segunda-feira, 27 de junho de 2016

José Fernandes Ayres de Lima, meu bisavô era um tropeiro



E sentem novamente que lá vem história! Paciência, gente! Hoje vamos contar a história do velho José Fernandes Ayreso Trancador-pai, que deu origem ao nome do Bairro Trançador, situado na barra do Morro de Caxambu. Esta parte da história  esta sendo resgatada em entrevistas sensacionais de Maria das Graças Pereira, a Graça, em visita  ao primo Sylvio Ayres de Lima, neto de José Fernandes, filho de Anna Ayres de Lima, a tia/ avó Lica e José Eugenio de Souza, em São  José dos Campos. Uma verdadeira jóia de documentação agora de posse do Blog de nossas Famílias, Ayres/Freitas/Pereira. Publicaremos tudo, mas tudo mesmo. Com vocês a história de nossos antepassados...

Os caminhos do sertão 

Vamos então lá para as Minas Gerais no século 18...
Pois Minas desempenhou papéu importantíssimo no abastecimento de gêneros alimentícios para as áreas urbanas nos tempos do Brasil Colônia. Os produtos viajavam de longe. Um dos impulsionadores deste fato foi a chegada da família real ao Brasil, fugida da invasão de Napoleão Bonaparte, que causou enorme impacto, transformando a economia da então Capitania de Minas.

A população cresceu e a demanda por gêneros alimentícios  para os centros urbanos, como Vila Rica, hoje Ouro Preto e o Rio de Janeiro dinamizou o comércio.
Em 1802  passaram pelo Registro oficial da Mantiqueira, para se ter uma idéia, 716 porcos rumo à capital. Três anos depois, com a transferencia da corte portuguesa, em 1811 os números foram de 1.632. Entre 1818 e 1891 os porcos exportados já eram 30 mil, uma considerada soma. No mesmo percurso da Estrada Real passavam os produtos que o povo necessitava: aguardente de cana, rapadura, café, arroz, feijão, farinha de mandioca, milho, trigo, azeite de mamona, cera, sabão, estribos e selas, chicotes, chapéus de lã, algodão em rama e tecido além de outros animais, como galinhas, carneiros, patos. E também doces como a marmelada e o famoso queijo mineiro já viajavam Brasil afora.

De fato a transferencia da Corte portuguesa para o Rio acabou impulsionando a economia mineira compensando o declínio da atividade mineradora. Como os historiadores costumam escrever, Minas não entrou em crise, simplesmente houve uma diversificação econômica.
Os alimentos produzidos em Minas cruzaram fronteiras, chegando a São Paulo e ao interior do Rio de Janeiro. E com a expansão cafeeira no Vale do Paraíba fluminense houve uma verdadeira integração dos três Estados, com a ajuda dos trilhos de ferro.

Trilhas, tropeiros, Trançador  e as "traias"

Rancho Grande (dos Tropeiros) quadro de Benedito Calixto
de 1921, Santos, São  Paulo
Neste tempo de transformações existiu um grupo  particular para a produção e comercialização de alimentos: os tropeiros. O nome derivado de "tropa", aplicado aos próprios donos dos animais, quase sempre fazendeiros e criadores que formavam um grupo de peões, cada um com sua especialidade: os tocadores, tangedores, o madrinheiro, menino que seguia à frente do dianteiro, na mula, montando uma égua mansa, e guiando a tropa ao som de cincerros nela pendurados, que também era encarregado de preparar o café e a comida, feijão de tropeiro, pirão de mandioca, carne de porco, carne seca, toucinho, farinha de milho. A caravana podia se arrastar, dias, semanas até meses seguidos sob a poeira, sol e chuva. Em suas horas de descanso, eram trocadas as informações que adquiriam no caminho, transformando-se em preciosos interlocutores, transportadores de informações de lá pra de cá e de cá pra lá.

"Mais do que simplesmente transportar mercadorias, as tropas criam toda uma cadeia de negócios mantida por redes familiares. O que inclui a mercadoria fundamental para o funcionamento daquela economia: os escravos. As mesmas tropas que levavam das Minas para o Rio os gêneros de subsistência subiam de volta a serra transportando negros escravos.

O tropeiro é um elemento de transição e ligação entre o universo rural, ligado à produção, e o urbano, base do comércio. A um só tempo proprietário de terras, produtor rural, comerciante de alimentos e traficante de escravos, ele logo se torna importante figura política na região. A abertura de novos caminhos ligando Minas ao Rio, entre 1810 e 1820, atende às suas demandas. É o caso das estradas do Comércio e da Polícia, construídas quase simultaneamente, e da estrada do Picú, hoje Itamonte, financiada pelos próprios fazendeiros de Campanha, Baependi e Pouso Alegre, que abreviou em cinco dias o caminho das tropas para a Corte, no Rio de Janeiro. Na arena política, os tropeiros conquistam cargos de deputado e senador, levando sua agenda para o centro das discussões governamentais e impulsionando de vez as relações econômicas entre os estados do Sudeste."*

Estas transformações foram sentidas em toda a Província e o mercado consumidor interno foi a chave para o sucesso para o desenvolvimento do país.

O Trançador  e as "traias"   

Indumentária de um tropeiro, não faltando
 os laços,relhos e bolsas de couro
Quem não ouviu falar em "traias"? Traia para nós em Minas são bagagens de viagens. Pois a palavra vem de lá, "tralha". Todo tropeiro tinha sua "traia", ou suas "traias", aqui abreviado dito como em Minas, isto é, laços, rédeas, trançados para domar os animais, utensílios de cozinha que eram transportados consigo durante as viagens.

Em torno dessa grande economia, surgiram as novas profissões: o peão domador, o ferrador, o toureiro, o rancheiro e o aveitar, um veterinário primitivo e... O trançador .

E foi na profissão de artesão para essa "economia tropeira" que nosso bisavô, e também Tropeiro, José Fernandes Ayres fez o seu nome.

Na fralda do Morro Caxambu, na propriedade em que vivia, tinha sua casa, na beira da estrada mesmo. Próximo ao terreno o lugar se tornou um acampamento rústico, onde as tropas faziam o seu "pouso", um ponto de passagem e parada, vindos de Conceição do Rio Verde em direção à Baependi. Era  um pedaço descampado de terra onde acampavam ciganos, índios, brancos e negros, escravos e libertos, gente de toda raça e dolência...



Maria de Lurdes de Deus, bisneta de José Fernandes Ayres, o Trançador-pai,
fotografada por Maria das Graças Pereira indicando
 onde localizava as terras pertencentes ao seu bisavô, ao pé do morro,
onde hoje é o Bairro do Trançador, Caxambu
É, era bem ali no alto, onde é hoje o Bairro Trançador  que José Fernandes morava e que adquiriu esse nome por ser ele o artesão de peças de couro, laços, relhos que trançava com maestria, vendidos aos tropeiros que circulavam em toda a Província de Minas.  Seu filho José Ayres de Lima, casado com a minha avó Gervásia Ayres de Lima, o meu avo, não somente herdou do pai a habilidade de trançar relhos, mas também o apelido de  Trançador.

Em visitas a um neto de José Fernandes de Lima, Sylvio Aires de Lima, relata para o Blog da Família Ayres suas memórias e conta...



Levavam bois nas classes noturnas

Mas o tropeirismo estava com dias contados. Com a chegada dos trilhos de ferro em 1884, e a inauguração do trecho Minas-Rio, tudo que era transportado por terra, a pé, no lombo dos burros, e os próprios bois, perderam o seu lugar e agora a carga ia de trem e depois em caminhões.

E o "O Baependiano noticiava em abril de 1883:

É o dia 12 deste mês em que pela vez primeira o carro do progresso transpos as mais do nosso município, e o cavalo dinâmico que come o carvão, vomita chamas e devora o espaço, depois de haver saciado a sede nas águas do Atlantico, pisou ofegante o solo baependiano, em seu caminhar delirante, para o Far West brasileiro, à procura dos tesouros minerais e vegetais, que naquela misteriosa região só esperam a mão do homem para colhe-los."

Na década de 1930 o tropeirismo viveu os seus derradeiros dias. Por causa de sua importância para a história econômica do Brasil, os Tropeiros ganharam o seu dia, dia 26 de outubro.



O poeta   bem descreveu em "Soledade de Minas":

Em outros tempos as máquinas de ferro
Cruzavam seus chifres e queimavam os cascos
Na agulha grossa dos dormentes.
As caldeiras ferviam nas locomotivas
E o vapor tecia sonhos de guerra
no peito dos soldados.
As cidades ferroviárias estavam no apogeu.
Levavam bois nas classes noturnas,
Esparramavam óleo no joelho dos vagões,
E faziam o ofício de mulheres-cortesãs,
Fiando suéteres para a História Industrial.
Havia cabelos esvoaçantes, náuseas,
E na dobra do morro o olhar da lua
Comia a cauda agitada dos trens.
Havia pasmo das crianças 
Perante a violencia das invenções inglesas
Nas gargantas úmidas de Minas*
Ao vivo e a cores

E para aqueles que querem ver ao vivo como era o trabalho de nossos antepassados, de como a profissão de Trançador era exercida, façam uma visita.


Agradecimentos:
O Blog da Família Ayres agradece a aqueles que possibilitaram o contato com os demais membros da Família Ayres de Lima em São José dos Campos que ouviram e responderam! as perguntas de nossa pesquisadora, Maria das Graças Pereira e ao seu marido Vanderlei de Moura Silveira, que muitas vezes serviu de arquivo, memorizando o conteúdo das conversas, bem como de motorista da entrevistadora.

Foto: Vidal Araujo, montado em sua mula na Festa de Tropeiro em Tropeirismo e a formação  do Brasil
Poesia: Eustaquio Gorgonne
Fonte:
Alexandre Mendes Cunha é professor do Departamento de Economia e pesquisador do Cedeplar, ambos na UFMG. Autor da tese de doutorado em História “Minas Gerais, da capitania à província: elites políticas e a administração da fazenda em um espaço em transformação” (UFF, 2007).
O Baependiano
Video: Gravado na residencia de Sylvio Aires de Lima, em São  José dos Campos, por Maria das Graças Pereira em junho de 2016.

domingo, 19 de junho de 2016

Marcos Pereira Gomes Nogueira, o Monsenhor

O pugilo de homens recém-chegados e os que foram encontrados na terra do ouro, e que juntos constituiam a crença  baependiana, estavam talhados mais para pastores e agricultores do que para mineiros. Enamorados da espessura das nossas florestas sul mineiras, e da belleza dos nossos campos, os quaes se desdobram desde o Cajurú até as vastas campinas do Angahy, Favacho, Campo-Lindo, e muito além, dedicaram-se logo à lavoura e à criação; e foram os fructos destes trabalhos de matto e de campo, os elementos das primeiras fortunas deste Sul de Minas - de que foi Baependy o primeiro núcleo".*

E hoje o Blog da Família Ayres vai noticiar sobre o Monsenhor Marcos Pereira Gomes Nogueira, assim como já noticiamos aqui outro religioso, o Reverendo José  Eduardo Honorato da Silveira que batizou nossos bisavós lá na Capelinha do Piracicaba. Ele fez parte da história da cidade de Baependi, mas também fez parte da história da Família Ayres/Rodrigues de Freitas nas celebrações de batizados e casamentos. Vamos lá.

Monsenhor Marcos  nasceu em 18 de junho de 1847, numa chácara de propriedade de seu tio, Manuel Constantino Pereira Guimarães, no lugar denominado "Lava-pés", na periferia da então Vila de Santa Maria de Baependi. Filho de João  Constatino Pereira Guimarães, imigrante português procedente da região do Minho, região que já descrevemos neste blog de onde vieram muitos imigrantes Portugueses  que povoaram Minas Gerais, imigrantes estes como nossos antepassados que assinavam e assinam "Lima". Sua mãe  Ana Engracia Nogueira Meireles era filha de um bisneto de Capitão-Mor Tomé Rodrigues Nogueira do Ó, um dos primeiros moradores da localidade e considerado o fundador da cidade de Baependi. Foi ele que edificou no chamado "Engenho" a primeira capela de Nossa Senhora de Montserrat, ha dois quilômetros da povoação, uma construção rústica, onde se encontrava a imagem de devoção da família. Mais tarde suas filhas Maria Nogueira do Prado e seu marido João  Gomes Lemos fizeram a doação do terreno à Freguesia de Santa Maria de Baependi, onde hoje esta edificada a Igreja Matriz.

Marcos viveu no tempo em que a cidade se emancipou politicamente em 1855 e que mais tarde foi elevada à categoria de cidade com nome de Baependi. O jovem seminarista foi testemunha do seu crescimento econômico e cultural.  No  ano de 1862 presenciou o douramento do altar-Mor da igreja, com o generoso donativo de Nha Chica, quando ela recebeu a herança de seu irmão, Theotonio Pereira do Amaral, falecido em 1861.

Sem nunca ter vivido num seminário, mesmo assim o jovem vigário recebeu seu credenciamento para atuar como padre em 25 de outubro de 1865, quando da visita pastoral do D. Antonio Ferreira Viçoso, o bispo de Mariana à paróquia de Baependi. Sua formação teológica foi ministrada pelo então vigário Joaquim Gomes do Carmo.


Ainda neste mesmo ano iniciaria Nha Chica a construção da capela dedicada à Senhora da Conceição. Como seminarista presenciou a cerimonia do lançamento da pedra fundamental da Igreja Santa Isabel, em Caxambu, naquela época ainda pertencente à Baependi, cerimonia esta com a presença de Sua Alteza Real, a jovem Princesa Isabel, que em 1888 assinaria a lei que libertaria os escravos dos grilhões da escravidão.

Entre folhas de gravatá, fumo e bananeira

Em 1870 ele inicia seus trabalhos como padre, servindo à comunidade. Por quase meio século foi o impulsionador das obras de restauração  da Igreja Matriz. Era conhecido  por ser "um sacerdote zeloso e de inteligência cultivada, aliada a uma grande vontade". Conhecedor das regras  de arquitetura foi ele quem desenhou e planejou as reformas na Igreja Matriz. No seu conceito estético incluía os ornados em madeira de cedro inspirados na flora brasileira, como cacho de Gravatá, da família das bromélias, onde pende o lustre da cúpula e o portal de entrada ornado com folhas de fumo. Para não esquecer, a região produzia tabaco de excelente qualidade. O tabaco de  Baependi era  era encontrado nas melhores charutarias da corte, no Rio de Janeiro.
Ainda, a  decoração da Igreja Matriz incluía folhas de bananeira e uva e o estilo barroco da igreja  teve um toque de originalidade, criado pelas próprias mãos do Monsenhor, que fazia os moldes para as esculturas. A sua obra foi levada a frente graças as esmolas que angariava, tanto da população pobre, mas também dos ricos. 

O Baependiano
Mas Monsenhor Marcos não era somente um pároco que cuidada da formação espiritual de suas ovelhas, mas ele também se imiscuía na política, como todo o clero, além de constar na lista como eleitor de 1881, apoiou o candidato a deputado da Província de Minas Gerais. No mesmo ano encaminhou um ofício atravez do vereador Mattos para realização de consertos na ponte sobre o rio São  Pedro e liberação de verba para  reparos na Capela de Santo Antonio do Piracicaba, publicada no jornal "O Baependiano" na edição de 23 de abril de 1879. 

Monsenhor Marcos abençoou  em nossa família:

A lista de nossos antepassados que Monsenhor Marcos assistiu como pároco é grande e aqui nomearei somente alguns e dentre eles:

Em 25 de dezembro de 1881 ele batizou na Igreja Matriz de Baependi juntamente com sua irmã Prisciliana Elisa Nogueira,  Maria José de Lima, a vó Mariquinha, e em 1898 foi ele quem celebrou também seu casamento, na ainda Capela Nossa Senhora dos Remédios, em Caxambu. 

Em 23 de outubro de 1881 assinou o batistério de Gervásia Maria, a vó Gervásia e em 30 de janeiro de 1897 abençoou o seu casamento com José Ayres de Lima-Trancador-filho.

Em 13 de novembro de 1882 celebrou o pomposo casamento de Prisciliana Isidodra do Espírito Santo com viuvo Antonio José Pereira, realizado em um  altar privado, na casa de seu pai, José Florencio Bernardes, na fazenda do Bairro do Chapeu em Baependi e que foi notícia no jornal "O Baependiano". Prisciliana era filha de Thereza Ribeiro de Lima, e neta de João o José de Lima e Silva, o mais antigo ancestral da Familia Ayres/ Freitas.

Em 17 de janeiro 1886 na  ainda Capela Nossa Senhora dos Remédios, em Caxambu, batizou a tia-avó Izabel Aires de Lima filha de José Fernandes Ayres, Trançador -Pai.

Em 11 de junho de 1903, na Igreja Matriz em uma se suas últimas atuações na família, fez o casamento de Ana de Souza Lima, a tia-avó Lica, com José Eugenio de Souza.

Monsenhor e Nha Chica

Monsenhor Marcos manteve uma grande relação de amizade e respeito por Nha Chica, que o escolheu para ser seu primeiro testamenteiro. Em em 14 julho de 1985 assina o seu atestado de óbito, (foto). Na descrição ela foi sepultada 3 dias depois, no dia 18 na Igreja Nossa Senhora da Conceição para qual havia dedicado toda a sua vida.
Assim escreveu:

Aos quatorze de junho de mil oitocentos e noventa e cinco, pelas 5 horas da tarde, com todos os Sacramentos, faleceu nesta cidade D. Francisca de Paula de Jesus, solteira, de oitenta e dois anos de idade; no dia dezesseie do mesmo mez foi solenemente encomendada, acompanhada da Matriz a Capela de N.S. da Conceição pelas irmandades do S. Smo Sacramento, NS. da Boa Morte , das Mercez e do Rosário; e no dia dezoito do mesmo me foi parcialmente encomendada e sepultada no recinto da nave da mesma igreja de NS. da Conceição. Para constar faço este assento que assino: Revdo Marcos Pereira Gomes Nogueira.



Atestado de óbito de Nha Chica, assinado 
por Mons. Marcos Pereira Gomes Nogueira

Acidente de percurso

Em 1906 Mons. Marcos teve que ausentar temporariamente de Baependi para assumir o bispado de Pouso Alegre, durante a ausencia  de D. João Batista Correia Nery, que fora a Roma, em visita ao Papa Pio X. Tragicamente no seu regresso a Baependi foi vítima de um acidente, sendo arrastado pela locomotiva do trem de ferro. Após o ocorrido ele se recolheu a Casa de Misericórdia, hoje Hospital Cônego Monte Raso, como capelão e lá faleceu, 10 anos após o acidente, em seu modesto quarto, com o rosário entre os dedos, vítima de uma parada cardíaca, no dia 7 de fevereiro de 1916. Foi sepultado na Capela da Paixão, à esquerda do altar-mor da Igreja Matriz.

Atestado de óbito do Monsenhor Marcos Pereira Gomes Nogueira
Foto: Maria das Graças Pereira da Silveira
Sepultura do Monsenhor, na Igreja Matriz de Baependi

Em tempo: Quando eu já havia fechado e publicado este post, recebo a notícia que a nossa repórter investigativa estava NO LOCAL dos acontecimentos históricos e nos enviou atravez desta maravilhosa máquina-computador-celular a foto documental para o nosso texto. Mais uma da Graça.

Texto baseado no texto do Blog Bem-aventurada Nhá-Chica do Pe. Jean Poul, da Diocese de Campanha.
Fontes: Blog: *Carmo da Cachoeira.net, citação; Genealogia Paulistana



quarta-feira, 15 de junho de 2016

Maria das Graças Pereira Silveira, a Normalista



 O relógio ja deu hora
o jardim vai começar
com florzinhas e aurora
 porque vamos estudar 

Maria das Graças no colo de
sua querida mãe, Geralda
Estas eram as estrofes que a futura Normalista Maria das Graças Pereira da Silveira ouvia antes de iniciar as aulas, nos primeiros anos de sua infância. Mas se para outras crianças a musiquinha era o começo das aulas, para ela alí começava o tormento e significava que ela teria que ser separada da mãe e...  tinha vontade de chorar. Aqui o destino colocaria elementos em sua personalidade, que mais tarde chegaria a influenciar sua carreira ...

E como aqui no Blog da Familia Ayres/Rodrigues Freitas vocês vão ficar sabendo, não somente das histórias pessoais, mas também um pouco de história, vamos tentar entender como e porque  cargas d`água Maria das Graças resolveu ser Normalista.

Senta que lá vem história

O que era uma "normalista"? Ora, eram as moçoilas que cursavam o Curso Normal, também conhecido como Magistério de 1° grau ou Pedagógico, uma habilitação para trabalhar nas séries iniciais do ensino fundamental. O professor poderia então complementar por mais um ano o chamado  o Quarto Normal, em uma área específica, o que o habilitaria a dar aulas até a 7a série, hoje atual 8° ano.

As escolas Normais surgiram no Brasil pela Lei Provincial de 1835. A idéia era "normatização" das práticas educativas, formação de instrução  profissional de novos mestres e melhor preparar pessoas para o exercício do magistério.
Após a Proclamação  da República, em 1889, o ensino passou a ser extendido às mulheres, proporcionando assim a possibilidade de se profissionalizarem. E o que mais queriam as mães é que sua filhas se fizessem o "Normal". Não eram professoras, eram Normalistas, a única profissão aceita para as mulheres. É, e a profissão dava "status" e era garantia para um bom casamento. O curso chamado: "espera marido".  Isso era nos anos de 1920, quando o professor passa a ter necessidade de habilitação para atuar nas escolas.



E como tudo é produto do seu tempo, a educação não fez outra coisa que espelhar as necessidades da sociedade brasileira. No governo Vargas (1938-45) o Brasil se desenvolvia cultural e industrialmente, exigindo mais qualificação aos recém-ingressos no trabalho. Escrever e ler vai deixando de ser luxo e passa a ser uma necessidade. Em 1942-46, foram realizadas reformas na educação, com a preocupação com o Ensino Primário e com as Escolas Normais, estas voltadas para a formação de professores do ensino básico. Não vou "salivar" mais e quem quiser se aprofundar no tema, aqui um video que conta a história das Escolas Normais desde sua génese, vale a pena visitar.


A difícil separação

Mas voltando à Graça... escrever biografias, ou na proposta dos textos do Blog da Família AyresFreitas Rodrigues e outros ramos, é escrever sobre vidas vividas, passadas, futuras. Assim vamos construindo os nossos traumas, desconstruindo-os na idade adulta, contando e recontando as histórias.

 Maria das Graças, primeira à esquerda em uniforme
 da Escolinha da Virgo Potens               
Nem sempre as lembranças deste passado são aquelas melhores recordações de infância. Relativizados hoje os fatos que marcaram as histórias pessoais, mas que foram acontecimentos muitas das vezes dolorosos, muito dolorosos e que  marcaram nossas personalidades. 

Graça estudou na Virgo Potens, escola que iniciava a alfabetização das criancas, uma instituição católica, situada na rua Dr. Viotti, 118, rumo a Estação Rodoviária/Ferroviária, em Caxambu.  Mas quem disse que a menina Graça gostava de ir a escola? Com a perda do pai antes de  ter nascido, ela era, literalmente, agarrada à barra da saia da mãe. O processo de separação, pelo menos para a ir à escola, foi traumático e ela chegou a fugir várias vezes da escolinha.  Todo os dias era aquele berreiro, bastava ver as freiras com aqueles chapéus enormes de andorinha na cabeça. Nada contra a bondosa irmã Vivencia (foto), mas a falta que a mãe fazia era maior. Tamanho foi o trauma, a choradeira, as fugas, que a família arrumou um lugar para  sua tia Nita trabalhar lá, e assim fazer companhia a ela no jardim...

O menino Jesus das moedinhas

Uma das poucas e boas lembranças desta pequena instituição de ensino era a capelinha ao lado, onde o menino Jesus balançava a cabeça ao receber uma moedinha. Ela adorava ver o menino Jesus balançar a cabeça, mas que pena, ela tinha poucas moedinhas...

Irma Vicencia e suas pupilas
Ao sair da escola primária continuou sua carreira de estudante, no Grupo Padre Correia de Almeida ainda em Caxambu. Com ajuda financeira alcançou a 5a serie e foi para o colégio das outras freiras , denominado na época Colégio Normal Santa Terezinha da ordem das Irmãs Vicentinas,  sediado em Pouso Alegre.  Um fato ficou marcado: No primeiro ano o colégio pegou fogo, por um curto circuito no velho sistema elétrico e assim arrumaram outro lugar, um hotel, o Hotel Jardim, onde as aulas continuaram a serem ministradas.

Com a bolsa de estudos do próprio colégio continuou estudando, até  no ano de  falecimento de sua  mãe. Era o último ano da série. Perdeu a mãe, perdeu o ano, perdeu a bolsa...  Mas como Graça  era a  caçula, a "queridinha das irmãs " gozava de maior "status", e sendo assim, elas  arrumaram um jeito para financiar a escola, pois elas mesmas nunca tiveram a chance de ir além do primário. Os estudos continuaram a ser patrocinados, agora por um amigo da família ,e assim ela se formou "Normalista".

O saber não  ocupa lugar

Maria das Graças, recebendo o anel de Normalista
Este era o lema da Família Freitas, governada por uma legião de  mulheres, que não pouparam tempo, paciência e dinheiro para enviar a irmã caçula à escola. Ao concluir o curso recebeu um convite das freiras para lecionar no Colégio, nas classes do Primário. Mas com a cabeça em outro lugar, Graça não esquentou cadeira lá. Sua carreira foi curta, pelo menos no colégio onde ela se formara, mas teve tempo de ser a minha mestra no 3° ano Primário. Minha mãe confiava à Maria das Graças a sua filha, que era conduzida pela mão todos os dias até o Colégio.


Se não  vai ela, vou eu

Ainda em Caxambu foi trabalhar com educação de adulto na antiga Escola Agrícola Wenceslau Bras, posteriormente Funabem. Deu aulas ainda no  bairro Trançador, na escola  Elisa de Andrade dois anos e meio lecionando nas turmas de 1a série.  Em 70, casou e foi para São o José dos Campos, São  Paulo, assim como muitos outros membros de sua, nossa família. Em São José, trabalhou na firma Xerox do Brasil. Com a gravidez do primeiro filho, acabou dedicando à vida doméstica  trabalhando vez por outra como estagiaria na área de... Educação.

Mas  um dia o destino empurrou-a de novo para as salas de aula. Em 1988, houve um concurso para o cargo de professor  área de 1° grau, na prefeitura da cidade, e em solidariedade para com uma amiga, se inscreveu no concurso para que as duas pudessem estudar juntas. Resultado: a amiga não passou, mas ela sim. O seu destino era ser mesmo professora. Não esquecendo os mandamentos de infância repetido pelas irmãs mais velhas, "Estudar não ocupa lugar", deu continuidade a sua formação profissional e foi fazer pedagogia, pós graduação. Ela gostava mesmo era de trabalhar com os menores. Isso porque ela não queria dar aulas!
Acreditam os psicólogos que algum fato marcante no passado possa influenciar nossas escolhas  no  futuro, e talvez  por isso, a conduziu à carreira como educadora para os pequenos, uma forma de trabalhar aquele passado lá começo, no Jardim da velha Virgo Potens, quando era deixada sozinha com a irmã Vivencia...

Barco à vela e dinheiro, muito dinheiro

E vocês pensaram que ela ficou rica? Como professora? Imaginem! Uma de suas últimas empreitadas como professora foi uma excursão, no cofre do Banco Central, com os alunos e as mães dos alunos. Foi contar a história do dinheiro.  A visita marcada com grande antecedência precisou de autorização de Brasília. Nunca tinham visto tanto dinheiro e ouro na vida.  Ah, mas a criatividade para exercer a profissão foi cultivada desde muitos tempos, tempos de Normalista no colégio das freiras, quando ela ensinava a criançada a fazer barquinho de madeira com velinha de pano e tudo...

Pré primário no Colégio Normal Santa Terezinha  com a professora Salete Machado




Fotos: Arquivo pessoal de Maria das Graças  Pereira da Silveira
Fonte: Wikipedia,
           Trajetória de professoras normalistas na década de 50 no PR. Rosana Nadal de Arruda Moura.