segunda-feira, 22 de abril de 2024

Mundanas/ Lua de mel em Caxambu

 

Os recém-casados Ophélia e Carlos em frente à casa dos
 pais dela.

Caxambu era chique, sim. A hidrópolis foi povoada e visitada por muita gente chique e rica. A foto remete ao texto em que contamos a origem e o desaparecimento da Villa Julia, construída na praça 16 de Setembro, no centro de Caxambu no início do século. O casal em questão era Ophélia Pereira e Souza, filha do comendador José Pereira e Souza, sócio da conhecida Casa Lucena, que comercializava obras sacras, exportadas para várias partes do país, além de lojas com confecção de roupas. Ophélia era a segunda filha de Pereira e Souza e como as senhorinhas bem casadas e ricas da época, tinha aulas de canto com professoras vindas da Europa. A referência cultural do Brasil, no início do século, ainda com resquícios de colônia, era a Europa, onde a família Hue fazia suas incursões turísticas.

O consorte, não menos rico, Carlos Hue Júnior, "comerciante e filho de capitalista", como foi descrito pelo  jornal O Imparcial, era filho de Charles Hue que fazia parte do conselho fiscal da firma Anglo Sul Americana de seguros marítimos e terrestres, sediada no Rio de Janeiro. 

Os nubentes no casamento civil. Alegres? Tristes?

Europa por Europa, eles foram passar a lua de mel em Caxambu. Onde mais poderia ser? Seu pai possuía um "palacete", a Villa Julia situada na área central da pequena e charmosa cidade, uma estância hidromineral em ascensão. Ele resolveu construir o palacete em homenagem à sua esposa, Julia Barbosa, por volta do início do século. 

O casamento civil foi realizado em 30 de setembro de 1916, na residência da família Hue (fotografia acima), situada na rua Voluntários da Pátria, Botafogo, Rio de Janeiro, onde hoje fica o   Centro Municipal de Saúde (CMS) Dom Hélder Câmara. A cerimônia religiosa foi realizada na igreja da Candelária pelo cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro (foto abaixo). E foi tão pomposo, tão pomposo, que receberam um telegrama do papa Bento XV, felicitando os nubentes! Como padrinhos, os fundadores da Casa Lucena: o conde e condessa Lucena. Tudo pra lá de chique! 

E lá foram eles passar a lua de mel em... Caxambu.


Fonte:
 
Beira Mar, Ipanema, Copacabana, Leme, 1922 a 1955, RJ.
O Careta, 1909 a 1964, RJ.
A União, 1905 a 1950. RJ.
O Imparcial: Diário Ilustrado do Rio de Janeiro, 1912 a 1919, RJ.
Almanak Laemmert: Administrativo, Mercantil e Industrial, 1891 a 1940, RJ.
O Pharol, 1918 a 1935, MG.
A razão, 1916 a 1921, RJ.
A Faceira, 1911 a 1913, RJ.
Revista Fon-Fon
Agradecimentos: 
A Julio Jeha, sempre

terça-feira, 12 de março de 2024

Villa Julia/ Se as casas contassem... /Os tempos de glamour e glória/ Um palacete em Caxambu onde se hospedou o presidente Wenceslau Bras, em 1918.



A Villa Julia desapareceu da paisagem urbana de Caxambu, bem como as histórias que por ela poderiam ser contadas. José Pereira e Souza, proprietário do imóvel era gerente da Casa Sucena, conhecida no Rio de Janeiro por comercializar obras sacras no início do século passado, além de roupas e tecidos.
Porque ele teria escolhido Caxambu para construir sua villa? Talvez pelas razões  que outros o fizeram: passar temporadas de verão na bela hidrópolis, beber suas águas, desfrutar do clima de montanha e repor as energias para voltar aos negócios no Rio de Janeiro. José Pereira e Souza era conhecido como tradicional comerciante da cidade e resolveu construir uma residência, que levou o nome de sua esposa Julia Barbosa (1868-?), com quem casara em 1896.  Pode-se dizer que a residência foi construída após esta data. Villa Julia era considerada pela revista Fon-Fon como "palacete". E era! Uma casa daquelas construída na área mais nobre da cidade, quase ao lado do Parque das Águas. Era o luxo! 

Pereira e Souza era português, nascido em 24 de fevereiro de 1866 na freguezia de Cepas, Conselho de Fafe, Portugal. Veio para o Brasil em 1877, em companhia de seu tio, e por motivo de doença, retornou a Portugal. Em 1889 volta ao Brasil e vai morar em Belém do Para, onde dedicou-se ao comércio de roupas, "casas de modas" como era chamado. Mas foi aconselhado pelo médico a procurar outro clima, e ele se mudou para o Rio de Janeiro, chegando pouco dias antes da proclamação da República, em 1889. Logo achou emprego na Casa Sucena, e, em 1892, José Pereira e Souza assumiu a gerencia definitiva do estabelecimento, quando o Conde de Sucena, o antigo proprietário se desligou da sociedade. Não vamos duvidar que Pereira e Souza tenha tido muito boas relações com o outro português Costa Guedes, proprietário da Casa Guedes, pois além de terem em comum suas residências em Caxambu, participaram ativamente de inúmeras iniciativas em prol da comunidade portuguesa no Brasil. O comendador Pereira reconhecia assim o poder curativo das águas. Ele frequentava não somente a estância hidromineral de Caxambu. Em sua viagem no ano de 1908 a Portugal, deu uma esticada até a França para tomar as águas de Vittel.

O Conde Sucena, de quem Pereira e Souza adquiriu a Casa Sucena, era também português. Nasceu em 1850, na Borralha, emigrou para o Brasil aos 17 anos e fez fortuna no Rio de Janeiro. Aos 22 anos já era sócio de uma empresa de vestuário que, em 1886, passou a ostentar o seu nome. O estabelecimento comercial inaugurado em 1806 era um dos mais antigos estabelecimentos comerciais do Rio de Janeiro. O conde era um homem rico e visitava frequentemente a Europa, abrindo casa de negócios em Paris. Em Minas, já sob  administração de Pereira e Souza foi inaugurada, em 1897, a filial de Juiz de fora. Bem, assim vão se conectando as histórias que foram dar em... Caxambu.

Da união nasceram de Pereira e Julia nasceram sete filhos: Maria Luiza Pereira de Souza (1897-1972); Ophelia Pereira de Souza (1899-1945); José Pereira de Souza (1901-1980); Deolinda Barbosa Pereira de Souza (1902-1986); Julia Pereira de Souza (1902-1986); Zélia Pereira de Souza (1904-1982); Maria do Carmo Pereira de Souza (1906-1976), que muito provavelmente, frequentaram a residência nas temporadas de verão da hidrópolis. 

Políticos e política
Na foto, Raul de Sá, no centro, Wenceslau Brás à direita, de terno escuro;
 abaixo à direita, seus filhos em frente ao palacete, 1918.

Pereira e Souza era muito bem relacionado com a política e o clero, e a Villa Julia foi palco de um acontecimento importante para a época. Nela hospedou-se o presidente do Brasil Wenceslau Brás (1914-1918), em visita à Caxambu, em final de mandato. Ele esteve na cidade com sua comitiva, que consistia não somente de seu assistente pessoal de gabinete o baependiense Raul de Sá (1889-1953), mas toda a família. Wenceslau Brás era amigo do comendador Pereira e Souza
 
O então presidente nasceu na cidade de São Caetano da Vargem Grande, hoje Brasópolis, na vizinha Itajubá, MG, em 26 de fevereiro de 1868. Foi empresário, advogado e político, exercendo a presidência do Brasil entre 1914 a 1918. Ele presidiu o Brasil em tempos conturbados. Três grandes acontecimentos históricos de repercussão mundial sucederam no seu governo: a Primeira Guerra Mundial, a eclosão da Gripe Espanhola e a primeira greve geral da história do Brasil em 1917. 


Na foto os políticos e autoridades em visita ao Parque das Águas, em 1918.
Da esquerda para direita: comandante Dodsworth Martins da Casa Militar do governo;
Dr Magalhães Viotti, prefeito de Caxambu; senador Eduardo do Amaral, candidato do P.R.M. à vice-presidência do Estado; presidente Wenceslau Brás; deputado João Lisboa; ministro da fazenda Antonio Carlos; dr. Policarpo Viotti, clínico em Caxambu.







Villa Julia

Sua filha Ophelia Pereira (1899-1945) e seu marido Carlos Hue Junior (1892-1971), casados em setembro, provavelmente em lua de mel, em Caxambu, foram fotografados no ano de 1916, praticamente em frente à casa de seus pais, tendo como fundo o coreto e a cascatinha, obra do Chico Cascateiro, na praça 16 de Setembro. Em que ano exatamente foi construída? Quando e porque foi demolida? Não sabemos. Preciosos documentos da cidade de Caxambu foram perdidos num incêndio, segundo meu pai José Ayres, criminoso. Assim ficamos somente com a memória das fotografias e os fatos políticos publicados nos jornais. 
 
Sabemos que Pereira e Souza faleceu aos 51 anos de idade, no Rio de Janeiro em consequência de um escleroma cerebral, acidente vascular cerebral, em 29 de setembro de 1921.
 
Se os descendentes continuaram a frequentar a Villa Julia após esta data, não sabemos e, infelizmente o tal palacete não existe mais, tendo somente a praça  16 de Setembro e as obras do Chico Cascateiro  como testemunhas de que ali existiu uma casa que seria importante para contar um pouco da história, não só de nossa cidade, mas da política brasileira. Na ocasião da visita de Wenceslau Bras se discutiu a instalação da escola agrícola, que viria a ser a Escola Agrícola Wenceslau Brás. Ah, mas essa já é outra história que vamos contar.


Fotos:
Centro de Documentação Histórica da Fundação   Getúlio Vargas
Revista Fon-fon
Novo Milênio: Histórias e Lendas de Santos: Santos em várias épocas - 1913- Impressões do Brasil
Fonte: 
Centro de documentação Histórica da Fundação Getúlio Vargas
Wikipédia
Jornal Mineiro: 1898 a 1900
O Baependiano
O Arauto 
A Verdade 1886 a 1896
O Pharol 
Revista Industrial de Minas Gerais - 1893 a 1897
 
Agradecimetos:
A Julio Jeha, sempre

domingo, 25 de fevereiro de 2024

Caxambu Policial/ Martinho Candido Viera Licio/ Um delegado de policia com cravo de flor (de verdade) na lapela



Quando Martinho Cândido Vieira Lício faleceu, a cidade sentiu um grande pesar. Seu corpo foi velado num dos templos de educação da cidade, o Grupo Escolar Padre Correia de Almeida, onde a família recebeu as condolências e as últimas homenagens. 

E, antes de por as mãos no teclado para escrever sobre Martinho Lício, fui fazer uma consulta à nossa biblioteca Familiar Celia Ayres. Não deu outra:

"Ele era um político feroz. Trabalhava na prefeitura e andava com um cravo de flor na lapela esquerda. Antigamente usava-se flor na lapela, broche, flor legítima. Onde ele chegava todos se calavam. Era o manda-chuva da cidade, o padrinho do Caxambu inteiro! Andava de bengala cumprimentando todo mundo. Teve um ano que não passei de ano. As professoras não tinham pedagogia para ensinar. E lá foi mamãe (vó Gervásia) pedir os seus préstimos. 
- Compadre, estou enroscada. Célia levou bomba no Santa Terezinha, e não querem que ela continue. 
- A senhora pode ir para casa, que eu vou resolver. E lá foi ele: 
- Quero que vocês façam a matrícula de Célia.
- Sim Comendador. "Célia foi novamente registrada e passou de ano, e... se tornou professora do Grupo Padre Correia de Almeida e depois foi lecionar no famoso Colégio Pedro II no Rio de Janeiro, onde se aposentou. Então, valeu, seu Martinho Lício!

Mas Martinho Lício já interviera em favor da família Ayres. Ele trabalhava na prefeitura de Caxambu, quando a minha tia-avó, Josephina Ayres (1869-?) perdeu seu filho José, que ajudava seu tio e tropeiro Cecílo Ayres a levar uma boiada para São Paulo. A tropa foi assaltada, e José morto. Após a tragédia, Martinho Lício teria ajudado Josephina a construir uma pequena casa no terreno de Sá Delphina, dona de terras no bairro Trançador. Essa história foi constada por Silvio Ayres e registrada por Graça Silveira e Vander Silveira em São José dos Campos, em 2017. Assim ficamos sabendo que ele também fez parte da história da família Ayres. 

Martinho Lício era natural de São Tomé da Letras, nascido em 27 outubro de 1864, filho de Martinho Vieira Lício e Maria Marfisa Vieira Lício. Veio moço para Caxambu e se tornou chefe político da cidade. Sua carreira como funcionário público se iniciou em 1893, quando encaminhou um requerimento solicitando a nomeação de uma comissão, a fim de se habilitar para o oficio de justiça. E em maio de 1894, mediante concurso, foi nomeado escrivão para o distrito de Caxambu. Foi o único candidato.

Martinho Lício casou-se em marco de 1902, na ainda denominada Capela Nossa Senhora dos Remédios, com Brasilina de Oliveira Itagiba Vieira.Casado com Vitalina dos Santos em segundas núpcias nasceu Martinho Cândido dos Santos (1905-1985) que futuramente se tornaria tenente brigadeiro da aviação, intervindo politicamente, em 1953, para que a antiga pista de pouso Tenente A`Relly, fosse reformada e transformada no Aeroporto de Caxambu. Tenente A 'Relly foi o aviador que pilotou o primeiro avião que sobrevoou a cidade de Caxambu num KC-124, em 1931. O aviador perdeu a vida num acidente aéreo, e Martinho Lício resolveu homenageá-lo, batizando a pista de Tenente A'Relly que foi inaugurada em 1932.

Em 1910 era secretário do então Ginásio de Caxambu e, em 1916, na administração do dr Polycarpo de Magalhães Viotti constava como escrivão civil, além de ocupar a cadeira de inspetor escolar na "instrução pública", quando regiam as professoras Alice Andrade, Argea Castilho, Elisa Nogueira de Andrade e Leovegilda Castilho. Timão!

Martinho Lício, com a patente de coronel, foi fotografado com seus ajudantes  para a revista Fon-Fon em 1922. Podemos supor que a ligeira sombra branca da foto pode ser o cravo a que minha tia Célia se referiu.

Sentados (da direita para a esquerda) dr. Hernani Ferreira Braga, delegado de polícia; Coronel
Martinho Lício, escrivão da delegacia. Em pé (da esquerda para a direita) cabo Affonso Pinto 
de Freitas, comandante do destacamento de praças, 1922, Caxambu.

Em 21 de dezembro de 1966, no governo de Israel Pinheiro, o Fórum da Comarca de Caxambu passou a se chamar Coronel Martinho Lício pela lei n. 4307 da mesma data. Martinho deu seu nome também a ruas de Caxambu e Baependi. 

Faleceu aos 72 anos de idade, na residência de seu filho, Martinho Cândido dos Santos, no Rio de Janeiro, em 12 de outubro de 1937, em consequência de uma nefrite crônica. Foi velado no Grupo Escolar Padre Correia de Almeida (foto ao alto) onde os caxambuenses lhe prestaram as últimas homenagens.

Foto:
Revista Fon-Fon
Fonte:
Almak Laemmert Administrativo, Mercantil e Industrial, RJ, 1891-1940
O Patriota
Minas Gerais: Orgam Official dos Poderes do Estado (MG) - 1892-1900
Agradecimentos:
A Julio Jena, sempre
Nota:  Não há como saber quem são os autores de alguns documentos iconográficos publicados em nossas postagens, nem a quem pertencem os direitos autorais. Acolherei qualquer reivindicação dos detentores de seus direitos.

domingo, 4 de fevereiro de 2024

O fantasma do comunismo rondava Baependi em... 1879?

 


Não podemos ter ideia do que se passava na cabeça do jornalista Amaro Nogueira, editor de O Baependiano, ao publicar a nota sobre "comunistas" em Baependi, no ano de... 1879. Sim, bem longe das ideias do velho Karl Marx e acontecimentos políticos da época, Amaro Nogueira associou o roubo na propriedade de João Almeida Pedroso, na Lavrinha, região de Baependi, ao comunismo. João  de Almeida Pedroso (1819-12 fev 1881), natural de Sorocaba, SP, tinha patente de tenente coronel e foi casado com Prudenciana Nogueira de Sá. Era um dos homens mais ricos da região, constando no Almanak Sul Mineiro de 1874 como comerciante e "capitalista".   Foi ativo na política da província, sendo eleito representante pelo partido Liberal.  Possuía um grande número de escravizados. 
 
A cerca foi roubada "no decurso de uma semana", quando levaram a madeira avaliada em 20 carros, isto é, a quantidade equivalente a ser transportada em vinte carros de boi. O prejuízo foi não somente a perda da cerca, mas sua ausência permitiu que o gado danificasse a lavoura, bem como a plantação de café.

Mas vamos lá para decifrar as coisas e palavras. Fui pedir ajuda à Wikipedia. Comunismo vem do latim comunis e é um sistema ideológico e um movimento político e filosófico, social e econômico, cujo objetivo é o estabelecimento de uma sociedade comunista, ou seja, uma ordem socioeconômica estruturada sob as ideias do igualitarismo, propriedade comum dos meios de produção e na sua ausência de classes sociais, do dinheiro e do Estado. Ei! Aqui ninguém falou em roubo! Mas não, o jornalista  que lia as notícias vindas da Europa, dos conflitos da insurreição popular na França, em 1871, conhecida por Comuna de Paris, e as inquietudes provocadas pela Revolução Industrial na Inglaterra, apelou para o medo dos "comunistas", e parece que até hoje este bordão é usado.
 
Fonte:
O Baependiano, 1879.
Paula, Juliano Tiago Viana de. A manutenção da escravidão: desigualdades socioeconômicas, comparado e hierarquias sociais no Sul de Minas - Vila de Santa Maria do Baependi, 1830-1888, 2018.
Genealogia Paulistana Título Bicudos.
Familie Search
 
Agradecimentos:
A Julio Jeha, sempre