sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

O Morro, ah morro!


"Minhas accusações  não deveriam pesar sobre esta localidade, porque combatem vícios nossos, que se podem apontar no Rio, como em São Paulo ou na Bahia; nem por isso julguei dever omitir-os. Critico, por exemplo o modo barbaro por que se tem destruído a vegetação em Caxambu..." (Henrique Monat)

A paisagem acima é uma relíquia e pertence a Coleção Principe D. Pedro de Orleans e Bragança, uma  gravura de  Nicolau Facchinetti (1824-1900) de 80 cm x 60 cm, datada de 1877. O pintor italiano chegou ao Brasil em 1849, fixou-se no Rio de Janeiro e se especializou em pintura de paisagens, consagrando-se como mais um dos mais importantes artistas de sua geração. Sua obra é um importante registo da paisagem agrária do Brasil do século 19. Viajou  para estudar as características das regiões serranas do Rio de Janeiro, subindo a serra da Mantiqueira em direção a Caxambu e São  Thomé das Letras por volta de 1877. Há uma impressionante gravura dele das montanhas de São Thomé das Letras. Seus grandes admiradores foram os membros da família real, a imperatriz Maria Teresa Cristina, a princesa Isabel e o Duque de Saxe.

Bárbara devastação 

Morro de Caxambu, Henrique Monat
Na descrição de vários viajantes que passaram pelo vale, sempre se destacava o morro em forma de cone. Vinte anos depois da gravura de Facchinetti, esteve de visita Henrique Monat, quem mais detalhou suas encostas e arredores de forma crítica,  no capitulo de seu livro Caxambu, publicado em 1894. Ele descreve a paisagem do ponto de vista de quem chega  na estação de trem e se depara com o morro isolado, tendo um bosque em sua fralda. O vale, na suas primeiras impressões, lhe pareceu abandonado, deserto, coberto por uma vegetação rasteira e uma camada de florzinhas roxas. Na várzea, um bambual transversalmente, onde é hoje o Parque das Águas. No entanto, aquele vale descrito não era sombra do que havia ali décadas antes. Por volta dos anos de 1890, quando de sua visita, a mata quase impenetrável que existia já tinha caído a golpes de machado. Nem um vestígio das araucárias, dos pinheiros e cedros, segundo ele, gigantescos que ali cresceram por séculos. Para ele, houve uma "devastação bárbara". E as poucas árvores que sobreviveram estavam sendo, impiedosamente, postas abaixo. A foto abaixo não o deixa mentir...

Morro de Caxambu, 1868
Caxambu, uma das primeiras cidades do Brasil a ter um planejamento urbano

A urbanização  da povoação de Caxambu teve inicio em 1872, quando Fulgêncio de Castro faz o  seu traçado. Caxambu foi uma das primeiras cidades brasileiras a ter seu planejamento urbano. Era o "progresso" chegando  e, com ele, as encostas dos vales foram sendo cortadas, aplainadas, e a planície aterrada, para a construção de ruas e casas. A sua bela cobertura vegetal desapareceu para sempre.


Nos tempos modernos, a mata original foi acrescida de eucaliptos. Era para "drenar" o terreno. eucaliptos eram sinônimos de "ar puro", "limpeza". Hoje vemos que a arborização do Parque das Águas de Caxambu e seu entorno se torna mais importante do que nunca. O morro é área de recarga das águas que deram a vida ao povoado. Portanto, plantem! Não queimem nem deixem queimar. O patrimônio já foi muito devastado.




Fonte:
MONAT, Henrique, in Caxambu, 1894.
NICOLAU Facchinetti. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2019. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa23040/facchinetti>. Acesso em: 29 de Set. 2019. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7
Gravura: Museu Imperial de Petrópolis.

Fotos: 
MONAT, Henrique, in Caxambu, 1894.
Agradecimentos:
A Vanessa Meines, por ter nos enviado a gravura de Facchinette.
Arquivo Histórico do Exercito (AHEX), Divisão de História e acesso a Informação (DHAI), na pessoa do Major Ferreira Junior, que prontamente dispôs vários mapas para o nosso Blog.
A Julio Jeha, sempre.