sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Enchentes no Bengo desde muito e lá vai pedrada/ A liberta Thereza salva as galinhas do Hotel Caxambu



A pedido da Empresa da Águas Minerais Caxambu e Contendas em de 22 de julho de 1894 assina  o projeto o engenheiro civil João Martins da Silva, referente ao empedramento, isto é o calçamento das laterais do Ribeirão Bengo na área das fontes. Na época se tentava conter as águas que alagavam as fontes. Muito otimistas, escreviam: 3,25 Máxima enchente.

Mas fomos buscar lá atras, em 1882, quando uma de muitas tempestades causavam estragos na povoação, e até hoje parece que as devidas providencias não foram tomadas. Resolvi  copiar o texto original, que por si só já conta a história do "dilúvio" com detalhes.

Morte dos cinco carneiros/Peão acorda com água na cama 

"... Na referida noite a tempestade (de 6 para 7 de março ), que desencadeou-se com fúria das 11 horas às duas, produziu uma grande enchente no Ribeirão que corre pela povoação e desmoronamentos em quatro lugares do Morro do Caxambu, do lado da casa de banho e da estrada da Glória. A enchente foi tal que chegou alturas que haviam sido respeitadas pelas cheias precedentes. Penetrou na casa onde dormiam os carneiros do Sr. Ferraz proprietário do Hotel Caxambu e matou cinco.

Na casa da tropa, do mesmo cavalheiro, situado a quatro palmos acima do nível da rua que margea o rio, o arreador desta, de nome Theodoro, homem possante de alta estatura, acordou com a água na cama, e retirando-se para a casa, ter que passar pelo pátio inundado, com agua até a cintura. Na mesma margem do ribeirão, um agregado do Sr. Ferraz, João Guilherme, que morava em uma casinha do lado da Glória, acordou tão desagradavelmente surpreendido como Theodoro, com a água a invadir-lhe a casa e correr com a tanta impetuosidade que derribou uma das paredes, e arrancou um esteiro de um baldrame, que arrebatou, assim como os mantimentos, móveis do pobre homem. Com o auxílio de um hóspede que tinha em casa conseguiu salvar a mulher e os filhos.

Na margem opposta, do lado desta cidade a enchente derribou a cerca e a porteira do pasto do Sr. Ferraz, tendo uma força  tal que arrastou esta até o hotel do Sr. Dobley! Uma das pontes ultimamente feitas em frente a casa de banhos (Balneário) foi arrancada de seu lugar com vigas. A que fica em frente a cada de José Bonifácio na estrada da Conceição do Rio Verde, foi também suspensa dos pegões de pedra, e com algumas vigas rodou à alguma distancia, estando completamente pregada como estava no lugar sem o menor desmancho."

A Liberta Thereza sobe no poleiro e salva as galinhas do Hotel Caxambu

"Em frente da fazenda velha de Caxambu foi destruída completamente a ponte. Houve, segundo nos referem, um incidente quasi cômico no medo desta especie de cataclisma. A liberta Thereza, mulher de Theodoro, a qual habitava uma casinha situada no pasto e tinha a seu cargo uma criação de gallinhas do Hotel Caxambu, despertou ao rumor da chuva e saindo com louvável solicitude a recolher os pintainhos confiados aos seus cuidados, via a grande enchente que cobria a vargem e, com razão, aterrada, supondo com bom fundamento que outro dilúvio ia aniquilar a creação, procurou um lugar bastante elevado para erguido contra a onda assassina e... subiu no alto do poleiro das galinhas, donde poz-se a gritar por socorro!"

E o Repórter pergunta:

"- Continuarão os desmoronamentos do Caxambu? Si continuarem, não produzirão no banco de turba, em que estão as fontes, um alteamento bastante grande para prejudicá-las?
Pode-se remediar a um ou outro inconveniente? Como?

Questões que parecem-nos no caso de merecer a attenção dos que se interessam por nossas águas minerais, e que não são somente os habitantes deste município, mas todos os que sofrem e tem as milagrosas águas em especifico poderoso para suas moléstias são também os poderes públicos que devem cautelosamente zelar pela conservação de um tesouro tão preciso para a saúde das populações."

Hoje com as mudanças climáticas, o adensamento populacional, as inúmeras construções que impermeabilizam o solo, agravavam os efeitos das chuvas, que não teem outra saída que... alagar o em volta. Que a administração da prefeitura de Caxambu tenha propostas para tentar, digo, tentar conter a fúria das águas, porque o Bengo alaga desde antes de 1882, desde a minha infância, desde a  infância de Antonio Claret. E já vão tempos!

O texto do jornal foi publicado em março. Eram as águas de março fechando o verão, literalmente. E olha que o verão em Caxambu nem começou ainda!

Fonte:
Arquivo Público Mineiro
O Pharol, Juiz de Fora, 1882.
Agradecimentos:
Julio Jeha, sempre


quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Arqueologia urbana/ S.A. Meca - Comércio e Indústria/Caxambu na era da geladeira e do rádio


Em 22 de abril de 1955, José Ayres foi enviado ao Departamento Frigidaire da General Motors do Brasil a São Caetano do Sul, São Paulo, para fazer um curso de refrigeração. Parece que a firma S.A. Meca – Comércio e Indústria, com loja na avenida Camilo Solares, 212/248, em Caxambu, tinha feito a inscrição dele no tal curso para depois ser eletricista e fazer reparos nas geladeiras, caso dessem defeito. A loja tinha dois endereços, talvez duas filiais em Caxambu, com representação temporária em Baependi, sendo  Miguel Donglache o diretor-presidente e Manuel Ruas Fernandes o diretor-tesoureiro.

A loja vendia não somente refrigeradores, mas também os mais modernos rádios, modelos de... 5 válvulas, que captavam "ondas curtas e longas", e que hoje ninguém sabe mais do que se trata. Em 1955 era o "aperfeiçoamento da técnica moderna". Mas meu pai não gostava de consertar rádio, nem refrigeradores. A bem dizer, ele detestava os pequenos trabalhos, gostava mesmo era de grandes projetos, como a construção de usinas nas fazendas da redondezas. 

Na conclusão do curso, a foto para a galeria.

José Ayres, segundo de óculos, na fila ao alto, da direita para a esquerda
em frente à fábrica da General Motor do Brasil
em São Caetano do Sul, São Paulo




Vou à Meca/ De brigas à futebol

E as histórias não acabam. E como o blog é interativo, estamos aqui acrescentando as memórias do nosso colaborador Antonio Claret Maciel Santos, que vira e mexe traz umas e outras. Conta Claret que na década de 60 não existia mais a "Meca", mas o prédio era lá onde hoje é a funerária. A Meca era conhecida dele como ponto de brigas entre alunos do  Ginásio dos Padres. Diz ele que assistiu "alguns embates previamente anunciados" como: "vou te esperar na Meca", e que de fato, aconteciam. O "Vou à Meca" era ir para a arena. Uau!

Dil Sacramento lembra da Meca, mas no tempo que outro inquilino ocupada o prédio, o "Bar Mutação". A Meca era um comércio próspero e farto. Logo acima do hotel União funcionava outro bom comércio de Caxambu, a "Casa Rosado". Outro que veio dar seu pitaco foi Roberto Mendes Paiva. Ele lembrou da agencia Chevrolet, onde vendia pianos, cujo dono era o senhor Dugleche, o mesmo dono da Meca. Já o Fabio Sarabion Machado lembra que perto da Meca ficava a casa onde residia a família do senhor José Olinto Aguiar, e ao lado um campinho de futebol, e quase semanalmente era frequentado: iam "jogar na Meca" contra o time do José Olinto que era composto por ele e os filhos. O Claudio Eduardo Gomes Nogueira lembra das... botinadas do José Olinto "para todo o lado". Ai, ai seu Olinto. Isto tudo porque achei um recibo da Meca, perdido nos meus guardados.
Obrigado a todos pela colaboração.

Foto:
Arquivo privado da família Ayres
Fonte:
O Patriota
Correio da Manhã, 1956

sábado, 15 de outubro de 2022

Elisa de Andrade/ A primeira professora da povoação do Caxambu/Memórias de uma educadora, tia do modernista Oswald de Andrade

Hoje vamos escrever uma pequena biografia da professora Elisa Noronha de Andrade. Primeira professora da povoação de Caxambu, Elisa fundou uma das primeiras escolas para meninas. O resgate de sua memórias teve início quando a minha tia Célia Ayres, a nossa biblioteca familiar, relatou que suas irmãs, as tias Mercedes Ayres/Soller, Palmira Ayres /Rodigues e Silvia Ayres/Diório, bem como os seus irmãos, os tios, Josino Ayres, Silvio Ayres, Samuel Ayres de Lima, Luiz Ayres de Lima e José Ayres, meu pai, aprenderam as primeiras letras com ela. 

A escola funcionava na casa de Elisa, onde morava com a irmã Olívia de Nogueira de Andrade (1863-1944). Era um casarão de muitas janelas, lembra tia Célia, num terreno livre que ia até o Bengo. "O casarao era compriiiido", acentuava. "Era como um casarão tipo fazenda. Tinha duas janelas, uma porta, mais duas janelas, uma porta. Os quartos da casa foram transformados em salas de aula. Quando se pedia um lugar para estudar, sempre tinha", relata. O prédio ficava na hoje rua Plínio Mota e foi demolido em data desconhecida. No local foi erguido o Mercado de Caxambu, que, infelizmente, tampouco existe mais (foto abaixo na posição marcada). Elisa era considerada por minha tia como a desbravadora no que diz respeito ao ensino na cidade. 

Neta de 5° grau de Thomé Rodrigues do Ó/ Uma moça toda de azul

Elisa de Andrade, a primogênita, nasceu em 9 de outubro de 1842, foi batizada em 20 de novembro na Igreja Matriz de Baependi, filha de Hypólito José de Andrade (1816-1906) e Antônia Nogueira Meireles (1822-?) Eles pertenciam à tradicional família dos Nogueiras e Meireles de Baependi, de origem paulistana. Seus bisavós vieram de São João del Rei, seus avós de quarto grau eram portugueses, e seu avô de 5° grau, Thomé Rodrigues do Ó (1674-1708), foi um dos fundadores de Baependi.

Elisa de Andrade estava nos seus dourados 23 anos quando participou das festividades da princesa Izabel em Caxambu e Baependi, em 15 de dezembro de 1868. Da festa de recepção soubemos até a cor do vestido que ela usava: azul! O vestido era de taranta muito fino, azul claro, com palmas de seda frouxa, decotado, com mangas curtas de filo, franzidas, debaixo de outras azuis, com três sobressaias, colar de contas azuis, uma presilha de fitas azuis nos cabelos, escreve Pelúcio, historiador de Baependi. O perfume, Mil Flores, parece que arrasou.

O sobrinho da Paulicéia desvairada conta tudo

O irmão de Elisa, José Oswaldo Nogueira de Andrade (1847-1919), foi pai de nada mais nada menos que Oswald de Souza Andrade (1890-1954). Sim, sim, o Oswald de Andrade, um dos organizadores da Semana da Arte Moderna, com Menotti Del Picchia, Mario Andrade e a pintora Tarsila do Amaral, com quem se casaria em 1926. Oswald, em sua biografia, O homem sem profissão, descreve a situação econômica e social da família e assim ficamos sabendo tudo, ou melhor, quase tudo, inclusive que a mãe de Elisa era "seca, velha de óculos e grande leitora", e o pai, "de barba branca, sem bigodes."

"A origem feudal de minha família paterna explica bem isso. Grande e afazendado em Baependi, Minas meu avô Hypólito José de Andrade tivera terríveis lutas com escravos. E arruinara-se, parece que em parte devido a uma tragédia de ciúmes, pois tendo ele tido uma aventura com D. Águeda, minha avó – uma autêntia Nogueira – abandonara toda a assistência que lhe dava nos trabalhos da fazenda e com isso o teria descontrolado."* 

De fato, as querelas jurídicas pela posse das fazendas Cachoeirinha e Glória vinham desde 1856 e contribuíram para a ruína da família. A disputa foi parar no jornal O Bapendiano em 1886. Em 1881 José Oswald Andrade, irmão de Elisa, já tinha deixado Baependi em direção a terras paulistas e seu avô Hypólito fora para Caxambu.

"Com a desgraça da família, meu avô tentara, inutilmente ser hoteleiro, auxiliado por toda a família, em Caxambu, que a cinco quilômetros de Baependi se abria como estação de águas. Contaram-me que o velho chorava humilhado, vendo as filhas servirem a mesa de hóspedes".* O agravante foi a desestruturação da economia, após a abolição da escravidão. Henrique Monat já escrevia no seu livro Caxambu, de 1894, no capítulo Baependi, que a cidade, motor econômico da região, estava em decadência.

A família do sobrinho, que ainda não era famoso, nos idos de 1900, passava estações de veraneio em Lambari, hospedando-se no Hotel Mello e, em Caxambu, na casa dos parentes, um casarão próximo à estação de trem, que, segundo ele, "dava para abrigar nós todos".

De fato, o endereço coincide com o avisamento do terreno, de 1873, com o mapa dos antigos lotes da povoação, assinada por Silvares (foto abaixo).

Localização da casa da família Andrade, em Caxambu; José Oswald Andrade
 irmão de Elisa (à direita e ao alto à direita com Inês Inglês, sua esposa e Oswaldo filho;
ao alto à esquerda, Inês Inglês Andrade

De chicote na mão/A triste herança escravista/Educação para uns, trabalho para muitos

"Meu pai (José Andrade Nogueira, irmão de Elisa) uma vez, querendo chicotear um negro, o Ambrósio, este o atacara de faca. Saltou adiante do homem. Tendo sofrido para mais de trinta golpes, apenas um o atingiu na mão. Era o sinal para uma revolta de escravos, logo abafada."* Essa violência era ordem do dia nas fazendas e senzalas da região de Baependi.

Assim começava a saga da família que passou a viver entre Minas e São Paulo. Antes de se mudar para São Paulo, o irmão de Elisa, José Nogueira de Andrade trabalhou como tropeiro, conduzindo tropas de burros através da serra do Picu, em direção ao Rio de Janeiro, acompanhado de escravos da propriedade da família. Quando a família foi à ruína, José Nogueira imigrou para São Paulo e hospedou-se na casa de sua irmã Alzira Nogueira, casada com Joaquim Augusto Nogueira. Em São Paulo, ele encontrou possibilidades de trabalho: transformou-se corretor de imóveis e levou o resto da família para morar lá. Chegou a ser vereador por São Paulo em quatro mandados, 1889 a 1914.

"... retiraram-se para São Paulo, deixando saudosos seus parentes e amigos, nossa conterrânea D. Antonia Eugênia de Meirelles Nogueira, esposa do nosso amigo o sr Hypólito de Andrade (e suas filhas DD. Maria e Oliva", noticiava O Baependiano em 1886. As tias, segundo escreve Oswaldo em sua biografia, trouxeram a encravaria que restava. E foi com o aluguel de escravos que a família se alimentou e se manteve por algum tempo. Essa renda contribuiu também para custear os estudos de Elisa, não tenhamos dúvidas.

"A família prosperou com grande escravaria negra, sendo que meu avô veio, por circunstâncias já referidas, a se arruinar e deixar o latifúndio."* A "grande escravaria" referida pertenceu à família desde os tempos do bisavô, o alferes José Gonçalves Penha (1776-1851), avô de Elisa. Nas listas nominativas de habitantes de 1838/40 para o distrito do Favacho, hoje Cruzília, ele possuía 38 cativos, um número considerável para a época. Os escravizados, surpreendentemente, eram a maioria da população 707 contra 504 livres.

Oswald descreve no poema da Colonização

a roça

Os cem negros da fazenda
comiam feijão e angu
Abóbora chicória e cambuquira
Pegavam uma roda de carro
Nos braços 

Elisa, a normalista

Elisa entrou tardiamente para a escola normal. Em um registro de 1883, noticiava O Baependiano que Elisa e seu cunhado, José Augusto Nogueira casado com sua tia Alzira Orminda, regressavam a São Paulo, onde residiam. Em 1884 era aprovada no exame de habilitação para a segunda cadeira de magistério pela escola normal de São Paulo. No ano seguinte os Andrades visitavam Caxambu e se hospedaram no Hotel Mitão, antiga propriedade da família. Como Elisa teria de voltar a frequentar o curso para se habilitar para o magistério público, retorna a São Paulo, em companhia de sua irmã Maria. No seu regresso à Caxambu, em 28 de março de 1888, já com o resultado da aprovação dos exames feitos em 27 de novembro de 1887, Elisa foi recebida com muita festa, fogos, com direito a discurso e banda de música coordenada pelo senhor Joaquim Pinto. Agora ela tinha a carta de professora normalista. Da sua turma, três foram aprovadas com "com distinção", três com "plenamente", sete (dentre elas Elisa) foram aprovadas "simplesmente" e uma, reprovada. Independentemente de sua classificação, a recepção tão festiva evidenciava o quanto a educação era importante para os seus familiares e para a sociedade. 

O Baependiano: "No domingo à noite chegou de S. Paulo, em companhia de seu pai nosso amigo, o Sr. Hypólito de Andrade, nossa estimável conterrânea D. Eliza Nogueira de Andrade, que, como em tempo noticiamos, com seu esforço e trabalho, dando um bello exemplo às moças, receber a carta de professora normalista pela escola normal daquela cidade". Segundo seu sobrinho modernista Oswald de Andrade, nenhum dos filhos homens de seu Hypolito teria tido educação escolar. Elisa foi exceção, chegando a ser professora aos 45 anos, bem dizendo, e repetindo, à custa do trabalho dos escravizados, agora libertos.

De Pirassununga para Caxambu

Elisa não iniciou sua carreira como professora em Caxambu, e sim no interior de São Paulo. Em 1889 ela constava como professora pública de Pirassununga. Fato é que havia vários sobrenomes Nogueira na cidade, e pode ter sido lá, com o apoio da família, que ela teria conseguido um lugar para lecionar. Em setembro do mesmo ano, solicita três meses de licença sem vencimentos, para tratamento de saúde, e em outubro solicita exoneração como professora municipal da segunda cadeira. Ela já devia estar contando com a nomeação para ser professora nas Minas Gerais.

Em 2 de junho de 1890, ela foi nomeada para ocupar a cadeira mista em Caxambu. Um requerimento datado de 1893 da Secretaria das Finanças de Minas Gerais questiona se a dita professora estaria exercendo seu trabalho na povoação. De fato, já estava. Em julho pediu prorrogação por três meses da licença concedida pelo inspetor municipal de Caxambu, onde exercia a segunda cadeira de instrução primária. Em 6 de outubro de 1896, como "ex-professora", pede para ser reintegrada na cadeira, É então nomeada por decreto para "o emprego de professora da cadeira mista da povoação de Caxambu, município de Baependi". Nos dois meses que esteve de licença fez um requerimento para o pagamento dos honorários, negado em 9 de janeiro de 1897.

Nessa época, Elisa, já de volta à Caxambu, e trabalhando como professora, viveria o sofrimento de seu irmão e cunhada, quando da perda de seu sobrinho, o Inglesinho, irmão de Oswald, que faleceu na povoação com um ano e meio, de gastroenterite, sendo sepultado no jazigo da família. 

Elisa deve ter participado nas muitas comemorações e saraus que aconteciam no casarão da família, ao som de valsas ao piano, quando da visita do irmão José Oswald, Inês Inglês, sua cunhada, e o sobrinho. O sobrinho, que ficaria famoso como escritor, descreve a convivência familiar e como os "causos" e histórias contadas na família de Minas fantasiavam sua cabeça de menino. Ele ouvia de tudo, caçadas perigosas, onças em cima das árvores e estórias de mulas-sem-cabeça. Do tio Luiz, ouvia narrativas de sua atribulada vida pessoal de crimes, das cabeças que rachou, fuzilamentos. Parece que o tio não era flor que se cheirasse. Ele se envolveu em confusões na Rede Ferroviária, onde trabalhava, resultando na sua prisão e na morte de sua mulher. Assim o sobrinho foi fazendo o seu arquivo, que reflete em sua obra literária. As estórias de escravos contadas nas rodas de conversas nas noites de serão não eram ficção, e sim triste realidade.

O Levante de Bela Cruz, que teve iniciou na fazenda Campo Alegre, ocasionou a morte de, entre outros, Gabriel Francisco de Andrade Junqueira, filho de Gabriel Francisco Junqueira, deputado nacional da província de Minas Gerais. A revolta de 13 de maio de 1833, liderado pelo escravo Ventura Mina, atingiu três fazendas da família Junqueira: Campo Alegre, Bela Cruz e Jardim, atuais municípios de Cruzília e São Thomé das Letras, no Sul de Minas. Morreram sete pessoas, a golpes de paus, machados, foice e arma de fogo. A reação contra os rebelados foi igualmente medonha. Nas entrevistas arquivadas no acervo do Laboratório de Imagem e Som da Universidade de São João del Rei, há o relato de Pedro Gonçalves da Rocha. Os escravizados rebeldes teriam sido mortos e suas cabeças fincadas em estacas, o que não foi confirmado. Sabe-se que 16 escravizados foram punidos, 12 com a forca. 

Tempo, tempo/O time de educadores da cidade de Caxambu no início do século

Em janeiro de 1910 é publicado no Minas Gerais que seriam mantidas as cadeiras regidas pelas professoras Elisa Nogueira de Andrade e Leovegilda América de Castilho. Quatro anos depois, consta que Elisa, aos 72 anos, ainda estava listada como professora estadual, com Leovegilda América de Castilho e as professoras adjuntas Maria Custódia de AndradeJudith de Castilho. O time de educadores da cidade era composto ainda pelo inspetor escolar Martinho Candido Vieira Licio, os docentes Alice Meyer de AndradeAmélia PhilomenaÁrgia Castilho, Luiza da Silveira G. Maciel, Maria Custódia de Andrade, João Mendes da Luz e José Arlindo de Carvalho. Havia também o Externato, cadastrado como instrução particular, dirigido pelo professor Edmundo Robert. Três irmãs pertencentes a família Castilho fizeram carreira como educadoras na cidade: Leovegilda, Judith e Árgia.

Nessa época, existia em Caxambu o Collegio N. S. d'Aparecida, escola normal; Collégio de Caxambu, para o sexo feminino, e o Collegio Mayer, dirigido por Alice Mayer de Andrade, o primeiro da povoação, somente para meninas, segundo Célia Ayres. Não pudemos identificar em qual das instituições Elisa lecionava. 

Em 1918 Elisa consta do Almanak como cadastrada da instrução pública. Uma década mais tarde, segundo descrição de tia Célia, Elisa "era uma velhatona gorda, alta, corpulenta, usava cabelos em coque, calçava meias e usava saia até os calcanhares, como as mulheres da época". Ah, sim, não podemos duvidar dos relatos. 

Outra instituição educacional é construída na cidade, em 1929, o Grupo Padre Correia de Almeida, cuja professora Árgia Castilho Moreira ainda do tempo de Elisa, se tornaria uma das primeiras professoras, encerrando o ciclo das pequenas instituições dedicadas à educação, quando construíram o Grupo Padre Correia de Almeida e o Colégio Normal Santa Terezinha.

No dia 30 de outubro de 1933, fazendo parte das comemorações do aniversário da padroeira da povoação Nossa Senhora dos Remédios, o Hotel Caxambu sediou as homenagens aos velhos mestres, com direito a "hora literária" e baile. As homenageadas: Elisa de Andrade, Leovegilda Castilho, Alice Mayer, coronel Marinho Lício, João Mendes da Luz e José Divino de Oliveira. A rua em frente ao hotel se encheu de caxambuenses para prestar homenagens aos seus educadores. Eram outros tempos.

Marco Zero/ Caxambu ficou só num rascunho?

Oswald esteve em Caxambu em 1942 e enviou um postal intitulado "Panorama parcial vendo-se no centro a Matriz" à Maria Antonieta D'Alkimin, relatando ter visto um espetáculo que contribuiria para a feitura de Marco Zero e comunicando viagem ao Rio de Janeiro. O cartão foi postado em 10 de outubro , um dia depois de sua tia Elisa completar 100 anos. O cartão suscita duas perguntas que não podemos responder: Viera ele participar das comemorações do centenário da tia? Teria ele visto algum espetáculo teatral em Caxambu que o inspiraria escrever alguma passagem do Marco Zero? O fato é que dos cinco volumes planejados para Marco Zero, somente dois foram publicados: A revolução melancólica e Chão. Talvez as suas impressões captadas na cidade (?), ou da peça teatral vista, ainda estejam rabiscadas num dos seus 80 cadernos de rascunho.

Escola Elisa de Andrade

Citarei um trecho de Marco Zero, de Oswald, e as dificuldades de ensinar na terra brasilis no início do século, que podia ser também em Caxambu:

"A escola era a descoberta. Naquela casa de muitas janelas era uma minúscula humanidade avançada penosamente. Eufrásia perguntava a si mesma de que servia aquela chave do mundo. Ensinava tantos Idalícios a ler. Eles não sairiam do charco. Faltavam diariamente às aulas. Ajudavam nos serviços de casa e da lavoura. Vinham e voltavam da escola sem comer. As mães detestavam-na porque lhe roubava os filhos, seus arrimos caseiros..."

Ato final

Mesmo vestindo azul na recepção à princesa Izabel, e no ponto mais alto de sua juventude, Elisa não teve nenhum pretendente à sua mão e assim não deixou descendentes. Talvez sua dedicação ao trabalho educacional a tivesse mantido jovem produzindo longevidade – Elisa faleceu 1 em outubro de 1944 aos 102 anos, em Caxambu, uma idade de Matuzalém para aquela geração. 

Passados seis anos do falecimento de Elisa, o político e médico Lisandro Carneiro Guimarães , chefe do centro de saúde da cidade, na administração de Renato Maurício Silva, e prefeito eleito para o mandato de 1947-50 pelo PSD quis homenagear uma das mais antigas professoras do Caxambu. Aquela professora que, com certeza, pegou nas mãos de meus antepassados para lhes ensinar as primeiras letras do alfabeto, agora era nome de escola. 

Em 16 de setembro de 1950 é inaugurada a Elisa de Andrade. O projeto teve muitos desdobramentos. Em 1960 funcionou como classes anexas ao Grupo Escolar Cabo Luiz de Queiroz, no bairro Caxambu Velho. Em 1963 houve um desmembramento, passando a ser Escolas Reunidas, com prédios no bairro Trançador e no Isolamento. Em 1964 as instalações do Trançador foram transformadas em grupo escolar, e devido a demanda por matrículas, novamente se separou, e as instalações escolares do prédio do Isolamento se tornaram o Grupo Escolar Presidente John Kennedy. Em 1997 o Elisa de Andrade foi municipalizado. Em 2001 a escola atendia 200 alunos do ensino fundamental alocados em oito salas de aulas. Hoje, em 2022, a Escola Elisa de Andrade, que funcionava na avenida Barão do Rio Branco, 699, no bairro Trançador, não existe mais como escola de alfabetização, mas funciona como um centro de profissionalização.

P.S.: Ah, me esqueci de dizer que, por causa da tia Célia, li quase toda obra de Oswald de Andrade em curto espaço de tempo, O homem em profissão, Os condenados, Memórias sentimentais de João Miramar e os dois volumes de Marco Zero...

Fonte:
O Baependiano
O Patriota
O Pirralho - SP (1911 a 1918)
O Correio Paulistano (1909-1919)
Correio da Manhã (1933)
Almanak Lemmert: Administrativo, Mercantil e Industrial (RJ)- 1891 a 1940.
Almanack da provincia de Sao Paulo: Administrativo, Commercial e Industrial (SP) 1884-1888)
Sentinela da Monarchia: orgam conservador (SP) - 1889
Correio Paulistano (SP) 1880 a 1888
OSWALD, Andrade. Um homem sem profissão: memórias e confissões, Sob as ordens de mamãe. Civilização Brasileira, 1976 (* todas as citações pertencem ao livro)
OSWALD, Andrade. Marco Zero: A revolução melancólica. Civilização Brasileira, 1978
OSWALD, Andrade. Os condenados, Civilização Brasileira.
Projeto Compartilhar
MONAT, Henrique. Caxambu, 1894
PELUCIO, José Alberto. Baependi, Visita Beija-mão , Te Deum. Baile - Nome de ruas - Uma fábrica- Recordações
Histórico da Escola Municipal Elisa de Andrade, ano de 2001/Centro de Memória da Camara Municipal de Caxambu.
Biblioteca do Exército. Excex
Foto: 
Secassox
Mapas fornecidos pelo Execex, Exército brasileiro
Câmara Municipal de São Paulo
Agradecimentos:
Ao Centro de Documentação e Memória da Câmara Municipal de Caxambu 
A Julio Jeha, sempre
Nota:
Não há como saber quem são os autores de alguns dos documentos publicados em nossas postagens, nem a quem pertencem os seus direitos autorais. Acolherei qualquer reivindicação dos detentores de seus direitos.


sábado, 1 de outubro de 2022

sábado, 24 de setembro de 2022

Oswald de Andrade/ Um aquático, autor do Manifesto do Pau Brasil e sua família em Caxambu

Oswald de Andrade, em Caxambu de 1911

"Quem era eu, o filho bem educado de D. Inês, o rapaz que tinha família em Caxambu o matriculado na Lógica do padre Sentroul e no Direito Romano do professor Porchat, para suportar aquele sopro de tempestade shakespeariana!" (passagem em que Oswald faz reflexões, ao se encontrar com a bailarina Isadora Duncan). (1)

Hoje o blog da família Ayres vai contar um pouco da história de Oswald de Andrade, isso mesmo, aquele que lançou o Manifesto Antropofágo, um dos idealizadores da Semana de Arte Moderna de 1922. Esta postagem teve origem num diálogo  entre nossa biblioteca familiar Celia Ayres, nascida exatamente em 22, data do manifesto. Ela me contou que suas irmãs, minhas tias, Mercedes Ayres/Soler, Palmira Ayres, Silvia Ayres/Diório e Maria Ayres/Rodrigues, bem como seus irmãos, meus tios Luiz Ayres de Lima,  Josino Ayres de Lima, Sílvio Ayres de Lima, Samuel Ayres de Lima e José Ayres, meu pai, tinham aprendido as primeiras letras com a professora Elisa de Andrade. Ah, pensei, vou escrever sobre a Elisa, que é nome de escola de Caxambu, e até porque seria uma forma de resgatar a história da escola. Foi aí que me deparei com a árvore genealógica da professora. Elisa era tia de Oswald de Andrade, romancista, poeta, dramaturgo filho único de José Oswald Nogueira de Andrade (1847-1919), um baependiense de Minas Gerais e Inês Henriqueta Inglês de Sousa/Andrade (-1912) uma amazonense de Óbidos, cuja família eram aristocratas de São Paulo. 




Oswald nasceu em 11 de janeiro de 1890, em São Paulo, e foi batizado em 6 de abril do mesmo ano na Igreja Matriz de Baependi, pelo seu avô Hypolito de Andrade e Nossa Senhora da Conceição. Assim Antonio Candido descreve em "Os dois Oswalds":

"... nunca deixava de mencionar por escrito ou em conversa, quando fosse o caso, que era descendente do Capitão-Mor Tomé Rodrigues do Ó, o fundador de Baependi no começo do século XVIII e tronco de uma importante família mineira depois alastrada por São Paulo e Rio, com marqueses, condes e barões do Império. Isso, do lado do pai, José Oswald Nogueira de Andrade".

Oswald se define:

O Baependiano,1888
 "Em Caxambu eu encontrava o panorama familiar. Ali tinha ficado o restante de minha gente paterna, os Nogueira de Andrade, de Baependi. Creio que foi o meu quinto avo, Tomé Rodrigues Nogueira do Ó, quem emigrou de São Paulo, no século XVIII. Ele era casado com uma Leme, o que me fazia passar para o rol dos descendentes dos vicentinos desembarcados nos primórdios da descoberta. Era assim que eu me incluía entre os paulistas de quatrocentos anos e figurava no volume genealógico do racista Silva Leme."(2)

Oswald pertenceu ao Grupo dos Cinco, com  Anita Malfatti, Menotti Del Picchia, Mario de Andrade e Tarsila do Amaral, com quem se casaria, em 1926. Eles influenciaram o movimento da arte moderna no Brasil e  organizaram a Semana da Arte Moderna em 1922. Um quadro dado a Oswald no seu aniversário, e nomeado Abaporu (1928), que significa "o homem que come", inspirou o famoso Manifesto Antropófago, que convocava os artistas brasileiros a criarem obras de inspiração nacional. No manifesto, Oswald chamava os artistas brasileiros a libertarem-se das referências   européias e a criarem o seu próprio estilo. 

Nos finais dos anos de 1880, seu avô Hypolito foi levado à ruína financeira, não somente pelas disputas de terras da fazenda entre familiares, bem como pela crise geral gerada pelo fim da escravidão. Henrique Monat, no seu livro Caxambu, de 1894, escrevia que Baependi, centro econômico e político da região, entrara em decadência. O próprio Oswald escreve em suas memórias:

"A origem feudal de minha família paterna explica bem isso. Grande e afazendado em Baependi, Minas, meu avô Hipolito José de Andrade tivera terríveis lutas com escravos. E arruinara-se, parece que em parte devido a uma tragédia de ciúmes, pois tendo ele tido uma aventura com D. Agueda, minha avó - uma autêntica Nogueira - abandonara toda a assistência que lhe dava nos trabalhos da fazenda e com isso o teria descontrolado."(2) De fato, as querelas jurídicas pela posse das fazendas Chachoreirinha e Glória  vinham desde de 1856, e contribuíram para a ruína da família. A disputa foi parar no Jornal O Bapendiano, em 1886. Quatro anos antes o pai José Oswald Andrade deixa, Baependi e aporta em terras paulistas.

O pai, um baependiense, ex-tropeiro, corretor de imóveis, vereador, na paulicéia, que ainda não era desvairada

Acima o mapa de 1873, da localização da propriedade dos Nogueira, em
Caxambu; ao alto à esquerda Inês Inglês Andrade; abaixo à direita José
Oswald Nogueira de Andrade; abaixo à esquerda a família Nogueira de 
Andrade, Oswald com seus pais, acima à direita, outros membros da
família não identificados.

No "Manifesto Pau Brasil" publicado, em 1925, Oswald da forma poética às transformações na vida de seu pai, ao mudar-se para a capital paulista.

A transação

O fazendeiro criara filhos
Escravos escravas
Nos terreiros de pitangas e jabuticabas
Mas um dia trocou
O outro de carne preta e musculosa
As gabirobas e os coqueiros
Os monjolos e os bois
Por terras imaginárias
Onde nasceria a lavoura verde do café.

"Com a ruína de minha família paterna, afazendada em Minas, meu pai viera tentar a vida aqui. Um cunhado lhe dera uma passagem de presente. Como na fazenda de outro cunhado em que morava, tinha criado cinco galinhas, vendeu-as realizando a soma de cinco-mil-réis. (...) Hospedou-se em casa de tio Nogueira, casado com sua irmã Alzira. E encontrando em São Paulo ambiente para trabalhar, fez mudar o resto da família para cá. " (3)

Não tive a pretensão de  escrever sobre Oswald e sua carreira como escritor e jornalista, e sim sobre as suas origens, suas raízes nas Minas Gerais. Afinal, algum tempo de sua infância foi passada na fazenda de seus familiares, em Baependi, e na estâncias   hidrominerais de Caxambu, onde seus avós moravam, e Lambari.

O filho partiu em 1881 para São Paulo, e o resto da família o acompanhou. O jornal O Baependiano noticia em 1889: "... retiraram-se para São Paulo, deixando saudosos seus parentes e amigos, nossa conterrânea D. Antonia Eugenia de Meirelles Nogueira, esposa do nosso amigo o sr Hypolito de Andrade ( e suas filhas DD. Maria e Oliva." As tias, segundo escreve Oswald em sua biografia, trouxeram a encravaria que restava. E foi com o aluguel de escravos que a família se alimentou e manteve por algum tempo. A herança escravista era de seu bisavô José Gonçalves Penha que possuía, segundo as listas nominativas de habitantes de 1838/40 para o distrito do Favacho, hoje Cruzília, um número considerável de escravos, 38. Antes de se mudar para São Paulo, o pai de Oswald trabalhou como tropeiro, conduzindo tropas de burros através da Serra do Picu, na direção do Rio de Janeiro, acompanhado de escravos da propriedade da família.

Seu pai fez carreira profissional e política em São Paulo, sendo eleito vereador para quatro mandatos, entre 1899 e 1914, e onde trabalhava como corretor de imóveis do desembargador Marcos Antônio Rodrigues, quando recebeu aos 40 anos, uma proposta singular, casar com sua filha Inês 

"Quase pedido em casamento, Seu Andrade apareceu à minha mãe pela primeira vez, através de um buraco de fechadura. E pareceu-lhe elegante, se bem que não tivesse feito a barba. E foi assim que, da apresentação à intimidade, ele se tornou o esposo de D. Inês ." (4)

A aristocrata amazonense Inês Henrique Inglês, agora assinando Andrade, esteve em visita pela primeira vez à cidade de Baependi, em 1889, e ganhou a simpatia da família. Era, segundo o jornal O Baependiano, "distinta senhora, que como todas as que possuem alta educação, reúne a amabilidade e a delicadeza à simplicidade do trato." Dela o filho ouvia histórias de sucuris, onças, de jacarés e de quando aprendeu a nadar, ainda criança, nas águas do rio Amazonas. Os "causos" contados na família de Minas vinham do pai, que fantasiava a cabeça do menino ainda mais, com caçadas perigosas, onças em cima das árvores. Das criadas, das tias Maria, Elisa, Oliva e Izabel e dos primos, vinha o imaginário de sacis, assombrações,  mulas-sem-cabeça. Do tio Luiz, ouvia narrativas de sua atribulada vida pessoal de crimes, as cabeças que rachou, fuzilamentos. Este se envolveu em uma confusão na rede ferroviária onde trabalhava, resultando na sua prisão e na morte de sua mulher. As histórias de escravos contadas nas rodas de conversas da família não eram fantasias e sim triste realidade. 

O Levante

O Levante de Bela Cruz, que teve início na fazenda Campo Alegre, ocasionou a morte de, entre outros, Gabriel Francisco de Andrade Junqueira, filho de Gabriel Francisco Junqueira, deputado nacional da província de Minas Gerais. A revolta do dia 13 de maio de 1833, liderado pelo escravo Ventura Mina, atingiu três fazendas da família Junqueira: Campo Alegre, Bela Cruz e Jardim, atuais municípios de CruzíliaSão Thomé das Letras, no sul de Minas Gerais, quando morreram sete pessoas, utilizando paus, machados, foice e arma de fogo. A reação  contra os escravos rebelados foi igualmente medonha. Nas entrevistas arquivadas do acervo de Laboratório de Imagem e Som da Universidade de São João del-Rei, há o relato de Pedro Gonçalves da Rocha. Os escravos rebelados teriam sido mortos e suas cabeças colocadas em estacas, o que não foi confirmado.  Sabe-se que 16 escravizados foram punidos, 12  com a forca. Passada de geração para geração, esta foi a história foi usada por Oswald, em 1925, num poema. 

Levante
Contam que houve uma porção de enforcados
E as caveiras espetadas nos postes
Da fazenda desabitada
No vento do mato

Marcos Andrade, o Inglesinho

"Soube cedo que era filho único que perdera um irmãozinho que não me lembro de ter conhecido. Que meus pais, particularmente mamãe, rezavam muito a deus e faziam promessas aos santos de sua devoção."(5)

Certidão de óbito de Marcos de Andrade, o Inglesinho

O irmão de Oswald Marcos Inglês Andrade nasceu em 1891, em São Paulo, e faleceu de gastroenterite com um ano e três meses, na casa de seus avós, em Caxambu, em 1° de agosto de 1892.  "Aí falecera meu irmãozinho de dois anos - o Inglesinho" (6), escreve Oswald. A família devia estar de visita aos parentes na povoação, como sempre fazia, e foi atingida pelo infortúnio. Outro golpe foi ter sido sepultado no cemitério, praticamente um pasto, como descreve Henrique Monat no seu livro Caxambu, de 1894. Provavelmente o local não difere da visão que a família teve ao enterrar o pequeno Inglesinho, no jazigo da família Nogueira.

"(...) era um simples cerrado de taipa num pasto, onde se viam umas cruzes toscas; não havia uma inscripção, um símbolo, que despertasse um sentimento piedoso ao transeunte, que lhe faltasse ao coração, que lembrasse uma dor; uma saudade, que o tornasse sagrado para quem já errou uma lágrima por um ente querido. À distância viam-se umas elevações, que se suporiam mausoléus, eram casas de cupim. A história desse sumidouro de carne humana cifra-se na intolerância cruel, anti-cristã ." (6) 

Certidão de óbito de Hypolito José de Andrade, 1906

No cemitério de Caxambu foi sepultado também seu avô, Hypolito de Andrade, falecido em 6 de abril de 1906, "vítima de um ettheroma generalizado", já na condição de viúvo. Fui pedir ajuda à doutora cardiologista Izabela Guedes para traduzir a linguagem médica do século passado, que me esclareceu: um alteroesclerose. Sem ajuda, sim, sim, as pesquisas não andariam.

Assim nos conta Oswald: "Meus avós paternos tinham falecido e estavam enterrados com meu irmãozinho no túmulo familiar de Caxambu."(8)

A casa de seus avós/Saraus, valsas no piano, passeios no bosque do Parque das Águas e nas encostas do Morro de Caxambu.

Em 1911, Oswald veio visitar a família, pouco antes de partir para a Europa, em fevereiro de 1912, data da foto ao alto. Seus avós moravam na cidade de Caxambu, onde suas tias gerenciaram um hotel da família. 

A avó é assim descrita por ele: "Tenho uma vaga lembrança de minha avó, seca, velha, de óculos e grande leitora. Aliás, atribui-se a ela a origem do nome Oswald, sem o o final. Teria lido Corinne de Stäel, quase sua contemporânea, o que me parece espantoso no fundo provinciano de Minas Gerais."(9)

Do avô Hipolito José de Andrade escreve: "Conheci meu avô de barba branca, sem bigodes, nessa época em Caxambu. (...) Com a desgraça  da família, meu avô tenta inútilmente ser hoteleiro, auxiliado por toda a família, em Caxambu, que a cinco quilômetros de Baependi se cria como estação de águas. Contaram-me que o velho chorava humilhado vendo as filhas servirem a mesa de hóspedes." (10)

Tudo leva a crer que se trata do Hotel Mitão,  aforado no jornal O Bapendiano, em 1888, construído nos terrenos 1, 2, 3 e 4 constado na planta de Saturnino da Veiga (acima), do ano de 1873, considerado "muito sossegado, próprio para famílias e doentes mais frequentado pelos provincianos" segundo os jornais do Rio de Janeiro. Nos lotes 3 e 4 fora construído o Hotel Mitão, e constava que estava ocupado pelo Hypolito. Ficava perto da Estação Ferroviária, exatamente como cita Oswald. 

"O casarão de Caxambu era próximo a Estação (ferroviária) e dava para abrigar todos nós. O ambiente familiar era de saraus. Havia um bisonho tocador de valsas ao piano, chamado Seu Minas que fazia rogar. - Ora, Seu Minas toque! Toque Seu Minas! - Ele torcia o nariz deformado e negativo e era preciso que as moças  todas o assaltassem, para vir sentar-se, sorridente e esquálido, ao banquinho diante do teclado. Eu tinha primas e primos. Passeávamos no quintal e no bosque da Estação das Águas, na encosta do morro que tendo a forma de um tambor bárbaro - Caxambu,- dera o nome à cidade."(11)

Assim vamos conhecer um pouco do bosque da época em que o menino Oswaldo, junto com os primos  e primas iam fazer suas caminhadas pela mata, descrito no livro de Henrique Monat, Caxambu editado em  1894, 

"O bosque, passeio muito apreciável, principalmente nas horas mais quentes do dia, está situado na fralda do morro: uma rua, apenas, o separa do parque. Por um caminho largo, sombreado sempre contorna-se todo o lado leste de Caxambu, gozando de uma deliciosa temperatura. Attrappe a attenção do visitante a grande variedade de lianas, fetos, avencas, que dariam alguns trechos aspecto muito pitoresco". (12)

Num relato, podemos deduzir que Oswaldo passou por Caxambu, em 1912, após voltar da Europa. Estava acompanhado somente do pai, pois sua mãe havia a pouco falecido, e de sua companheira francesa que tinha o apelido de Kamiá, foram fazer estação de águas, em Lambari, que com certeza era mais aprazível que Caxambu, que tinha acabado de iniciar as obras de embelezamento do centro da cidade.

O aquático Oswaldo nas estações de água em Lambari



"Na primeira viagem que fizemos a Lambari, lembro-me da chegada do trem, no começo da noite, sob um penacho de fagulhas, sobre um barranco de onde embaixo, se descortinava o Hotel Melo. Desembarcados, minha mãe incumbiu um garção alto a me levar até o Parque, onde havia a fonte de água mineral, ainda aberta. A água jazia num poço, e recinto fechado. Atirava-se uma caçamba de prata, a recolhiam e enchiam-se os copos de asas. Foi para mim um deslumbramento."(15)

Nas fotografias podemos ver os passeios organizados pelos proprietários do Hotel Melo, no qual a família Andrade ficava hospedada, que incluía piniques, passeios de charretes e a cavalos pelos arredores. 

"Nos dias subsequentes, levei meia dúzia de tombos de cavalo manso e aprendi a montar. Meu pai, na sua velha saudade do mato, levava-me por atalhos, morros e caminhos perdidos, onde havia rastro de onça. Eu  admirava de sua calma e o seguia sem medo. Voltávamos ao hotel. Esplêndida Lambari na manhã de cristal. Um carro de bois cantava nas ruas, exprimindo a alma do vilarejo rústico entre hotéis, montanhas e cruzeiros."(16)

De fato, na primeira década de 1900, Lambari (fotos acima) estava muito mais organizada do que Caxambu, com a construção do Cassino e o lago. A chegada dos trilhos da Estrada de Ferro Sul Mineira, em 1894, facilitou o deslocamento dos aquáticos até a estância. Há muito mais fotos e propagandas nas páginas da revista Fon-fon de Lambari que Caxambu, que só se tornou aprazível com as reformas urbanas na administração de Camilo Soares, iniciadas em 1912. Em Lambari Oswald e sua família apeavam na Parada Mello onde ficavam hospedados no Hotel Mello cujos proprietários eram amigos da família. Em correspondências trocadas, em 1913, eram feitas encomendas de polvilho, queijos, canjiquinha, fubá e... "água do Lambari, fonte gasosa da mais forte". Mas não somente. Oitocentas cabeças de gado foram vendidas à empresa Mello e Cia, provenientes de uma herança recebida da mãe de Oswald. Negócios, negócios...

Os hóspedes participavam de excursões pelos arredores, organizados pelo hotel (foto 4). Na vida adulta frequentou também a cidade de Poços de Caldas, onde fez "estação de águas" junto com Maria Antonia Alkimin sua esposa. De 1911, achamos a propaganda publicada no jornal O Pirralho, editado em São Paulo e de sua propriedade. A afirmação no anúncio de que Águas minerais de Lambary e Cambuquira "As melhores até hoje conhecidas", bem... acreditamos que ele não havia provado direito das águas do Caxambu...

O Pirralho

"Meus problemas pessoais se tinham subitamente complicado. Junto a mim restava um velho choroso que só falava em D. Inês, eu trouxera comigo uma moça de Paris, Kamiá. Tendo desaparecido minha mãe, como abandoná-lo? Resolvemos ir juntos para uma estação de águas. A velha e gorda francesa Alice, mulher do tio Guilherme, veio resolver a situação criada ante os preconceitos ambientes. O casal de tios nos acompanhou a Lambari, passando Kamiá por sobrinha de tia Alice."(13)

Em outra passagem, cita que o casal Guilherme e Alice se radicou, em Caxambu, depois de uma vida uma agitada na cidade de São Paulo. "Uma figura curiosa da família era o tio Guilherme, retirado naqueles ermos, depois de agitada mocidade em São Paulo, onde, ligado aos meios acadêmicos, fora grande e celebrado boêmio e parece que verificador. Casado com uma francesa, tia Alice, que conheci gorda e velhota, mas devia ter sido elegante e bonita."(14)

Marco Zero/ Caxambu talvez ficou só num rascunho

Em 1942, Oswald esteve em Caxambu e enviou um postal intitulado "Panorama parcial vendo-se no centro a Matriz" a Maria Antonieta D`Alkimin, relatando ter visto um espetáculo que contribuiria para a feitura de "Marco Zero", e comunicando viagem ao Rio de Janeiro. O cartão foi enviado de Caxambu em 10 de outubro de 1942, muito próximo à data, 9 de outubro, dia em que sua tia Elisa Nogueira de Andrade completou 100 anos. O cartão suscita duas perguntas que não podemos responder: -Veio ele participar das comemorações de aniversário da tia? -Teria ele visto algum espetáculo teatral em Caxambu que o inspiraria escrever alguma passagem do Marco Zero? O fato é que dos cinco volumes planejados, somente dois foram publicados: A revolução Melancólica e Chão. Talvez as suas impressões captadas na cidade (?), ou da peça  teatral encenada, ainda estão rabiscadas em algum dos seus 80 cadernos de rascunhos.

Sinais dos tempos. "A nossa geração integrara-se na consciência capitalista que gelara os velhos sentimentos da gente brasileira. Nos mantivemos, primos e primas, cautelosamente afastados, senão hostis, vagamente nos encontrando nos enterros da família e sabendo por travessas vias, de doenças, partos e transações. Nossos pais vinham do patriarcado rural e nós inauguramos a era da indústria." (17)

Oswaldo faleceu em 22 de outubro de 1954, às 14 horas, vítima de hipertensão arterial e insuficiência cardíaca. Foi sepultado no cemitério da Consolação, São Paulo. Deixou uma vasta obra e seu lugar na história  cultural e política de São Paulo e do Brasil. E relembrando, Oswald foi um dos muitos aquáticos que passaram por Caxambu.
 
Fonte:
O Baependiano
O Patriota
O Pirralho- SP (1911 a 1918)
O Correio Paulistano (1909 -1919)
ANDRADE, Oswald in Um Homem Sem Profissão, sob as ordens de mamãe, Obras Completas, 1976.  Citações:(1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 ,9 ,10 ,11 ,13 ,14 ,15 ,16, 17)
A vida em mi belmol (1890-1919)
ANDRADE, Oswald in Memórias sentimentais João Miramar
ANDRADE, Oswald in Serafim Ponte Grande
ANDRADE, Oswald in Os Condenados
Andrade, Oswald in O Perfeito Cozinheiro das Almas Deste Mundo
Monat, Henrique in Caxambu, 1894 (12)
Projeto Compartilhar/Inventários
Revista Fon Fon
O salão e selva - Unicamp
Biblioteca do Exército
Família Search
Guimaguinhas. prosaeverso - Memórias familiares e de minha terra natal
Arquivos do Exército, Excex.
Foto: 
Museu Américo Werneck, Acervo de André Gesuldi
Agradecimentos:
Julio Jeha, sempre
Nota:
Alguns documentos iconográficos publicados em nossas postagens, não há como saber quem são seus autores, nem a quem pertencem os direitos autorais. Acolherei qualquer reivindicação dos detentores de seus direitos.


sábado, 17 de setembro de 2022

Graça Pereira Silveira, agora uma cidadã portuguesa/ Valeu vô Ramiro, valeu!


Em 17 de junho de 1889, embarcou Ramiro Rodrigues no porto de Lisboa. Seria a última vez que ele veria Portugal...

Dos 56 passageiros que embarcaram em Havre, um era angolano e dois italianos. Os que embarcaram em Lisboa eram portugueses com diferentes idades. Na lista de passageiros constam 36 do sexo masculino, sendo 11 crianças, a maioria delas acompanhada dos pais, com exceção de Ramiro; 17 do sexo feminino, sendo três meninas. Uma família vinha da Ilha das Flores, pertencente ao arquipélago de Açores. Dentre as profissões declaradas, eram "jornaleiros", isto é, diaristas e "menagerie", traduzido como pessoas que trabalhavam com animais, ou pastores. Todos com certeza venderam o que tinham para comprar um bilhete e transpor o oceano em busca de uma nova vida no Brasil.

E Ramiro? Passageiro de primeira classe? Segunda? Terceira? Como eram anunciados nos bilhetes? Porque quem viajava na primeira pagou de Portugal, 450 francos, e os que viajaram de terceira, 80 francos. Ramiro não pagou nada. Ele teria embarcado clandestino indo trabalhar na cozinha como descascador de batatas. Assim era contado na família. Devia ser para pagar a passagem. A primeira vez que viu terras brasileiras foi quando o navio ancorou no lamarão do Porto de Recife, Pernambuco  no dia 7 de julho.

Ramiro Rodrigues nascido às três horas da manhã do dia 7 de julho de 1877, em Santa Maria dos Sepilhos, Conselho de Amarante, Portugal, filho de Joaquim Rodrigues e Maria de Jesus, profissão "jornaleiros", aqui, diaristas, seguiu em parte a profissão de seus pais: lavrador. Ele passou a assinar no Brasil o sobrenome "de Freitas". Ainda não achamos registros comprovando que seus familiares tivessem esse sobrenome. Ele embarcou cheio de esperanças, assim como milhares de imigrantes, a procura de uma vida melhor. O que encontrou foi uma vida de duro trabalho na hidrópolis Caxambu, no inicio do século, ajudando a embelezar o Parque das Águas como jardineiro.


Ramiro casou-se aos 23 anos com Maria Ayres de Lima e, nove meses depois já era pai de Etelvina. Ao todo, o casal teve 11 filhos, cinco dos quais não chegaram à vida adulta. Izabel (1901-1903) faleceu em consequência de queimaduras aos três anos; Joaquim (1911-1913) faleceu aos dois anos de gripe intestinal; Laura (1913-1915) aos dois anos de pneumonia; José (1916-1921), de Laringite estridulosa aos 4 anos; Haroldo (1922-1923) com um ano, de meningite. Sobrevieram Etelvina Rodrigues (1898-?); Maria Izabel (1906-?); Geralda Rodrigues (1908-?); Romeu Rodrigues (1918-?); Luiza Rodrigues (1918-?) e Agnelo Rodrigues (1920-?).

Ramiro não sabia oque ele poderia estar proporcionando ao seus descendentes.
Graça Pereira Silveira, sua neta, em 16 de dezembro de 2022 se tornou cidadã  portuguesa. Não precisamos dizer mais nada, só agradecer. Valeu a viagem até o Brasil, valeu! 
Fotos:
Graça Pereira Silveira no Consulado Português recebendo sua cidadania.
Arquivo privado da família Ayres/Silveira Pereira. 

terça-feira, 13 de setembro de 2022

Alberto Pires Ribeiro, o primeiro morador oficial de Caxambu /Na pista dos primeiros caxambuenses/ Parte 1




Quem foram os primeiros caxambuenses? Ih, a história do povoamento de Caxambu é antiga, e começa por volta dos anos de 1700, quando os bandeirantes  paulistas se embrenharam sertão adentro a procura de ouro e pedras preciosas. Mas para contar a história toda, vamos pedir ajuda a outros historiadores que fizeram seus registros, como o baependiense Pelucio e o reverendo José do Patrocínio Lefort, guardião dos documentos eclesiásticos da cidade de Campanha

O primeiro registro oficial, onde foi citada a localidade "Caxambu", está no livro de lançamentos de impostos da Delegacia Fiscal da Comarca de São João del-Rei, relativo ao ano de 1715, do contribuinte de Baependi Alberto Pires "morador no Caxambu com quatro escravos"(1). O nome vem novamente aparecer Alberto Pires Ribeiro nos lançamentos dos impostos do triênio de 1717, 1718 e 1720, "após o nome de Anselmo Fernandes, este morador de Baependi" (Lefort).

Antes deste registro, existiu outro, um requerimento de Carlos Pedroso da Silveira que recebeu  uma sesmaria "na paragem do Caxambu", em parceria com seu genro Francisco Alves Correia, em 30 de setembro de 1706, que já fizemos menção no "Morte no Sertão/ Na pista dos primeiros Caxambuenses"

Vi o posto de abastecimento de víveres. Uma construção de adobe, com barrotes de palmeiras, amarradas com cipó à moda de peia, cobertura baixa de telhas feitas. Portas baixas de tronco de aroeira, formam o umbral e janelas abertas á guisa de clarabóia e apoio para prosa. Na frente junto ao tronco central, o local para o arreame das mulas. Água para os animais ficava no cocho de tronco escavado a machado e fogo pelas mão de escravos. O cheiro de couro das matulas sendo abastecidas impregando o ar, robustecido pelo cheiro de lenha queimada no pequeno fogão de barro de cupim... (1)

O primeiro caxambuense

Então o primeiro caxambuense, ou pelo menos o primeiro morador documentado foi Alberto Pires Ribeiro , que era filho de Francisco Alvares Correia e Maria Bicudo e foi casado com Lucrécia Leme. Todos esses nomes e sobrenomes são conhecidos nos livros da Genealogia Paulistana, mas também nos registros eclesiais de Baependi. Abaixo duas certidões de batismo de 1732, transcritas por Pelúcio e nela os nomes e lugares.



Há outros documentos que comprovam a ocupação do lugar. A 1° de janeiro de 1728, foi passada a sesmaria a Sebastião Fernandes Correa, "assistente no caminho velho... no ribeirão que corre por detrás do morro do Caxambu". Sebastião era casado com Ana Veloso.

De fato, há registros nos arquivos eclesiais de Baependi de Sebastião Fernandes Correa e sua mulher Guiomar Pires, (!!!!) quando batizou sua filha Ines, em 12 de abril de 1725, sendo os padrinhos Luiz da Silva e Lucrécia Leme.
Seguem outros assentamentos nos livros paroquiais de Baependi como "povoadores do Caxambu".

Em 1730 Manoel Arruda casado com Mecia de Toledo, a viuva Ana Moreira;
Em 1731 Joao de Vasconcelos, casado com Maria Leme do Prado;
Em 1732 Francisco de Arruda casado com Mariana da Luz;
Maria Leme, viúva, assistente em Caxambu, madrinha de Joana filho de Francisco Xavier e Teresa de Olvieira, juntamente com João Mel. Coimbra;
Em 1733: Luzia Pinheiro (solteira);
Em 1737: Sebastião de Brito casado com Juliana de Oliveira.

Do ano de 1747,  existe o registro: "aos vinte e nove dias do mês de novembro da era de 1747, faleceu da vida presente, com sacramento da penitência , Sebastião Correia, casado com Ana Veloso, de oitenta anos, morador no Caxambu, natural de Mogi (Mogi das Cruzes, SP) e foi sepultado nesta freguesia, digo nesta Igreja de N. S. de Monteserrate de Baependi". (certidão abaixo)


Certidão de óbito de Sebastião  Fernandes Correia
data de 1747

Ainda no ano de 1747, a 9 de julho, realizava-se o casamento de Matias Vieira e Custódia da Silva, sendo como testemunhas Luis Pereira e... "Estácio da Silva, morador no sítio do Caxambu".

A biografia de Estácio da Silva é um capítulo a parte. Ele foi casado com Vitória Vajano  que se enviuvou, voltando a se casar com João José Pinheiro. Em 29 de outubro de 1755, João Pinheiro   entra com um requerimento sobre a concessão de uma sesmaria no sítio chamado Mombasa, freguesia de Baependi. Mas... em 5 de outubro de 1756, Maria Vajano vem a falecer deixando o viúvo João José Pinheiro como seu herdeiro universal e um solene testamento, "um sítio no Caxambu, no Caminho Velho".

Testamento de Maria Vitoria Vajana

Ponto final? Não, ainda vamos contar muitas outras histórias.
Fonte:
(1) Guerino Casassanta, in apus Voz Diocesana 31.01.1956
(2) Projeto Compartilhar
Vasconcelos-Diogo, História antigas das Minas Gerais
Antonil, Culturas e Opulencia do Brasil, 1711
Arquivos Eclesiais de Baependi, in  Familie Search