domingo, 20 de abril de 2014

Justiniana a avó de todos e todas

Violinos de arcos quebrados
Natureza morta em afrescos
Insistem no mesmo roteiro
A memória em seu vehiculo
Apenas reúne as perdas
seculares

Eustáquio Gorgonne
Quando pensei que não mais poderia reconstruir a história da Família Ayres antes de Sabina Maria da Conceição (1865-?), mãe de Gervásia (1881-1971), acho nos arquivos a certidão de casamento de Justiniana, a Nana como era chamada, mãe de Sabina. Que satisfação! Também encontrei nos registros outros filhos dela, que até agora ficaram perdidos no tempo. E se não fosse a ajuda da memória da tia Célia...


Assim consta que Justiniana Maria da Conceição, aos 45 anos de idade, que foi escrava de João Ferreira Simões (como consta em 2 certidões de batismo de seus filhos Salviano e Sabina), casou-se num sábado às 2 horas da tarde, na Igreja Matriz de Baependi, em 20 de outubro de 1888, com Pedro, que foi escravo Gabriel Theófilo de Andrade, conhecido fazendeiro em São Thomé das Letras. A data provável de seu nascimento é 1943 e este registro até agora não foi encontrado. O certo é que Justiniana morou em Baependi, mais preciso, no Chapéu, batizando os seus filhos  na Capela do Piracicaba e na Igreja Matriz em Baependi. Foram eles: Camillo Ferreira Junior (1858-), Salviano (da Conceição ?) (1861-?) e Sabina Maria da Conceição (1865-?). Salviana Maria da Conceição ( ?-?)

          
Decreto da Lei Área
de 13 de maio de 18
Libertos!

Atentem para o detalhe do documento acima: Pedro e Justiniana foram "libertos"! Quanta felicidade! Este casamento tardio pode-se entender no contexto da abolição da escravidão. O certo é que houve na época uma "onda" de casamentos entre negros após a proclamação da Lei Áurea em 13 de maio de 1888, (vide decreto ao lado) pois  contei um grande número de uniões ao fazer minha pesquisa. 

Não posso assegurar se Pedro, com quem ela se casou oficialmente, foi o pai de seus filhos, pois nos registros constam todos como "filhos naturais" o que significava que os pais ou não eram casados oficialmente, ou não eram conhecidos. 

Certidão de batismo de Salviano de 1861

Desvendando as certidões...

 Certidão de Batismo de Camilo de 1858
Mais outra informação foi resgatada dos arquivos, já que o quebra cabeças da família não se desvenda de uma certidão e sim de várias certidões e cruzando as informações. Assim aconteceu ao analizar a posteriori a certidão de nascimento de Camillo, o primeiro filho de Justiniana. Nela consta que ele era filho de "Justina", (ver documento ao lado) possivelmente escrito erroneamente, "Justiniana", escrava de... João José de Lima e Silva. Ora, até neste momento da minha pesquisa achava que Justiniana fora escrava de João Ferreira Simões, mas no registro de nascimento de Camillo constava que ela, em 1858 era escrava de João José de Souza Lima, o avô de José Ayres de Lima, o Trançador. 

E o destino uniu casa grande e senzala

E por destino o neto de  João José de Lima e Silva, José Ayres de Lima, o Trançador, casou-se com a neta de Justiniana, Gervásia da Conceição. Então parece que tudo ficou em família.

Certidão de Batismo de Sabina de 1865
Provavelmente João José de Souza Lima vendeu Justiniana para João  Ferreira Simões após o ano de 1858, pois consta nas certidões seguintes de nascimento de Salviano e Sabina, nascidos respectivamente em 1861 e 1864 que ela, Justiniana, era de propriedade de João Ferreira Simões.

Por algum tempo Justiniana morou em Baependi, ou na propriedade de seu ex dono, como era costume. Para onde iriam os escravos depois de abolida a escravidão? Conquistaram a liberdade mas não a cidadania. Por não terem outra alternativa de sobrevivência, sem formação profissional, sem escola, provavelmente continuaram trabalhando na terra , agora como "libertos" para os seus antigos senhores, ou buscaram no trabalho informal uma maneira de sobreviver. O destino de nossos antepassados não foi diferente de milhões de outros negros no Brasil

Pedro, o marido

O marido de Justiniana, Pedro pertenceu ao plantel de escravos de Gabriel Theófilo de Andrade. Pude reconstruir parte de sua história pessoal comparando os dados dos arquivos. O seu dono, Gabriel casou-se com Maria José da Luz Junqueira em 30 de abril de 1872 em São Thomé das Letras. Em 1875 registrou uma filha na paróquia de Baependi e em 1890 outra em São Sebastião da Encruzilhada, hoje Cruzília. Em alguma das três povoações Gabriel adquiriu Pedro, que após a abolição da escravatura, casou-se com Justiniana. Gabriel o ex-dono de Pedro não pode ver seus escravos livres e nem o casamento de Pedro com Justiniana. Ele faleceu  antes de 1888.

Atestado de óbito de Justiniana de 1813
Justiniana terminou os seus dias na já proeminente Caxambu, que em 1901 foi elevada à categoria de vila emancipando-se de Baependi. No ano de sua morte, Caxambu tinha status de Estância Hidromineral e era visitada por inúmeros turistas em busca da cura de várias doenças através de suas "Águas Virtuosas". Mas suas fontes de águas medicinais não puderam ajudar Justiniana, que faleceu em 23 de novembro de 1913, (documento) aos 60 anos de insuficiência cardíaca, sendo sepultada no Cemitério Paroquial de Nossa Senhora dos Remédios.

Nota: A datas de nascimento e falecimento de Justiniana não correspondem. Se ela tivesse "60 anos", portanto teria nascido em 1853 e o seu primeiro filho não poderia ter nascido em 1858, pois são apenas 5 anos de diferença. Assim suponho que foi um erro cometido por quem deu, ou fez as anotações pois segundo a nossa tia Célia, Justiniana teve seu primeiro filho também muito jovem, assim como Sabina, aos 14 anos de idade.

Geração familiar seguindo a linha matrilinear de Justiniana Maria da Conceição:

Primeira geração  nascidos como "naturais":
Filhos de Justiniana

Camilo Ferreira Junior (1858-?)
Salviano da Conceição (1861-?)
Sabina Maria da Conceição (1865-?)
Salviana Maria da Conceicção ( ?-?)

Segunda Geração
Netos de Justiniana

Filhos da relação de Sabina Maria da Conceição com Bernardino Lopes de Faria
Netos de Justiniana:
                               
Gervásia Maria Ayres
Josino Lopes de Faria (Nego)
Eduardo Lopes dos Santos
Luiz (?)
Manoel (1886- ?)

Netos de Justiniana
Filhos da relação de Sabina Maria da Conceição com José Luiz de Castro, apelidado de "José do Saco".

José de Castro
Maria de Castro
João da Conceição
Antonio da Conceição
Alzira de Castro
Sabina de Castro Diório

Observando que Sabina de Castro, que casou com João Diório, originou o ramo da família dos "Diários", era meia irmã de Gervásia Maria da Conceição, que casou-se com José Ayres de Souza Lima originando o ramo da família "Ayres".

Bisnetos de Justiniana
Filhos do casamento de  Gervásia Maria da Conceição com José Ayres de Souza Lima, o Trançador.

José Ayres
Mercedes Ayres
Silvio Ayres
Maria Ayres
Luiz Ayres de Lima
Palmira Ayres
Josino Ayres
Silvia Ayres
Samuel Ayres
Celia Ayres

Kreuzau, 20 de julho de 2014, Alemanha.
Foto: Solange Ayres, piso do Coreto da Pracinha central da cidade de Caxambu.