terça-feira, 25 de março de 2014

João Ferreira Simões, o português




Baependi em 1870
O passeio de Caxambu a Baependy é intessantíssimo; ora, vê-se uma paysagem pittoresca, ora um bloco immenso de pedra calcaria, branca que se pulverisa facilmente; aqui é uma descida escarpada, tortuosa, accidentada; alli um morro, onde se descortina um panorama delicioso...
Causa agradável impressão a vista da cidade, quasi toda sobre uma collina, com as casas cercadas de vegetação sempre abundante o aspecto é risonho e contrasta com o isolamento arido das casas de Caxambú.
Ao penetrar-se, porém na cidade, triste decepção! são ladeiras cheias de buracos, outrora calçadas por lages, de que existem ainda restos; casas velhas, de aspecto lugubre, pobre, algumas a esboroarem-se, a procurarem um centro de gravidade... 
Baependy, hoje em decadência, floresceu até uns vinte annos passados, o tabaco fez-lhe a reputação de município opulento, e na história do império os grandes princípios democráticos ali encontraram defensores heroicos.

Foi berço de homens ilustres nas sciencias e na politica. Hoje, não tem tabaco para dous cigarros, e vive de recordações, a ver e crescer a fama de Caxambú, como uma mãe velha e exausta vê, cheia de orgulho e de esperanças, elevar-se o filho que amamentou.*



Assim se parecia Baependi na chegada do imigrante João Ferreira Simões (1837-1919) um dos personagens centrais de nossa história. Se vocês não se lembram, ele era o proprietário, digo, dono das escravas Justiniana Maria da Conceição mãe de Sabina Maria da Conceição, sendo Sabina a mãe de Gervásia Ayres de Lima, (nascida Maria da Conceição) nossas bisavós, trisavós, tataravós... Tomei emprestado o texto acima, datado do ano de 1894, que encaixa exatamente no contexto em que viveu ele, analisando com vivacidade cidade de Baependi.

A história de João Ferreira Simões, 25 anos de idade "do reino de Portugal" e "que se justificou livre"como consta na certidão abaixo, começa para nós quando ele que se casa com Maria Eugenia de Lima, 23 anos de idade em 27 de outubro do ano de  1860 no "Oratório da Lagoinha do Chapeu". 
A cerimônia foi realizada em "um oratório particular", uma tradição de origem européia, praticada pelos portugueses que aqui chegaram.



"O oratório (do latim oratoriu)  era um  nicho ou armário com imagens religiosas, de origem medieval, é concebido como um tipo de capela particular em que reis e nobres realizam suas orações, e, freqüentado em seguida também por associações religiosas leigas. Ligado, de início, ao modo de vida das camadas abastadas, o hábito de ter altares particulares logo se dissemina pelos mais variados estratos sociais. O oratório chega ao Brasil com os portugueses e sofre adaptações de acordo com as formas de vida local. No Brasil colonial, essas peças religiosas estão presentes nas fazendas, senzalas e sobrados urbanos. Parte do equipamento da casa colonial, o oratório - que substitui progressivamente as capelas anexas às fazendas - é introduzido nas residências, colocado em nichos nas paredes ou nos quartos para uso individual. A presença dos oratórios dentro das casas e o hábito de rezar individualmente sinalizam uma "vida íntima em ascensão", nas palavras da historiadora Leila Mezan Algranti, e fornecem ainda elementos para a compreensão das formas de religiosidade na colônia, oriundas da mescla de tradições culturais distintas. (texto extraido do Museu Itau Cultural)

E a familia cresceu...

Mas não como esperado. Ao contrário da maioria dos fazendeiros, cujas proles eram grandes, José Ferreira Simões e Maria Eugenia de Lima tiveram somente 3 filhas: Elvira Maria do Nascimento Simões, nascida em 1862 e Elízia Simões, em 1876 e Inocencia Ferreira Simões (14/03/1907), que faleceu aos 32 anos em Pouso Alto de febre Pueril. Para os fazendeiros naquela época era certamente um problema ter uma pequena prole, já que os filhos eram braços para tocar as lavouras, principalmente do sexo masculino. A administração da fazenda, o cultivo da terra, o comércio dos produtos produzidos, tudo ficava em sua responsabilidade e esta situação perdurou por muitos anos, pois sua família não crescia como era desejado. Ele foi pai pela primeira vez aos 27 anos.

E talvez por esta razão o casamento de sua filha mais velha, Elvira se realizou tão cedo, quando tinha apenas 13 anos de idade com Bernardino Lopes de Faria de 22. Esta foi a solução dada, segundo minhas hipóteses, casar as filhas logo para que os genros e netos dessem continuidade ao trabalho na fazenda.

E de Elvira nasceu Elvira. Ela ela foi a primogênita e recebeu o mesmo nome de sua mãe, e infelizmente veio falecer aos 11 anos de idade. Depois seguiram mais 12 crianças resolvendo o problema da descendência de nosso personagem João Ferreira Simões.

Inicialmente o seu João ficava na fazenda e com o passar dos anos adquiriu um  terreno, onde hoje é o bairro denominado de "Caxambu Velho" e lá construiu uma casa. Estas informações foram retiradas de uma certidão de óbito datada do ano de 1896 (abaixo) entre tantos outros que  encontrei:


"Consta que em um dia em fins de março de 1896, ausente durante a Semana Santa em Baependi, fora sepultado no cemitério de Nossa Senhora dos Remédios de Caxambu o cadáver de uma criança da casa do Sr. José Ferreira Simões, cuja a guia civil não deixaram-me, sendo o mesmo João Simões residente fora desta povoação."

Casa no Caxambu Velho

 Caxambu no início de 1900 o caminho, de quem
vem de Baependi passando pelo Caxambu Velho,
hoje parte da Estrada Real, com certeza percorrido
por João Ferreira Simões até chegar à cidade.
Aos 60 anos podemos dizer que ele  ainda era ativo para tomar as empreitadas à cavalo e participar das comemorações da Semana Santa em Baependi. Também podemos deduzir que ele tinha alguma posse e era "abastado" em comparação com a maioria da população pobre e escrava, possuindo uma casa "na cidade".
A decisão de sua mudança de Baependi para as "Águas Virtuosas", como era chamada Caxambu naqueles tempos, foi muito bem relatada no texto acima e os argumentos de Henrique Monat encaixam-se exatamente no período histórico em que viveu João Simões e sua família. Assim como outros tantos proprietários de terras, o declínio da mineração e das lavouras causado por falta de mão de obra escrava atingiu toda a região.

No jornal O Baependianoque circulou de julho de 1897 a novembro de 1899, havia alguns anúncios de venda de propriedades com os mesmos argumentos: falta de mão de obra para tocar a fazenda, e como prova a nota abaixo, um fazendeiro anunciava sua propriedade dizendo às claras: "o preço é muito módico em conseqüência do proprietário não ter gente bastante para cultivá-la". Não nos esqueçamos também que movimentos abolicionistas chacoalhavam a província. No ano de 1871 foi promulgada a Lei do Ventre Livre, e ditava que todo filho de escrava a partir daquela data era livre, da qual  Gervásia Maria da Conceição nossa avó, bisavó foi beneficiada, e em 1888 a escravidão foi definitivamente abolida.

 Nos anos seguintes à abolição, Baependi foi perdendo sua força econômica e política, e a novas vilas e povoações foram se emancipando e ganhando importância, como Caxambu, que passou a categoria de vila em 1901. A mudança de João Ferreira Simões para as "Águas Virtuosas do Caxambu" também pode ter se dado pelas boas condições climáticas e de seu status como estância hidromineral.

Em família

Assim como Virgolina Balbina de Lima a dona Virgolina, ele tinha também inúmeros afilhados entre escravos, filhos de escravos e parentes. Ele batizou em 1862 no Oratório da Fazenda Sao Pedro, junto com sua esposa, Nicolau, filho de Virginia, escrava de João José de Lima e Silva José Florêncio Bernardes. Lembrem-se que João José de Lima e Silva era o avô pelo lado materno de José Ayres de Lima, o nosso Trançador.

João Ferreira Simões faleceu em 5 de agosto de 1919 em sua casa em Caxambu, aos 84 anos, um matusalém para a época.  A "causa mortis", "marasmo senil", sendo enterrado no Cemitério da Paróquia Nossa Senhora dos Remédios da cidade. Dois anos após seguiu sua mulher, dona Maria Eugenia de Lima que faleceu de gripe em um dia frio de junho de 1921.

Descendentes da primeira  geração

João Ferreira Simões com Maria Eugenia de Lima:

Filhos:
Elvira Maria do Nascimento Simões (1862-?)
Eliza Ferreira Simões (1876-?)
Inocência Ferreira Simões ( 14/03/1907)

Descendentes da segunda geração:

Elvira  Simões com Bernardino Lopes de Faria:

Netos:
Elvira Lopes (1878-1889)
Elvira Maria de Faria (1880-?)
Urbana Lopes (1882-?)
Amancio Lopes (1882-?)
Amancio Lopes de Faria (1884-?)
Luiz Lopes de Faria (1886-?)
Maria Lopes de Faria (1888-?)
Travassos Lopes de Faria (1890-?)
Francisco Lopes de Faria (1891-?)
Escolástica Lopes de Faria (?-1879)
Sebastião Lopes de Faria (1892-?)
Antenor Lopes de Faria (1895-?)
Francisco Lopes de Faria ( ?-?)

Eliza Ferreira com João Gomes Murta:

Netos:
Maria Murta (1894-1895),
Maria Murta (1901-?) casada com Guilherme Vilella Gouveia (?-?)
Elvira Ferreira Murta (1905-?), 
Adelina Ferreira Murta (1909-?)

Innocência Ferreira Simões com João Batista Dias

Netos:
Adolpho Dias (1889-?)
Idalício Dias (1897-?)
João Dias (1890-?)
Avelino Andre Dias (1900-?)

Maria Murta (1901-?) neta, casada com Guilherme Vilella Gouveia (?-?)

Bisneto
Abel Murta de Gouveia (1935-2008)


Texto:
Henrique Monat, sobre a cidade de  Baependi extraido do livro "Caxambu" de 1894.