jornal O Patriota, Mario Lara, de Baependi e o médico Dr. Lisandro Guimarães Viotti. Ele também estava presente no tal baile em que a tia Célia, a Célia Ayres de Lima abrilhantou. (leia sobre a festa aqui)

E a Chácara que era das uvas...

A Chácara viveu os seus áureos tempos na década de 40 e 50.  Salvador faleceu aos 65 anos, em consequência de uma diabetes (1893-1958). No dia de seu enterro, 5 de maio, o comércio da cidade baixou portas em respeito a sua pessoa. Lá se foi um dos bons. Na ausência do seu criador a Chácara entrou em decadência e dela só  temos a lembrança. Os motivos foram muitos e um deles era que a agricultura familiar não era mais base econômica das famílias.   Os seus filhos foram  seduzidos pelas das grandes cidades, procurando suas alternativas de vida, no Rio, São Paulo. Ainda hoje (17/10/2016) a Chácara consta do Portal da Secretaria de Turismo do Estado de Minas Gerais, como ponto de turismo. Ah, pena... Só consta.

(Façam uma visita virtual na entrada da Chácara das Uvas). A antiga venda, onde se pode ver por detrás do antigo prédio, se transformou em restaurante.

Fonte:Associação Nacional de Veteranos, 2007
Wikipédia
Conversas telefônicas com Solange Soler Bragança, Francisca Soler e Celia Ayres de Lima/Araujo, em 2016.
Jornal: O Patriota

Fotos: 
Arquivo privado da Família, Mercedes Ayres/Soler

domingo, 16 de abril de 2017

As águas (sobre) naturais de Caxambu e o misterioso triângulo luminoso



Em 1894, um raro fenômeno que teve a duração de 3 dias, provocou espanto atraindo muitos curiosos que passeavam pelo Parque. As fontes do Parque das Águas, no princípio chamadas de "Águas Virtuosas", popularmente conhecidas  também como "Águas milagrosas", deram o que falar desde a sua descoberta. O lugar foi amaldiçoado (disseram) pelos pobres lazarentos, os morféticos que banhavam suas feridas nas águas de Caxambu,  quando tiveram suas choupanas queimadas, em 1841, por ordem de um juiz de Baependi. A justificativa pelo radical ato, os acometidos de lepra estariam "espantando" outros doentes que procuravam cura pelas águas. O lugar era ainda  um pântano de difícil acesso, no sopé do Morro de Caxambu. (leiam mais sobre a história Morro de Caxambu clicando aqui). Então...

Uma miríade de pirilampos

Jornal do Comércio,1894

No parque das águas minerais desta Caxambu observou-se em noites de 2, 3 e 4 , numa quarta quinta e sexta feiras do corrente o interessante phenomeno da phosporescencência  que emanava cintilante do solo em uma zona triangular perfeitamente limitada, tendo por vértices as fontes sulfurosas e férrea e o portão N.E.

O phänomeno observado por grande número de pessoas oferecia um espectáculo deslumbrante. Parecia que myriades de pirilampos haviao por encanto surgido dos gramados e margens do Bengo, produzindo uma illuminação phantastica, vida e cambiante, por entre a qual passeavam os curiosos.

O sr. dr. Lacerda, chefe da comissão geográfica e geológica, de Minas Gerais, que se achava em Caxambu, organizando um observatório meteorológico, prometeu estudar o curioso phenomeno.

Levando esta notícias ao vosso jornal é meu único intuito despertar a atenção dos nossos especialistas para a prodigiosa localidade de Caxambu onde se realizam phenomenos de tão grande interesse para a sciencia e conhecimento das inexauríveis riquezas de nossa pátria.

De sobrenatural para natural

O fenômeno não tinha nada de sobrenatural, dedo de extra terrestre, nem foi causado pela praga jogada pelos acometidos de lepra, que frequentaram o lugar, no ano de 1840. A ciência explica. O fenômeno observado no parque pode ser o que os cientistas chamam de  fosforescência, um fenômeno químico ocasionando emissão de luz. A luminescência ou fosforescência é a conversão de uma reação química, em energia em forma em luz vivível.  Não esqueçamos  que do sub-solo do parque ha emanações de gases que com certeza contribuíram para o tal fenômeno, despertando o espanto e a  curiosidade do popular.

Fonte:
Publicado no Minas Gerais, 11 de maio de 1894.
Mapa:ARQUIVO HISTÓRICO DO EXÉRCIO (AHEX), DIVISÃO DE HISTÓRIA E ACESSO A INFORMAÇÃO (DHAI), na pessoa do Major Ferreira Junior, que prontamente dispôs vários mapas, inclusive este publicado no Blog da Família Ayres.

sábado, 8 de abril de 2017

Uma Caxambu de outro século. A humanidade na fase de pássaros


Hoje vamos recuperar uma história de vida, digo, de muitas vidas. Vidas nascidas, vividas, perdidas, pouco vividas...

A nossa história começa com o casamento de Maria José Ayres de Lima (1881-1946) com o português Ramiro Rodrigues Freitas (?-?), em 19 de fevereiro de 1898, fundando assim na Família Ayres o ramo dos"Rodrigues Freitas" (leiam aqui a história completa da origem da família Rodrigues Freitas).

Era outra época, era outro século. Ainda faltariam alguns anos para que Caxambu tivesse sua água encanada, suas ruas, pelo menos as do centro, calçadas e o bengo canalizado. Enquanto isso a população pobre ia sofrendo com as baixas condições de higiene  e consequente tornando-se vulneral às doenças que assolavam a cidade. A situação permaneceria crítica até o meados dos anos 20, quando Camilo Soares  assumiu a prefeitura de Caxambu (1910-1916), iniciando o processo de urbanização da cidade. O centro foi revitalizado, mas a periferia ficou para mais tarde. O bengo canalizado... Para além de 1.800 metros do centro da povoação, que digamos, era para turista ver ou não ver, porque no fundo do quintal de vó Mariquinha, ele corria como um esgoto a céu aberto. Os habitantes do Bairro Trançador, permaneceram por décadas sem água encanada, até que, em 1937, é publicada uma nota no Jornal O Patriota solicitando ao prefeito não os esquecerem e canalizar o "precioso líquido" até lá.

O vivo arquivo dos mortos

Escarafunchando os arquivos dos óbitos de Caxambu do inicio do século é que a realidade se descortina. Lá o escrivão, no caso o padre, fazia as últimas e derradeiras anotações sobre os falecidos, crianças, muitas delas! Aqui temos um verdadeiro retrato da herança do Brasil Colonial, das diferenças sociais, da triste vida que levava os seus cidadãos e os considerados “não cidadãos”, os negros ex-escravos, que morriam sem assistência médica.

Particularmente as crianças eram as primeiras vítimas. Nas anotações constavam a causa-mortis dos pequenos: "sem assistência", de pneumonia, meningite, gripe, sarampo, coqueluche, tétano no umbigo, tifo,  sifilis (!), cólera, sarna (sic) e males do intestino como diarréia, vermes intestinais, "Ataque de bichas" ou "catarro sufocante", assim escrito.  Uma onda de sarampo assolou a cidade de Caxambu, no ano de 1917. A gripe também ceifou muitas vidas. Vacinas? Médicos? Estes somente para atender aos veranistas que frequentavam as águas milagrosas.  Quem tivesse uma "urgência" deveria se dirigir a... Baependi, 5 quilômetros da povoação a cavalo ou carroça. Baependi, em termos de saúde, já tinha tomado a iniciativa da construção de um hospital. A Assembléia Provincial, em 1879, decretou orçamento para compra de um terreno para a sua construção. O hospital entraria em funcionamento por volta do ano de 1883. Os pacientes de Caxambu teriam que esperar "pacientemente" pela obra  do padre João de Deus (leiam aqui a sua biografia), a Santa Casa de Caxambu que foi inaugurada somente no ano de 1926.

Deus dá, Deus leva

As crianças  que nasciam eram consideradas mandadas por Deus.  Planejamento familiar e métodos contraceptivos eram palavras desconhecidas e a pílula  só começou a ser vendida no Brasil, em 1962.  Muitas das crianças nascidas no início do século, em Caxambu, não sobreveriam até o seu terceiro, quarto anos de vida, e os que tinham sorte de chegar à adolescência ou idade adulta eram braços ajudar a sustentar a casa e num futuro, "seguro na velhice" para os pais. Na família teve de tudo.

Caxambu teria seu Posto de Puericultura, isto é, Posto de atendimento à criança,  mas não em 1901. De urgência em urgência, a primeira perda na família Ayres/ Rodrigues de Freitas não foi por doença e sim por uma tragédia. A pequena Izabel, nascida em 1901 e batizada pela tia por afinidade Salviana Maria da Conceição, (casada com Cecílio José de Souza, irmão de José Trançador-filho) veio a  falecer em conseqüência de queimaduras, aos quase 2 anos de idade, em 21 de julho de 1903, sendo enterrada "por esmola", demonstrando o quão pobre era a família. O que teria acontecido? Acidente? Hoje não podemos recuperar mais a história.


Então houve uma grande "pausa" de 5 anos entre os nascimentos, na casa da tia-vó Mariquinha e tio-vô Ramiro e em 1911, nasce Joaquim Rodrigues, a alegria da família e que viveu somente 2 anos, vindo a falecer de gripe intestinal, em 10 de outubro de 1913.

No mesmo ano, quase 4 meses antes do pequeno Joaquim ser sepultado, nasce  Laura Rodrigues Freitas,  em 27 de julho de 1913. Ela também não sobreviveu a uma pneumonia dupla e faleceu, em 9 de novembro de 1915. Assim era, um filho chegava, outro ia...

Um ano passado da perda de Laura, nasce José Rodrigues Freitas, em 11 de dezembro de 1916 e vindo a falecer, dramaticamente, aos quatro anos, em 28 de abril de 1921, de "laringite estridulosa", isto é, uma laringite que pode ser provinda de uma gripe mau curada, levando o paciente a sufocação, devido ao bloqueio das vias respiratórias.

Haroldo Rodrigues Freitas foi o presente de Natal para a família. Ele  nasceu justamente no dia que o menino Jesus veio ao mundo, em 25 de dezembro 1922, mas a felicidade na família não durou. Ele faleceu aos 4 meses idade, em 16 de marco de 1923 de meningite. 

A casa solidária de vó Mariquinha

Mas a casa de vó Mariquinha não ficou sempre triste. Mesmo com perdas de filhos tão pequenos, e  uma grande família para sustentar, ela não exitou em ajudar a criar o sobrinho  João de Deus, filho de seu irmão Manoel José de Lima, quando perdeu os pais, nem outra menina, que até agora, não pudemos identificar o nome, mas eternizada na foto com um "não". Foi uma observação de quem guardou a foto para dizer que ela, não era da família. Na histórica foto, feita em Aparecida do Norte, em uma das visitas da família à Santa, a mão  de vó Mariquinha sobre o seu ombro demonstra o afeto para com a filha adotiva.

A humanidade na phase de pássaros

"Quem já viu o Parque das Águas em Caxambu, regorjitando de petizes como um viveiro encantado e um grande jardim, onde grassa a humanidade na sua phase de pássaro e flor, sente uma pena infinita dos meninos e meninas que nunca conheceram as delicias tão próprias daquelle éden infantil. (O Municipio, 1928). (1)

O médico e jornalista carioca Floriano Lemes frequentador da cidade, escreveu o que viu.  Para ele o universo caxambuense era o Parque das Águas, e as crianças viviam num verdadeiro paraíso. Da cidade era conhecido somente o seu centro. Sim, dissemos nós, crianças como pássaros que nasceram e voaram cedo para o céu.
A todos que se foram, nossas reverencias e lembranças.

Fonte:
(1) Campos, Raquel Discini in Um intelectual viajante: Floriano de Lemos no sertão paulista (1926-1930)/ Revista Brasileira de História.
Fotos:
Arquivo privado da Familia Rodrigues Freitas
Arquivos eclesiais de Baependi- Familia Search

quarta-feira, 5 de abril de 2017

Pelos caminhos de Minas/ Os arredores de Ayuruoca sob o olhar de Graça Pereira Silveira


de longe se vê  o comboio
das pedras de Ayuruoca
marchando para Pouso Alto
blocos de calcário
entre a Serra do Ausente 
e o Santo Agostinho*


Aproveitando a viagem  feita por uma Ayres/Rodrigues Freitas/Pereira nos arredores de Aiuruoca, Minas Gerais, queremos aqui lembrar como viveram os nossos antepassados. O seu modo de vida não estava muito longe das paisagens captadas pelo olhar de Graça. Assim foi.


Fotos: 
Arquivo privado de Graça Pereira Silveira
Poema: 
Eustaquio Gorgone in Ossos Naives

domingo, 2 de abril de 2017

Ringue de Patinação de Caxambu e o Kiosque à Musique/ Memórias dos anos de 1940




Numa tarde que anunciava chuva, o turista e jornalista cearense Martins Capistrano escreve suas memórias do Ringue de Patinação de Caxambu. O Blog da Família Ayres juntou para vocês o texto, a foto e a valsa. Coloquem som na caixa e deixem-se transportar para o ano de 1944, aliás para o Ringue de Patinação do Parque, como fez o autor, pensem naquele coreto lindo ao lado, tudo ao som de "Os patinadores".


"A embaladora e remansosa vausa de Waldteufiel, que tem rítmicos de evocação e de saudade, traz-me á lembrança, na tarde lira de junho, aquele belo ringue de patinação de Caxambu, onde assisti aos mais pitorescos espetáculos, quando a chuva de fevereiro dava uma trégua generosa aos veranistas da ridente estancia mineira.

Os patinadores deslizavam, placidamente, no chão de cimento cercado de grades acompanhando a música do alto-falante instalado num velho coreto do Parque das Águas. (Este alto falante - digamos entre parênteses - era a tortura matinal de muito aquático tresnoitado que não podia dormir depois das dez, porque espalhava seus sons gritantes a vários metros em torno  do harmonioso coreto...). Gente de fora e gente da terra confundiam-se no rinque, em evoluções de patinagem mais ou menos sensacionais. As rodinhas dos patins rangiam sob os pés nervosos que escorregavam no cimento e levavam, às vezes, os patinadores onde eles não queriam ir... 

Aquí, uma jovem, amparada por um professor eventual, perito na arte de patinar, aprendia a deslisar sobre rodas, lutando titanicamente para que as pernas compreendessem o seu esforço... Caía, levantava-se, limpava o pó ou a lama dos calções e novamente se entregava ao balante exercício, para rolar mais adiante, no cimento úmido, que recebia, de quando em quando, abraços e beijos imprevistos...

Os aprendizes de todos os sexos exibiam-se hilariante, no Rinque de Patinação de Caxambu, para um público ávido de emoções violentas que se comprimia em volta do gradil. O alto-falante do coreto revolvia, bucolicamente, as notas mansas de "Os patinadores", numa cadencia de valsa antiga. E os patinadores adestrados iam e vinham, voluptosamente, no rinque, fazendo curvas audaciosas, tirando retas, riscando o chão em acrobacias de circo. Aplaudidos, procuravam apresentar novas surpresas aqueles olhos curiosos que os seguiam com admiração e encantamento.

Os outros, os pobres principiantes, que caíam, que se agarravam às grades ou às mãos compassivas de algum patinador experimentado, mas não conseguiam firmar-se sobre as pernas desobedientes - esses apenas divertiam a assistência impiedosa. Lembro-me de um rapaz forte, espadaúdo, que levou uma tarde inteira a tentar evoluir com seus companheiros ao compasso da falta de Waudteufiel. E, enquanto deslizava pelo cimento, tombando aqui, erguendo-se ali, derribando acolá um patinador desprevenido, abria a boca e punha a língua de foram, mordia os lábios, arregalava os olhos, contra o rosto em mil caretas e momices engraçado sitiam, que desopilavam o fígado de toda aquela gente reunida junto ao rinque. Impertubável, persistente, espetacular na tarde cinza, sob um céu melancólico e nevomento, que anunciava chuva ou tempestade...

Foi uma tarde memorável, aquela de Caxambu. Meu dileto amigo Claudio Campo, de São Paulo, não encontrou patins para alugar, o que causou grande alegria a sua área esposa, que preferia olhar os outros patinando e ter ao lado o companheiro para não vê-lo amparar, bondosamente, alguma patinadora galante, no rinque florido de sorrisos privarerís...

Agora, nesse suave entardecer de  junho, sentindo o perfume das rosas de meu jardim e ouvindo a harmonia sutil da música de "Os patinadores", evoco, enternecido, aquela dança dos patins, que esta, inteirinha dentro da valsa romântica, sentimental de Waldteufiel..."

Ah! O quiosque que o autor se refere era mesmo chamado "Kiosque à Musique" (1), importado da Bélgica. Não era tudo muito chique?

Fonte:
Reprodução do texto escrito por Martins Capistrano, na Revista Fon-Fon, Rio de Janeiro, 22 de junho de 1940 (1).
(2) Patrimônio Belga no Brasil
Foto:
Ringue de Patinação, 1944, Arquivo Municipal de Caxambu.
Projeto do Coreto IEPHA (1)