sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Joaquim Roque, o jardineiro e suas estórias fantásticas

Milharal plantado por Joaquim Roque
no pomar de vó Gervásia.
Seu Joaquim Roque fez parte do universo de nossa família, tanto na roça, onde moravam Justiniana e Sabina, que ele chegou a conhecer e conviver, quanto na cidade, quando nos meses de novembro, dezembro vinha cuidar da horta da vó Gervásia, administrada pelo tio Silvio, capinando, plantando milho e confeccionando cercas de bambus intransponíveis, uma verdadeira obra de arte, da qual Janice Drumont e eu presenciamos.
Com vocês Janice e suas, nossas lembranças:

Conta! Conta, seu Joaquim! 

Margaridas sendo plantadas, beirando a cerca da casa do eletricista Luiz (também chamado "porsuavêz", fato a ser esclarecido em outra história). Crianças rodeando aquele velhinho negro, papai noel antítese do tradicional, muito negro, rosto marcado pela varíola, estatura mínima, mãos ultra calejadas. Ele focado no serviço, a gente criança, a infernizar a vida dele, rei da paciência, pedagogo prático. Conta! conta! seu Joaquim... e ele: não sei não, depois vocês vão ficar com medo.... conta seu Joaquim , conta!!!!!

E ele: Antes de vir pra cá, trabalhei numa fazenda. Mas era uma fazenda enorme, muito velha. O dono, que era viúvo e também velho, toda noite me mandava fazer uma fogueira no patio e dizia que era pra espantar coisa ruim. E era eu quem também buscava a lenha. E toda vez que ia buscar, passava longe da capoeira porque já tinha visto uns barulhos esquisitos que sempre vinham de la. Não sabia se era saci, mas coisa boa que não era... Aí teve um dia que enquanto catava a lenha, ouvi uns gritos tão altos que parecia alma penada morrida no fogo. Sai correndo e voltei sem a lenha. E o patrão ficou zangado, foi dormir preocupado e ainda me disse. Se acontecer alguma coisa a culpa é sua. Fiquei com medo mas tinha que ir dormir, então fui.

La pelas tantas, a noite já ia alta, começou o barulho no corredor. Um barulho de chinelos que arrastavam ( e ele fazia o som: "shiac shiac"), que iam e vinham pelo corredor afora. Na casa não tinha mais ninguém, só eu e nhô Lau e nhô Lau, nunca vi de chinelo... Quando os passos chegaram bem perto da porta do quartinho que eu dormia, o barulho parou... Eu sabia que tinha alguém ali, mas nem por deus que eu ia querer saber quem era. Daí a pouco la ia o chinelinho e voltava. E tornava a parar na minha porta. E foi a noite inteira assim, e eu rezando o "creindeuspai" e fazendo o sinal da cruz (e ele explicava pra gente como era a oração "creio em deus pai, todo poderoso, criador do céu e da terra..." e desenhava no corpo o sinal da cruz).

La pelas tantas, já com o dia quase pra amanhecer, peguei coragem e quando o chinelinho parou na porta, gritei: é o senhor nhô Lau. E nada... ninguém respondeu. Nasceu o sol e ainda custei a sair do quarto de tanto medo que fiquei. Na cozinha encontrei nhô Lau tomando cafe. Perguntei quem estava passeando a noite no corredor e ele me disse: ninguém Joaquim, a falecida que ficou brava com a falta da lenha, que a fogueira que faço todo dia é pra dar a ela um pouco de luz coitada. Ela tinha um monte de pecado então não conseguiu ir para um bom lugar e o capeta que vigia ela, mora la na capoeira. E a historia parava aí...

E a gente: o que o senhor fez seu Joaquim? E ele: Eu minha fia? Eu tô é aqui!!! arrumei correndo minhas trouxas e vim parar aqui. E não passo mais por la de jeito nenhum. Vocês que ficam aí embrenhando no mato, nas beiras do Bengo, que tomem cuidado... que tem muita coisa por ai que a gente nem sabe o que é.
KKKKKK Imagina o medão da meninada!!!!!!!

"Conto Caxambuense ou a História do jardineiro Joaquim Roque (filho de escravos) para arquivo da família Ayres Solange Ayres"

Este texto foi escrito por Janice Drumont, vizinha de frente da casa da vó Gervásia, na antiga Rua Magalhães Pinto, a qual ela chamava de "vó Juruva", e que a considerava como vó "por ser minha vó antes mesmo de eu saber falar".
À nossa infância... 

Foto: Meu padrinho Jorge, que sempre vinha me visitar no mês de janeiro, data do meu aniversário, 1965.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Lei do Ventre Livre


A Princesa Imperial Regente, em nome de S. M. o Imperador e Sr. D. Pedro II, faz saber a todos os cidadãos do Império que a Assembléia Geral decretou e ela sancionou a lei seguinte:


Art. 1.º - Os filhos de mulher escrava que nascerem no Império desde a data desta lei serão considerados de condição livre.


§ 1.º - Os ditos filhos menores ficarão em poder o sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão a obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá opção, ou de receber do Estado a indenização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos. No primeiro caso, o Govêrno receberá o menor e lhe dará destino,em conformidade da presente lei.


§ 6.º - Cessa a prestação dos serviços dos filhos das escravas antes do prazo marcado no § 1°. se por sentença do juízo criminal reconhecer-se que os senhores das mães os maltratam, infligindo-lhes castigos excessivos.


Art. 2.º - O govêrno poderá entregar a associações, por êle autorizadas, os filhos das escravas, nascidos desde a data desta lei, que sejam cedidos ou abandonados pelos senhores delas, ou tirados do poder dêstes em virtude do Art. 1.º- § 6º.


§ 1.º - As ditas associações terão direito aos serviços gratuitos dos menores até a idade de 21 anos completos, e poderão alugar êsses serviços, mas serão obrigadas:


1.º A criar e tratar os mesmos menores;


2.º A constituir para cada um dêles um pecúlio, consistente na quota que para êste fim fôr reservada nos respectivos estatutos;-


3.º A procurar-lhes, findo o tempo de serviço, apropriada colocação.


§ 2.º - A disposição dêste artigo é aplicável às Casas dos Expostos, e às pessoas a quem os juízes de órfãos encarregarem da educação dos ditos menores, na falta de associações ou estabelecimentos criados para tal fim.


§ 4.º - Fica salvo ao Govêrno o direito de mandar recolher os referidos menores aos estabelecimentos públicos, transferindo-se neste caso para o Estado as obrigações que o § 1.º impõe às associações autorizadas.


Art. 3.º - Serão anualmente libertados em cada província do Império tantos escravos quantos corresponderem à quota anualmente disponível do fundo destinado para a emancipação...


Art. 4.º - É permitido ao escravo a formação de um pecúlio com o que lhe provier de doações, legados e heranças, e com o que, por consentimento do senhor, obtiver do seu trabalho e economias. O govêrno providenciará nos regulamentos sôbre a colocação e segurança do mesmo pecúlio.


§ 1.º - Por morte do escravo, a metade do seu pecúlio pertencerá ao cônjuge sobrevivente, se o houver, e a outra metade se transmitirá aos seus herdeiros, na forma da lei civil. Na falta de herdeiros o pecúlio será adjudicado ao fundo de emancipação, de que trata o art. 3.º..


§ 4.º - O escravo que pertencer a condôminos e fôr libertado por um dêstes, terá direito a sua alforria indenizando os outros senhores da quota do valor que lhes pertencer. Esta indenização poderá ser paga com serviços prestados por prazo não maior de sete anos...


§ 7.º - Em qualquer caso de alienação ou transmissão de escravos, é proibido, sob pena de nulidade, separar os cônjuges e os filhos menores de doze anos do pai ou da mãe.


§ 8.º - Se a divisão de bens entre herdeiros ou sócios não comportar a reunião de uma família, e nenhum dêles preferir conservá-lo sob seu domínio, mediante reposição da quota, ou parte dos outros interessados, será a mesma família vendida e o seu produto rateado...


Art. 6.º - Serão declarados libertos:


§ 1.º - Os escravos pertencentes à nação, dando-lhes o govêrno a ocupação que julgar conveniente.


§ 2.º - Os escravos dados em usufruto à Coroa.


§ 3.º - Os escravos das heranças vagas.


§ 4.º - Os escravos abandonados por seus senhores. Se êstes os abandonarem por inválidos, serão obrigados a alimentá-los, salvo o caso de penúria, sendo os alimentos taxados pelo juiz de órfãos.


§ 5.º - Em geral, os escravos libertados em virtude desta lei ficam durante 5 anos sob a inspeção do govêrno. Êles são obrigados a contratar seus serviços sob pena de serem constrangidos, se viverem vadios, a trabalhar nos estabelecimentos públicos. Cessará, porém, o constrangimento do trabalho, sempre que o liberto exigir contrato de serviço.


Art. 8.º - O Govèrno mandará proceder à matrícula especial de todos os escravos existentes do Império, com declaração do nome, sexo, estado, aptidão para o trabalho e filiação de cada um, se fôr conhecida.


§ 1.º - O prazo em que deve começar e encerrar-se a matrícula será anunciado com a maior antecedência possível por meio de editais repetidos, nos quais será inserta a disposição do parágrafo seguinte.


§ 2.º - Os escravos que, por culpa ou omissão dos interessados não forem dados à matrícula, até um ano depois do encerramento desta, serão por êste fato considerados libertos.


§ 4.º - Serão também matriculados em livro distinto os filhos da mulher escrava, que por esta lei ficam livres. Incorrerão os senhores omissos, por negligência, na multa de 100$000 a 200$000, repetidas tantas vêzes quantos forem os indivíduos omitidos, e por fraude nas penas do ari. 179 do código criminal.


§ 5.º - Os párocos serão obrigados a ter livros especiais para o registro do nascimento e óbitos dos filhos de escravas, nascidos desde a data desta lei. Cada omissão sujeitará os párocos à multa de 100$000.


Art. 9.º - O Govêrno em seus regulamentos poderá impor multas até 100$000 e penas de prisão simples até um mês.


Art. 10º - Ficam revogadas as disposições em contrário. Manda, portanto, a tôdas as autoridades a quem o conhecimento e execução da referida lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contém. O Secretário de Estado de Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas a faça imprimir, publicar e correr.


Dada no Palácio do Rio de Janeiro, aos 28 de setembro de 1871, 50.º da Independência e do Império


Princesa Imperial Regente

Sabina Maria da Conceição

Foto: Amauri Soares Moreira, Capela de Santo
Antonio do Piracicaba, 2013.
Em 1° de marco, na Capela de Piracicaba, no fim do tempo das águas, num dia de céu azul anil em 1865, já passados  6 meses, de seu nascimento o reverendo José Eduardo Honorato da Silveira batizou e poz os santos óleos em Sabina, vinda ao mundo em 30 de setembro de 1864, filha natural  de Justiniana Maria da Conceição, escrava de João Ferreira Simões.
Os padrinhos foram os irmãos  José Ignacio de Lima e Silva e aqui biografada Virgolina Balbina de Lima , a madrinha de todos e todas, descoberta em julho de 2015 que era fora filha de João José de Lima e Silva.

Sabina como consta na certidão era filha "natural", isto é, o pai não era conhecido e se as teorias de tia Célia estiverem certas, Justiniana engravidou-se do feitor da fazenda, até agora desconhecido.


Infelizmente não podemos virar a ampuleta do tempo e recompor os fatos, então somos obrigados a nos ater às informações fornecidas pelos registros de batismo, casamento e óbito e pelas preciosas informações fornecidas oralmente por Célia Araujo de Lima, a filha caçula de Gervásia.

O certo contava mais tarde sua filha Gervásia da Conceição, que Sabina sua mãe cresceu uma moça muito bonita. Ela era uma típica mistura  de sangue de português com africano, como grande parte da população brasileira também originada deste caldeirão cultural da miscigenação forçada ou não das raças. Sendo assim Sabina foi desejada  por muitos e aconteceu a primeira gravidez aos 17 anos.

Todos filhos dela foram registrados como "naturais", como dito, ou o pai nao era conhecido, ou a mãe não era casada. Diante das pesquisas e fatos confrontados com a nossa maior biblioteca familiar, Célia Ayres, a tia Célia, chegamos a conclusão que Gervásia Maria da Conceição foi fruto da união de Sabina com Bernardino Lopes de Faria, casado com Eliza Ferreira Simões, filha de Joao  Ferreira Simões e era quem comandava o plantel de escravos do sogro.
E seus avós por parte de pai, por tortos caminhos, eram então Virgolina Balbina de Lima e Francisco Bernardino de Faria.

Ouvia-se falar na família Ayres anos mais tarde, que o nascimento dos filhos de Sabina, foram considerados na família dos Lopes de Faria como um "acidente de percurso" e claro, ninguém queria falar mais no assunto. O fato é que Gervásia foi batizada, se os indícios estão certos, pelo seu próprio pai, Bernardino Lopes de Faria. E não por acaso seu outro irmão foi batizado com o sobrenome de Josino Lopes de Faria.

Filhos de Sabina com Bernardino Lopes de Faria (suposição)
Josino Lopes de Faria(1883-?),
Eduardo Lopes dos Santos (1884-?),
Luizapelidado de Nego (?-?)
Manoel (Lopes de Faria?) (1887-?)

O home do saco




Sabina viveu uma segunda união com José Luiz de Castro, conhecido como... "Ze do Saco" já em Caxambu, onde é hoje o bairro "Caxambu Velho".  O apelido incomum é confirmado na certidão de casamento, vide ao lado, de José Ribeiro e Rita Candida, ele como testemunha, sacramentado pelo Monsenhor José João de Deus. Até hoje não  sabemos porquê ele se chamava assim.

Relatos do tio Samuel por telefone ha dois anos passados, me contava que Sabina, ajudada por Gervásia,  ia de tempos em tempos buscar no matadouro municipal, localizado no hoje bairro Santa Rita, em Caxambu, banha de porco para preparar a comida. Mas antes a banha tinha que ser aquecida e líquida colocada em latas para conservar e  posteriormente ser consumida. Nesse dia era dia de trabalho no Caxambu Velho. 

Os filhos de Sabina Maria da Conceição e José Luiz de Castro:
José de Castro (1896-?),
Maria de Castro(?-?),
João de Castro ( 1898-?),
Alzira de Castro (1904-?),

Os filhos de  pais não conhecidos

Sabina Maria/ Diório (1900-?),
Joaquim da Conceição ( 1901),
Antonio da Conceição (1903-?)

As Sabinas

Sabina foi mãe de Sabina que se casou com João Diório, originando o ramo da Família Diório, mas esta já é outra história e esta ainda para ser escrita.

Sabina ainda  teve dois irmãos e uma irmã:
Camilo Ferreira Junior, (1858-?) batizado por José Florencio Bernardes Thereza de Lima Ribeiro Bernardes.
Salviano (1861-?) batizado por João José de Lima Ignacia Ribeiro de Lima (respectivos tio e tia de primeiro grau de José Ayres de Lima, o Trançador).
Salviana Maria da Conceição, (?-?).

Sabina Maria da Conceição faleceu em data desconhecida até agora.

1a Nota:
Consta na certidão de batismo (foto)  que sua mãe Justiniana era escrava de "Joaquim" Ferreira Simões e na certidão de seu irmão Salviano, "João" Ferreira Simões.  Se eles João, ou Joaquim eram as mesmas pessoas ainda não consegui identificar. O certo é que não encontrei em nenhuma certidão posterior o nome de "Joaquim", somente "João".

2a Nota: Nomes e datas faltantes poderão ser acrescidos e ou alterados no decorrer da pesquisa.

Camilo Ferreira Junior, o escravo

Igreja Matriz de Baependi
Um dia o pequeno escravo, ao receber a tarefa de retirar o pó do oratório da casa da fazenda, pode chegar perto do nicho situado no canto da sala, onde ficava a imagem de Jesus cruxificado. Advertido por sua mãe, sempre baixava os olhos toda vez que passava em frente a ele. Muitos anos mais tarde, ao adentrar a igreja Matriz, no dia do seu casamento, voltou à lembrança o pequeno oratório, lugar sagrado da casa, onde fora batizado. Neste dia impressionou-o a imensidão da igreja, o cheiro de insenso, a penumbra, as cores azuis dos nichos onde se encontravam os Santos, o brilho do ouro. E diante das gigantes dimensões das imagens se sentiu novamente pequeno.




Camilo, filho "natural" de Justina, escrava de João José de Lima ,foi batizado pelo Vigário Joaquim Gomes do Carmo,em 13 de setembro de  1858, no oratório do Chapeu, também denominado Lagoinha do Chapéu, hoje bairro de Baependi, por José Florencio Bernardes e Thereza Ribeiro de Lima. E como era comum naquela época os escravos adotarem nomes de seus respectivos senhores, foi denominado "Camilo Ferreira Junior" de João Ferreira Simões, que era dono de sua mãe.

Um detalhe da certidão que me passou despercebido: O nome de sua mãe Justiniana foi escrito erroneamente como "Justina" que era escrava, até a data de 1858, de João José de Lima, que viria a ser o avô de José Ayres de Lima, o Trançador por parte de mãe. Em alguma data, entre 1858 e 1861, data de nascimento de seu irmão Salviano, sua mãe Justiniana aos 17 anos mudou de proprietário e foi ser propriedade de João Ferreira Simões.

Não posso dizer ao certo se por compra ou doação, Camilo foi parar nas mãos de seu padrinho José Florencio Bernardes como escravo. O certo era que, uma forma dos senhores de escravos utilizavam para burlarem as leis de 15 de setembro de 1869 e a Lei do Ventre Livre de 1871, que proibiam os menores escravizados de serem separados das famílias, bem como a compra e o tráfego, era a adoção "por apadrinhamento", pois assim os menores permaneciam "em família". Este fato se confirma quando analisamos a certidão de nascimento de Camilo (foto acima) que teve seu status de "escravo" de José Florencio Bernardes até seu casamento em fevereiro de 1888.

Se Camilo foi separado de Justiniana, também não posso aqui afirmar de forma definitiva, mas o interessante é que os lugares em que viveram as famílias de José Florencio Bernardes, João José de Lima, João Ferreira Simões, Virgolina Balbina de Lima eram sempre citados nas certidões como: ChapeuLagoinha do ChapeuOratório do ChapeuFazenda São Pedro, hoje município de Baependi, indicando que as famílias residiam próximas umas as outras, ou moravam na mesma casa ou conjunto de casas  com seus escravos Justiniana Maria da Conceição, a Nana , sua mãe e sua irmã Sabina Maria da Conceição.  

Senta que lá vem história!

No Brasil Colonial o batismo tinha duas funções a social, a entrada do pagão no seio da Igreja Católica e outra mais profana: interessava aos senhores de escravos o registro dos inocentes, com o nome do proprietário, o que lhe garantia a posse efetiva dos mesmos.

As crianças sem pai conhecido, segundo historiadores, eram mais comuns serem separadas de suas mães se comparados com as crianças pertencentes a um núcleo familiar negro. A prática era a separação em idade improdutiva, isto é, ainda muito pequenos. Pesquisando vários documentos, tento aqui reconstruir a história de nosso personagem Camilo, que de alguma forma  ficou sob custódia da família de seus padrinhos e servindo a eles como escravo. 

É bom lembrar que escravos eram valiosos no Mercado da cidade de  Mariana no período de 1858 a 1887, pois sob pressão da Inglaterra, o Brasil no poderia mais importar negros da África e uma alternativa para os senhores era a reprodução do seu próprio plantel. Então as crias eram "benvindas" no sentido negativo da palavra para os pequenos.

Pois na localidade do Chapeu o nosso Camilinho participava de atividades simples na fazenda. A medida que crescia também crescia a carga de suas tarefas. Quando muito pequeno acompanhava sua mãe na capina de ervas daninhas, semeadura do milho, cuidava dos animais domésticos. No campo, ajudava a descaroçar algodão, descascar mandioca, fabricar cestos e cordas. Também trazia e levava recados bem como pode ter trabalhado como pagem, arreava cavalos, lavava os pés das pessoas da casa e mesmo escovava as roupas e engraxava os sapatos de seus donos.


Camilo teve a infelicidade de nascer antes da proclamação da Lei do Ventre Livre de 1871, conhecida por Lei do Rio Branco, e antes da Lei Áurea, portanto ele nasceu e permaneceu escravo até o seu casamento como consta no registro (foto ao lado), três meses antes da abolição da escravidão. Ao completar 30 anos num sábado de fevereiro de 1888 tomou a mão de Ana de Jesus em casamento, na Igreja Matriz de Baependi. Foram testemunhas Francisco Ignácio de Lima, filho de João José de Lima e Silva, o avô de José Ayres de Lima, o Trancador, e João José da Natividade. Em 13 de maio de 1888 a princeza Izabel assinava a Lei Áurea libertando os escravos de seus grilhões e senhores, mas não de suas árduas vidas. Camilo faleceu em data até agora desconhecida.

Solange Ayres, Kreuzau, Janeiro de 2015.