quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Ramiro Rodrigues Freitas/ De Portugal a Caxambu/ Uma aventura


Partir é mais do que partir
Partir é 
partir
sem se saber
que se sabe
mais do que partir
partir é 
um corte
que corta tao fundo
que nunca se sabe 
o seu cessar
partir é sempre
mais do que partir*


Em recentes pesquisas de outros membros da família do Ramo dos Freitas e pra lá, tivemos sucesso e confirmação, por meios de documentos, de fatos contados oralmente. Se trata-se de Ramiro Rodrigues, o meu tio-avô Ramiro, casado com Maria Ayres de Lima, a minha tia-avó Mariquinha,  avós de Graça Pereira Silveira. Mariquinha era parteira de profissão, filha de José Fernandes Ayres, conhecido em Caxambu, por Trançador. Pois vamos lá!

Ramiro Rodrigues (sentado de chapéu) e sua família
Por que ficar? Por que partir? Por que?

Fatores históricos e econômicos conjugaram-se para que Ramiro deixasse Portugal. Em meados do século XIX mudanças demográficas ocorreram no país, provocando o aumento da taxa de natalidade e, e por conseguinte, gerando um excesso de mão-de-obra, principalmente no campo. O resultado foi o empobrecimento dos pequenos proprietários rurais. A esperança era a ex-colônia Brasil.

Por outro lado, o Brasil acabara de promulgar a Lei do Ventre Livre, de 1871, e a Lei Áurea, em 1888. Com os escravos libertos, quem iria tocar as lavouras? Os fazendeiros, então, foram procurar alternativas de mão de obra para suas plantações. Assim, o governo estimulou a imigração como forma de resolver a falta de braços, bem como o "branqueamento" de sua população. Cerca de 5 milhões de imigrantes entraram no Brasil de 1884 a 1963, a metade entre 1889 e 1913. No período de 1891 e 1900 foram 202.429 milhões de portugueses. A maioria dirigiu-se para São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Rio de Janeiro. Os principais portos de entrada eram Rio de Janeiro, Salvador e Santos.

Os navios gêmeos


Ramiro Rodrigues, o penúltimo da lista à esquerda dos destinados a cidade do Rio de Janeiro
Vista do Porto Lamarão de Recife, Pernambuco.
O navio em que Ramiro viajou pertencia à empresa navegação Chargeurs Réunis, fundada em 1872. Em 16 de outubro daquele ano partia o primeiro navio do porto de Havre, na França, com 450 passageiros, em direção ao Rio de Janeiro e a Buenos Aires. O governo francês tinha objetivos comerciais com o Brasil e, para atender os que viajavam em direção à América do Sul, foram construídos cinco navios gêmeos da série: "Ville": Rosário, San NicolasMontevideoBuenos Aires e Pernambuco (foto acima). Os navios faziam a rota quinzenalmente entre Havre, na França, com escala em Lisboa, e Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e Santos.

O navio Ville de San Nicolas fez sua viagem inaugural em novembro de 1881 e em 16 de fevereiro de 1889 partiu do Brasil em direção ao porto de Havre carregando 120 volumes de mercadorias diversas para participar da Exposição Brasileira Preparatória da Universal de Paris, a ser inaugurada no dia 10 de maio. Os produtores de fumo do Brasil queriam ganhar mercado internacional.

Havre, Lisboa, Recife, Salvador, Rio de Janeiro... 

Em 17 de junho de 1889, embarcou Ramiro no porto de Lisboa no navio de 1.668 toneladas, comandado pelo piloto francês A. Voisin. Os navios faziam a rota quinzenalmente entre Havre, França, com escala em Lisboa, Portugal, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro e Santos. Era a última vez que ele veria Portugal. 

Dos 56 passageiros que embarcaram em Havre, um era angolano e dois italianos. Os que embarcaram em Lisboa eram portugueses com diferentes idades. Na lista de passageiros constam 36 do sexo masculino, sendo 11 crianças, a maioria delas acompanhada dos pais, com exceção de Ramiro; 17 do sexo feminino, sendo três meninas. Uma família vinha da Ilha das Flores, pertencente ao arquipélago de Açores. Dentre as profissões declaradas, eram "jornaleiros", isto é, diaristas e "menagerie", traduzido como pessoas que trabalhavam com animais, ou pastores. Todos com certeza venderam o que tinham para comprar um bilhete e transpor o oceano em busca de uma nova vida no Brasil. 

E Ramiro? Passageiro de primeira classe? Terceira? Como eram anunciados nos bilhetes? Porque quem viajava na primeira pagou de Portugal, 450 francos, e  os que viajaram de terceira, 80 francos. Ramiro não pagou nada. Ele teria embarcado clandestino indo trabalhar na cozinha como descascador de batatas. Assim era contado na família. Devia ser para pagar a passagem. A primeira vez que viu terras brasileiras foi quando o navio ancorou no lamarão do Porto de Recife, Pernambuco (foto) no dia 7 de julho.

Descida de passageiros em cestos, no porto de Recife, Pernambuco
A travessia do Atlântico era quase uma aventura, mas também descer do navio (foto). Os passageiros eram descidos em cestos para os barcos que os levavam até a terra firme. Os atrasos nas viagens eram comuns. No dia 2 de maio o navio encontrava-se em alto mar, na latitude de 35° N. quando enfrentou fortes correntes com velocidade de 75 milhas por hora, que fizeram o navio desvia-se de seu curso, conforme o comandante A. Voisin relatou para para o Jornal de Recife. Não só os passageiros, mas também as 130 caixas da Miranda Souza, contendo azeite batatas, conhaqueo, couros, conservas, chocolate, calcados, chapéus, livros, caixa de música, porcelana, perfumaria e vinhos devem ter chacoalhado bastante durante a viagem... 

A chegada

Porto do Rio de Janeiro, 1889
Em 14 de julho, chega o Ville de San Nicolas ao porto do Rio de Janeiro. Era domingo de céu azul em pleno inverno brasileiro, quando as temperaturas amenas variavam de 19,2° e 24° segundo o  Imperial Observatório do Morro do Castelo. Como ele chegou a Caxambu? Não sabemos. Pela tradição oral da família, ele teria sido "adotado" por uma família de libaneses, tanto que sabia cozinhar pratos típicos da cozinha árabe. Por outro lado, sabemos também que a comunidade portuguesa no Brasil era solidária e que Ramiro tinha boas relações com uma importante figura pública de Caxambu, Costa Guedes, o bem-sucedido comerciante português à frente da Casa Guedes. Tanto temos certeza do fato, que Costa Guedes foi seu padrinho de casamento, celebrado em 19 de novembro de 1898, bem como cedeu sua residência para que o enlace civil fosse realizado. Suas duas filhas menores, Leonor e Maria Guedes, foram testemunhas do casamento. Sabemos também que Ramiro trabalhou como jardineiro no Parque das Águas, muito provavelmente com o artista Chico Cascateiro. Foi ele apadrinhado pelo Sr. Costa Guedes? Perguntas. 

Ramiro Rodrigues em sua horta, na Rua Magalhaes Pinto, Caxambu.
Ramiro Rodrigues nascido às três horas da manhã   do dia 7 de julho de 1877 em Santa Maria dos Sepilhos, Concelho de Amarante, Portugal, filho de Joaquim Rodrigues e Maria de Jesus, profissão "jornaleiros", aqui, diaristas, seguiu em parte a profissão de seus pais: lavrador. Ele passou a assinar no Brasil o sobrenome "de Freitas". Ainda não achamos registros comprovando que seus familiares tivessem esse sobrenome.
Ele embarcou cheio de esperanças, assim como milhares de imigrantes, a procura de uma vida melhor. O que encontrou foi uma vida de duro trabalho. Casou-se aos 23 anos com Maria Ayres de Lima e, nove meses depois já era pai de Etelvina. Ao todo, o casal teve 11 filhos, cinco dos quais não chegaram à vida adulta. Izabel (1901-1903) faleceu em consequência de queimaduras aos três anos; Joaquim (1911-1913) faleceu aos dois anos de gripe intestinal; Laura (1913-1915) aos dois anos de pneumonia; José (1916-1921), de Laringite estridulosa aos 4 anos, Haroldo (1922-1923) com um ano, de meningite. Sobrevieram Etelvina Rodrigues (1898-?), Maria Izabel (1906-?), Geralda Rodrigues (1908-?), Romeu Rodrigues (1918-?), Edwiges Rodrigues (1918-?) e Agnelo Rodrigues (1920-?).

Até hoje nos perguntamos como pode ele empreender uma viagem tão longa sozinho. Sua idade, supreendentemente, confirmada no documento (foto numero 27)  com 12 anos de idade. Sempre nos perguntamos como seus pais o deixaram embarcar numa aventura marítima até o Brasil. Mas essa pergunta ficará sem resposta. Ramiro faleceu na Casa de Caridade São Vicente de Paula de Caxambu em consequência de insuficiência cardíaca, tendo seu atestado assinado pelo Dr Paiva em 29 de agosto de 1949.

O paquete Ville de San Nicolas? Foi vendido em 1901 para a Argentina e passou a se chamar Neuquén, nome da província argentina que faz fronteira com o Chile. Assim foi a história.

Fotos:
Cais do Ramos
Foto: Gilberto Ferrez
Fonte:
Poema: Amâncio de Souza Dantas 
Novo Milenio: Roda de Outro e Prata- Navios: O 'Ville de Pernambuco'
Diário de Minas 1889
The ShipsLis
SCOTT Ana Silvia Volpi in As duas faces da imigração portuguesa para o Brasil (décadas de 1820-1930) Saragoza, 2001.
RIBEIRO Gladys Sabina in Viagens e histórias de imigrantes portugueses na cidade do Rio de Janeiro na Primeira República: A trajetctoria de Florindo Gomes Bolsinha.

Agradecimentos:
Julio Jeha

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Victor, o escravo que gostava de tocar viola




E num primeiro abril naquele ano de 1883... Victor foi dado como fugido da fazenda de propriedade de Antonio Severino Nogueira, na localidade de São Gonzalo de Sapucahy e "havia motivos para crer que ele seguiu para Baependy".

Fuja, Victor fuja!



Em 1° de fevereiro de 1884, novamente a notícia de sua fuga. O fato significou que foi capturado e devolvido ao seu senhor. Ah, o escravo Victor, agora com 24 anos, cabelos grenhos e pouca barba, pés grandes que gostava de lidar com animaes e tocar viola...

Fuja, Victor, fuja!

Fonte:
O Baependiano