domingo, 19 de dezembro de 2021

O condomínio da Família Ayres/ A memória afetiva da ocupação dos terrenos da antiga rua Quintino Bocaiuva, 113

Dona Dolores e seus filhos: Janice, Jackson e a babá Geralda
na varanda

Sempre ouvi contar na família que, até o terreno da dona Orminda Guimarães/Vianna (1882-?) na antiga rua Quintino Bocaiuva, onde tinha casa na década de 1960/70, pertenceu ao meu avo José Ayres de Lima, (1873-1943) o  Trançador e avó Gervasia Ayres de Lima (1881-1968). E era! Fizemos as diligencias e descobrimos muito mais. Quem, onde e quando. O objetivo era resgatar a história da ocupação dos terrenos e as nossas memórias afetivas. E conseguimos!

Antes, muito antes de 1930

De fato. Antes de 1930 o terreno pertenceu ao meu avô José Ayres de Lima, o Trançador, filho, e sua esposa, minha avó Gervásia Ayres de Lima. Para chegar as informações foi preciso fazer muitas consultas com à nossa biblioteca familiar, Celia Ayres, (veja aqui a biografia completa de Célia Ayres) telefonemas e mais telefonemas entre Brasil e Alemanha para contar a história da ocupação do terreno, abaixo da antiga rua Quintino Bocaiúva, em Caxambu. A minha, nossa tia Célia, sempre ela, com uma memória afiadíssima conta detalhes, fatos e acontecimentos históricos que marcaram a vida naquele pedaço de terra. Vamos lá.

Da direita para esquerda: Edson Ayres 
1a direita, Gervásia Diório; 2a, Marlene
 Diório 3a; ao centro vó Gervásia Ayres,
 à esquerda, desconhecida

 

Tia Célia Ayres confirma que todo o terreno, que ia da rua Quintino Bocaiúva 113, abaixo, até o ribeirão Bengo, pertenceu à família. O pai foi comprando os terrenos e repartindo com os filhos, contou. O pedaço de terra era extenso. Na época era costume os filhos morarem perto de seus pais, e o objetivo foi parcialmente cumprido. José Ayres, o filho mais velho da avó Gervásia, meu pai, construiu uma casa no terreno à esquerda do n°113, e viveu lá com sua primeira família, até a sua primeira esposa falecer. Esta casa foi vendida para seu Virgilio, após o falecimento de sua esposa, Alzira Ayres.

Tio Silvio, que já possuía o seu terreno, doou um pedaço para meu pai, José Ayres, que tinha acabado de ficar viúvo, para construir uma casa, bem abaixo da casa que foi construída pela tia Maria Ayres/ Rodrigues e que ele, Silvio, a adquiriu posteriormente. 

Tio Samuel Ayres de Lima também tinha o seu pedaço na rua debaixo, extensão do terreno, onde é a rua Policarpo Viotti, que foi parte desapropriado para a abertura da avenida Beira Bengo.

Meu pai finalizou a casa no início da década e 1960, e ficamos todos morando no terrenos adquiridos pelos nossos ancestrais. Assim foi formado o que meu primo Edson Rodrigues Ayres denominou de "condomínio da Família Ayres".

Para além das fronteiras, não conhecíamos o proprietário do imóvel ao lado da casa do tio Silvio, até que a tia Célia lembrou: o terreno foi doado pelos meus pais para à minha irmã Silvia Ayres/Diório e seu marido Marco Diório recém-casados. Eles construíram a casa, que na foto ainda suas características originais, como o piso azulejado (foto ao alto), o gradil, o teto alto e o extenso terreno até o Bengo.

Os residentes ao longo dos tempos

Década de 1930

A residência deve ter sido construída por volta de 1934/35 e a família Ayres/Diório morou por algum tempo lá até se mudarem para a casa que construíram, na hoje rua Policarpo Viotti, abaixo da casa da avó Gervásia, no terreno também pertencente ao "condomínio", onde moravam e moram descendentes do senhor Luiz Verruma. A rua Policarpo Viotti não existia, era apenas uma rua sem saída. Tia Célia nos lembra ainda que Marlene Diório, a terceira filha do casal, bem como Gervásia-neta, nasceram lá. Na foto ao lado, os personagens desta história: Edson, abaixo à direita, Gervásia-neta acima à direita, vó Gervásia ao centro e Marlene à esquerda. A foto foi feita na casa de vó Gervásia em data desconhecida.

Eu e minhas dúvidas... liguei novamente para a tia para confirmar. 

-Tia, a senhora tem certeza que eles moraram lá?

E ela, de estalo: - Claro! No dia em que Marlene abriu os olhos para o mundo, a companhia elétrica tinha cortado a luz. 

- Mas como assim? 

- Eles não tinham pagado a conta de luz, e a companhia cortou. Marlene nasceu no escuro. O parto foi feito à luz de velas. 

Depois dessa contundente afirmação, não tive dúvidas. Eles construíram aquela casa. Sim, e a Marlene nasceu praticamente à luz de velas pelas mãos da tia avó Maria Ayres de Lima, conhecida como Mariquinha, a parteira oficial da família (veja a biografia completa da tia-avó Mariquinha). Era um 17 de janeiro de 1936. Esta data é a referencia para montarmos, a digamos, linha do tempo de ocupação da residência no condomínio da Família Ayres

Década de 1940, um sonho, vida e morte

A história da ocupação seguiu e quem adquiriu imóvel posteriormente foi meu tio Luiz Ayres. Na verdade a memória da ocupação da casa começou aqui, quando tia Célia me disse que, antes de dona Orminda, o tio Luiz Ayres de Lima tinha adquirido o imóvel. O único filho vivo confirmou o fato, Lais Ayres, bem como o nascimento de seus dois irmãos na casa, Iara e Fernando, já falecidos. Moraram na rua Quintino Bocaiúva por quase 10 anos, disse ele. Depois que o tio Luiz foi acometido por uma tuberculose e precisou realizar um tratamento de saúde, foram obrigados a se mudar para Belo Horizonte. Naquela época, Belo Horizonte era conhecida como cidade do ar puro, pasmem. 

E acreditem, no meio da pesquisa, sonho com o falecido tio Luiz. Ele me recebeu no seu apartamento em Belo Horizonte e eu na pesquisa: -Tio, até quando o senhor morou naquela casa? - Ele, até 1950. Tive que vender e dividir... E eu, porque? Ah, tive muitos casamentos, 11 ao total. Mas onze, como chamou sua primeira esposa? Maria. Sim, a tia Maria, que era chamada por nós de Lili. Acordei.

Mas tia Célia não deixa por menos nos detalhes e lembra novamente um fato que ficou marcado em sua memória. Conhecida na família por Miquita, a sogra do tio Luiz mãe da tia Lili, em visita à família, faleceu de uma sincope cardíaca... naquela casa. Valha-me Deus!

Não sabemos quem  adquiriu a casa após a saída de tio Luiz, mas sabemos a casa não ficou desocupada.

Década de 1950

Dona Dolores com Jackson, 1950,
à esquerda e Janice, 1954 , à direita

Depois... depois... vem a mãe da Janice Drumond, Dona Dolores que alugou a casa no início da década de 1950. Todos os seus filhos nasceram lá: Janice, Jackson e (foto acima). Ficamos na dúvida. Quem era o proprietário da casa?

Década de 1960

Arminda, Dasa, Francisca e Lucimar  
Festa de formatura do Colégio Normal, 1973

Aí foi a vez da Família Rodrigues Pereira, o ramo dos Ayres entrar em cena. A Dasa (foto acima), neta de vó Mariquinha, e que morava duas casas abaixo, ocupou a residência entre 1959 e 1960, com sua família quando nasceu a... Francisca (foto acima), a Francisquinha para nós. Na época o marido, Danilo era jogador em Belo Horizonte e a família alugou a casa por um curto período. Francisca nasceu em dezembro de 1959 e eu, em janeiro de 1960. Como minha mãe teve problemas para me amamentar, a solidária Dasa se fez minha "mãe de leite". Éramos vizinhas de cerca. Minha mãe sempre me dizia: Ah, a Francisquinha é sua irmã de leite". Demorei a entender. 

Ainda na década de 1960

No intervalo em que a família de Janice Drumont se mudou e foi morar no centro da cidade, ocupou a casa Dona Orminda. De fato, eu me lembro dela na varanda da cozinha, nos afazeres domésticos. Cheguei uma entrar na sala e me impressionei com o relógio carrilhão que, quando badalava, era ouvido até lá em casa. Mas quem tem as melhores memórias da moradora é a Janice. A família voltou a morar na rua Quintino Bocaiúva, no meio da década de 1960, na casa recém-construída (foto), em frente à da minha vó Gervásia, que sedia hoje o Centro Espírita. 

"Eu lembro até das cores da casa. Porque a gente brincava muito com a Ana Maria, uma das meninas da casa Verde Alta de frente, onde tinha televisão. Da varanda a gente via a casa de dona Orminda."... A (casa) de Caxambu pode ter sido só de veraneio, onde ela foi viver pós viuvez. A época é a mesma da troca da capital do Rio para Brasília, que calha com a redução da ida de políticos a Caxambu, perda do glamour de época..."

Década de 1970

Não sabemos quando a última moradora de nossas lembranças, dona Orminda, se mudou de lá. Fato é que a casa foi passada para o seu sobrinho, já falecido, e a vida da casa dá seguimento, sendo ocupada pelos seus descendentes.

Então estávamos todos ali, na Quintino Bocaiúva que um dia mudou de nome e passou se chamar Magalhães Pinto.

Fotos:
Arquivo privado de Família Ayres
Arquivo privado de Família Rodrigues/Freitas/Pereira
Arquivo privado de Janice Drumont
Fonte:
História oral resgatada entre os familiares da Família Ayres, Família Rodrigues Freitas.
Agradecimentos:
A Julio Jeha, sempre

domingo, 8 de agosto de 2021

O desabafo/Carta da princesa Izabel ao Conselheiro Francisco de Paula Mayrink/ Assunto: Igreja Santa Isabel da Hungria de Caxambu

Princesa Isabel e o Príncipe Pedro
 

O Blog publica aqui na íntegra a carta da princesa Isabel, endereçada a conselheiro Mayrink sobre as razões de sua mágoa com a construção da Igreja Santa Isabel da Hungria. Teria mesmo Isabel feito a promessa de construir um templo devido sua suposta infertilidade? Na carta não há nenhuma alusão quanto à promessa de construir a igreja, através do uso das águas de Caxambu. 

Boulogne-Sur-Seine, 28 de maio de 1895.

Ilmo. Sr Conselheiro Francisco de Paula Mayrink:


Recebi a missiva do fiel amigo, comunicando-me que resolveu concluir à sua própria custa as obras do templo há tantos anos paradas do "Morro da Cruz", em Caxambu. Foi esse templo, como se sabe, iniciado sob meus auspícios e denominado, na ocasião, pelo povo mineiro, Santa Isabel, não só por honrosa deferência à minha pessoa como por ter coincidido a primeira visita que fiz ao local como o dia consagrado pela Igreja Romana à Santa húngara de quem tenho o nome.

Julgava que nada mais existisse desse templo, pois a última informação que tive foi a de que iam demolir a por há tanto construída, para a edificação de uma casa de caridade. Daí a surpresa que me causou sua carta. Sensibilizou-me a idéia de fazer o amigo os pagamentos das obras em meu nome para dar aos caxambuenses a impressão de quem sou eu quem termina a construção do prédio. Assim procedendo, quer como disse, além de agradar aos locais, prestar-me também a mim, um serviço, evitando que me apodem de perjura os que proclamam ainda, em Caxambu, haver eu feito uma promessa sem a ter cumprido. Não quer que na empresa apareça o seu nome!... Jamais vi igual desprendimento às vaidades do mundo! Confesso que, como meu pai, tenho pelo seu espírito de generosidade e renúncia particular admiração. Não nos esquecemos, p. ex., de quando, sem esperar recompensar, quando já não tínhamos o poder, prestou aos meus um favor que lhe custou dissabores e algumas indiretas represálias por parte do Governo Provisório.

Foi quanto, na tardes de 17 de novembro de 1889, no mesmo dia em que embarcamos para o exílio na canhoneira "Paraíba", fez-nos baldear para o navio "Alagoas" de sua frota, na Ilha Grande, litoral fluminense, por saber do desconforto e insegurança que nos oferecia o barco que, para conduzir-nos à Europa, nos pusera a disposição o novo governo.

Renovo, pois, muito comovida, os meus agradecimentos pela intenção que o levou a pretender fazer os pagamentos da construção da Igreja de Santa Isabel, em meu nome.

Seria, insisto, a generosidade, que lhe é, aliás, peculiar, o móvel único desse ato. Sim, porque não aparecendo no negócio o seu nome, nem sequer o reconhecimento público da obra receberá o senhor. Agradeço-lhe o sacrifício, mas não quero que a Igreja, que se propõe ressuscitar, seja a mesma que imaginei e apadrinhei na juventude. Deve ser outra. A primeira poderia com razão ser considerada obra minha, mas esta não: é sua, legitimamente sua. Faça , pois os pagamentos em seu próprio nome e de-lhe, outro título. Não é por orgulho que o peço, Sr Conselheiro, mas porque jurei não contribuir com mais um ceitil para a construção, desde que, ao chegar em 1873 ao Rio de Janeiro a notícia do desaparecimento misterioso do dinheiro depositado em conta bancária para aquele fim, começaram os adversários do Império atribuir o fato a uma ação desonesta de meu esposo. Responsabilizaram assim tacitamente o Príncipe pela paralização dos trabalhos. As calúnias como sabe, contra ele no setor de negócios, sucediam-se irritantemente, desde o término da Guerra do Paraguai. Visaram talvez com isso encobrir a lembrança do seu heroísmo, já que voltaram de lá - para quem queria ver honestamente os fatos - como um dos principais contribuintes de nossa vitória. Não podendo, para empanar-lhe o brilho, atacá-lo por nenhum outro lado, faziam-no maldosamente por esse. No caso de Caxambu, possuía ele, felizmente recibo da importância (vultosa para a época) que em meu nome entregara para a construção. Reproduziu em 1874, a meu conselho, esse importante documento de defesa em vários jornais, e o senhor mesmo o deve ter visto. Solidária como Príncipe em face aos acontecimentos, resolvi, depois do nascimento do nosso primogênito, não mais interessar por aquele templo. Os amigos de Caxambu, que estavam a par das minhas justas mágoas, bem como os que criam a versão da promessa, escreviam-me sempre, esperando pacientes, anos a fio, que me decidisse a enviar mais dinheiro para o término das obras. Faziam-no não que julgassem impossível conseguir de outro modo o auxílio. Pelo contrário: ser-lhes-ia isso facílimo através das autoridades civis, do clero, de capitalistas generosos, ou ainda do povo por subscrição. Mas não lhes convinha dessa maneira... Convinha-lhes apenas que a Igreja fosse inteiramente obra minha. E isso pelo meu título, e não propriamente pela minha pessoa. Havia também inimigos que rezavam para que eu, magoada, desistisse definitivamente de tudo e a Igreja viesse em consequência a tomar outro nome. Foram estes os vencedores. Ao invés de lhe proporcionar tal prazer, quisera de coração atender aos poucos e verdadeiros amigos. Mas atendendo-os estaria, é obvio, vilipendiando meu marido.

Não se importe, sr. Conselheiro, com esta decisão. A república venceu, e aí mesmo em Caxambu, que é uma ínfima partícula na nação brasileira, encontrará o senhor muita gente ao seu lado, essa mesma cujo interesse e apagar de vez as últimas reminiscências do regime deposto. Muitos, creia, o louvarão por verem que partiu do senhor espontaneamente a resolução de mudar a invocação da igreja. Se, contudo, para defender-se de injúrias, achar ser preciso (o que julgo improvável) publicar esta carta, tem, desde já, para tanto, o meu consentimento. Minha comoção diante da generosidade e modéstia de seu gesto em querer completar as obras em meu nome, gastando em tal empresa somas que poderiam mais tarde fazer grave falta na sua família, proporcionou-me, na fase de recolhimento e tristes em que ainda me encontro, um oportunidade providencial de desafogo, a qual se reflete nesta tão longa missiva. Bem sabe que é contra meus hábitos expandir-me assim. Talvez esteja, pela extensão e o teor da epístola, ferindo igualmente as conveniências da nobreza. Costumo, no entanto, em casos especiais como este os da consciência e do coração.

Sensibilizou-me, repito, sr. Conselheiro a intenção generosa do seu gesto, que me ensejou esta oportunidade inesperada a benfazeja de desopressão.

Com que mágoa evoco as cenas narradas num diário do Rio por Jacques Ourique, ocorridas em 15 de novembro de 89 em casa de Deodoro, quando aquele que, na expectativa ha atual de algum benefício, antes vezes beijara a mão de meu pai, atendia sorridente a massa desordenada e delirante que ali fora homenageá-lo, depredando, alcoolizada talvez, as insígnias da monarquia. É, pois de esperar que, à exceção dos bairristas de Caxambu, que desejam seja eu a executora das obras, o povo brasileiro se alegre com a resolução que julgo dignamente tomar. Creio na alegria do povo pelo antagonismo (sincero ou interessado) que vem (ao que leio) em sua maioria, ultimamente manifestando pelas coisas do Império. Assim, para que a Igreja que o senhor, tão bem intencionado, se propõe terminar, não seja nem possa parecer a mesma que só recordações muito tristes me traz, suplico-lhe diga ao povo a verdade, dando à Igreja ao mesmo tempo outro nome. Sei bem que sente ao ler esta súplica, mas não se preocupe - Caxambu, estancia que tanto ama e pela qual tanto tem feito, nada perderá... Santa Isabel de Hungria tampouco, pois vou iniciar brevemente outro templo sob sua invocação em Serqueux, norte da Franca, para cuja inauguração será convidado. Não morro, esteja certo, sem dar, eu a mesma, a santa de minha devoção de menina o templo que, com tanta fé, ideei em Caxambu

Recomendações minha e do Príncipe a D. Clara.
Renovando ainda minha súplica e meus agradecimentos, sou sua como sempre, muito afeiçoada.


(ass.) Isabel, Condessa d`Eu

Caxambu Grifos meus
Foto: 
Arquivo Museu Imperial de Petrópolis
Fonte:
Lessa, Francisco de Paula Mayrink, in Vida e Obra do Conselheiro Mayrink (Completada por uma Genealogia da Família), Pongetti. 
Agradecimentos:
Pedro Henrique Ribeiro, historiador, colaborador do Blog da Família Ayres.

A construção da Igreja de Santa Isabel da Hungria/desvio de dinheiro e uma princesa indignada

 





Os 126 degraus que nos levam ao alto do morro, onde foi construída a igreja de Santa Isabel de Santa Isabel da Hungria, foram escalados muitas vezes na minha infância e adolescência. Era o calvário, dizia minha mãe, e assim se parecida com aqueles intermináveis degraus, um rito anual que cumpriu por muito tempo nos Sábados de Aleluia, quando ia assistir à missa, às 6 horas da manhã, levando lírios brancos que floresciam no nosso jardim.

A história da construção da igreja Santa Isabel da Hungria se inicia com a visita da princesa Isabel à localidade. Casada em 1864 e até a data de sua visita à povoação, em 1868, Isabel teria tido dificuldades de gerar filhos, e a corte então veio para experimentar um tratamento nas Águas Virtuosas de Caxambu. 

A povoação e já tinha fama de possuir fontes que curavam desde que os leprosos foram expulsos, em 1843, quando um juiz mandou incendiar suas choupanas. Ironicamente,  eles foram os maiores propagadores da fama das "águas virtuosas". Bem, bem, da pobreza para a realeza. Sete anos depois da visita real, em 15 de outubro de 1875, nasce o primogênito, Pedro de Alcântara, resultando a consolidação da promessa: construir um templo em  gratidão e devoção. Assim foi e é contada a história. Verdade? Hum...

Na ocasião foi instalada uma cruz no alto do morro, marcando o local da construção da futura igreja. Caxambu era Vila Nossa Senhora dos Remédios e estava subordinada, administrativamente, à vizinha Baependi. Até aqui, eu desconhecia a existência de uma biografia do neto de Conselheiro Mayrink, Francisco de Paula Mayrink Lessa, o capítulo "Caxambu", contém muitas informações de bastidores da construção do tempo, inclusive uma correspondência entre o Conselheiro e a Sua Alteza real, a princesa Isabel. Mayrink foi o benfeitor que conseguiu terminar o templo quase 26 anos depois de lançada sua pedra fundamental. Mas vamos lá aos acontecimentos.

Cronologia da construção:
A visita de S. A. Real, princesa Izabel
 
A chegada da realeza se deu no dia 17 de novembro de1868, uma terceira-feira. A comitiva ficou hospedada no palacete de Carlos Theodoro Bustamante. Entre os políticos locais que recepcionaram a princesa, estavam Polycarpo Viotti, dr. Paulo Ferreira, o capitão João Carlos .

No dia 22 do mesmo mês, em solenidade na Câmara Municipal de Baependi, foi lavrada a ata do lançamento da pedra fundamental para a edificação da igreja. A pedra foi benzida pelo reverendo monsenhor Luiz Pereira Gonçalves de Araujo, para posteriormente ser colocada pela princesa no local da construção do alicerce da igreja. Na ocasião S. A. Real ouviu pedidos para que removesse o cruzeiro do lugar onde se achava, plantado por Francisco Viotti, em 3 de maio de 1862, o que foi deixado a cargo do engenheiro Christiano Luz. 

A princesa fez um depósito "considerável" de 50:000$000. O gasto, ou o "abono" quantia para construir a igreja, seria superior à da igreja de Petrópolis, onde residia a Família Real. Sim, superior, pois a igreja de Petrópolis era simples em comparação com o plano da igreja em estilo neogótico em moda. Na ocasião de sua estada, abriu subscrição para os voluntários fazerem seus donativos que somaram 4.000$000, assim noticiado em O Baependiano.

Para realização da grande empreitada, foi escolhida uma comissão local composta pelo coronel Justo Maciel, o  vigário Marcos Nogueira, o comentador Mattos, dr. Viotti e o capitão João Carlos. Já havia  uma comissão da qual faziam parte o coronel Francisco Werneck, o conselheiro Ribeiro da Luz e o Visconde de Mesquita. 

Matriz insignificante X Igreja no estilo gótico

Mas qual! Relembrando, do lançamento da pedra fundamental até o início de sua construção arrastaram-se anos. No início do mês de dezembro de 1884, a comissão das obras da igreja deveria se reunir, afim de fazer a marcação exata no "Morro do Cruzeiro", para qual veio o deputado provincial Christiano Luz, um dos membros da comissão. Mas devido ao baixo comparecimento, a reunião foi transferida para o início de janeiro de 1885. No planejamento estava a abertura da  rua que ligaria  a praça da igreja até o alto do morro.

Assim noticiava o Jornal do Comércio, do Rio de Janeiro, em 1885 : "A matriz é insignificante; mas começa a abrir os alicerces para uma linda igreja gótica, Santa Isabel de Hungria, cuja planta vimos, e que depois de concluída ficara um primor de architectura, sendo que era situada em posição muito pitoresca. Era orçada em 130:000$, havendo já levantados 90:000$ aos esforços da Princesa Imperial, que tem pedido esmolas para essa construção. Estamos convencidos de que Caxambu melhorará muito com a edificação dessa igreja; tem visos de paradoxo esta affirmacao nesta época, mas precisa notar que estamos em Minas, província essencialmente católica."

Água X água benta 

Em maio de 1885 eram concluídos o nivelamento do local onde seria edificada a igreja. A construção  estava todo vapor e carroças de pedras já estavam sendo conduzidas ao alto da colina, noticiava O Baependiano e as obras "estavam em grande adiantamento" e que a igreja teria um  jardim de "grandes dimensões" ao redor. E como toda obra é obra, os trabalhos foram paralisados e no ano de 1886, foram retomados, "a custo de perder o que ja tinha sido feito", segundo noticiava o mesmo jornal.

Como não havia separação do Estado e Igreja, as instituições religiosas recebiam dinheiro, muito dinheiro em comparação as outras tantas necessidades das pobres comunidades. Em 1887, foi encaminhado o pedido, e aceito, à Assembleia Provincial, através do deputado Américo de Matos, de consignar uma cota de 6.000$000 para a igreja Santa Izabel. Mattos apelava para o "fervoroso espírito religioso" dos parlamentes, muitos deles religiosos. No mesmo orçamento, a presidência autorizou despender 10$000 para conservação da estrada do Picu, hoje Itamonti, apresentado por Domingos Viotti. Não era muito se compararmos ao orçamento para uma capela sozinha, mas a lista das igrejas que recebiam dinheiro era muito mais longa que as de criação de escolas, manutenção das estradas, abastecimento de água, que ficavam para o segundo plano. A voz de alguns deputados soava baixa, quando citavam que não se esquecessem de dar algumas cotas, principalmente para o abastecimento de água potável. Água potável versus água benta, uma difícil disputa em tempos de Brasil Imperial.

Igreja Nossa Senhora dos Remédios X Igreja Santa Izabel da Hungria, a concorrência

Registro do livro Caxambu de Henrique Monat, 1894.

As obras da apela de Santa Isabel, eram  notícia no Jornal do Comércio, em setembro de 1891. O jornal reportada a construção de outra capela, com invocação da padroeira Nossa Senhora dos Remédios, onde estava construída a capelinha, cujas alfaias eram cuidavas o pelo comerciante e benemérito da povoação Costa Guedes. As duas obras concorreram entre si. No ano de 1886, o orçamento provincial de Minas Gerais previa para a igreja Nossa Senhora dos Remédios  200$000. A discussão era se não seria melhor concentrar os esforços em construir a igreja Santa Isabel, e já que ela era tão boa, cederia  o altar mor para a padroeira, indo ocupar os dois altares laterais. Para a capela Nossa Senhora dos Remédios já havia  15:000$000 acumulados! A proposta, claro, não iria vingar nunca. Uma era a obra do pároco local, outra um desejo de Sua Majestade, a princesa Isabel. Então pelo sim e pelo não, os dois templos foram sendo erguidos.

Além do abono da princesa, uma verba foi liberada pela a câmara  dos deputados. Isso, verba pública para construção de um tempo religioso. Outros donativos engordaram a conta, saídos dos bolsos do sr Mialasky, 10$000 e ajudaram a totalizar 21.000$000.

Parece que a obra teve muitas mãos. Em diferentes ocasiões estiveram na povoação o dr Manoel Valadão Junior, engenheiro residente na Campanha, substituindo dr. Christiano. Noticiava O Baependiano que o  sr Tavares, auxiliar de engenharia, ficou hospedado na povoação por dois meses para trabalhar na obra. Mas as obras não terminavam e já haviam se passados quase duas décadas...

Duas promessas

Entre as cerimonias de lançamento da pedra fundamental e  desejo de construir a igreja passaram-se mais de vinte anos, e sua inauguração, se deu apenas quando a Família Imperial estava no exílio. Depois de as obras se arrastarem por mais de 26 anos foi na administração do conselheiro Mayrink, um banqueiro rico e benemérito da povoação e que teve a concessão de explorar as águas minerais, que o projeto  foi retomado. O concessionário das fontes foi quem levou a diante o projeto, numa segunda promessa, quando quebrou uma perna fraturada ao cair de um cavalo. Se voltasse a cavalgar, prometeu concluir o templo. De acordo com vesões não confirmadas, a lei 398 em 2 setembro de 1904, isentou o bispado de Pouso Alegre do imposto de transmissão da propriedade que deveria pagar, ao legalizar a "doação feita por Francisco de Paula Mayrink de uma Igreja em Caxambu". (1) Nenhuma confirmação foi encontrada em sua biografia.

Ricardo Honorato Pereira de Carvalho, o engenheiro

A igreja Santa Isabel da Hungria,  estilo neogótico, comum na Idade Média foi projetada pelo engenheiro Ricardo Honorato Pereira de Carvalho (1855-1906), um carioca, nascido em Magé, conhecido por Ricardo de Carvalho. Ricardo se mudou para a hidrópolis em 1890 para trabalhar como gerente da Empresa da Águas. Ele era o homem de confiança de conselheiro Mayrink. Além da igreja, foi responsável pelo encanamento de água para o Grande Hotel Palace, hoje Palace Hotel, de Caxambu. Ricardo de Carvalho era empregado público da Secretaria de Agricultura, na diretoria de obra como desenhista. Na década de 1890, trabalhou em Caxambu, na administração do conselheiro Mayrink, sendo candidato a vereador da câmara Municipal de Baependi, em 1884, quando  ocupava o cargo de diretor da Empresa de Águas Minerais de Caxambu. Ele também foi responsável pelo o encanamento para as águas do Grande Hotel, atual Palace Hotel. Em 1896, assinava como gerente da Empresa de Águas de Caxambu. Carvalho foi quem inventou uma máquina de extrair gás carbônico das águas minerais e engarrafá-las com pressão do mesmo gás. A parafernália foi instalada junto a fonte D. Pedro em agosto de 1896.

O engenheiro foi também organizador do livro intitulado Guia do Viajante, sobre Caxambu, em 1899, além de benemérito  da Sociedade Recreativa Club Caxambuense, isso mesmo, o CRAC, aquele clube que tinha uma linda sede no centro da cidade e que depois se transformou em um supermercado. A solenidade foi realizada no dia 4 de dezembro de 1934, em sua  memória. Tudo isso ficamos sabendo pelo Pesquisador Pedro Henrique Rodrigues Ribeiro, que achou o Blog da Família Ayres e nos forneceu as informações.

Nenhum centil! Nenhum centavo!
Desvio de dinheiro/ Isabel indignada se recusa a dar dinheiro para a construção da igreja

Na verdade, o conselheiro Mayrink interveio na tentativa de terminar a obra, quando soube que a construção inacabada e abandonada ia ser posta abaixo. Sim, a obra estava parada ha 26 anos! 

Mayrink viajou em 1894 é o bispado de Mariana e indagou ao presidente da Camara qual o destino que eles queriam dar à construção paralisada. Paulo Seixas pretendia levantar lá um nosocômio. Não se assustem. Nosocômio é sinônimo de hospital. Isso, iam colocar abaixo o templo em construção e edificar em seu lugar um hospital. De fato, foi construído um hospital, mas em 1926, ao lado, a Casa de Caridade Sao Vicente de Paulo, coordenado pelo padre de bronze, João de Deus.

Mayrink se propôs a terminar a obra, e, para isso, adquiriu as terras do entorno do templo, parte do morro de Caxambu. Com o plano de continuar a obra, escreve Mayrink uma carta a princesa Izabel, em 1895, quando a Família Real se encontrava no exílio, em Boulogne-sur-Seine.

Na correspondência, esclareceu a princesa que já no ano de 1873, de volta ao Rio de Janeiro depois de suas viagens pela província, teve conhecimento que o dinheiro depositado para a construção do  templo tinha desaparecido e indignada disse que não despenderia nenhum centavo a mais para as obras.

Assim respondeu Isabel:

Boulogne-sur-Seine, 28 de maio de 1895.

Ilmo. Sr. Conselheiro Francisco de Paula Mayrink:
Recebi a missiva do fiel amigo, comunicando-me que resolveu concluir à sua própria custa as obras do templo há anos paradas do "Morro da Cruz" em Caxambu. Foi esse templo, como se sabe, iniciado sob meus auspícios e denominado na ocasião, pelo povo mineiro Santa Isabel, não só por honrosa deferência à minha pessoa como ter coincidido a primeira visita que fiz ao local com o dia consagrado pela Igreja Romana à Santa húngara de quem tenho o nome.
         Julgara que nada mais existisse desse templo, pois a última informação que tive foi a de que iam demolir a parte há tanto construída, para a edificação de uma casa de caridade. Daí a surpresa que me causou sua carta. Sensibilizou-me a idéia de fazer o amigo os pagamentos das obras em meu nome para dar aos Caxambuenses a impressão que sou eu quem termina a construção do prédio. Assim procedendo, quer como disse, além de agradar aos locais, prestar-me, também a mim, um serviço, evitando que me apodem de perjura os que proclamam ainda, em Caxambu, haver eu feito uma promessa sem a ter cumprido.
            ... Seria, insisto, a generosidade, que lhe é, aliás, peculiar, o movél único desse ato. Sim porque não aparecendo no negócio o seu nome, nem sequer o reconhecimento público da obra, recebera o senhor. Agradeço-lhe o sacrifico, mas não quero que a Igreja, que se propõe ressuscitar, seja a mesma que imaginei e apadrinhei na juventude. Deve ser outra. A primeira poderia com razão ser considerada obra minha, mas esta não: é sua, legitimamente sua. Faça, pois, os pagamentos em seu próprio nome e de-lhe, outro título. Não é por orgulho que o peco, Sr. Conselheiro, mas porque jurei não contribuir com mais um ceitil para a construção, desde que, ao chegar em 1873 ao Rio de Janeiro a notícia do desaparecimento misterioso do dinheiro depositado em conta bancária para aquele fim, começaram os adversários do Império a atribuir o fato a uma ação desonesta do meu esposo. Responsabilizaram assim tacitamente o Principe pela paralização dos trabalhos.
              ... No caso de Caxambu, possui ele felizmente, recibo da importância (vultosa para a época) quem em meu nome entregara para a construção.
                ... Solidaria com o Príncipe em face das acontecimentos, resolvi, depois do nascimento do nosso primogênito, não mais me interessar por aquele templo.

            De partida forçada, reitera o Conde D´Eu numa carta datada de 17 de novembro de 1899, endereçada a Joaquim Delfino Ribeiro da Luz, o desejo do prosseguimento as obras da Igreja. A carta foi escrita dois dias após a Proclamação da República, a bordo do navio Parnaíba que levaria a Família Real para a Europa rumo ao exílio.



Igreja Nossa Senhora da Conceição para Igreja Santa Isabel da Hungria.

Por ter Mayrink adquirido o terreno e o entorno se dispondo a terminar a obra, a igreja teve por alguns anos outro nome: Igreja Nossa Senhora da Conceição. Sim, era um projeto dele em sua propriedade, daí a mudança de nome que não agradou a população. 

Isabel, que não queria ter seu nome associado a um projeto que não pode acabar, passou a responsabilidade a Mayrink, pela decepção de ver o dinheiro doado sumir. Assim templo foi renomeado para Igreja Nossa Senhora da Conceição durante as obras finais. Na época escreveram à princesa enviando um abaixo assinado de cerca de 600 pessoas para que ela consentisse que o nome fosse retornado, Santa Isabel da Hungria. A igreja teve portanto, por um curto período, entre 1885 a 1887 o nome de Igreja Nossa Senhora da Conceição. Mayrink, o benfeitor de fato da igreja, manteve-se discreto e a princesa agora ressurgia como a grande benemérita da obra, embora sua finalização se deu por causa do amigo. 

As obras terminaram em abril de 1897. A igreja foi benta, segundo a mãe de Mayrink Lessa, neto do conselheiro Mayrink, em missa celebrada pelo cónego Amador em 12 de junho de 1897. A igreja, segundo ela estava "cheia e linda". E não duvidamos. Presentes estavam quase toda a família Mayrink, marquesa de Itamaraty e outras pessoas de vulto da comunidade religiosa, política e financeira. Segundo ela, os hotéis ficaram lotados.  A controvérsia da missa realizada ter sido num templo "particular", e que se chamava Nossa Senhora da Conceição e que estava na propriedade de Mayrink, e por isso não constar nos arquivos diocesanos e sim que o templo foi "benzido" em 19 de novembro, assim oficializado sua existência como templo.

Inaugurada a igreja, protestaram dois parlamentares republicanos. Um telegrama recebido da povoação de Caxambu, constava que o conselheiro Mayrink, banqueiro, empresário e político, eleito deputado da província em1889, teria construído a igreja. Na verdade eles alegam que Mayrink se ofereceu para concluir e não que a obra tenha sido toda dele, acusando-o de "apavonar", isto é, se transformar em um pavão e dizer que a igreja teria sido feito seu. Podemos concluir que foi injusta acusação dos parlamentares em dizer que Mayrink queria projeção política ao terminar o templo por sua própria conta. Que a justiça seja feita. Mayrink salvou a igreja da ruína.

Patrimônio histórico / Onde estão os santos?

Enquanto Conselheiro Mayrink esteve em Caxambu, a igreja era, segundo o neto Mayrink Lessa, bem cuidada. Em 1913 o vigário da paroquia fez uma inspeção na capela e constatou que ali faltavam vários ornamentos religiosos da alvenaria, utensílios e muitos santos, assim como seus nichos laterais e púlpitos. Em visita em 1970, Mayrink Lessa confirmou o desolado estado da capela. Do relatório do vigário, só restavam a imagem de madeira de Santa Isabel. Segundo as freiras Irma Delfina e Marcelina,  dos santos primitivos, procedentes da Europa, foram pouco a pouco transferidos sem nenhum controle para igrejas de outras cidades mineiras, consideradas "mais evoluídas". Assim foi contada a história.

Fonte:
A Província de Minas, 1887
Lessa, Francisco de Paula Mayrink, in Vida e obra do Conselheiro Mayirink, 1975, Pongetti.

Agradecimentos:
Pedro Henrique Rodrigues Ribeiro atualmente cursando o 7° período de Direito na Universidade Cândido Mendes. Historiador nas horas vagas, pianista nas horas amargas e pianista nas noites caladas. 

Como sempre, a Júlio Jeha.



domingo, 4 de julho de 2021

Nossas Senhoras! / Caxambu e Pouso Alto e a troca das Santas


E recontando a história...

"A imagem da Padroeira de Pouso Alto, conforme foi publicado em "O JORNAL" de 7 de julho de 1957, não é de Nossa Senhora da Conceição, mas Nossa senhora dos Remédios. O caso se resume no seguinte: "O Capitão Estácio da Silva encomendara em Portugal uma imagem de Nossa Senhora dos Remédios, para Caxambu. Na mesma época, entretanto, o povo de Pouso Alto, encomendara também, uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, tendo ambas chegado na mesma época ao Brasil, e por uma ocorrência até hoje inexplicável a imagem de Nossa Senhora da Conceição destinada a Pouso Alto foi parar em Caxambu e a de Nossa Senhora dos Remédios, padroeira daquela estância veio parar em Pouso Alto. Tendo isto acontecido, os católicos deste com daquele povoado não quiseram efetuar a troca das imagens e até hoje permanecem trocadas, nos templos de Caxambu e Pouso Alto. Isto se deu em 1748."
Foto:
Carimbo Oficial da Capela de 16 de setembro de 1890.
Fonte:
VILELA, Luiz Alexandre Guimarães, em Pouso Alto - Relicário da História de Minas
Revisão:
Paulo Barcala

quinta-feira, 1 de julho de 2021

Em memória à minha mãe, Arminda Maria Ayres/Nomes, lugares, gentes/ Piracicaba/ Baependi no tempo de 1870


Certidão de óbito de Joao José de Lima, falecia em 1875 e seu escravo, Francisco, falecido um ano
 antes, 1874; ambos foram sepultados no cemitério de Santo Antonio do Piracicaba no ano de 1875. 

Minha mãe é culpada. Muitos dos nomes de lugares ouvia de minha mãe ficaram na minha memória. Cinquenta anos depois fui buscar as raízes. Os arquivos consultados foram os registros de óbitos da região de Piracicaba, hoje bairro de Baependi, onde ela morou. No rio Baependi, na altura do Gamarra,  minha bisavó perdeu a vida. Ela se afogou ao cair de uma pinguela num dia de chuvas torrenciais de janeiro.

Nos arquivos  pesquisados também se encontra o registo do mais antigo ancestral da Família Ayres dJoão José de Lima e Silva (1798-1876), casado com Joana Thereza Ribeiro de Lima (1807-1860), sepultado no Cemitério de Santo Antonio do Piracicaba, Baependi.

Na década de 1870, Piracicaba e seus arredores, as localidades tinham muitos nomes, nomes relacionados a toponimia ou a pessoas.

Tive a paciência de colecionar os nomes, alguns conservando a ortografia e muitas repetições, escritas pelo pároco, que sabia bem onde as pessoas moravam. Eles foram compilados do livro de óbitos de Piracicaba entre os anos de 1869 e 1891; quase três décadas as fronteiras territoriais eram divididas com Baependi, Aiuruoca tinham muitos nomes. Hoje as localidades fazem parte do Parque Estadual da Serra do Papagaio. As referencias geográficas e o nomes caíram no esquecimento, outros permaneceram.

Baependi, Palmital, Lage, Piracicaba, Chapeo, Lagoinha do Chapéu, Lagoa, Gamarra termo da Lagoa, Santo Antonio do Piracicaba, Serra do Paula, Serra, Itahúna, Vargem, Congonhal, Fazenda de São  Pedro, Capoeirinha, Lagoinha, Passagem, Cubatão, Capão, Bananal, Rego d`Agua, São  Pedro, Serra do Paula, Lage da Cachoeirinha, Andradas, Gamarra acima da Passagem, Serra da Lagoa, Boa Vista do Chapeo, Prateado da Lagoa, Serrada Prata, Monte Seco, Serra da Aiuruoca, nas Vargens, Barra do Palmital, nos Limeiras, na Serra termo d`Alagoa, Casa Branca, Buracão, Boa Vista, Chapeo de Cima, Serra do Capão, Matto Dentro, Três Pinturas, na Ponte, Freguesia da Lagoa, no Theotonio, nos Felipes, Serra do Theotonio, Serra do Mato Dentro, Lagem, Gamarra termo da Lagoa, Theotonio do Termo da Lagoa, Gamarra baixo, Serra Baixa, Gamarra do Belém, Gamarra do Distrito d`Alagoa, Capão Triste, no Pica Pau, Serra da Lage, Capão dos Gomes, Fazenda do Sobrado, Gamarra da Lagoa, Chapada.

Que nossos ancestrais estejam em paz na eternidade.

domingo, 28 de março de 2021

Posto de vacinação de Caxambu/ Memórias de uma arquitetura


Quem se lembra do posto de vacinação de Caxambu? Muitos dos caxambuenses, que hoje estão espalhados pelo mundo afora, e que vivem sem as sequelas daquelas temíveis doenças infantis foram levados pelos seus pais para vacinar. O posto ficava na esquina da rua Major Penha com a rua Dr. Viotti, (foto). O prédio não existe mais, como podem ver nas fotos, mas ficou na lembrança. 

Lá tivemos as nossas bocas abertas pelos médicos e enfermeiras, que ajudavam na vacinação, e recebemos aquelas gotinhas que nos salvaram da paralisia infantil. Eu fui uma delas! Meus pais nunca duvidaram da medicina. Principalmente ele, José Ayres, eletricista de profissão, que acreditava na ciência, no progresso da humanidade. 

Hoje a ciência esta muito mais avançada. O Brasil conseguiu erradicar a temível varíola. O último caso notificado no Brasil foi em 1971 e no mundo, em 1977. A atuação do Plano Nacional de Imunização, PNI coordena a estratégia de vacinação nacional com sucesso, com vacinas certificadas pelas Organizações Mundial da Saude (OMS) em coordenação com o SUS, Sistema Único de Saude. Com sucesso as metas de imunização foram consolidadas e hoje doenças como sarampo, tétano neonatal foram drasticamente reduzidas. Outras doenças também formam controladas pela vacinação como difteria, coqueluche e tétano, hematite B, meningites, febre amarela, formas graves de tuberculose, rubéola, caxumba.
Alguém ainda duvida?

Fonte: 
Ilha do Conhecimento
Fotos:
Fotos Antigas de Caxambu
Google

domingo, 17 de janeiro de 2021

Um dia de Natal na casa de Rodolfo Weber e dona Emilia


"Tudo ai era português, a começar da loja dos Guedes e terminar no sonhador que descobrira as fontes de águas mineral, o Venâncio, Depois começaram a emigrar de Baependi os italianos - e Caxambu se encheu dos Viotti. Os sírios, os libaneses, os humildes turcos chegaram depois e o Bechara, o José Calil, o Abdallah, os Sarkis, mascates de uma genialidade itinerante que punha no chinelo a matreirice mineira, foram os antecessores de meu pai no lugar."(1) 

Este texto, de David Nasser, retrata bem o perfil dos imigrantes que vieram para a cidade no início do século passado. Caxambu teve o privilégio de contar com eles, que ajudaram a escrever a sua história econômica e política. Hoje vamos contar sobre austríaco Rodolfo Weber, um imigrante tardio se compararmos com os seus antecessores. Ele chegou à cidade na década de 1940 e não a deixou mais. Suas obras podem ser vistas na região urbana  e nos arredores, parte escondida nos seus alicerces. Permanecem não só o seu trabalho em concreto, mas também uma geração de filhos e netos. Vamos lá!

O pai, um pintor famoso

Antes de falarmos sobre seu Rodolfo, temos que falar de seu pai, também Rudolph Weber, pintor conhecido da Academia de arte de Viena. Nascido em Spitz, Austria, em 1872, casado com Karolina Burnner (1889-1926), com quem teve três filhos: Marianne, Hans e Rodolfo (1906-?). 

Em 1900 Rudolph muda-se para Spitz an der Donnau e concentra-se em retratar os seus arredores. Convocado para a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), serviu como tenente oficial na marinha. Ao voltar para a casa, teve grandes dificuldades para se adaptar à nova vida, conta o bisneto Rodolfinho. O bisavô tinha alta patente militar e estava acostumado a ser servido. Karolina, que tinha se mudado para interior, estava mais  preocupada em dar comida aos três filhos. Ela falava em criar porcos para atender a demanda da cozinha, enquanto Rudolph pensava em suas telas de pintura. Ela falava em pão e ele, de arte. Duas diferentes visoes de mundo, que levaram à separação do casal. 

Rudolph casa-se então com a pintora Anna Tischler (1881-1955). Ambos faziam parte da União de pintores de Wachau. Juntos fizeram viagens, retratando paisagens italianas do Tirol, do Lago de Garda e de Adria. A partir de 1933, ele se ocupa em pintar a cidade de Krems an der Donau (foto). À primeira exposição em 1919, em Krems, seguiram outras 40. Seus trabalhos eram regularmente apresentados na Wiener Künstlerhaus. Ficou conhecido pelas técnicas de aquarela, guache e pintura a óleo. Apesar do grande esforço de manter a União dos pintores, o tempo chegou. A associação se dissolveu em 15 de janeiro de 1978 e deixou a memória de pintores como Rudolph Weber, o pai de Rodolfo, que faleceu em Krems-Stein em 1949.



Karolina Brunner, mãe de Rodolfo Weber, aos 25 anos de idade fotografada
em 1914. Ao fundo a residência da família de Rodolfo Weber no interior da Áustria.

Karolina teve um triste fim. Ela faleceu num acidente, aos 38 anos de idade, quando levava marmita para o genro, tendo seu vestido se enroscado numa turbina elétrica. Foi encontrada sem vida. Rodolfo tinha então 20 anos. As informações de como, onde e por quem os filhos foram criados nos faltam. Muitas lacunas ficaram. Elas estão para sempre sepultadas com os que se foram.

Uberaba, Uberlândia

O que pudemos resgatar, pelo esforço, telefonemas, conversas com o seu bisneto, Rodolfinho e sua mãe, nora de Rodolfo, pusemos neste texto.

Rodolfo Weber filho nasceu na cidade de Spitz, Áustria em 24 de maio de 1906. Imigrou muito jovem para o Brasil, mais especificamente para Minas Gerais. Ele chegou ao Brasil quando o Estado promovia a modernização da infraestrutura urbana dos municípios. Rodolfo deixou suas obras espalhadas por algumas cidade minieras. Como não possuía documento ou diploma que comprovasse sua qualificação profissional em engenharia civil com especialização em alicerces, foi declarada como profissão na sua certidão de casamento "pedreiro". Mas o que isso importava na época? A competência nos trabalhos confirmava sua formação profissional. Mão de obra especializada era valiosa para aquele momento que o país vivia. 

Inicialmente fixou-se em Belo Horizonte, onde se casou com a vienense Emília Antonia Suatek (24/5/1906-?) num dia que se anunciava a primavera, 20 de setembro de 1930. A prometida noiva, que tinha ficado à espera na Áustria, foi recebida no porto do Rio de Janeiro. O pretendido noivo financiou sua passagem para o Brasil com dinheiro ganho na... loteria. Emilia embarcou no vapor sem certeza de que ele a esperava. Uma aventura! Imaginem, não tinham telefone nem celulares. Mas na chegada, lá estava ele de chapéu de palheta à sua espera... Inesquecível. Da união nasceram quatro filhos: Rodolfo José, Christina Mari, Günther Hans e Emi Lucia.

Em Belo Horizonte trabalhou como mestre de obras, atuando na construção de igrejas. A igreja de São José, no bairro Barro Preto foi uma delas. Sua especialidade era erguer as sólidas bases de concreto armado.

 
Rodolfo morou ainda em Uberaba e Uberlândia antes de ir para Caxambu. Desde o início da colonização do Brasil, as duas cidades já eram ponto de confluência das províncias de Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, e por isso, se tornaram um importante centro mercantil. Por Uberaba passaram boiadas, sal e outro, gêneros alimentícios. Em 1922 a Câmara Municipal de Uberaba aprovou um projeto de saneamento da cidade que somente pode ser realizado em 1937. A cidade passou por intervenções importantes no denominado "Saneamento e Planta de Extensão de Uberada", de autoria do engenheiro Saturnino de Britto executado pela Empresa Mineira de Construções tendo Rodolfo à frente como mestre de obras na canalização do Córrego das Lages, (foto). Na década de 40, Uberaba era uma cidade elegante, quase... européia. Lá que nasceu Gunther primeiro filho de Rodolfo. (foto/Praça Rui Barbosa).

Foto l ponte entre Uberaba e Uberlândia; foto 2 e 4 obras de canalização do Córrego das Lages, em Uberaba; foto 4: Rodolfo com sua motocicleta da marca India, presente de Emilia; foto 5: obra concluida.

Em Uberlândia, entre 1937 e 1938, Rodolfo fo gerente da loja Ocatiba, que tinha sede em São Paulo e era especializada na venda material de construção e ferragens. Foi lá que ele adquiriu experiência no ramo de negócios.

Rodolfo estava fazendo uma obra em São Lourenço, no início dos anos de 1940, quando foi chamado para trabalhar em Caxambu na construção do Cassino Glória (foto 4). Com projeto de Freire e Sodré, uma dupla de arquitetos cariocas responsáveis por inúmeras edificações pelo Brasil afora, o cassino foi inaugurado em 1942. A firma manteve Rodolfo sob contrato para erguer o Hotel Gloria, terminado em 1946.

Dona Emilia ainda não pensava em fixar residência na cidade e achava que voltariam para Belo Horizonte, mas acabaram fixando residência na hidrópolis. A vida seguiu. Como mestre de obras, prestava acessoria a diversas construções e administrava uma pequena loja de material de construção ao lado de sua residência, a única da cidade. O estabelecimento era gerido pela sua esposa na sua ausência. Quando o trem ainda rodava nos trilhos, chegavam à Caxambu vagões de cal e cimento a seu pedido. Caxambu também vivia um boom na construção de prédios.

 

Trabalhou na construção da Casa Oriental (foto 5, de costas) e ajudou a reerguer o Colégio Santa Terezinha (foto 1) após o terrível incêndio em 1960. Dirigiu as obras dos Edifício Halle e Aparecida (foto 6), seu último grande trabalho. Meu pai trabalhou em ambos como eletricista. No currículo de Rodolfo, também consta a coordenação das obras da ponte sobre o rio na cidade de Cruzília (foto, 3) e a ponte sobre o rio Taboão, além de obras no colégio Santo Ignácio em Baependi. Na foto 3, uma residência em Caxambu.

Em 1952 entrou com o pedido de naturalização, ano também em que foi padrinho de batismo de minha irmã Elizabeth Ayres. Foi candidato a prefeito de Caxambu pela UDN, União Democrática Nacional, em 1962, partido chefiado pelo Dr. Acácio de Almeida, perdendo para Abel Murta de Gouveia, que posteriormente foi cassado pelo regime militar em 1964. No mesmo pleito concorreu pelo PSD Edmundo Dantas. Estas últimas informações foram enviadas pelo atento leitor e colaborador várias vezes deste Blog, Antonio Claret Maciel dos Santos.

Álbum de família/As Emílias/ três gerações: as Omas/lembranças 


As gerações de brasileiros de imigrantes austríacos. Emilia Antonia Suatek (homônima de sua mãe) em sua felicidade com sua filha Emi e seu neto Rodolfinho (foto 1). No colo de Emilia Antonia Suatek, avó, Oma, em (foto 2 e 3) Rodolfo bisneto, conhecido por Rodolfinho, orgulho da bisavó, a "oma" que levava o bisneto à missa empedernidos das roupas de domingo e depois iam passear no Parque das Águas. 

Em busca das raízes


Em 1970 a neta de Rudolph, Emi Weber à esquerda e Adila Weber, nora de Rodolfo Weber fizeram uma visita à cidade de Krems. A cidadezinha continua lá com sua história, suas ruas, suas lembranças. 

Passados mais de 50 anos, o cheiro dos pães de mel com chocolate ainda estão no meu nariz, e a mesa de coberta de guloseimas, numa tarde de Natal, quando visitamos a família Weber em sua residência. Na soleira da porta estava a Grossmutter, primeira palavra em alemão que aprendi a falar. Exatamente nesta porta e exatamente vestida como a foto. Era a mãe de Emilia, também Emilia, que não falava português, e brincava com um novelo de lã e um gatinho. 
 
Agradecimentos:
Agradeço à família Weber por confiar tanta informação e material iconográfico, particularmente ao Rodolfinho e sua mãe, Adilia Weber, que forneceram valiosas informações para que pudéssemos contar a sua história.
Foto:
Todas as fotos dos Weber são do arquivo privado da família, cedidas gentilmente por Rodolfo Weber, neto de Rodolfo, conhecido como Rodolfinho.
Foto de Fernando Niman da construção da Casa Oriental.
Foto do Cassino Glória cedida por Julio Jeha.
Fonte:
KRUG, Wolfgang:Wachau. Bilder aus dem Land der Romantik. Aus der Sammlung des Niederosterrichen Landesmuseum und der Topographischen Sammlung der Niederösterreichen Landesbibliothek.

Arquivo Público Municipal de Uberlândia, acervo Naguettini in SIMAO Pamela Aparecida Viera -Cidade e fotografia: Espaços e história na produção do fotógrafo Angelo Naguettini, Uberlândia (1940-1950)

Silveira, Leonardo José in Evolução do centro urbano de Uberaba/ MG/ Brasil
Miranda, Ana Paula Tavares, in Arquitetura Moderna no Triangulo Mineiro e Alto Paranaíba, indicios para a constructor de uma cultura arquitetônica (1945-1975).

Lourenço, Luis Augusto Bustamante, in Das Fronteiras do Império ao coração da república: O território do Triangulo Mineiro na transição para a formação sócio- espacial capitalista na segunda metade do século XIX- São Paulo, 2017.
(1) Revista O Cruzeiro, David Nasser
Agradecimentos:
Julio Jeha