sábado, 26 de dezembro de 2015

Somos todos Bantos!

Retrato de uma negra
por Rugendas
E  pesquisa daqui e dali. A cada dia a ciência vem nos dar mais um esclarecimento: A grande população brasileira é de origem Bantu. Bantu? Quem eram estes tais... "Bantus"?

Bantu, que em língua africana significa "homem", constituía um grupo etnolingüístico, isto é, que falavam determinada língua, localizados na África Sub saareana e tem como língua materna o Yorubá*.

Nossos ancestrais

Em 29 de maio de 2007 o médico geneticista Sérgio Danilo Pena, professor titular de bioquímica da Universidade Federal de Minas Gerais, num estudo, indicou que a maior parte dos ancestrais do grupo analisado, isto é, Bantu, veio do Centro-Oeste da África, região que inclui Angola, Congo e Camarões - seguida pelo Oeste (Nigéria, Gana, Togo, Costa do Marfim) e pelo Sudeste africano.
O que tem a ciencia a nos dizer? Tenham paciência, vamos lá.


Ácido Desoxirribonucleico, o... DNA para os íntimos

Retratos de negros de diferentes nações africanas
no Brasil, por Rugendas
Palavrão? Não! O tal DNA, (do inglês Desoxirribo Nucleic Acid) é o composto orgânico  que contém informações e que coordenam o desenvolvimento e funcionamento de todos os seres vivos e  transmitem as características hereditárias de cada ser vivo.

E segundo o professor que organizou o estudo e que analisou o tal DNA dos indivíduos brasileiros, 44,5% tinham uma ancestral no Centro-Oeste da África, 43%, no Oeste da África e 12,3%, no Sudeste, na região onde fica hoje Moçambique.

400 anos!

Ha um chamado "marcador de linhagem" no DNA e que é passado pela mãe para os filhos. Na prática, o DNA de uma africana que viveu há 400 anos é idêntico ao de um descendente no Brasil, se não tiver havido nenhuma mutação.

Apesar de ter sido feito em um grupo de negros em São Paulo, o estudo tem uma representatividade nacional porque, com as migrações internas, durante e após a escravidão, a cidade se tornou, de certa forma, um caldeirão genético do Brasil. Segundo Pena, a maior parte dos resultados confirma teses históricas sobre o tema, inclusive a descoberta mais recente de estudiosos de que Moçambique teve uma contribuição muito mais expressiva do que se acreditava antigamente.

Para chegar aos números para cada região, Pena analisou as linhagens materna e paterna dos 120 indivíduos que participaram do estudo. O objetivo era chegar aos seus ancestrais mais distantes dos dois lados. Isso é possível pelo estudo do cromossomo Y, que só passa de pai para filho, e do DNA, que é herdado (pelos dois sexos) da mãe.

Esses marcadores de linhagem, salvo casos de mutação, não se misturam com os outros genes e mantêm-se praticamente inalterados ao longo das gerações. Assim, um negro brasileiro 'carrega' no cromossomo Y informações genéticas do seu ancestral masculino de diversas gerações anteriores e no DNA da ancestral feminina.

Então membros da Familia Ayres, ha 400 anos os nossos genes estão aprisionados em cada célula do vosso corpo. Somos todos, em parte, descendentes de africanos, não ha sombra de dúvidas.

As nossas origens nas Minas Gerais

Retrato de negros de diferentes nações africanas
no Brasil, por Rugendas
O tráfico de escravos no Brasil se deu em ciclos: No século 15 vieram negros da Guiné, no século 17 de Angola. No ciclo chamado de Benin e Daomé, no século 18, chegaram negros das nações Yoruba, Jeje, Minas, Haucás, Tapas e Bornus. Quando o tráfico foi reprimido pela Inglaterra (1815-1851) os comerciantes de escravos, para fugir à fiscalização, passaram buscar rotas alternativas ao tráfico tradicional do litoral ocidental africano e passaram a capturar escravos em Moçambique. Uma grande parte deles foram servir aos seus senhores, como Justinianna Maria da Conceição, na Província de Minas Gerais.

Na história tráfico de escravos poucas crianças e jovens foram trazidos para o Brasil. Claro, os senhores de escravos que os compravam precisavam deles como mão de obra, braços para a lavoura e o duro trabalho nas minas. Então é de se esperar que Justinianna Maria da Conceição que em todos os registros é dada como "escrava" e portanto negra tenha nascido no Brasil. Ela é  uma das mais antigas ancestrais da Família Ayres até agora encontrada, nascida por volta do ano  de 1843. João José de Lima e Silva  (1798-1875) continua ainda sendo o nosso mais antigo ancestral, o avo  de José Ayres de Lima, o Trançador. Neste período histórico que  Justinianna nasceu e viveu, o tráfico de escravos já havia sido proibido, mas sua filha  Sabina Maria da Conceição, como a maioria dos negros escravos, teriam que esperar mais 50 anos para que  fossem libertos de seus grilhões.

De minha bisavó, Sabina, bem, eu a tenho na lembrança. Um retrato dela pousava na cabeceira da cama de vó Gervásia. Ela tinha um semblante sério, rosto longilíneo, duas finas trancinhas eram unidas no alto da cabeça. Infelizmente este retrato se perdeu e somente alguns da família o teem na memória, como eu. O fato é que Sabina era uma mulata, mistura clássica dos genes de negro com branco e muito bonita, segundo contam.

Então se você tem cabelo castanho, preto ou loiro, enroladinho ou liso, olhos castanhos ou azuis, negro, moreno, branco ou "foveiro", isto é aquela cor misturada, tudo é culpa do tal DNA. Esse código todos nós trazemos em cada célula do nosso corpo, portanto não podemos lavar nem arrancar de nós. Ele é a nossa marca registrada e vem de lá, quando o óvulo da mãe é fecundado pelo espermatozóide do pai.

Não podemos fugir as nossas origens, queiramos ou não a Familia Ayres tem uma perna direta no continente africano e a outra na Europa. Mesmo que não tenhamos mais os traços que caracterizam a raça negra, como cor negra da pele, cabelos encaracolados, temos no nosso sangue, nos genes o tal DNA herdado de Justinianna. Ah virão, estamos todos misturados mesmo neste imenso caldeirão genético e cultural. Isto é Brasil.

Canção de inverno

A pesquisa acima vem então confirmar um pequeno acontecido vivido quando criança: Tive o privilégio  de chegar a ouvir minha avó Gervásia Maria Ayres cantar quase sussurando em Yoruba*, sentada na varanda da sala  tomando sol, numa fria manhã  de maio.
Expliquei?

Desenhos: Rugendas: Viagem Pitoresca atravez do Brasil
*Yorubá era a língua falada pelo povo provindo da  hoje Nigéria, Benin e Togo denominados de Nagô, que foram trazidos e escravizados em massa no Brasil no ano de 1800.

Bibliografia: Francisco Vital Luna, Herbert S. Klein- Economia e sociedade escravista Minas Gerais e São  Paulo em 1830

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Geralda, a primeira netinha da vovó Gervásia

Caros membros da Família Ayres. Hoje publico com exclusividade a foto de Geralda dos Santos Ayres, a filha mais velha de José Ayres com Alzira dos Santos Ayres, sua primeira esposa, e consequente a neta das netas, pois foi ela filha primogênita de José Ayres, assim como ele também filho primogênito de Gervásia.
Parece  que Geralda teve uma infância feliz e foi bem cuidada pela mae, que a vestiu para posar para o fotógrafo com este laço espetacular na cabeça. Era moda.
O ramo da Família Ayres se multiplicou em direção ao Rio de Janeiro, mais precisamente em Nilópolis, onde grande parte de seus descendentes hoje vivem.  Assim sendo Geralda é a primeira neta  de Gervásia Maria da Conceição, bisneta de Sabina Maria da Conceição  e neta de 3° grau de Justiniana Maria de Jesus.


Caxambu, 1933
O lado oposto da foto.




Aqui a certidão de nascimento de Geralda, nascida no dia 31 de janeiro de 1930 e  batizada na Igreja Nossa Senhora dos Remédios de Caxambu, Minas Gerais em 1° de maio do mesmo ano. Seus padrinhos de batismo, Silvio Aires de Lima, escrito sem o "y",  na foto ao lado, o tio Silvio e Ana dos Santos.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Sensacional documento! Nosso tataravô morava mesmo em Pouso Alto.



Os nossos agradecimentos a Sonia Gonçalves que trabalha no Arquivo Público Mineiro e que nos enviou este preciosíssimo documento do Censu de Pouso Alto de 1839, com as devidas anotações no original para vocês da Família Ayres.
Aqui, Joao José de Lima e Silva, (confiram os links com suas biografias e histórias completas) e sua familia. Ele foi avo de José Ayres de Lima, o Trancador, casado com Gervásia Maria da Conceição, a vó Gervásia. 

Maria de Souza Lima, sua filha, que se casaria com José Fernandes Ayres da Silva, até esta data não havia nascido.

E para lembrar, Virgolina Balbina de Lima, aqui com apenas 6 anos, foi madrinha de batismo aos 26 anos de Sabina Maria da Conceição, bem como também de seu filho de Josino, aos 50 anos de idade. A família possuía 5 escravos, sendo a escrava Selestina provenente da Guiné Bissau.

Aqui a certidão de nascimento de Camilo, filho de Justinianna, a Nana, erroneamente anotado  como "Justina", mãe de Sabina Maria da Conceição que foi mae de Gervásia Maria da Conceição. Ela Justinianna era propriedade no ano 13 de setembro de 1858 de Joao José de Lima e Silva e em algum tempo passou a ser propriedade de João  Ferreira Simões.

Certidão de batismo de Camilo Ferreira Junior

Vejam todos no gráfico



sábado, 31 de outubro de 2015

A salvação do galo ou estórias do outro mundo



Encontro com Dona Regina, proprietária de imóveis no centro da cidade de Caxambu,  se surpreendeu ao saber que eu era neta de Gervásia Maria da Conceição, a vó Gervásia, e do baú retira as lembranças que vão mais que meio século. E com toda a vivacida descreve o contato com membros de nossa família e de outros parentes como a tia Mercedes Soler.
Um encontro do... "outro mundo".

Cenas gravadas em fevereiro de 2006 em Caxambu.

domingo, 11 de outubro de 2015

Salviana e Cecílio. Casa grande e sensala enfim unidos!




A expressão "Casa grande e Senzala", é o título de um livro escrito por Gilberto Freire, publicado em 1933 sobre a formação social brasileira. Nele Freire fala sobre a miscigenação entre os brancos, principalmente portugueses, dos negros procedentes de várias nações africanas e os índios no contexto do Brasil Colónia, onde o donos de terras eram considerados donos de tudo que nela se encontrasse, escravos, parentes, filhos, esposa, amantes, padres, políticos...

Alguma coincidência com a história de nossa família? Não temos nenhuma dúvida. Assim foi constituída a Família dos Ayres em seu primórdios. E para quem esta iniciando a leitura deste texto, ha outros que complementam esta visão no "Blog da Família Ayres".

A que penas esta "democracia racial se formou o Brasil? Criticamente temos que dizer que esta miscigenação não foi feita com dignidade e sim a custa de opressão, moral, sexual, principalmente das mulheres negras; uniões mantidas a força, crianças concebidas sem pais, o que confirma em muitos registros de nossos antepassados. No caso de Justiniana, que concebeu Sabina, segundo a nossa biblioteca familiar Célia de Lima, o responsável foi o capataz da fazenda. Nos meus registros até agora foram 4 filhos: Camilo Ferreira Junior, Salviano Cândido, Sabina Maria da Conceição e Salviana da Conceição. Com sua filha Sabina aconteceu o mesmo: Ela teve filhos de diferentes parceiros, alguns deles nos levam a suspeitar que foram concebidos do cunhado seu proprietário, João Ferreira Simões, Bernardino Lopes de Faria, casado com Elvira Ferreira Simões em outra história ja aqui relatada.

Cecílio e Salviana, alguém já tinha ouvido falar?

E depois de muito procurar os arquivos nos presentearam outra história, o casamento de Cecílio José de Souza com Salviana Maria da Conceição. Gentes, e que história! Na verdade  o caso só veio a tona, quando achei a certidão de casamento dos dois, com todos os nomes, não dando chances ao acaso nem de serem confundidas com outras pessoas: Eram os "Ayres" aqui misturado com os "Conceição".
Mas quem seriam estes personagens? Cecílio? Ninguém ouviu falar nele na família, nem mesmo a Tia Célia! Pois ele era um dos filhos de José Fernandes Ayres, pai de José Ayres de Lima, o Zé Trançador.  A outra? A Salviana, filha de Justiniana Maria da Conceição, mãe de Sabina Maria da Conceição. Pronto, embaralhei a cabeça de vocês. Confuso? Não! Casa grande se uniu definitivamente à senzala. Vamos por partes, vamos por partes:


Justiniana, se recordarmos bem, foi de propriedade de João  José de Lima e Silva, aquele senhor de escravos, constado no Censu de 1838 vindo de Pouso Alto e instalando-se mais tarde no bairro do Chapeu na zona rural de Baependi, e que em algum tempo foi vendida para João  Ferreira Simões.

João  José de Lima e Silva por sua vez casou-se com Joana Maria Ribeiro de Lima, (vide no gráfico) que foi mae de  Maria de Souza Lima, e ela mãe de José Ayres de Lima, o Trançador, que casou com Gervásia Maria da Conceição, portanto neta de Justiniana. Para esclarecer cada personagem, teremos que colocar este povo todo num gráfico; Cecílio e Salviana estão em verde e amarelo no gráfico; estou ficando expert em gráficos, para vocês melhor acompanharem o raciocínio.  As setas em vermelho indicam a linha matrilinear




Cecílio e Salviana casaram-se aos 23 de maio, que é considerado mês das noivas, numa fria segunda feira do ano de 1898, em Baependi, com temperatura registrada no jornal "O Baependiano" de  7,8°. O casamento aconteceu praticamente dez anos ano após a assinatura da Lei Áurea, que aboliu a escravidão, tendo como testemunhas o juiz de Paz e político ativo em Baependi, Antonio Pereira Gomes Nogueira e Ignacio Marques da Costa;  e assinaram Frausina Rodrigues Pinheiro e Maria Avelina da Conceição. Casaram-se como livres cidadãos, assim como sua mãe  Justiniana que se uniu a Pedro  Maria dez anos antes, em outubro de 1888. No quadro acima, coloquei Pedro não como  pai de Salviana, pois como consta na certidão que ela foi filha "natural" e o pai não era conhecido.





De Cecílio e Salviana até agora não encontrei mais rastros de suas vidas nem em Baependi, nem em Caxambu. Se mudaram para outra cidade? Tiveram filhos? Onde faleceram? Todas perguntas ficarão em aberto até que eu novamente por sorte ou não  os ache em algum arquivo perdido. Então, até a próxima.

Falecimento de Salviana

No dia 25 de marco do ano de 2016, numa sexta feira da paixão, acho a certidão de óbito de Salviana. Salviana faleceu em 18 de abril de 1903, aos 42 anos de idade, de uma lesão cardíaca, no Caxambu Velho. Assim o tempo continua a contar sua história...

Certidão de óbito de Salviana Maria da Conceição, 

Relação de parentesco na Família Ayres

Cecílio José de Souza é irmão José Ayres de Souza Lima, o Trançador   casado com vó Gervásia Maria da Conceição.
Salviana Maria da Conceição  é irma de Sabina Maria da Conceição e tia da vó Gervásia, por parte de mãe.

Fonte: Wikipédia
Foto: George Leuzinges, Instituto Moreira Sales, Fazenda Quititi 1865, Rio de Janeiro

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

O universo de Arminda



Nascida na cidade de Baependi, mais precisamente na região que hoje é chamado "Gamarra", a 15 de agosto de 1922, filha de Sebastião Gomes Francisco da Luz (1892-1951) e Vitória Maria da Conceição (1898-1958), suspeitava que poderia ser um pouco mais velha, pois o seu pai não a registrou assim que nasceu, e sim esperou anos para fazer  registro de todos os irmãos e irmãs juntos.



Vaca na cozinha 

Primeira casa onde Arminda trabalhou
Rua Manoel Joaquim, Baependi, 2004
A vida na roça vivida tinha horas alegres, tristes e horas de muito trabalho, plantando e colhendo.   A época da colheita era a melhor época, principalmente no campo das melancias, quando as crianças as deixavam rolarem morro abaixo. Era bronca na certa. Dentre muitos afazeres diários executados também pelas filhas como descascar mandioca para fazer polvilho, colher arroz, milho, sua mãe Vitória, resolveu criar uma bezerra rejeitada. Resultado: Em dias frios aquela baita vaca entrava cozinha adentro  poc, poc... procurando, o calor do fogão à lenha. Imaginem a cena.

Até os seus 20 e poucos anos trabalhou arduamente na roça   para ajudar os seus pais e um dia a vida tinha que mudar. Como não teve oportunidade de estudar, não restou outra alternativa que trabalhar de doméstica em casa alheia. De Baependi (foto) ela foi parar em São Paulo. Contava que nas suas horas de folga nos domingos, ia com outra colega passear pela cidade, freqüentava o cinema e acompanhava a família à praia nos verões de Guarujá no final da década de 1940. Contava ela com saudade deste tempo, da São  Paulo vivida e suas possibilidades culturais que limitadamente aproveitou.

Teria ela passado por esta praça de Guarujá?

A lâmpada e a esposa 
Arminda Maria Ayres e José Ayres, 1960

Acometida por uma anemia e de volta à Caxambu, quando os seus patrões faziam estação de veraneio na cidade, conheceu o meu pai, José Ayres,  já viúvo, quando ele foi instalar uma lâmpada na casa do seu patrão e ali "acendeu a faísca". Era tempo de Semana Santa e eles se encontraram em frente à igreja, perto do carrinho de pipoca do Seu Dodô. E assim iniciou o romance de curta duração. Casaram-se discretamente em 1949, sem pompas, igreja e... com alianças emprestadas. O meu pai prometeu comprar-las posteriormente, o que ficou somente na promessa. Em 1952 veio sua primeira filha ao mundo e em 1960, oito anos depois eu; assim meu pai constituiu sua segunda família.

Semana Santa, dos vivos e dos mortos

Os dias iluminados do mês de março  se tornavam mais curtos e as noites um mistério ocupado pelos espíritos e assombrações. As tardes acabavam em raios, trovões, ventos e fortes tempestades desciam do Morro, derramando água sobre a cidade. Em seguida o vento Mistral frio limpava o céu e o que se via era um azul-anil estupendo e noites estreladas. No alto a constelação do Cruzeiro do Sul, as Três Marias. Eram dias e noites de muito frio, tempo da quaresma. As comemorações religiosas chegavam ao seu ápice na Semana Santa. Os postes e suas lanternas, os denominados "tomates na ponta da vara" por meu pai, jogavam uma luz amarela e ténue sobre as ruas e portais das casas, como se o próprio Coisa Ruim quem tivera acendido as lâmpadas, para mostrar a verdadeira face da escuridão. Um estranho sentimento de culpa tomava conta da mente dos crentes e religiosos. Os fiéis retornavam às suas casas após as profissões percorrendo as ruas desertas e  o medo enchia de fantasia o universo de Dona Arminda.

Procissão de Sexta Feira Santa, Caxambu  
O temor a Deus era tão grande quanto ao diabo e qualquer sombra da noite se transformava em alma penada ou coisa parecida. Assim debaixo do poste no final da Rua  Magalhães Pinto, em Caxambu onde trabalhava, viu um vulto, um pequeno vulto branco com grandes olhos (fechados), de cabeça baixa, sentado debaixo do poste, como uma criança. Contava que tomou distancia, passou para o outro lado da rua e subiu a escadaria correndo sem olhar para trás. Era a assombração. De uma fresta da janela que dava diretamente para o poste, viu a criatura diminuir, diminuir. De medo foi deitar cobrindo a cabeça. Ela contou ano após ano, várias vezes a mesma estória, sempre com os mesmos detalhes.

A gaiola de passarinho e a independencia



Talvez um dos maiores ensinamentos de minha mãe veio não didaticamente com discursos feministas, até porque na época a palavra não era conhecida, e sim de um episódio prático, vivido muito antes de eu nascer.
Dona Arminda tinha dois robbys: a jardinagem e o outro criar passarinhos em gaiola. Para os dias de hoje o fato seria ecologicamente incorreto, mas ha décadas traz era comum casas terem passarinhos aprisionados em gaiolas. Tiravam a liberdades dos pobres bichos para deixa-los cantar magoados perto dos nossos ouvidos e ainda se justificava: Eles aqui tem comida, lá fora eles tem que procurar, senão passam fome...

Inúmeras gaiolas eram dispostas nas paredes da casa, espalhadas pela varanda: Sabiás, Pintassilgos, Canários, Trinca Ferros... Contava ela um dia gostaria de poder comprar mais uma gaiola para seus passarinhos, quando recebeu um "não" de seu José Ayres. Indignada, contou muitos anos mais tarde a história e acrescentou com a cara enrugada e cheia de raiva e que até hoje não esqueço: "Nunca dependa de marido. Trabalhe para que ganhe o seu próprio dinheiro". Pois esta história carreguei a vida inteira no meu pensamento. Sábios conselhos. 

Estrangeira 

Caxambu parecia-lhe uma terra estranha, como se morasse no estrangeiro... Baependi é que era sua verdadeira pátria, onde moravam seus entes queridos e disso ela nunca se esqueceu. Em 1975, por um desejo dela, refizemos a pé por quatro horas o antigo caminho que ligava Baependi ao Gamarra, passando pelo alto da Serra. Na matula, deliciosas coxinhas de galinha confeccionadas no dia anterior. No programa estava visitas aos antigos parentes e vizinhos. Os casebres das famílias remanescentes ainda estavam lá, em precaríssimas situação, e mesmo assim fomos recebidos com alegria, muito café quente e pude dormir em um macio colchão de palha de milho. Em outra parada, sentamos debaixo de uma laranjeira com uma faca na mão. Saímos de lá com a barriga cheia. Não me lembro de termos chupado tantas laranjas de uma só vez em nossas vidas...

No final da década de 80, com a idade 45 anos resolver ir à escola, matriculando-se no Mobral, escola  noturna no bairro Caixa D`Agua e assistiu aulas com a professora Lucia  Maria Villela Levenhagem. Um dia ela recebeu com orgulho seu diploma de 4° ano primário. Agora ela sabia ler e escrever. Ah, mas bem lembrou a outra professora Magali Brochado, que foi uma das incentivadoras   de minha mãe prosseguir os seus estudos, ela orgulhosamente chegou até a 7a série.

Pling... Pling...

Nos dias chuvosos de dezembro, era o tempo que mais minha mãe sentia saudades da sua vida na roça; quando as chuvas de verão caiam pesadas sobre o telhado, ela colocava uma daquelas latinhas redondas de manteiga Skandia na saída da calha para ouvir durante a noite o pingar da água... Pling... Pling... Sempre alegre e otimista queria viver para sempre, mas ao mesmo tempo refletia: "Os mortos tem que dar lugar para os vivos, veja quanta gente que nasce..." E acrescentava que quando morresse queria ser sepultada juntamente com sua mãe em Baependi. O seu desejo foi cumprido.

Último retrato, Caxambu 2006
Arminda Maria Ayres faleceu em abril de 2012, aos 89 anos, na Santa Casa de Misericórdia de Caxambu em conseqüencia de  uma grave fratura no femur.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Alegria de viver




Conversa na padaria, gravada em 2007, com Dona Arminda do alto dos seus 83 anos.
Arminda Maria Ayres, que foi casada com José Ayres.


sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Um dedo de prosa com Tio Tibério e Dona Arminda




Para sempre: Tio Tibério e minha mae, a Dona Arminda.
Conversa gravada na casa do Tio Tibério e tia Ana, em Baependi em marco de 2007.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

Sabina e Gervásia visitam Nha Chica

E foi lá pelo ano de l890, quando Sabina Maria da Conceição  juntamente com sua filha Gervásia que tinha cerca de 10 anos, puseram-se a caminho em direção à Baependi. Mãe e filha  saíram cedinho de casa. Eram muitas horas de caminhada, passando pelo Gamarra e subindo a Serra, até chegar a cidade. Elas moravam longe, quase debaixo da Serra da Careta e resolveram fazer no domingo uma visita especial, muito especial... 

Cumadre Nha Chica

Francisca de Paula de Jesus ou Francisca Izabel, conhecida por Nha Chica (1808-1895), filha e neta de escravos nasceu em Santo Antonio do Rio das Mortes um distrito de São  João d`El-Rey em 1808, vindo pequena para Baependi. Sua mãe recomendara a vida solitária, para melhor praticar a caridade e conservar a fé cristã. Rapazes de seu tempo pediram-na em casamento; recusou a todos, sem se mostrar contrariada; tinha uma missão a cumprir. Moça   ainda, Nha Chica já era a "mãe dos pobres", e pouco a pouco foi se estendendo a sua fama, porque os seus conselhos eram sempre muito "ajuizados".

Morto seu irmão, ela herdou uma fortunazinha, em ouro que consagrou à edificação de uma igreja, junto à casinha onde crescera e atingira à velhice. E ali era recebia a todos indistintamente, sempre alegre.

Naquela época Nha Chica  já era uma "celebridade" em todo o sul de Minas e era visita obrigatória a quem ia  de visita à Baependi. A todos ela recebia com bondade, assim como recebeu minha bisavó Sabina e minha avó Gervásia. As horas de cansaço a pé pelos caminhos  não impediram que elas viessem para tomar umas palavras de consolação e de conforto junto à velha senhora.

Era quase por volta do meio dia quando as duas chegaram à pequena casinha onde morava a "cumadre", assim ela era chamada por Sabina, para pedir bençãos e ouvir os seus conselhos...

Igreja Nha Chica, 1894

A visita

No alto da colina via-se a igreja muito modesta e nos fundos a casinha com a portinha sempre meio fechada: "Entre" gritou ela  com uma vozinha seca e fina. Então penetraram na salinha de aspecto monástico, bem asseada, bem caiada, e meio escura, porque a janela e a porta nunca abriam de todo; o chão de terra batida. A mobília constava de seis cadeiras, dois bancos de pau, onde elas se sentaram, a mesa com seis cadeiras, uma cama, sem colchão  nem lençol. Ela vivia sozinha com o seu gato. Sobre a mesa estavam umas velas de cera, castiçais de altar que ela acabara de receber como doação para sua igreja. A cumadre vestia-se com muita simplicidade e o lenço  grande envolvia a sua cabeça e o pescoço. Mãe e filha pediram benção e beijaram a sua mão seca deformada pelo reumatismo. Depois de um fio de prosa, elas deram conta que era hora do almoço. Sabina  lançou o olhar em direção as panelinhas de tropeiro que estavam sob o fogão à lenha sentindo que tinham fome, depois daquela longa jornada até a cidade. E como a hospitalidade mineira ainda era lei, foram convidadas para almoçar. Sabina pensou: "A comida não será suficiente para todo mundo, devido ao tamanho das panelas... " Seguindo o olhar de Sabina e quase lendo os seus pensamentos, Nha Chica começou dizendo: "-Eu estava fazendo a sacristia: o mestre da obra dizia-me que os tijolos não bastariam: eu rezei e respondi que os tijolos bastariam: até o último dia ele insistiu; foi a conta justinha: não sobrou um, mas também não faltou um só. O mesmo acontece com a comida. Vocês pensam que não haverá suficiente para nós todas, pois vai dar sim para todo mundo". E as três comeram a comida de arroz, feijão e taioba e ainda sobrou para o gatinho da comadre. 

A prosa continuava depois do almoço. Nha Chica tinha algumas preocupações: -Eu só tenho medo de não  poder acabar a minha igreja, por isso rezo toda noite assim: "-Vance não me engane, deixe-me acabar o frontispicío, depois pode me levar." Mas eu hei de acabar igreja, o poder de Deus é grande. E continuou. Vances viram no domingo passado como o sol estava amarelo? Dizem que foi um eclipse. Mas qual! Eu também vi na bacia, foi uma nuvenzinha preta, ruim que se pregou no sol; quem foi lá tirá-la? Só Deus, porque ele não quer o sol encoberto, nem parado. As duas concordaram abanando as cabeças.

A conversa estava boa, mas elas tinham uma promessa a cumprir e solicitaram as chaves da igreja  para depositar velas de cera e um prato de esmolas colhidas pela cidade, antes de se porem a caminho de casa. Acompanhadas por um senhor que abriu as portas  da Igreja, admiraram de como tudo estava zelosamente conservado e asseado. Quase toda sua ornamentação, imagens, vaso, órgão, lâmpadas foram ofertas feitas à Nha Chica. Ao sairem da igreja, votaram para se despedir dela que recitou: "É o Espírito que inspira, porque tenho fé viva"

Assim escreveu Henrique Monat:

"Exemplo de virtude, de abnegação, espirito de caridade, dominado pela fé, ella é uma inoffensiva buendicha, convicta, mas que nunca se quiz impor; habituram-n`a ao papel de adivinha, ella o tomou a sério e o faz sem esforço . 
Ha quem já anteveja sua beatificação e ulterior a canonização.
Santa Francisca de Baependy!
E porque não? Porque é pouco versada em política, em astronomia e metrificação?
Outros santos, menos milagrosos, foram mais pobres de espirito.
Santa Francisca de Baependy, ora pro nobis!
Amen.

Nha Chica faleceu em Baependi em 14 de junho de 1895. A campanha pela sua beatificação iniciou-se no ano de 1952 e depois de vários procedimentos eclesiásticos de confirmação de uma cura no ano de 1995 de Ana Lucia Meirelles Leite, moradora de Caxambu, que teria um problema congénito no coração e considerado muito grave pelos médicos. A cura teria se dado sem intervenção cirúrgica e foi atribuída às orações intercedidas à Nha Chica. Reconhecendo o milagre, em 28 de junho de 2012 o Papa Bento XVI autorizou a Congregação para a Causa dos Santos  a promulgar o decreto do milagre atribuído à intercessão de Nha Chica. A Beatificação aconteceu no dia 4 de maio de 2013, em Baependi. Desta forma, Nha Chica se tornou a primeira leiga e negra brasileira a ser declarada beata pela Igreja Católica.

Nota:

Todo o conteúdo do texto é real. Algumas partes do texto foram adaptadas do trecho da única entrevista de Nha Chica a Henrique Monat, cronista da época, extraídas do Livro "Caxambu" de 1894, no capítulo sobre Baependi; a outra parte vem dos relatos de Celia Lima Araujo, filha caçula de Gervásia do real encontro de Sabina e Gervásia com Nha Chica. A conversa telefônica Brasil x Alemanha foi realizada no dia 2 de junho de 2015. 
Fotos:do Livro Caxambu, de Henrique Monat. O "cardápio" servido, acrescento aqui "arroz, feijão e taioba", foi ouvido por Luiz Henrique Dióiro, também em conversas com Tia Célia. O resto foi da minha fantasia.

Solange Ayres
Kreuzau, 8 de julho de 2015, Alemanha

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Terra, água, fogo, ar, Ayres

Da esquerda para a direita: Celia Lima Araujo, Samuel Ayres de Lima, Palmira Ayres, Josino Ayres de Lima, Silvia Diório, Luiz Ayres de Lima, Maria Ayres, Silvio Ayres de Lima, Mercedes Ayres Soler, José Ayres. No centro, meus avós, Gervásia Maria da Conceição, José Ayres de Lima
















Acredito que nunca foi conhecido  casamento entre parentes na nossa família, claro que não. Pelo menos não era sabido até... Até eu achar  no mês passado em junho de 2015, a Virgolina Balbina de Lima que fora filha de João  José de Lima Silva no Censu populacional  da cidade de Pouso alto do ano de 1839, publicado pelo Cedeplar da UFMG e confrontar com o meu arquivo de pesquisas.

Virgolina Balbina de Lima foi mãe de Bernardino Lopes de faria, casado com Elvira Simões e que pelas minhas pesquisas, teve um relacionamento com a escrava Sabina Maria da Conceição, pertencente ao plantel de escravos do sogro, João  Ferreira Simões, gerando Gervásia Maria da Conceição.

Assim através da união com José Ayres de Lima, o Zé Trancador com Gervásia resultou num casamento consangüíneo, isto é, casamento entre parentes sem que eles soubessem. Ou sabiam? Não podemos dizer. Esta conversa foi feita com Célia Lima Araujo, a tia Célia o arquivo vivo de nossa família sem que ela tenha notícia ou sabido do fato.

Terra, água, fogo e ar

Normalmente a igreja era quem fazia as "diligencias" para saber saber o grau de parentesco e dar a permissão para as uniões, mas como Gervásia não tinha pai conhecido, ou melhor, reconhecido oficialmente, não puderam "detectar" a união consangüínea. Gervásia foi batizada, se nossas suposições estiverem certas, pelo próprio pai Bernardino Lopes de Faria; nas sequências dos assentos paroquiais, (vide foto) seu irmão Josino, que tinha o sobrenome de "Lopes de Faria", sendo batizado pela sua avó torta, Virgolina como comprova a certidão. Era também costume dar nome ao batizado o nome de seu padrinho, assim como também adotar sobrenomes de seus senhores de escravos, do qual eles estavam sob proteção.

Mas na história estas  uniões consangüíneas não foram raras, senão, como nós nos reproduzimos no começo da humanidade? Os cientistas estimam que os primeiros a migrar da África estavam entre 700 a 10.000 indivíduos. Diante desses números pequenos, e do fato de que essas pessoas estavam provavelmente dispersas em pequenos grupos de caçadores/coletores e muitas vezes casadas dentro de seu clã ou tribo, parece inevitável que algum nível de união entre parentes próximos tenha ocorrido. Então não fomos exceção.

No Brasil, o código civil impede o casamento de ascendentes com descendentes e de consanguíneos  colaterais até o 3° grau, o que estende a restrição a irmãos, meio-irmãos, tios e sobrinhos.

Ja a igreja por um milênio proibiu o casamento entre parentes, até o sétimo grau, com base do preceito bíblico de que o mundo foi criado em sete dias. Mais tarde, ela passou a proibir os casamentos até o 4° tomando como base os quatro elementos da natureza. E assim sendo a Família Ayres nasceu e esta sob o signo dos quatro elementos da natureza: terra, água, fogo e ar, ar de Ayres.

O casamento

Para entender o emaranhado dos parentes, montei um diagrama que facilita localizar as uniões  na família e seus descendentes.



O filho dele, José de Souza Lima, o "José Trançador" como era chamado, portanto NETO, isto é (relação de de 2°grau), casou-se com Gervásia Maria da ConceiçãoBISNETA (relação de 3° grau) de João José de Lima e Silva. As setas em vermelho indicam a linhagem da família.

Aqui em detalhes os filhos, netos e bisnetos de João  José de Lima e Silva

1- Joao José de Lima e Silva (1798-1875), Pouso Alto, casado com
    Joana Thereza Ribeiro de Lima (1807-1860) 

Filhos: 1-Virgolina Balbina de Lima (1834-?), 2-José Ignacio de Lima e Silva (1835-?), 3-Thereza Ribeiro de Lima/Jesus (1837-?),4- Rufino de Lima e Silva (1853-?), 5- Ignacia Ribeiro de Lima (?-?), 6- Maria de Souza Lima/Silva/lima de Souza (?-?) casou-se com José Fernande Ayres da Silva (que também como seu filho era apelidado de Trançador) (?-1902), 7- Francisco Theodoro de Lima (?-?),  8- Joao José de Lima (?-?).

1.1-Virgolina Balbina de Lima (1833-?) casada com
      Francisco/Bernardino/Lopes de Faria

Filhos: 1- Bernardino Lopes de Faria (1853-?), 2- Luciana de Faria (1856-?), 3- Lodgero Lopes de Faria(1858-?), 4- Lucinda de Faria (1861-?), 5- Eliziel Lopes de Faria (1862-?), 6- José de Faria (1864-?), 7- Arminda de Faria 1867-?), 8- Sabina Bernardina de Faria (1869-?), 9- Bruno de Faria (1872-),10- Maria de Faria, (1875-?, ?11-  de Faria (1875-1875), 12- Juvêncio de Faria (1877-?), 13- Escolástica/Lopes de Faria (?-1879)

2.1-Bernardino Lopes de Faria, (casado com Elvira Ferreira Simões)
      engravidou a escrava de João  Ferreira Simões, seu sogro,
      Sabina Maria da Conceição (1865-?)

Filhos: 1- Gervásia Maria da Conceição, (1881-1971), 2- Josino Lopes de Faria (1883-?),3-   Eduardo Lopes (1884-?), 4- Luiz Lopes/Nego (?-?), 5- Manoel Lopes (1886-?).

      José Ayres de Souza Lima, o José Trançador (1873-1943)

Filhos:
José Ayres, Mercedes Soler Ayres, Silvio Ayres,  Maria Ayres,  Luiz Ayres de Lima, Silvia Diório Ayres, Josino Ayres de Lima, Samuel Ayres de Lima, Célia Ayres de Lima.

Solange Ayres
Kreuzau, 7 de junho de 2015, Alemanha

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Quarteirão 2, Fogo 17, Pouso Alto




Contando a  história de traz para frente, ou vice versa

E quando as minhas esperanças de reconstruir a vida de nossos antepassados já iam longe, encontro novamente ele, Joao José de Lima e Silva (1798-1877) em... Pouso Alto. E mais! Dona Virgolina Balbina de Lima, (1833-?) que foi madrinha de batismo de Sabina Maria da Conceição (1865-?) e de Josino (1883-?), irmão de Gervásia Maria da Conceição (1881-1971), que já suspeitava de seu parentesco com a Família Ayres, se confirmou.  Encontrei toda a família no Censu da População  da cidade de Pouso Alto, de 1839, desvendando de vez o quebra cabeças: Virgolina Balbina de Lima era filha de João José de Lima e Silva. E mais, todas as pessoas da tabela (vide abaixo) coincidem com os personagens, digo, parentes aqui biografados: João José de Lima Silva, Joana Teresa, que tinha o sobrenome de Ribeiro de Lima (1807-1860), Virgolina, que no quadro aparece com 6 anos de idade, cuja data de nascimento confere com a sua certidão  de casamento, datado de 1849; fazendo as contas do Censo, ela tinha 6 anos de idade, assim sendo ela se casou com 16 anos, então ela nasceu ,em 1833, pois o senso é de 1839; José que tinha o sobrenome de Ignacio de Lima e Silva, Tereza de sobrenome Ribeiro de Lima, casada com José Florencio Bernardes. E... Benedito, escravo, que tinha o sobrenome de Manoel de Lima, em cuja certidão consta que ele faleceu na Santa Casa de Baependi em consequência de úlcera cancerosa  de... Pouso Alto.




Quarteirão 2, Fogo 17, Pouso Alto

Este seria o endereço de João José de Lima e Silva se fossemos lhe mandar uma correspondência pelos correios nos tempos coloniais, tendo como inspetor José Francisco da Silva Vieira. O Brasil estava dividido em 20 Províncias e estas subdivididas em Municípios. Os Municípios eram divididos em Freguesias, que por sua vez eram divididas em Quarteirões. O Quarteirão constituía-se a menor unidade administrativa, sendo formado por um número mínimo de 25 casas ou "Fogos", de fogão à lenha, sendo que cada conjunto de três Quarteirões formavam um distrito.

Brancos e Livres

Então não restou dúvidas, a família foi encontrada nos seus primórdios em Pouso Alto. Dona Joana Teresa tinha já 3 crianças e eles possuíam 5 escravos adultos: 3 homens, uma mulher e um menino. E além de "branco e livre" nas anotações do Censo o senhor João José de Lima e Silva era "agricultor" e... "le e escreve", como na maioria dos fazendeiros homens listados. Mulheres que sabiam ler e escrever era raridade para a época.

*2
17
1
41
branco
Casado
livre



2
Joana Teresa
32
branco
Casado
livre



3
6
branco
Solteiro
livre



4
José
4
branco
Solteiro
livre



5
Teresa
2
branco
Solteiro
livre



6
Adão
31
crioulo
Solteiro
escravo



7
Vicente
28
crioulo
Solteiro
escravo



8
Benedito
26
crioulo
Solteiro
escravo



9
Celestina
38
africano/preto
Viúvo
escravo



10
José
10
crioulo
Solteiro
escravo


Senta que lá vem mais história!

E aqui vamos contar um pouco a história do município de Pouso Alto, onde a Família dos Lima e Silva que ainda não era os "Ayres", primeiramente se estabeleceram, antes de se mudarem para o Chapeo, próximo à Baependi

Como o nome diz Pouso Alto esta situado no alto de uma colina, onde em 1692 o sertanista Antonio Delgado da Veiga paulista de Taubaté pernoitou, proveniente do Vale do Paraíba. Muitos desses,  aventureiros demandavam os sertões  de Minas em busca de riquezas, ouro e pedras preciosas. E como quase todos os municípios mineiros, também Pouso Alto se formou em torno de um cruzeiro que eles lá deixaram, símbolo  da fé cristã.

Caminhos do sertão

Tomo emprestado o texto de Luiz Alexandre Guimarães Vilella, Pouso Alto-Relicário da História das Minas, que muito bem descreve o povoado:

"Pouso Alto tornou-se marco glorioso epopéia sertanista. Nas idas e vindas pelos vales do Rio Verde, os bandeirantes fizeram pousadas nestes sítios. No rancho, à beira dos córregos ou nos cimos dos morros os homens descansavam para recomeçar, ao romper da madrugada seguinte, a longa e penosa jornada. Era a primeira escala nos campos sul mineiros, a marcha rumo ao Sabarabuçu. Taubaté , Pindamonhagaba, Guaratinguetá, Guaipacaré e as roças de Bento Gonçalves iam ficando para trás. Vencida a Mantiqueira, por cinco serras altas, começavam os bandeirantes a cortar o ribeirão Passa Vinte (porque vinte vezes por ele se passava), iniciando nova ascensão de serras agras onde era preciso descarregar as cavalduras, devido os riscos de despenhadeiros. E chegaram a Pouso Alto. Ali fixaram seus "ranchos de tropas". Prepararam as roças de abóbora, milho e feijão, lavouras feitas para garantir a alimentação, no regresso ou, dos que viriam depois, em outras expedições. Abriram-se , assim, as primeiras picadas para o sul de Minas e os bandeirantes se irradiaram pelas serranias próximas: Boa Vista, Caxambu, Baependi, terras de Juruoca até as nascentes do Rio Grande, na Bocaína do Miratão; marcharam em outras direções para os campos do Carmo de Pouso Alto, Maria da Fé e Campina do Rio Verde rumo as minas de Sabará." 

As expedições pelos sertões brasileiros ficaram conhecidas como Bandeiras e seus empreendedores como Bandeirantes. Algumas dessas Bandeiras, percorriam trilhas ja conhecidas pelos indígenas, como a Trilha dos Guaianases, a partir do Vale do Rio Paraíba do Sul, através da passagem da Garganta do Embaú, na Serra da Mantiqueira, em direção às Minas Gerais denominado Caminho dos Paulistas ou Caminho Geral do Sertão, ligando a Capitania de São  Paulo às Minas. A descoberta de ouro intensificou o transito de pessoas, animais e gêneros alimentícios entre o litoral e o interior. A notícia de descoberta de ouro se espalhava rapidamente, e assim houve a grande corrida para o interior de Minas Gerais iniciando assim o "Ciclo do Ouro", povoando as vilas ao longo dos caminhos. E desta forma  das 36 mais antigas cidades fundadas pelos paulistas, estão Pouso Alto, juntamente com Baependi, Aiuruoca e Campanha.

Esses sertanistas e bandeirantes, por outros chamados "desbravadores" eram descendentes de primeira e segunda geração de portugueses, mas também castelhanos, genoveses, bascos, napolitanos, sarracenos, enfim uma mistura geral de gente que gostava de aventuras; e com toda a certeza os Lima e Silva descenderam deles. Nota-se no gráfico a família era composta de "brancos" e "livres"...


Nossas Senhoras!

A pequena Pouso Alto crescia e não era mais tão pequena. No alto da colina a capela construída sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição chamava os fieis através das badaladas dos sinos, dando ritmo à vida no sertão. No ano 1748  o Capitão Estácio da Silva encomenda, de Portugal, uma imagem de Nossa Senhora dos Remédios para Caxambu, e na mesma época o povo de Pouso Alto encomenda também uma imagem, mas de Nossa Senhora da Conceição. Chegadas no Brasil a confusão: A Nossa Senhora dos Remédios foi parar em Pouso Alto e a imagem de Nossa Senhora da Conceição foi para Caxambu e... Até hoje não foram trocadas.

Enquanto isso no Chapeo...

Virgolina Balbina parece que foi a primeira a se mudar de Pouso Alto para a região próxima à Baependi, recapitulando, casando-se ainda muito jovem, aos 16 anos, em 13 de setembro de 1849, na Capela de Santo Antonio do Piracicaba. Seu pai não estava presente no casamento. Morava ele ainda em Pouso Alto? 
No ano de 1853 foi realizado o batismo do primeiro filho de Virgolina, Bernardino Lopes de Faria (1823-?), que posteriormente se casaria com Elvira Maria do Nascimento, filha de João Ferreira Simões (1835-1919). O padrinho e pai João José de Lima e Silva também não compareceu pessoalmente a este evento, mas apresentou uma procuração pela sua irmã, dona Tereza Ribeiro de Lima casada com José Florencio Bernardes, moradores do Chapeo.

Pois então a família permaneceu,em Pouso Alto, até por volta do ano 1853, ou quem sabe antes já teriam feito a jornada para o interior. A data do  primeiro registro de que a família já morava no Chapeo foi o batismo do filho caçula de João José de Lima e Silva, o Rufino, em agosto de 1853, (abaixo), portanto parece que na data eles ja teriam se mudado de Pouso Alto para o Chapeo, ou melhor Lagoinha do Chapeo.

Certidão de batismo de Rufino, primeiro registro da Família  Lima e Silva na Capela do Santo Antonio do Piracicaba, no ano de 1853 em Baependi.
E tudo virou cinzas...

Infelizmente, em 5 de abril de 1855, um incêndio destruiu a Igreja Matriz de Pouso Alto e junto com ela sua história desde 1752. Os registros civis só vieram ser feitos em cartórios após a instalação da República ou seja, em 1889. Até então os registros eram feitos e guardados nas Igrejas. A Igreja Matriz  de Pouso Alto poderia ser considerada a "Capital das Terras Altas da Mantiqueira" pela sua importância histórica. Documentos eclesiais contendo valiosas informações sobre a origem de nossos antepassados se perderam para sempre. E eu, alegre por ter descoberto o lugar de procedência de meu trisavô na velha Pouso Alto e triste, por não poder mais consultar os documentos que viraram cinzas.

*Censu de Pouso Alto, 1838
 Cedeplar, UFMG