terça-feira, 20 de março de 2018

E lá vai a preta Joaquina, maior de quarenta anos, ser leiloada para pagar a dívida de seu proprietário



Baependi, data estelar 1879...

Se estivéssemos no ano de 1879, poderíamos ler, na fria manhã da quarta feira de 2 de julho, uma das quatro páginas do Jornal “O Baependyano” o edital mandado publicar pelo Juiz Municipal de Baependi, Dr. João Coelho Gomes Ribeiro, republicado em 13 de julho, um domingo, dando conta a todos os seus jurisdicionados que, em virtude de dívida contraída por José Rodrigues Guedes para com José Franklin Diniz Junqueira, avalizada por João Constantino da Costa Guimarães e não resgatada a tempo, foi penhorada a escrava Joaquina de propriedade do devedor. Isto mesmo, caro leitor. E tem mais: O edital alude à escrava como “preta, de idade maior de quarenta anos[...]avaliada e 550$000”.

José Franklin Diniz Junqueira , o "prejudicado" na causa foi vereador em Baependi em 1868 e quem doou 100$000 de réis à Comissão de Festejos da recepção da Princesa Izabel  em Baependi. Ele constou no Almanak Sul Mineiro para o decênio de1874-1884 como rancheiro e proprietário de um Engenho de Serra, isto é, uma serraria, cujas máquinas eram movidas à água, na cidade de Cruzília, que na época sob jurisdição de Baependi, juntamente com outros de sua família como Antonio Gabriel Junqueira, Domingos Theodoro Junqueira, Francisco de Andrade Junqueira, todos eles com descendentes hoje na região do Sul de Minas. Ele foi proprietário da Fazenda Traituba, situada entre Cruzília e Carrancas, ainda hoje existente, provavelmente a mesma propriedade citada no Almanak.

Vista e examinada


O edital não poderia ser mais cruel.  Determina o Juiz que “para a arrematação da mesma escrava, este Juízo recebe propostas em cartas “feixadas”(sic) durante o prazo de ,trinta dias[...] podendo a mesma escrava ser vista e examinada em poder do depositário Francisco Antonio da Silva.

Vamos pedir emprestado as impressões de Carl Schlichthorst, militar, engenheiro e escritor alemão, quando chegou ao Brasil, em 1825,  e escreveu o que viu sobre o comércio dos escravos na cidade do Rio de Janeiro e como eram... "avaliadas as mercadorias".

"Ao chegar ao porto, dá-se a cada escravo do sexo masculino ou feminino, um pano azul e um barrete vermelho, pois viajaram em trajes do Paraíso. Com essas tangas e barretes, veem-se longas filas de negros levados como rebanhos de ovelhas para os armazéns dos traficantes, onde as transações continuamente se realizam, feitas com a mesma cautela com que na Alemanha se compra um cavalo.

E continua:

"Verificam-se, para começar, mãos e pés. Mandam-se fazer vários movimentos, para ver que não têm defeitos. Examinam-se os dentes e oo tórax. Afinal, levam-no repentinamente do escuro para a claridade, a fim de provar a sua vista. Não será preciso dizer que esse exame não é feito com muita delicadeza nas escravas. (...)."

Além disso, os compradores examinavam... as partes íntimas dos escravos a fim de constatar alguma doença. Se assim era para a compra de um escravo, o mesmo estaria valendo para, a ser leiloada Joaquina, e talvez ela também teve que passar por alguns desses procedimentos. O compradores, no caso o arrematador, teria a certeza que sua mercadoria estaria em "em ordem", "sem avarias" e fazendo jus ao seu preço: 550$000 mil réis. Ah, preta Joaquina de 40 anos...

A penhora de escravos era permitida pelo Decreto-Lei 482 de 1846, confirmado pela Lei 1.237 de 24 de setembro de 1864, pois os considerava acessórios dos imóveis dos proprietários. E assim, Joaquina, escrava com mais de quarenta anos, penhorada, teve que aguardar o leilão sob a custódia de um depositário, para ter definida sua vida.

Resolvida a contenta jurídica, em 1880, Joaquim Diniz vendeu suas propriedades e foi de partida  com a família para a cidade Rio de Janeiro. A preta Joaquina? Já deveria estar em mãos de outro senhor.


Autores:

A duas mãos. Antonio Claret Maciel dos Santos, caxambuense, advogado, escritor, residente em Sao Paulo. Gosta de escarafunchar papéis antigos, e foi quem reescreveu a biografia beata  Nha Chica, em 2015.

Solange Ayres, caxambuense, historiadora pela UFMG, residente na Alemanha, e tenta compensar as saudades da terrinha escrevendo o blog.
Fonte:
O Baependiano
CARVALHO, Leandro, in O mercado de escravos
SCHLICHTHORST, C. O Rio de Janeiro como É (1924-1926
Gravura: Debret
Revisão: 
Paulo Barcala