sábado, 22 de abril de 2023

Os primeiros dentistas de Caxambu


E quem não conhece o mais famoso dentista do Brasil, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, um dos líderes da Inconfidência Mineira? Mas tenho certeza que vocês não sabem quem foram os primeiros dentistas da povoação de Caxambu, ah, isso não. Então vamos a eles!

"Todos os serviços pertencentes à arte dentária, assim como chapas para endireitar deformidades de dentes, ou da abóbada platina, separação dos dentes, limpeza dos mesmos, etc, etc, tudo fará pelo preço mais razoável possível."

Esse foi o primeiro anúncio de um dentista na povoação das Águas de Caxambu, mas provavelmente o local já teria sido visitado por outros profissionais, ou melhor, por outros que, além de cortar cabelo, extraíam dentes, pois os primeiros a tratar dos dentes, antes dos dentistas, foram os... barbeiros.

A história da odontologia no Brasil

Em 17 de junho de 1782, a Coroa portuguesa promulgou uma lei para melhor fiscalizar as colônias e criou a Real Junta do Protomedicato. Para obter licença, os candidatos a dentistas, ou melhor, "pessoas que tirassem dentes", tinham que passar por uma comissão constituída de sete deputados, sim deputados!, médicos ou cirurgiões e obtinham a licença por três anos. Faculdade de odontologia? Qual! Os candidatos aprendiam o ofício com alguém mais experiente, trabalhando com o mestre por dois anos; depois eram submetidos a um exame perante o cirurgião de Minas Gerais e dois outros profissionais. Aprovados, eram-lhes concedidas as licenças.

Em 7 de outubro de 1809, é abolida a Real Junta do Protomedicato, e a responsabilidade de aprovação dos candidatos a arrancar dentes ficou a cargo do físico-mor e do cirurgião-mor, que exerciam o controle da medicina e da farmácia na província. Em 1828, dom Pedro I suprimiu o cargo de cirurgião-mor, e as funções passaram a ser exercidas pelas câmaras municipais e justiças ordinárias. Em 1850 estabeleceu-se a Junta de Higiene em substituição à fiscalização exercida pelas câmaras municipais, o que possibilitou o avanço das práticas medicinais. O decreto de 1879 que criou os cursos de odontologia determinava que esses ficassem anexos a faculdades de medicina e farmácia, obstetrícia e ginecologia. Dois anos mais tarde, outro decreto regulamentou os exames das faculdades de medicina. Os que se habilitavam para o exercício da profissão passariam por provas mais criteriosas, melhorando assim o atendimento aos pacientes.

Os dentistas em Caxambu

À medida que Caxambu foi ganhando fama, com a visita dos membros da Corte Real e a propalada cura da infertilidade da Princesa Izabel, vieram médicos e dentistas que atendiam  principalmente nos hotéis. Alguns deles demoravam um pouco mais, aproveitando a estação de águas e... tratando das bocas. Há registros de que, em 1884, Baependi havia concedido licenças para o exercício da profissão de dentista, arrecadando 50$000 réis para aos cofres municipais. Os dentistas em questão atuavam em Caxambu. Não podemos esquecer que a povoação estava administrativamente subordinada a Baependi. 

O primeiro a se instalar nas Águas do Caxambu, ou na Paróquia Nossa Senhora dos Remédios foi Joaquim Nunes de Moreira Paranhos que, em 1872, residia em São Vicente Ferraz, município de Aiuruoca, caminho alternativo da Estrada Real,  e fez um seguro de vida no Banco Rural Hipotecário, com sede no Rio de Janeiro, no valor de 1:500$000 reis. Ele tinha começado a exercer a profissão em 1867, portanto, tinha quase nove anos de prática dentária antes de se mudar para a povoação do Caxambu. Ele publicou anúncio no jornal O Baependiano em 1878, colocando-se  à disposição dos clientes como dentista. As razões de sua fixação na povoação foram mais pragmáticas: problemas de saúde causaram-lhe dificuldades para se locomover.

Pela descrição detalhada dos serviços que oferecia, parece que era mesmo um especialista habilitado com conhecimentos das últimas técnicas no tratamento das bocas. Alguns dos procedimentos e materiais empregados pelo dr Joaquim Nunes são usados até hoje na medicina dentária. Vejamos:

A colocação de dentes "em base de ouro" ficava por 10$000 cada um. Poderia ser também com base de vulcanite, um composto inventado em 1848 que combinava borracha com enxofre e que foi usado até 1940 para  confecção de próteses dentárias. Um pivô com esse material custava 5$000 reis. Já as obturações a base de amálgama custavam 2$000 cada dente, e as em ouro ficavam entre 5$000 e 15$000 réis. Restaurações a ouro: de 20 a 20$000. No anúncio lê-se que o profissional oferecia "Todos os serviços pertencentes à arte dentaria, assim como chapas para endireitar deformidades de dentes, ou da abobada platina, separação dos dentes, limpeza dos mesmo, etc, etc.: tudo para pelo preço mais razoável possível." 

Extrações de dentes ou de raízes custavam 2$000. E... as extrações "pelo sistema anestésico" a 2$ réis cada um. O que seria "sistema anestésico"? Cocaína, minha gente! A descoberta das propriedades anestésicas da cocaína pelo oftalmologista vienense Carl Köller em 1884 foi  um alívio para aqueles que tinham os seus dentes arrancados. Aplicada sobre a gengiva, produzia a insensibilidade. Esse procedimento também já era conhecido pelo nosso dentista e executado em sua práxis.

Além dos serviços profissionalíssimos acima, o dentista também oferecia aos seus clientes, hospedagem, comida e pasto para os animais, para aqueles que vinham de longe se tratar na povoação. Uau! Então era até bom negócio tratar dos dentes com ele. No ano de 1884, seu anúncio indicava que ele tinha fixado residência na freguesia vizinha de Conceição do Rio Verde.

Da feira de muares de Sorocaba para Caxambu

Mas os dentistas nem sempre fixavam residência como Joaquim Nunes. Uma parte deles fazia o seu trabalho itinerante. No início de maio de 1887, esteve em Caxambu José Carlos de Godoy Bueno, que se hospedou na casa do amigo Manoel Ferreira de Carvalho. Segundo ele, tinha prática de 22 anos de profissão, adquiridas em oito províncias do Império. De fato. O trabalho itinerante de Godoy se evidencia quando, no final de maio de 1885, portanto dois anos antes, estava registrado na Feira de Muares de Sorocaba, para onde convergiam comerciantes de animais vindos dos mais diferentes pontos do país. A feira era o grande acontecimento anual da região Sudeste e atraía todo tipo de profissionais itinerantes, fazendo visitas periódicas à população, principalmente nos meses de maior temporada. Faziam parte dos profissionais, além dos tocadores de instrumentos musicais, retratistas, relojoeiros e... dentistas, que proporcionavam os seus serviços aos que acompanhavam o movimento de tropas e tropeiros.
 
João Jacinto de Aguiar Borges consta no Almanach Sul-Mineiro, edição 1874-1884. Um outro dentista que consta no almanaque era João Jacques Doublé. Ele exercia múltiplas atividades. Era dono do bilhar e fabricava vinho; proprietário do Hotel Doublé, também exercia a profissão de... dentista. Vá saber! 

Parece que os hotéis de Caxambu serviam de base para que os dentistas atendessem os seus clientes. Assim, em novembro de 1887, o cirurgião-dentista José Martins de Oliveira Campos, residente na Corte, isto é, no Rio de Janeiro, em estada na povoação, publica um anúncio oferecendo os seus serviços, "attendendo a chamados por escripto". Ele volta à Caxambu em 1889 e se hospeda no mesmo hotel, o João Carlos, onde se dispunha a "recebe[r] chamados para fora", isto é, atendia clientes das localidades ao redor. Ele era especialista em obturações a ouro. O hotel João Carlos ficava situado de frente para a praça 16 de Setembro. 

Havia também outro candidato a dentista na cidade, Joaquim Juvêncio D'Assunção, que tinha acabado de se instalar no Hotel Ferreira, que, parece, tinha tradição de receber dentistas e seus clientes.

Em 1889, José Domingues Bastos põe anúncio jornal indicando também o Hotel Ferreira como lugar de sua práxis. Nascido no Rio de Janeiro, onde cursou medicina, foi concluir seus estudos na Escola de Farmácia de Ouro Preto. De passagem por Caxambu, ainda no início de sua carreira, Domingues Bastos oferece seus serviços como dentista. Ele também atendia em Baependi na casa da familia Motta.

E na vizinha Carmo de Minas...

Os cursos oficias de odontologia tiveram início imediatamente após o decreto de 1884, assinado por dom Pedro II, que criou condições legais para a institucionalização das práticas odontológicas. Em 1891, a Bahia deu início à sua, com instalação de laboratórios de cirurgia e próteses dentárias; em 1882,  já estava em funcionamento o curso, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro; em outubro de 1898, a Escola de Odontologia de Porto Alegre; em 1901, São Paulo, e em 1904, foi fundada a Escola de Farmácia e Odontologia de Juiz de Fora. Interessantemente uma das primeiras escolas de Odontologia do Sul de Minas foi fundada em 1911, na vizinha Silvestre Ferraz, hoje Carmo de Minas.

Década  de 1930/1940

Com o passar dos anos, com as novas técnicas, o tratamento dentário foi se transformando e podemos acompanhar sua evolução, lendo os anúncios dos jornais. No início eram "extração", passando para "tratamento". 

Nas décadas de 1930-1940, estavam listados os seguintes dentistas na cidade: Humberto Maciel Fortes, um baependiense que residia e clinicava em Caxambu; Michel Jamal e Odilon Dias Leite. Do doutor Michel Jamal podemos dizer que era conhecido de nossa família. Seu consultório, em frente à igreja matriz, era o melhor lugar para assistir ao Descimento da Cruz na Sexta-feira da Paixão.
Lembra também Roberto Mendes Paiva que além do doutor Michel Jamal, que ele considerava excelente pessoa e fiel colega, também clinicaram na cidade o doutores Horácio, Nagib Abrahão, Ninam, todos eles das décadas de 40 e 50, José Felizalle, de Baependi, mas que tinha consultório em Caxambu. Cumprimentos a todos eles e... obrigado Roberto por nos ajudar a completar os nomes da nossa coleção de cidadãos que serviram a nossa cidade.
 
Fonte:
BADDINI, Cassia Maria in Sorocaba no Império: comércio de animais e desenvolvimento urbano.
Museu de História da Medicina do Rio Grande do Sul.
O Baependiano
Wikipédia
Núcleo de Pesquisas Histórias de Camaqua.
O Patriota
O Correio Paulistano, 1887
História da odontologia no Brasil, in SOERGS, Sindicato dos Odontolistas do Estado do Rio Grande do Sul.
Annuário de Minas Geraes: Estatistica, História, Chorographia, Finanças, Variedades, Biografia, Literatura e Indicações (MG), 1906 a 1913.
Drumont, Ivan, in Faculdade de Odontologia da UFMG faz 110 anos lapidando saúde e os sorrisos.
Foto: 
O Baependiano
Solange Ayres
Agradecimentos:
Julio Jeha, sempre