domingo, 17 de janeiro de 2016

A origem do sobrenome Lima



 Lima, o rio do esquecimento

Os romanos o denominaram de Lether, (a palavra também pode der se origem Celta, ou Liguria) que significava esquecimento, pois acreditavam que quem o atravessasse perderia para sempre a memória do passado. O rio Lima, que corre em direção ao oceano Atlantico, a noroeste de Portugal, na Galicia, foi a mais importante via de comunicação até à construção das estradas reais, abastecendo as vilas, regando campos, dando vida à pequenas povoações às suas margens. Veja no mapa o percurso do Rio Lima
O nome "Lima" é de origem toponímia, isto é geográfica, e aparece pela primeira vez na história como sobrenome em uma família portuguesa: D. João  Fernandes de Lima, o bom (?-1245),  filho de D. Fernando Arias. Ele  foi o primeiro a levar o sobrenome "Lima", pois a família vivia próxima ao Rio Limia, atual rio Lima, (foto). 

História de rios e pontes

A ponte  original foi construída pelos romanos, daí se associar Lima à palavra latina, "limes", de limites, paliçadas, que separavam  terras romanas na Europa e localiza-se no Distrito de Viana de Castelo, região Norte e sub-região do Minho-Lima. É  ponte mais antiga de Portugal com características da arquitetura medieval. A "Ponte do Lima", como é conhecida , era a única passagem segura  em toda a sua extensão, até os finais de Idade Média. Esta bela construção desempenhou papel importante no tempo de D. João  I, e sendo o rio como ponto de referencia fazendo a comunicação entre as vilas do interior e os centros urbanos do litoral. Marco arquitetônico  serviu a milhares de peregrinos em direção à Santiago de Compostela, tanto naqueles tempos como hoje.

Do Minho para Minas

No final do século XVII a imigração portuguesa para o Brasil pode ser mais corretamente descrita como emigração do que colonização. O surto urbano que se deu na Colônia Brasil graças à mineração fez crescer a possibilidade de oferta de empregos para os portugueses.  A noticia de descoberta de ouro nas Minas Gerais correu mundo e em pouco tempo legiões de pessoas de diferentes partes de Portugal tomaram coragem e atravessaram o oceano em busca de fortuna no Brasil. Milhares de portugueses vendiam tudo para conseguir comprar uma vaga em algum navio que partia para o Brasil. Neste período vieram pessoas de todos os estratos sociais. Os mais pobres vieram com a esperança de mudar de vida, outros perseguidos pela Inquisição, outros por pura aventura. A maioria deles não tinha parentes ou amigos no Brasil, nem tampouco recursos financeiros. Os colonos enfrentavam uma média de 80 a 90 dias de viagem pelo oceano até chegar ao Rio de Janeiro ou a Salvador e dali prosseguiam viagem em direção à região mineradora. 

De início a Coroa Portuguesa incentivou a ida de minhotos pobres para o Brasil, onde se fixaram principalmente em Minas Gerais, mas o surto migratório em direção às áreas mineradoras da Colônia foi tão intenso que Portugal teve que baixar leis proibindo a migração de pessoas do Noroeste português para o Brasil.
Assim afirmavam as autoridades portuguesas: 
"Tendo sido o mais povoado, o Minho hoje é um estado no qual não ha pessoas suficientes para cultivar a terra e prover para os habitantes".

Mas João o José de Lima e Silva conseguiu um lugar no navio e partiu em direção à quase "terra prometida". Das pesquisas e origem dos habitantes da Comarca do Rio das Velhas, Minas Gerais, 66,93% de seus moradores procediam da região do Minho, portanto descendentes de famílias moradores ao longo do rio Lima vieram para Minas e sem sombra de dúvidas  podemos afirmar que nossos antepassados do ramo português  vieram de lá. Lembremos também que o primeiro registro oficial dos "Lima" se encontra em Pouso Alto, onde a família constou no Sensu Populacional de 1830. João José de LIMA e Silva (1798-1875)  com 41 anos, um potencial imigrante, juntamente com sua  esposa de 32 danos, Joana Thereza Ribeiro de Lima.

Lima, o rio do esquecimento? 

Os rios da história da Familia Ayres/ Lima  procederam de duas direções, uma da África e outra de Portugal e foram se encontrar no Brasil, dando origem à familia e continuará correr contando histórias por muitas gerações, mesmo quando não mais estivermos por aqui.
Lembrar para não  esquecer.

Foto
Fonte: Clovipor: Ponte de Lima, a primeira Vila de Portugal
            Wikipedia

domingo, 3 de janeiro de 2016

O crime de Suzana

Duas cruzes, dois destinos*

Em 1920 o chamado "Crime de Suzana" chocou na cidade e a quase um século o crime permanece na memória do povo e é história. Duas cruzes encontram-se ainda no sopé do Morro de Caxambu para lembrar o trágico acontecimento, levando muita gente a fazer peregrinação até lá, acender velas, deixar flores, imagens de Santos e orar por ela...

Domingo ensolarado. No início da primavera as temperaturas nas Águas Virtuosas de Caxambu eram extremamente agradáveis durante o dia, 23°. Não era raro a temperatura à noite cair aos 8° graus e a noite era bom não esquecer que puxar o cobertor. Os campos amanheciam ligeiramente brancos, cobertos por uma fina camada de gelo. O Diário da União de Minas Gerais, registrava:
"Geou esta manhã ..."

Ela  23, ele 26

Suzana Torrens, (na certidão de óbito consta como Masson (1897-1920) francesa de nascimento, trabalhava no comércio e Armando Baptista de Carvalho (1894-1920), pernambucano, farmacêutico, se conheceram, não sabemos se no Rio de Janeiro ou em Pernambuco, se apaixonaram e se casaram  antes dele viajar, acompanhando a Missão Médica brasileira à França,  no período da Primeira Grande Guerra Mundial.

"Só gente boa"

Medicos da Missão, 1920
Chefiada pelo médico e deputado José Thomaz Nabuco de Gouveia a Missão era composta de médicos, enfermerios, auxiliares na área de medicina e doutorandos, incluindo farmácia, intendencia e secretaria, e alocados nas difentes patentes militares.
Como os outros participantes, Armando foi escolhido diretamente por Nabuco e é provável que ele tenha sido contratado no último momento, pois não constou da lista oficial de participantes, publicado no Diário Oficial da Época. Um dos critérios era conhecimento do francês, e para ele talvez tenha sido mais fácil conquistar a "vaga". Lembremos que Suzana era francesa e talvez tenha aprendido a língua com  sua esposa.
Se por um lado relatos ouvidos que as nomeações, "foram baseadas na competência, e sem influencia política" e enfatizado que  "Por parte da Armada, só quero gente boa nesta expedição", as cartas do "missionário anónimo", publicadas no Jornal O Correio, tinha outra opinião: "Como sempre as nomeações atendiam as injunções políticas de toda a natureza".  Claro as nomeações por "pistolões" não foram invenção de hoje e quase que dobraram o número de participantes estabelecido para a missão. O "gente boa" era um argumento profissional, mas não de caráter. De qualquer forma, por competência ou pistolão, Armando foi para Europa.

Embarque do Navio "El Plata" frances, no porto
do Rio de Janeiro, 1918
O embarque no dia 18 de  agosto  1918, foi com muita festa no porto do Rio de Janeiro, mas eles não sabiam que a viagem seria tão  difícil.
Apos fizer uma baldeação em Dacar, norte da África,  tripulantes caíram doentes  contraindo a gripe Espanhola, e antes de desembarcarem ao seu destino, o porto de Marselha, a 24 de setembro, a guerra ja havia feito entre eles 4 vítimas.
Chegando à França  os médicos foram enviados em diferentes momentos da missão e com funções diversas a cumprir em várias regiões do país, mas foram também enviados à outras cidades como Bordeau, Bouges, Besancon, Marselha, Montpellier, Nantes, Reims, Rennes e Tours. Armando com a patente adquirida de "tenente-farmacêutico" atendeu doentes e chegou até a ajudar a fazer parto.

Rua do Catete,  Rio de Janeiro nos anos de 1920
Em marco  de 1919 já estariam quase todos os participantes de volta ao Brasil, inclusive Armando, que após sua missão na França, exercia a profissão de bancário. Pelo visto, mesmo com a perspectiva que tinham da experiência adquirida de galgar postos no trabalho, e talvez por isso, Armando foi exercer a profissão de bancário, e não de farmacêutico, trabalhando para o Banco Italiano de Descontos; estava bem integrado à sociedade carioca, residia no centro da cidade, na fervilhante Rio de Janeiro na Rua do Catete, 46 e levava até então uma vida normal. Até então...
Carimbo do Banco Italiano de Desconto, 1920

Façam uma visita histórica virtual à residência na Rua do Catete n° 46 . O prédio pintado é o branco em estilo "moderno", tendo à esquerda o prédio com a fachada do ano de 1907 e à direita do "Subway".

Voluptuosa e leviana

Suzana, segundo o jornal que reportou o crime, relatou que ela agia de forma "voluptuosa e leviana" e que parentes e amigos na época desaconselharam Armando a se casar. Os apelos foram em vão, pois seu coração estava apaixonado. Assim eles se casaram antes de sua partida para a Europa.
A ausência de Armando do país por quase 8 meses talvez tenha afetado o relacionamento e seu casamento não ia bem. Ele tinha suspeitas  que sua mulher o estava traindo.
Um dia, voltando do trabalho percebeu que sua Suzana não estava em casa, mas achou normal o fato  já que ela trabalhava de caixa na barbearia Double. Mas o tempo passou  e Suzana não voltou. Depois da ausência tão prolongada, Armando deu parte à polícia do seu desaparecimento. Diligencias foram feitas pela polícia, mas sem sucesso. Diante dos fatos, estava convencido de que Suzana o traía e procurou um advogado para iniciar o processo de divórcio.
Assim descrevia O Jornal que noticiou a tragédia:

"Não  se sabia como chegara ao conhecimento do empregado do Banco Italiano de Descontos o paradeiro de Suzana, nem os pormenores da fuga da esposa, quando telegrammas de Caxambu trouxeram a noticia da dolorosa tragedia ali desenrolada."

Enquanto isso nas Águas Virtuosas de Caxambu...


Caxambu cidade já famosa na época como "Águas Virtuosas", visitada por inúmeras figuras da vida política brasileira e constantemente noticiada nos jornais e revistas, de como era chic ir passar férias naquela cidade, (foto).

Embora Caxambu fosse aprazível para aos turistas, parece que  a viagem até lá não era tanto assim. Olavo Bilac, no ano de 1906, descreve: "Vale a pena aturar as 10 horas de viagem, pela "Central", pela "Minas e Rio", e pela "Sapucahy", só para travar conhecimento amável com os periquitos de Caxambu!" Mesmo assim os hóspedes tomavam a empreitada da viagem  e parece que os sacrifícios recompensavam.

O elegante e luxuoso Palace Hotel e seus nobres hospedes eram constantes aparições na Revista Fon-Fon que noticiava o que acontecia na sociedade carioca dos anos 20 e provavelmente Suzana era sua leitora assídua. Caxambu era moda e fazia parte do sonho da classe média-alta passar uma estação de veraneio nas "Águas Virtuosas". Não foi difícil adivinhar porque Suzana a escolheu então como destino de sua "fuga"...

A revista Fon-Fon nos dá uma pista quem eram os frequentadores da cidade. Na foto abaixo um grupo de hóspedes do Palace Hotel, cujas profissões eram fazendeiros, advogados, capitalistas, promotor público, vindos de várias partes do país, especialmente de São  Paulo, Bahia, sem falar dos cariocas, enfim gente que realmente era a nata da sociedade brasileira da época.



O palco do crime


Suzana já estava hospedada ha 4 dias no Palace Hotel, quando recebeu notícias da visita do seu marido. Segundo o jornal que noticiou o crime, ela foi encontra-lo na estação de Soledade de Minas e juntos chegaram a Caxambu. Muito provavelmente utilizaram os serviços do hotel, o Ford, ao lado, que levava e buscava os hóspedes na Estacão do Trem. O casal então almoçou no Hotel Bragança e depois seguiram para um passeio.

O calvário de Suzana




O que aconteceu no trajeto, entre o Hotel Bragança e até o local de seu assassinato ficaria somente entre eles. Naquele tempo, o caminho que levava ao morro de Caxambu não difere do que é hoje. À direita e esquerda de quem sobe em direção ao pico, ha a continuidade de mata, um prolongamento da área do Parque das Águas. Foi ali que Armando matou brutalmente Suzana à facadas e a tiros, suicidando-se após com um tiro na cabeça. Se fôssemos julgá-lo, seria condenado pelo crime premeditado. Ninguém carregaria uma faca e um revólver por acaso.

Perguntas e mais perguntas

Hoje, lançando o olhar sobre este crime brutal levantamos algumas questões intrigantes: Quem telegrafou para Armando avisando que Suzana estava em Caxambu e no Palace Hotel? Teriam eles, Armando e Suzana feito estação de veraneio em Caxambu em outra ocasião  e já eram conhecidos na cidade? Teria Suzana um amante de verdade? Fugiu Suzana com ele? Teria ela talvez recebido alguma ameaça do marido e por isso planejou a fuga? Perguntas que hoje não poderão  ser mais respondidas.

Lírios brancos para Suzana



Me lembro que minha tia Palmira, quando vinha a Caxambu, colhia lírios brancos do jardim de minha mae, a Dona Arminda e levava até o local do crime.

Suzana e Armando foram sepultados em 20 de setembro de 1920 no mesmo dia, no Cemitério Paroquial de Caxambu, como consta na certidão ao lado, documento este achado ocasionalmente, que me levou a escrever esta autentica história de um crime passional: O crime de Suzana, que faz parte da memória não somente da Família Ayres, mas da cidade de Caxambu.

Eustaquio Gorgonne eterniza o "Crime de Suzana" numa de suas preciosas cartas enviada em fevereiro de 2001.

Prezada Solange.

Espero que em sua cidade o inverno esteja menos invernoso, o sol mais solarengo, a felicidade mais feliz e que os pássaros já estejam cantando nas árvores e dentro dos despertadores. Espero também que tenha recebido as duas cartas que viajaram, no mes passado, dentro de um único envelope.

Aqui, onde nenhuma rua tem sabor, o céu continua azul e a noite aposta, em vão, suas belíssimas estrelas com os tolos parceiros de cidade. Só à tarde, há um ligeiro alvoroço : academias, igrejas, assembléias e aparelhos sonoros saem à caça da população. É o extase caxambuense.
Depois, a depressão,  Trançador, Rua da Palha, cemitério, Bosque, Isolamento, Alguém come-couve, Tião Louco, a Linha do Bonde, a Favela, o crime de Suzana, o sorriso dos Gadbens, matadouro municipal, o córrego Bengo, o tremendal, o morro, o asilo Sto. Antônio, as freiras de chapéu-grande, a moça esfaqueada, Sílvio Canjica, o casarão abandonado dos Guedes, o lago assoreado, a Rua dos Porcos, Alto dos Cabritos, o supermercado (onde vagam os catecúmenos da cidade), o bairro do Sare e da Mombaça, o reformatório chamado Patronato, enfim, uma perfusão de lúgubres paragens e personagens condenados ao vazio.

Foto: *Solange Ayres

Biografia

Cristiano Enrique de Brum - Medicina vai à Guerra: a missao médico-militar brasileira na Franca durante a Primeira Guerra Mundial (1918-1919), História: Debates e tendencias, UPF, Universidade de Passo Fundo, SC
O Jornal, 1920
Revista Fon-Fon
Agradecimentos a Pepe pelo envio do material iconográfico.
Foto: IBGE