Numa tarde que anunciava chuva, o turista e jornalista cearense Martins Capistrano escreve suas memórias do Ringue de Patinação de Caxambu. O Blog da Família Ayres juntou para vocês o texto, a foto e a valsa. Coloquem som na caixa e deixem-se transportar para o ano de 1944, aliás para o Ringue de Patinação do Parque, como fez o autor, pensem naquele coreto lindo ao lado, tudo ao som de "Os patinadores".
"A embaladora e remansosa vausa de Waldteufiel, que tem rítmicos de evocação e de saudade, traz-me á lembrança, na tarde lira de junho, aquele belo ringue de patinação de Caxambu, onde assisti aos mais pitorescos espetáculos, quando a chuva de fevereiro dava uma trégua generosa aos veranistas da ridente estancia mineira.
Os patinadores deslizavam, placidamente, no chão de cimento cercado de grades acompanhando a música do alto-falante instalado num velho coreto do Parque das Águas. (Este alto falante - digamos entre parênteses - era a tortura matinal de muito aquático tresnoitado que não podia dormir depois das dez, porque espalhava seus sons gritantes a vários metros em torno do harmonioso coreto...). Gente de fora e gente da terra confundiam-se no rinque, em evoluções de patinagem mais ou menos sensacionais. As rodinhas dos patins rangiam sob os pés nervosos que escorregavam no cimento e levavam, às vezes, os patinadores onde eles não queriam ir...
Aquí, uma jovem, amparada por um professor eventual, perito na arte de patinar, aprendia a deslisar sobre rodas, lutando titanicamente para que as pernas compreendessem o seu esforço... Caía, levantava-se, limpava o pó ou a lama dos calções e novamente se entregava ao balante exercício, para rolar mais adiante, no cimento úmido, que recebia, de quando em quando, abraços e beijos imprevistos...
Os aprendizes de todos os sexos exibiam-se hilariante, no Rinque de Patinação de Caxambu, para um público ávido de emoções violentas que se comprimia em volta do gradil. O alto-falante do coreto revolvia, bucolicamente, as notas mansas de "Os patinadores", numa cadencia de valsa antiga. E os patinadores adestrados iam e vinham, voluptosamente, no rinque, fazendo curvas audaciosas, tirando retas, riscando o chão em acrobacias de circo. Aplaudidos, procuravam apresentar novas surpresas aqueles olhos curiosos que os seguiam com admiração e encantamento.
Os outros, os pobres principiantes, que caíam, que se agarravam às grades ou às mãos compassivas de algum patinador experimentado, mas não conseguiam firmar-se sobre as pernas desobedientes - esses apenas divertiam a assistência impiedosa. Lembro-me de um rapaz forte, espadaúdo, que levou uma tarde inteira a tentar evoluir com seus companheiros ao compasso da falta de Waudteufiel. E, enquanto deslizava pelo cimento, tombando aqui, erguendo-se ali, derribando acolá um patinador desprevenido, abria a boca e punha a língua de foram, mordia os lábios, arregalava os olhos, contra o rosto em mil caretas e momices engraçado sitiam, que desopilavam o fígado de toda aquela gente reunida junto ao rinque. Impertubável, persistente, espetacular na tarde cinza, sob um céu melancólico e nevomento, que anunciava chuva ou tempestade...
Foi uma tarde memorável, aquela de Caxambu. Meu dileto amigo Claudio Campo, de São Paulo, não encontrou patins para alugar, o que causou grande alegria a sua área esposa, que preferia olhar os outros patinando e ter ao lado o companheiro para não vê-lo amparar, bondosamente, alguma patinadora galante, no rinque florido de sorrisos privarerís...
Agora, nesse suave entardecer de junho, sentindo o perfume das rosas de meu jardim e ouvindo a harmonia sutil da música de "Os patinadores", evoco, enternecido, aquela dança dos patins, que esta, inteirinha dentro da valsa romântica, sentimental de Waldteufiel..."
Ah! O quiosque que o autor se refere era mesmo chamado "Kiosque à Musique" (1), importado da Bélgica. Não era tudo muito chique?
Ah! O quiosque que o autor se refere era mesmo chamado "Kiosque à Musique" (1), importado da Bélgica. Não era tudo muito chique?
Fonte:
Reprodução do texto escrito por Martins Capistrano, na Revista Fon-Fon, Rio de Janeiro, 22 de junho de 1940 (1).
(2) Patrimônio Belga no Brasil
Foto:(2) Patrimônio Belga no Brasil
Ringue de Patinação, 1944, Arquivo Municipal de Caxambu.
Projeto do Coreto IEPHA (1)
Lindo demais recordaram isto...
ResponderExcluirEu sou de 52 mas me lembro do ringue, era maravilhoso ir no parque
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