domingo, 2 de abril de 2017

Ringue de Patinação de Caxambu e o Kiosque à Musique/ Memórias dos anos de 1940




Numa tarde que anunciava chuva, o turista e jornalista cearense Martins Capistrano escreve suas memórias do Ringue de Patinação de Caxambu. O Blog da Família Ayres juntou para vocês o texto, a foto e a valsa. Coloquem som na caixa e deixem-se transportar para o ano de 1944, aliás para o Ringue de Patinação do Parque, como fez o autor, pensem naquele coreto lindo ao lado, tudo ao som de "Os patinadores".


"A embaladora e remansosa vausa de Waldteufiel, que tem rítmicos de evocação e de saudade, traz-me á lembrança, na tarde lira de junho, aquele belo ringue de patinação de Caxambu, onde assisti aos mais pitorescos espetáculos, quando a chuva de fevereiro dava uma trégua generosa aos veranistas da ridente estancia mineira.

Os patinadores deslizavam, placidamente, no chão de cimento cercado de grades acompanhando a música do alto-falante instalado num velho coreto do Parque das Águas. (Este alto falante - digamos entre parênteses - era a tortura matinal de muito aquático tresnoitado que não podia dormir depois das dez, porque espalhava seus sons gritantes a vários metros em torno  do harmonioso coreto...). Gente de fora e gente da terra confundiam-se no rinque, em evoluções de patinagem mais ou menos sensacionais. As rodinhas dos patins rangiam sob os pés nervosos que escorregavam no cimento e levavam, às vezes, os patinadores onde eles não queriam ir... 

Aquí, uma jovem, amparada por um professor eventual, perito na arte de patinar, aprendia a deslisar sobre rodas, lutando titanicamente para que as pernas compreendessem o seu esforço... Caía, levantava-se, limpava o pó ou a lama dos calções e novamente se entregava ao balante exercício, para rolar mais adiante, no cimento úmido, que recebia, de quando em quando, abraços e beijos imprevistos...

Os aprendizes de todos os sexos exibiam-se hilariante, no Rinque de Patinação de Caxambu, para um público ávido de emoções violentas que se comprimia em volta do gradil. O alto-falante do coreto revolvia, bucolicamente, as notas mansas de "Os patinadores", numa cadencia de valsa antiga. E os patinadores adestrados iam e vinham, voluptosamente, no rinque, fazendo curvas audaciosas, tirando retas, riscando o chão em acrobacias de circo. Aplaudidos, procuravam apresentar novas surpresas aqueles olhos curiosos que os seguiam com admiração e encantamento.

Os outros, os pobres principiantes, que caíam, que se agarravam às grades ou às mãos compassivas de algum patinador experimentado, mas não conseguiam firmar-se sobre as pernas desobedientes - esses apenas divertiam a assistência impiedosa. Lembro-me de um rapaz forte, espadaúdo, que levou uma tarde inteira a tentar evoluir com seus companheiros ao compasso da falta de Waudteufiel. E, enquanto deslizava pelo cimento, tombando aqui, erguendo-se ali, derribando acolá um patinador desprevenido, abria a boca e punha a língua de foram, mordia os lábios, arregalava os olhos, contra o rosto em mil caretas e momices engraçado sitiam, que desopilavam o fígado de toda aquela gente reunida junto ao rinque. Impertubável, persistente, espetacular na tarde cinza, sob um céu melancólico e nevomento, que anunciava chuva ou tempestade...

Foi uma tarde memorável, aquela de Caxambu. Meu dileto amigo Claudio Campo, de São Paulo, não encontrou patins para alugar, o que causou grande alegria a sua área esposa, que preferia olhar os outros patinando e ter ao lado o companheiro para não vê-lo amparar, bondosamente, alguma patinadora galante, no rinque florido de sorrisos privarerís...

Agora, nesse suave entardecer de  junho, sentindo o perfume das rosas de meu jardim e ouvindo a harmonia sutil da música de "Os patinadores", evoco, enternecido, aquela dança dos patins, que esta, inteirinha dentro da valsa romântica, sentimental de Waldteufiel..."

Ah! O quiosque que o autor se refere era mesmo chamado "Kiosque à Musique" (1), importado da Bélgica. Não era tudo muito chique?

Fonte:
Reprodução do texto escrito por Martins Capistrano, na Revista Fon-Fon, Rio de Janeiro, 22 de junho de 1940 (1).
(2) Patrimônio Belga no Brasil
Foto:
Ringue de Patinação, 1944, Arquivo Municipal de Caxambu.
Projeto do Coreto IEPHA (1)

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