domingo, 19 de dezembro de 2021

O condomínio da Família Ayres/ A memória afetiva da ocupação dos terrenos da antiga rua Quintino Bocaiuva, 113

Dona Dolores e seus filhos: Janice, Jackson e a babá Geralda
na varanda

Sempre ouvi contar na família que, até o terreno da dona Orminda Guimarães/Vianna (1882-?) na antiga rua Quintino Bocaiuva, onde tinha casa na década de 1960/70, pertenceu ao meu avo José Ayres de Lima, (1873-1943) o  Trançador e avó Gervasia Ayres de Lima (1881-1968). E era! Fizemos as diligencias e descobrimos muito mais. Quem, onde e quando. O objetivo era resgatar a história da ocupação dos terrenos e as nossas memórias afetivas. E conseguimos!

Antes, muito antes de 1930

De fato. Antes de 1930 o terreno pertenceu ao meu avô José Ayres de Lima, o Trançador, filho, e sua esposa, minha avó Gervásia Ayres de Lima. Para chegar as informações foi preciso fazer muitas consultas com à nossa biblioteca familiar, Celia Ayres, (veja aqui a biografia completa de Célia Ayres) telefonemas e mais telefonemas entre Brasil e Alemanha para contar a história da ocupação do terreno, abaixo da antiga rua Quintino Bocaiúva, em Caxambu. A minha, nossa tia Célia, sempre ela, com uma memória afiadíssima conta detalhes, fatos e acontecimentos históricos que marcaram a vida naquele pedaço de terra. Vamos lá.

Da direita para esquerda: Edson Ayres 
1a direita, Gervásia Diório; 2a, Marlene
 Diório 3a; ao centro vó Gervásia Ayres,
 à esquerda, desconhecida

 

Tia Célia Ayres confirma que todo o terreno, que ia da rua Quintino Bocaiúva 113, abaixo, até o ribeirão Bengo, pertenceu à família. O pai foi comprando os terrenos e repartindo com os filhos, contou. O pedaço de terra era extenso. Na época era costume os filhos morarem perto de seus pais, e o objetivo foi parcialmente cumprido. José Ayres, o filho mais velho da avó Gervásia, meu pai, construiu uma casa no terreno à esquerda do n°113, e viveu lá com sua primeira família, até a sua primeira esposa falecer. Esta casa foi vendida para seu Virgilio, após o falecimento de sua esposa, Alzira Ayres.

Tio Silvio, que já possuía o seu terreno, doou um pedaço para meu pai, José Ayres, que tinha acabado de ficar viúvo, para construir uma casa, bem abaixo da casa que foi construída pela tia Maria Ayres/ Rodrigues e que ele, Silvio, a adquiriu posteriormente. 

Tio Samuel Ayres de Lima também tinha o seu pedaço na rua debaixo, extensão do terreno, onde é a rua Policarpo Viotti, que foi parte desapropriado para a abertura da avenida Beira Bengo.

Meu pai finalizou a casa no início da década e 1960, e ficamos todos morando no terrenos adquiridos pelos nossos ancestrais. Assim foi formado o que meu primo Edson Rodrigues Ayres denominou de "condomínio da Família Ayres".

Para além das fronteiras, não conhecíamos o proprietário do imóvel ao lado da casa do tio Silvio, até que a tia Célia lembrou: o terreno foi doado pelos meus pais para à minha irmã Silvia Ayres/Diório e seu marido Marco Diório recém-casados. Eles construíram a casa, que na foto ainda suas características originais, como o piso azulejado (foto ao alto), o gradil, o teto alto e o extenso terreno até o Bengo.

Os residentes ao longo dos tempos

Década de 1930

A residência deve ter sido construída por volta de 1934/35 e a família Ayres/Diório morou por algum tempo lá até se mudarem para a casa que construíram, na hoje rua Policarpo Viotti, abaixo da casa da avó Gervásia, no terreno também pertencente ao "condomínio", onde moravam e moram descendentes do senhor Luiz Verruma. A rua Policarpo Viotti não existia, era apenas uma rua sem saída. Tia Célia nos lembra ainda que Marlene Diório, a terceira filha do casal, bem como Gervásia-neta, nasceram lá. Na foto ao lado, os personagens desta história: Edson, abaixo à direita, Gervásia-neta acima à direita, vó Gervásia ao centro e Marlene à esquerda. A foto foi feita na casa de vó Gervásia em data desconhecida.

Eu e minhas dúvidas... liguei novamente para a tia para confirmar. 

-Tia, a senhora tem certeza que eles moraram lá?

E ela, de estalo: - Claro! No dia em que Marlene abriu os olhos para o mundo, a companhia elétrica tinha cortado a luz. 

- Mas como assim? 

- Eles não tinham pagado a conta de luz, e a companhia cortou. Marlene nasceu no escuro. O parto foi feito à luz de velas. 

Depois dessa contundente afirmação, não tive dúvidas. Eles construíram aquela casa. Sim, e a Marlene nasceu praticamente à luz de velas pelas mãos da tia avó Maria Ayres de Lima, conhecida como Mariquinha, a parteira oficial da família (veja a biografia completa da tia-avó Mariquinha). Era um 17 de janeiro de 1936. Esta data é a referencia para montarmos, a digamos, linha do tempo de ocupação da residência no condomínio da Família Ayres

Década de 1940, um sonho, vida e morte

A história da ocupação seguiu e quem adquiriu imóvel posteriormente foi meu tio Luiz Ayres. Na verdade a memória da ocupação da casa começou aqui, quando tia Célia me disse que, antes de dona Orminda, o tio Luiz Ayres de Lima tinha adquirido o imóvel. O único filho vivo confirmou o fato, Lais Ayres, bem como o nascimento de seus dois irmãos na casa, Iara e Fernando, já falecidos. Moraram na rua Quintino Bocaiúva por quase 10 anos, disse ele. Depois que o tio Luiz foi acometido por uma tuberculose e precisou realizar um tratamento de saúde, foram obrigados a se mudar para Belo Horizonte. Naquela época, Belo Horizonte era conhecida como cidade do ar puro, pasmem. 

E acreditem, no meio da pesquisa, sonho com o falecido tio Luiz. Ele me recebeu no seu apartamento em Belo Horizonte e eu na pesquisa: -Tio, até quando o senhor morou naquela casa? - Ele, até 1950. Tive que vender e dividir... E eu, porque? Ah, tive muitos casamentos, 11 ao total. Mas onze, como chamou sua primeira esposa? Maria. Sim, a tia Maria, que era chamada por nós de Lili. Acordei.

Mas tia Célia não deixa por menos nos detalhes e lembra novamente um fato que ficou marcado em sua memória. Conhecida na família por Miquita, a sogra do tio Luiz mãe da tia Lili, em visita à família, faleceu de uma sincope cardíaca... naquela casa. Valha-me Deus!

Não sabemos quem  adquiriu a casa após a saída de tio Luiz, mas sabemos a casa não ficou desocupada.

Década de 1950

Dona Dolores com Jackson, 1950,
à esquerda e Janice, 1954 , à direita

Depois... depois... vem a mãe da Janice Drumond, Dona Dolores que alugou a casa no início da década de 1950. Todos os seus filhos nasceram lá: Janice, Jackson e (foto acima). Ficamos na dúvida. Quem era o proprietário da casa?

Década de 1960

Arminda, Dasa, Francisca e Lucimar  
Festa de formatura do Colégio Normal, 1973

Aí foi a vez da Família Rodrigues Pereira, o ramo dos Ayres entrar em cena. A Dasa (foto acima), neta de vó Mariquinha, e que morava duas casas abaixo, ocupou a residência entre 1959 e 1960, com sua família quando nasceu a... Francisca (foto acima), a Francisquinha para nós. Na época o marido, Danilo era jogador em Belo Horizonte e a família alugou a casa por um curto período. Francisca nasceu em dezembro de 1959 e eu, em janeiro de 1960. Como minha mãe teve problemas para me amamentar, a solidária Dasa se fez minha "mãe de leite". Éramos vizinhas de cerca. Minha mãe sempre me dizia: Ah, a Francisquinha é sua irmã de leite". Demorei a entender. 

Ainda na década de 1960

No intervalo em que a família de Janice Drumont se mudou e foi morar no centro da cidade, ocupou a casa Dona Orminda. De fato, eu me lembro dela na varanda da cozinha, nos afazeres domésticos. Cheguei uma entrar na sala e me impressionei com o relógio carrilhão que, quando badalava, era ouvido até lá em casa. Mas quem tem as melhores memórias da moradora é a Janice. A família voltou a morar na rua Quintino Bocaiúva, no meio da década de 1960, na casa recém-construída (foto), em frente à da minha vó Gervásia, que sedia hoje o Centro Espírita. 

"Eu lembro até das cores da casa. Porque a gente brincava muito com a Ana Maria, uma das meninas da casa Verde Alta de frente, onde tinha televisão. Da varanda a gente via a casa de dona Orminda."... A (casa) de Caxambu pode ter sido só de veraneio, onde ela foi viver pós viuvez. A época é a mesma da troca da capital do Rio para Brasília, que calha com a redução da ida de políticos a Caxambu, perda do glamour de época..."

Década de 1970

Não sabemos quando a última moradora de nossas lembranças, dona Orminda, se mudou de lá. Fato é que a casa foi passada para o seu sobrinho, já falecido, e a vida da casa dá seguimento, sendo ocupada pelos seus descendentes.

Então estávamos todos ali, na Quintino Bocaiúva que um dia mudou de nome e passou se chamar Magalhães Pinto.

Fotos:
Arquivo privado de Família Ayres
Arquivo privado de Família Rodrigues/Freitas/Pereira
Arquivo privado de Janice Drumont
Fonte:
História oral resgatada entre os familiares da Família Ayres, Família Rodrigues Freitas.
Agradecimentos:
A Julio Jeha, sempre