sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Izabel de Lima, a caxambuense batizada pela realeza / Diga-me por quem foste batizado e direi o status de tua família


Museu da Independência queimado, memória apagada. Que documentos estariam guardados esperando os historiadores para nos revelar novas ligações da princesa Isabel e sua família com a cidade de Caxambu? Como tudo virou cinzas, só podemos supor que cartas escritas e recordações da povoação estivessem entre os bens devorados pelo fogo. Fizemos aqui um esforço para contar a historia. Recordar para não esquecer. Vamos lá.

Um escarafuncha daqui, outro dali e, assim, os pesquisadores vão achando as coisas... Izabel de Lima filha legítima de Francisco  José de Lima e Severina Izabel de Lima apadrinhada pela... realeza.

Na verdade, as pesquisas sobre a batizada pela princesa Izabel, Izabel de Lima, foram iniciadas já há alguns anos. As certidões foram encontradas por mim e arquivadas para posteriores pesquisas, pois o sobrenome Lima pertence também à Família Ayres. Mais à frente, tinha encontrado a irmã de Izabel, Castorina de Lima, casada com José da Rocha Brochado, que eram avós de Magali Brochado, minha vizinha. Fiz contato com ela, no inicio de 2017, e veio a confirmação: os nomes eram de seus avós. Devido a outras prioridades de pesquisa, o material foi colocado "na geladeira" até que... Antônio Claret me alertou sobre Isabel, a apadrinhada pelos membros da família real. As informações estavam todas lá, só faltava reuní-las, associá-las aos fatos históricos e as biografias individuais. Então...


conde d`Eu e dona Izabel, princesa regente, condessa d`Eu, assinaram uma procuração para serem padrinhos da filha de Francisco, representados pelo Reverendo João Pires de Amorim e por dona Ritta Maria de Jesus. O assento foi feito no livro de batizados de Baependi, em 30 de novembro de 1868. João Pires de Amorim não era um anônimo, e sim o coadjutor do pároco, monsenhor Luiz Pereira Gonçalves de Araujo na cerimônia do dia 22 de novembro, no lançamento da pedra fundamental da igreja Santa Isabel da Hungria, na povoação. Então estava tudo ligado.

Izabel de Lima nasceu em 10 de outubro de 1868, próximo à estada da família real em Caxambu. Na ocasião, sua alteza real fez o uso das águas e, na história contada, se curou de sua infertilidade e deu a luz ao príncipe regente dom Pedro de Alcantara. A partir dessa data, a fama de Caxambu, a estância das  "Aguas Virtuosas", ganhou mundo.

Embora o batismo tenha sido realizado e assentado na igreja matriz de  Baependi, a família Lima residia em Caxambu. Até então, as obras da capela Nossa Senhora dos Remédios não estavam concluídas, o que aconteceu por volta de 1871/72.

Diga-me por quem fostes batizado e eu te direi o status de tua família 

Mas quem era Izabel para ter padrinhos tão ilustres? Perguntamos primeiro quem eram os seus pais. Bem, eles eram de família que tinha boas relações sociais em Baependi e, oportunamente, conseguiram, através de um bom "contato", uma procuração para que o conde d`Eu e a princesa regente apadrinhassem sua filha. Era muito comum o apadrinhamento de crianças por pessoas de elevado status social. Acontecia com os mais ricos, remediados, os pobres e os escravos. Francisco José de Lima era ativo na política, o que significava que ele tinha algum "cabedal", ou status social, pois  fora cadastrado como eleitor em Baependi, sob o número 111, no ano de 1884. Ele votava e elegia políticos. Em 1871, Francisco José tinha uma propriedade na povoação de Caxambu, que foi edificada no ano de 1870, e pertenceu a Cloriana Pereira Meires (Meireles?), e que foi passada à frente, em 1871, comprovando que ele já morava em Caxambu nessa data. Muito curiosamente, todos os seus filhos, sem exceção, foram apadrinhados por gente, ou da política, ou de visibilidade social.

E como toda história puxa outra, vamos contar sobre os irmãos de Izabel. Todos eles nasceram em Caxambu e foram batizados na capela Nossa Senhora dos Remédios.  Foram eles:

Jeronimo



O primogênito Jeronimo nasceu nas Águas Virtuosas de Caxambu, em 23 de dezembro de 1870, e foi batizado, em 16 de janeiro de 1871 por outra figura proeminente da época, o conselheiro Jeronymo José Teixeira Junior e sua esposa Maria Henriqueta Carneiro Leão Teixeira (fotos acima), representados por America Brasilina Nogueira de Almeida. A criança recebeu o nome de seu padrinho, Jeronymo José Teixeira Junior, que era filho do comendador Jeronymo Teixeira. O padrinho nasceu no Rio de Janeiro, em 25 de outubro de 1830, bacharelou-se em direito pela Faculdade de São Paulo, casando-se, em 24 de dezembro de 1853, com Maria Henriqueta Carneiro Leão, nascida em Ouro Preto. Exerceu o ofício de promotor, em Niterói por dois anos, deixando o cargo para servir à diretoria da Estrada de Ferro Dom Pedro II. Foi deputado na Assembléia Provincial e deputado geral pelo Rio de Janeiro em diversas legislaturas. No ano em que batizou Jeronimo, era representante do Rio de Janeiro na Assembléia Geral. Dirigiu, por pouco tempo em 1870, a pasta da Agricultura e, em 1873, foi eleito senador do Império. Fez parte da comissão que apresentou o projeto da Lei do Ventre Livre. Dentre os cargos que ocupou, foi diretor do Banco do Brasil. Era fidalgo e cavaleiro da Casa Imperial, conselheiro da Ordem da Rosa e comendador da Ordem de Cristo, tendo recebido o título de visconde do Cruzeiro em 13 de junho de 1888. Publicou diversos trabalhos, entres eles "O Saneamento  da cidade do Rio de Janeiro". Faleceu em Roma, Itália, em 26 de dezembro de 1892. Jeronimo era também comerciante e capitalista. Enfim, o homem tinha não só nome na política, como também era dono de uma considerável fortuna.

A história continua. Aso 14 anos, Jeronymo teve seu destino publicado no jornal O Baependiano. Ele estudava no colégio do Sr. Pilar, em Baependi, e recebia uma pequena "pensão" de seu padrinho, agora Senador Jeronimo Teixeira Junior, com a qual eram financiado os seus estudos. O menino Jeronimo foi acometido de um "reumatismo no coração", vindo a falecer, em 10 de março  de 1885, sendo sepultado em Baependi. Parece que o menino caiu doente e sofreu por 11 dias. Os alunos do Colégio Nogueira, ao qual pertencia  o proprietário do jornal, agora sediado em Caxambu, carregaram o caixão de sua casa até o outeiro da Capela Nossa Senhora dos Remédios. Como Caxambu ainda não tinha cemitério, Jeronimo foi sepultado, em 11 de março, em Baependi.

Os outros filhos:

Oscar, nascido em 1873, apadrinhado pelos filhos de Jeronimo José Teixeira: Pedro José Netto Teixeira  e Maria  Henriqueta Teixeira 

Orminda, nascida em 1879, apadrinhada pelo comendador Antonio Theodoro Fortes Bustamante e dona Marianna Eliza de Meireles 

Albertina, batizada em 1882 por João Carlos Vieira Ferraz, vereador na Câmara de Baependi, e Maria Ferraz, fundadores do Palace Hotel.

Elvira, batizada em 1884 por Francisco José da Silva Simões, subdelegado de polícia da povoação de Rio Verde, e sua esposa Gabriela Candida Simões, proprietários de terras em Conceição do Rio Verde.

OscarII, batizado em 1886 por procuração a José Hilário Figueira, "da Corte", por Francisco de Castro dos Santos Monteiro, deputado da província eleito para vários mandados, e Adelina Costa Guedes, filha mais velha de José da Costa Guedes, proprietário da Casa Guedes .

Castorina, nascida, em 1889, teve como padrinho Vicente de Seixas Batista, ativo na política e  membro da junta de conselheiros para a administração da paroquia de Baependi, e dona Maria Silvania Nogueira.

Assim, os batistérios comprovam que a família de Izabel era gente que tinha boas relações com a aristocracia sul mineira. Eles pertenciam a uma rede de relações sociais que envolviam a nobreza, os ricos e os que circulavam em torno dos ricos. Era sociedade que reunia famílias de grandes fortunas, terras, escravos, lavouras e poder. Caxambu, através da fama de suas águas, passou a atrair o baronato, deputados e senadores da Província que frequentavam suas fontes, e assim as relações sociais se entrelaçaram. Ufa, tudo para contar quem foram os padrinhos dessas crianças.

O pai Francisco

Mas acredito que na história, José Francisco, o pai de Izabel, era peixe pequeno e nadava em águas rasas da política de Baependi/Caxambu. De qualquer forma, foi ele quem, em 1881, arrematou as obras para a iluminação pública da povoação das "Aguas Virtuosas de Caxambu". Ainda em 1885,  participou da iniciativa da construção do Asilo Nossa Senhora dos Remédios, juntamente com outras figuras proeminentes da povoação, como Costa Guedes. Do asilo, não sabemos onde foi edificado, nem se o projeto teve continuidade. Na ocasião, o capitão João Carlos ofereceu um terreno para a sua construção. É um tema ainda a ser pesquisado.

De Izabel, a batizada, nenhuma pista mais foi encontrada, nem de seu casamento, nem de seu falecimento, tampouco de seu irmão Oscar. Mas de Albertina, sim, era conhecida por Magali Brochado como "sá Berta". Ha ainda alguns descendentes e que ainda moram na cidade.

A ligação com a família Ayres

Josino Ayres, filho de José Ayres de Lima-Trançador filho e Gervásia Ayres de Lima) foi casado com Benedita Brochado (bisneta de Francisco de Lima, pai de Izabel)
Izabel era então tia de Benedita Brochado, conhecida por Tita.

Os filhos:
Lazara de Lima Brochado/Ayres
Ozéas Brochado/Ayres
Guaraci Brochado/Ayres

Os limites das pesquisas

Até agora, foram feitas pesquisas documentais sobre Izabel e alguns de seus irmãos e irmãs e nada foi encontrado. Eles não foram encontrados nos registros paroquiais, nem nas entrevistas com os familiares de quarta geração. Seus nomes não são conhecidos ou associados a outros parentes. Eis os nossos limites.

Fotos:
Museu Imperial de Petrópolis
Fonte:
Family Search
Mauro Luiz Senra Fernandes - web site.
MARTINS, Maria Fernanda, In O Círculo dos grandes: Um estudo sobre a política, elites e redes no segundo reinado a partir da trajetória do visconde do Cruzeiro (1854-1889)
Instituto Histórico e Geografico brasileiro.
GENOVEZ, Patricia Falco - Os Barões e os Trilhos. A Estrada de Ferro União Mineira e os Laços de Sangue na Zona da Mata de Minas Gerais.
Projeto Compartilhar
Agradecimentos:
Julio Jeha

domingo, 16 de setembro de 2018

Uma visita muito especial ao Parque das Águas de Caxambu

foto 1 Carlos Fernando Delphin, foto 2 Graça Pereira Silveira e Carlos Fernando Delphim, foto 3, aspecto do Parque das Águas, foto 4: da esquerda para direita: Antonio Hoyuela, Maria Antonia Barreto, Carlos Fernando, Magnus Luderer, Vander Silveira, Graça   Pereira Silveira.
Com a ajuda de Graça Pereira Silveira e de Cristiani Magalhães, pesquisadora e interessada nas obras de Francisco da Silva Reis conhecido como Chico Cascateiro, criou-se a iniciativa de trazer dois arquitetos e urbanistas para um encontro muito especial no Parque das Águas de Caxambu.

As visitas chegaram

E foi em 24 de agosto que as visitas chegaram. Elas vieram a convite dos amantes do parque para coletar informações e contribuir com ideias para o projeto de um geoparque. Além disso, discutiu-se a possibilidade de o Parque das Águas se tornar parte do acervo da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura - Unesco.

Temos o prazer de apresentar esses dois arquitetos e urbanistas que deram parte do seu tempo para uma visita à cidade: Antonio Hoyela Jayo e Carlos Fernando Moura Delphim. Antonio é especialista em planejamento urbano e territorial, consultor da Unesco e do Instituto Patrimônio Histórico Nacional – Iphan. Carlos Fernando é pioneiro na defesa dos jardins históricos no Brasil e também trabalhou no Iphan.* 

Mas mais que tudo, eles são cidadãos amantes de Caxambu. Os pais de Carlos Fernando se conheceram quando se hospedaram no Hotel Lopes, onde sua mãe tocava piano. Se casaram e, numa das idas e vindas à cidade, constataram que sua mãe estava grávida. Foi o "made in Caxambu". (foto)

Durante a visita, Antonio e Carlos Fernando compareceram à 8° Audiência Pública em 24 de agosto, na Câmara Municipal de Caxambu, para discutir a grave situação em que se encontra o Parque das Águas.

Tudo é possível 

A visita não teria sido possível sem a ajuda de várias pessoas engajadas no evento como Maria Antonia Muniz Barreto, da Ampara, os proprietários do Hotel Bragança além de cidadãos que cotizaram para o custeio das despesas. A todos aqueles que trabalhavam para realização do evento, os nossos agradecimentos. A visita poderá trazer frutos para a conservação e preservação do nosso Parque. 

Fonte:
(*) Escavador
Fotos:
Graça Pereira Silveira
arquivo privado de Carlos Fernando Delphim
Agradecimentos:
Julio Jeha

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Fantasmas na Funabem / "Mamãe, gente existe? Mamãe, tenho tanto medo de gente!"



-Deve ser aqui mesmo. Veja no mapa, Julião!
-Ah, veja você  Sebastião!
É melhor o João ver..."

E com estas falas, abre-se a cena da peça, Pluft, o fantasminha, de Maria Clara Machado (1921-2001), encenada pela primeira vez em Caxambu no... Teatro da Escola Wenceslau Brás, conhecida por Funabem, no ano de 1977. O prólogo se passa à frente das cortina, como se vê na foto, quando os 3 marinheiros, bebados e cantando, abrem a cena.

O diretor era José Dantas Filho, que também fazia o papel do Pirata-Perna-de-Pau, terror da criançada, quando entrava em cena. O cenário quase surreal foi concebido por Carlos Figueiredo pintado por ele e José Dantas Filho. José Pereira Dantas fazia o suporte técnico, coordenando a confecção do cenário, que ele montava e desmontava. Foi ele quem abriu dois buraquinhos nos olhos do Capitão Bonança (foto abaixo), para acompanhar as cenas escondido. Os olhos se moviam... Mágico!

A trupe era composta por Lucimere Ferreira (mae fantasta) ; Tania Pertele (Pflut, o fantasminha) ; José Dantas Filho (Perna de Pau); Gina Pertele (Maribel) e Matilde (tio Gerúndio).  Solange Ayres, Flavia SalumCarlos Figueiredo faziam os piratas Sebastião, Julião e João.

Derramando o mar todo pelos olhos

Ao alto à esquerda, Gina Pertele, como Maribel; José Pereira Dantas, cenógrafo; Nilta, fantasma; José Pereira Dantas Filho, o Pirata Perna de Pau; Matilde, como tio Gerúndio; Lucimeri Ferreira (sentada) a mãe; Monica, como fantasma; abaixo, da esquerda para a direita (marinheiros) Flavia Salum, como João; Henrique Lahmas; Solange Ayres, como Sebastião; Carlos Figueiredo, como Julião; Tania Pertele, como Pflut/ Ao Alto os três marinheiros: Flavia Salun, Carlos Figueiredo e Solange Ayres
A peça foi encenada pela primeira vez pelo grupo O Tablado no Rio de Janeiro, em dezembro de 1955 e se tornou um clássico da literatura infantil. A história conta o rapto da Menina Maribel pelo Pirata Perna-de-Pau. Ele esconde a menina num sótão de uma casa abandonada, onde vivia uma família de fantasmas. A trama principal é o pirata tentando achar o tesouro escondido do Capitão  Bonança, avo de Maribel. 

A poesia do texto se concentra na amizade da Menina Maribel com o Fantasminha Pflut. Uma das cenas mais poéticas se dá  quando Pflut se surpreende com as lágrimas derramadas por Maribel com medo do pirata. "Que lindo, que lindo, que lindo... Mamãe, mamãe, acode! A menina esta derramando o mar todo pelos olhos". A mãe explica que gente é diferente de fantasma, e Pflut diz que também queria chorar e a mãe retruca sem dó: "Fantasma não chora, Pflut, senão derrete".
Tudo isso aconteceu no Teatro da antiga Funabem há... 41 anos. Uau, o tempo passa.


Nem com todo o mar derramado de lágrimas poderíamos imaginar o abandono que a antiga escola poderia sofrer. Revitalizar aquele espaço é reconstruir sua história, ou muitas histórias. A despeito de toda a simpatia que o Pflut nos causa, que os fantasmas que talvez ocupem aquela antiga escola sejam espantados, e que o espaço volte a ser ocupado por muitas trupes de teatro.
Fotos:
Arquivo privado de Solange Ayres.
Fotografias: Lucinha Baião
Cartaz confeccionado por Carlos Figueiredo
Agradecimentos: 
Julio Jeha

domingo, 26 de agosto de 2018

100 anos da fundação do templo presbiteriano no Chapeo/ Baependi /Homens de terno escuro vendendo livros pretos

Templo Evangelico do Chapeo, Baependi
E o tempo passou, os escravos foram libertos, causando grandes mudanças na política e na economia da região do Sul de Minas. O caro tabaco, vendido na corte do Rio de Janeiro, já tinha perdido sua pujança, e os fazendeiros reclamavam a falta de braços para tocarem suas lavouras. Embora o comércio de produtos, por meio de tropas e tropeiros entre as fazendas do Sul de Minas, Rio e São Paulo, ainda florescesse, a economia não era mais a mesma.  Nem as crenças religiosas. Muitas mudanças estariam ainda por vir. As comunidades vivenciavam a transição do século, a passagem da sociedade escravista para a de cidadãos livres. Quais motivos os moradores teriam para trocar de religião?

Os primórdios dos luteranos no Brasil

E lá vamos nós contar um pouco mais de história.  Com o acordo comercial entre Brasil e Inglaterra que "abriu seus portos às nações amigas", chegaram aqui protestantes americanos, suecos, franceses, alemães e suíços, de tradição luterana. A primeira capela dos luteranos foi inaugurada no Rio de Janeiro,  em 1816.

O artigo 5° da Constituição Política do Império, de 1824, rezava:

"A Religião  Cathólica Apostólica romana continuara a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular, em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior de templo".

Com o Brasil independente, e a separação de Estado e Igreja  tendo ocorrido em 1890, por um decreto republicano, a Igreja Católica agora iria enfrentar a concorrência de outras tendências religiosas, como o positivismo e o espiritismo. No mesmo período, houve necessidade de atrair imigrantes europeus para substituir a mão de obra escrava, e , com eles veio sua religião. Os movimentos culturais que abalavam a Europa chegavam ao Brasil, influenciando os intelectuais, políticos e os... sacerdotes e fiéis .

A expansão da comunidade presbiteriana no Sul de Minas se deu ao longo da Estrada Real. Fulgêncio Batista descreve o penoso trajeto que faziam  aqueles que pretendiam chegar a Caxambu em 1873, passando pelo arraial de Pouso Alto, pelo Sengó no lombo de animais. A partir de 1880, o acesso ao Sul de Minas foi facilitado pela ligação das povoações por dos trilhos. O trem chegou à vizinha Soledade de Minas em 14 de junho de 1884. A viagem seguia daí em cavalos e carroças até Caxambu, que só teve só teve trem em 1891, quando a Viação Férrea Sapucaí chegou à povoação. Com a ferrovia os pastores presbiterianos alcançaram o Sul de Minas.

Uma Igreja no Chapeo

No final do século XIX, no início de 1908, foram iniciados os trabalhos da comunidade evangélica no Chapeo, hoje bairro de Baependi. Sim, sim, na pequena comunidade do Chapeo, situada num dos caminhos alternativos da Estrada Real. Outras crenças vieram ocupar o espaço espiritual de seus habitantes, tendo como referencia espiritual Erasmo Braga, que esteve na comunidade. 

Erasmo Braga (1877-1932) (foto de 1901) iniciou os estudos de teologia aos 16 anos, tornando-se pastor e professor. Foi líder presbiteriano e, com grande esforço, ativou a cooperação entre as igrejas evangélicas do Brasil na década de 1910, nas área de literatura, educação cristã e teológica. Para ele, os evangélicos deveriam se unir e vincular sua fé às mudanças sociais do país. Erasmo se destacou como um dos maiores líderes evangélicos de seu tempo. 

Bibiano José Ferreira, um dos fundadores do Templo Presbiteriano no Chapeo, e os primeiros cultos religiosos/ Homens de terno escuro vendendo livros pretos


Foram tempos difíceis, pois dos seus primórdios até o estabelecimento definitivo dos trabalhos dos eclesiais na região, os cultos se davam em residências particulares para evitarem que fossem... apedrejados. Em 1901, escrevia o Jornal Diário de Minas, foi muito elogiado o ato do governo suspendendo a proibição dos cultos públicos das congregações protestantes em... Portugal. Até que os ecos das práticas religiosas chegassem ao interior das Minas Gerais, os cultos protestantes eram realizados quase às escondidas.

Assim,  Bibiano José Ferreira recebeu a visita do Pastor Àlvaro Reis em sua casa no Chapeo, em agosto do ano de 1908, onde foi realizado um pequeno culto com sua mulher e seus quatro filhos.

Uma pergunta foi respondida: como Bibiano, batizado na igreja Católica, se converteu ao protestantismo? Loide Lima Loesch nos esclarece: - Bibiano frequentava as missas na Capela do Piracicaba, quando num dos sermões, o padre solicitou que os fiéis "evitassem os homens de terno escuro, vendendo livros de capas pretas".  Segundo ele, "Era coisa do diabo". E como tudo que é proibido desperta a curiosidade, Bibiano foi conhecer pessoalmente os  tais vendedores e assim tomou contato com os primeiros pastores presbiterianos, que também vendiam livros, como mascates, pelo sul de Minas.

A Igreja Presbiteriana do Chapeo ganhava adeptos e também os seus primeiros diáconos. Foram eles Marciano Martins de CastroAdolfo Martins e o próprio Bibiano José Ferreira. Já no início dos trabalhos, em 1906, eles contavam com 85 membros, num total de 6.500 fiéis em todo o Brasil.  Uma vitória para a comunidade presbiteriana, cercada pelos católicos da região da Capela de Santo Antônio do Piracicaba e da Igreja Matriz Nossa Senhora de Mont Serrat de Baependi. Podemos então dizer que uma das primeiras células presbiterianas na região surgiu no Chapeo, posteriormente, foram se expandindo até PiracicabaSengó, município de Pouso Alto e, no ano de 1916, chegaram  a Caxambu.

Em 1913, noticía o jornal O Puritano que Bibiano doara um terreno para a construção de um salão para os Cultos e de um  o cemitério, no Chapeo. Assim, Bibiano José Ferreira, o neto de um dos mais antigos ancestrais da Família Ayres/Lima Loerch, o senhor de escravos João José de Lima e Silva Joana Tereza Ribeiro, escreveu a história, ajudando fundamentar o trabalho dos protestantes na região.

O templo presbiteriano do Chapeo completa 100 anos em setembro de 2018. A comunidade só tem a comemorar.

Fotos:
Arquivo privado da Família de LoideLima/Losch
Fonte:
DIAS, Carlos Alberto -  A FÉ NO CAMINHO DAS ÁGUAS: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA DO PRIMEIRO CENTENARIO DA IPS CAXAMBU - MG, Universidade presbiteriana Mackenzie - Escola Superior de Teologia, 2010.
Anuário  de Minas Gerais para o ano de 1890
School of Theology
Site da Igreja Presbiteriana de Caxambu
Igreja Presbiteriana de Pinheiro
PARANHOS, Paulo, Ruim Mais vai / O desenvolvimento da estrada de ferro no sul de Minas Gerais e a chagada do trem a Caxambu.
MATOS, Alderi Sousa, BREVE HISTÓRIA DO PROTESTANTISMO NO BRASIL.
Wikipedia.
Agradecimentos: 
À Loide Lima Loesch pelas informações que ajudaram a compor este texto e também ao meu antigo colega de escola, Carlos Alberto Dias, da Igreja Presbiteriana de Caxambu, por receber a pesquisadora Graça Pereira Silveira  em sua residência em Caxambu, em abril de 2018, e fornecer preciosas informações e rico material iconográfico, que compõem vários textos deste blog. Agradecimentos também  a Julio Jeha.


quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Nonata Ribeiro Guedes e o mal do século


"Após meses de padecimentos, faleceu hotem, em Caxambu, D. Anna Nonata Ribeiro Guedes, filha de distinta família mineira e virtuosa esposa do Sr. José Maria Costa Guedes, noticiava o jornal O País, do Rio de Janeiro.

Importante figura na história da cidade de Caxambu, Anna Nonata Ribeiro de Carvalho nasceu no dia 3 de agosto de 1856, em Sant'Anna do Capivari, filha de  José Ribeiro de Carvalho e Silva e Marianna Ribeiro de Carvalho. Seu pai foi comerciante em Sant'Ana do Capivari, hoje município de Pouso alto, e proprietário de uma grande rede comercial de distribuição de produtos no sul de Minas Gerais.

Anna Nonata foi a caçula de cinco filhos do casal: Maria Leopoldina de Carvalho, (1894-?); Mariana Ribeiro de Carvalho Filha (1851-1917); Adelina Angela de Carvalho (1853-?); Manoel Ribeiro de Carvalho (1854-?); Ana Nonata Ribeiro de Carvalho (1856-1896).

Nonato, Nonata

O que era para ser um acontecimento feliz no domingo, 3 de agosto, na família dos Ribeiro de Carvalho, se transformou numa grande dor. Marianna, a mãe de Nonata, morreu no parto, inesperadamente, aos 28 anos de idade "sem sacramentos". Na certidão de óbito escrito  consta que "faleceu de encomodos de parto", um choque para todos.

As complicações de parto eram uma das maiores causa-mortis no século passado. Tradicionalmente, os partos e seus cuidados eram deixados às parteiras, mas quando surgiam complicações que exigissem uma intervenção cirúrgica, a ação das parteiras estava longe de ser suficiente.  Profissionais da medicina? Muito raros nos sertões das Minas.  Sendo assim, parir era um ato de alto risco. Os casos mais complicados resultavam na morte da mãe e os recém-nascido.

Morrer no ou em conseqüência dele não era raro. Sua mãe se foi, mas Nonata sobreviveu. O seu nome está associado ao substantivo masculino Nonato, saído do ventre por operação cirúrgica. Outra definição para Nonata é "aquela que ainda estava sendo gerada no ventre da mãe". A criança viveu e cresceu sem mãe.

Marianna ribeiro de Carvalho foi sepultada no interior da Matriz de Santana do Capivari, como era costume na época, em 3 de agosto de 1856. Sua alma foi encomendada pelo Reverendo vigário José Esaú dos Santos. Assim viveu e cresceu Nonata, sem mãe.

Um pai português

Marianna Ribeiro de Carvalho (ao alto à esquerda), irmã de Anna Nonata Ribeiro Guedes
(abaixo à direita); José Ribeiro de Carvalho e Silva (direita abaixo à esquerda)

Seus pais, José Ribeiro de Marianna, se casaram, em 1848, na cidade de Sant'ana do Capivari, e da união nasceram Maria Ribeiro de Carvalho, Mariana Ribeiro de Carvalho, (foto ao alto, à esquerda) Adelina Ângela  de Carvalho, Manoel Ribeiro de Carvalho e Ana Nonata Ribeiro de Carvalho. (foto abaixo à direita)

José Ribeiro era ainda adolescente na cidade do Porto, Portugal, quando foi convocado de Viseu, na cidade do Porto, Portugal, a cooperar com a gerência de negócios de uma importante firma inglesa. A contragosto da família, tomou um navio em direção ao Brasil, em 1843, e aportou no Rio de Janeiro, em busca de maior oportunidades, escrevia o Jornal do Vale do Paraíba do Sul. Ele não gostou do clima da capital e, em 1843, se mudou para Pouso Alto. O clima de montanha o agradou mais, pois se assemelhava ao de sua terra natal e lá sentou bases para o seu negócio. Em 1846, fundou sua casa comercial, em Sant'Ana do Capivari, abrindo filiais no Rio de Janeiro e... em Caxambu.

Ele fez grande fortuna, e como muitos dos comerciantes da época, era benemérito de suas cidades. Fez grandes donativos ao Asilo Visiense da Infância Desvalida, a Câmara Municipal de Viseu, a Santa Casa de Misericórdia de Viseu, em Portugal. No Brasil as doações foram para a Beneficência Portuguesa do Rio de Janeiro, o Governo Imperial, durante a Guerra do Paraguai, a Câmara Municipal de Pouso Alto, a Matriz de Capivari, o Seminário de Mariana. Fez contribuições trimestrais aos párocos de Capivari até sua morte, causada por uma lesão da aorta aos 81 anos.  Ainda hoje é lembrado na cidade.

Destino: Caxambu

E qual seria a ligação de Anna Nonata Ribeiro de Carvalho com a cidade de Caxambu? Ela foi casada com José Maria Costa Guedes, o fundador da Casa Guedes. O pai mandara chamar três portugueses para se casarem com suas filhas: Maria Ribeiro, Mariana e Ana Nonata. No caso de Nonata o casamento não foi tão "arranjado" como o de suas irmãs.  José Maria Costa Guedes era   ajudante de seu pai, de quem se tornou braço direito. Assim teve  a oportunidade de se aproximar de Nonata.

Reynaldo Guedes contou ao jornalista Mauricio Ferreira uma conversa que teria ocorrido entre José Ribeiro e José Maria.

José Ribeiro: - É verdade você quer nos deixar?José Maria: - Efetivamente, vou regressar ao Rio de Janeiro.
José Ribeiro: - Posso saber a razão que o leva a tomar esta atitude?
José Maria: - Eu gosto de sua filha Ana e sou correspondido, mas não me vejo à altura de pretênde-la.
José Ribeiro: - José Maria, você fica e casa com a minha Ana. Você a merece e ela merece você, que é um rapaz digno, honesto, inteligente e muito trabalhador.

O enlace aconteceu no ano de 1874, em Capivari, e eles vieram morar, em Caxambu. O agora marido estaria à frente dos negócios do sogro na cidade. O casal teve 10 filhos. José Maria e Ana consideraram educação como fundamental e os mandaram para internatos Minas afora.

A prole consistia de:
Adelina Guedes (1877-?)
Maria da Conceição Guedes (1878-?)
José Guedes (1879-?)
José Reynaldo Guedes (1883-?)
João Guedes (1884-?)
Leonor Guedes (1885-?)
Alfredo Guedes (1887-?)
Regina Guedes ( )
Sofia Guedes ( )
Laura Guedes ( )

O mal do século


Nonata faleceu antes de seu marido, Costa Guedes, no dia 27 de abril de 1915, de uma doença grave, muito comum na época, a tuberculose. No Brasil muitos escritores do período romântico sofriam de tuberculose e faleceram em decorrência da doença. Esse grupo de poetas ficou conhecida como a "geração do mal-do-século, isto é, da tuberculose.
O pároco José João de Deus ministrou os últimos sacramentos a Anna Nonata, que foi sepultada no jazigo da família Guedes, no Cemitério Municipal de Caxambu. Seu obituário foi publicado nos jornais do Rio de Janeiro, Gazeta de Notícias, Jornal do Brasil e O País.
Foto:
Arquivo privado da Família Costa Guedes
Fonte:
Familia Search
Jornal Vale do Paraíba e Sul de Minas, 2000
Agradecimentos: 
A Izabela Jamal Guedes, bisneta de Ana Nonata Guedes pelo apoio e fornecimento das informações que deram origem a vários textos deste Blog.
Agradecimentos a Julio Jeha.


domingo, 5 de agosto de 2018

A primeira missa na capela Nossa Senhora dos Remédios / Um copo d'agua no Casarão Guedes




A primeira missa conventual na nova capela Nossa Senhora dos Remédios foi celebrada por José Silvério Nogueira da Luz, o primeiro pároco oficial. O dia 10 de outubro 1886, um domingo.   Conventual vem de convento e se refere à missa que faz parte do Oficio Cotidiano, ou missa da comunidade celebrada diariamente.

Como não havia ainda casa paroquial, José Silvério Nogueira da Luz ficou hospedado na casa de.... José Maria Costa Guedes por cerca de dois anos, "mantido sob subscripção popular". Isso mesmo, naquele casarão pertencente ainda hoje à família Guedes, que, por consciência de história e memória, o tem preservado por gerações. 

Naquela manhã  dominical, os fiéis acompanharam o padre com banda de música até a capela, segundo noticiou O Baependiano. Havia uma bucólica pracinha arborizada, harmonizando com a silhueta da igreja e o casario ao redor. A pracinha foi patrocinada por Costa Guedes, que mandou mover e remover terra, modelando a colina e plantando árvores. Com um pouco de fantasia refazemos as cenas da comitiva em cortejo, atravessando o largo da igreja. No final, "depois da missa o acompanham até-la (o Casarão Guedes), havendo depois um copo d'agua". No dicionário Houaiss, a expressão "copo d'agua" significa "pequena reunião com doces, bebidas etc., oferecida por amigos, para homenagear alguém". Assim era.
Fonte:
O Baependiano
Agradecimentos: 
Julio Jeha

domingo, 29 de julho de 2018

Crime no Casarão Guedes / Quem matou Manoel Rodrigues Jardim?



E de susto em susto a gente vai descobrindo histórias e mais histórias. Hoje o Blog da Família Ayres auxiliado por Izabela Jamal Guedes, a bisneta de Costa Guedes, reconta um crime.

Numa sexta-feira, 27 de marco de 1891, no Casarão Guedes um morto jazia estendido no chão. Um único tiro acertou e feriu mortalmente Manoel Rodrigues Jardim. Do morto sabemos apenas que tinha trinta anos, era casado e tinha filhos - não sabemos quantos.

Por ser uma pessoa conhecida na cidade e na Corte do Rio de Janeiro, Costa Guedes ficou numa situação difícil, pois o assassinato ocorrera dentro do seu estabelecimento. O crime o abalou tanto, que ele fez publicar uma longa nota no jornal Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, lamentando o ocorrido. 

Na nota publicada, Costa Guedes comunica que iria cumprir o dever como depositário de "importante soma a favor das infelizes vitimas", feita por cidadãos de Caxambu e Baependi.

No assento de óbito está acrescido "desastre". Fica aqui a pergunta: fora mesmo um tiro acidental? Quem matou Manoel Rodrigues Jardim?

Foto:
Família Search
Fonte: 
Gazeta de Notícias, 1891, RJ

Agradecimentos especiais a Julio Jeha

sexta-feira, 27 de julho de 2018

Trin-trin!! O primeiro telefone de Caxambu


Vou começar pela evolução que se nota no nosso abençoado Caxambu, que como se vê  está tomando o aspecto de uma villa que caminha para o futuro de cidade; é assim que, além das magnificas construções que já possui, e da tendência bem caracterisada que há de aumento o número de cidadãos que desejam edificar, já tem um melhoramento que muitas vilas e cidades não gozara - telefhono! (1)

E o primeiro telefone que tocou na cidade soou onde? Claro, na loja do senhor Costa Guedes, em 30 de setembro de 1888, num domingo. Dez anos antes, o telefone tocara pela primeira vez no Brasil, no Palácio da Quinta da Boa Vista,  no Rio de Janeiro. A inauguração efetiva da telefonia no Brasil se deu em 1877, quando D. Pedro II ordenou que as residências de seus ministros fossem interligadas por telefones.

Na casa dos Guedes houve festa, banda de música em uniforme de gala, regida por Zeferino Mota e muitos foguetes. Toda a gente do povoado veio saudar a inauguração do aparelho, que o redator Amaro Nogueira do jornal O Baependiano considerou um grande melhoramento para a cidade e uma excelente propaganda para a loja. A sua instalação se deu tão rapidamente que ele se deu conta da novidade somente quando arrebentou o foguetório em frente à loja, próximo a redação de seu jornal.

Na época José Maria da Costa Guedes organizou uma companhia própria, tendo como sócio e técnico Venâncio da Rocha Figueiredo, o mesmo que fez a captação das fontes das águas do parque. Assim foi possível instalar outros aparelhos. O telefone foi de grande utilidade para a cidade, funcionando como ponto de envio e recebimento de informações. O procedimento era complicado, se compararmos com as possibilidades de nos comunicarmos nos dias de hoje. Vamos lá.

Como funcionava?

Era assim. Os telegramas eram transmitidos em código Morse, um sistema binário de representação de letras e algarismos transmitidos em som longos e curtos, intermitentes, desenvolvido por Samuel Morse em 1835. As mensagens procediam do Rio de Janeiro e São Paulo para os hotéis, solicitando reservas, por exemplo. Então eram expedidos para a Agência de Telefonia de Soledade e, de lá, os recados eram transmitidos por telefone para o posto em Caxambu que era na... Casa Costa Guedes. Os hoteleiros recebiam os recados e assim as reservas nos hotéis eram feitas. Simples assim. A possibilidade de se comunicar "tão rapidamente" fez com que outras cidades como Baependi, Conceição do Rio Verde e Três Corações copiassem o modelo com sucesso, prestando um grande serviço de comunicação às povoações.
Mais uma vez, a Casa Guedes foi o centro das atenções de nossa cidade. Ela ainda está lá!
Foto:
Arquivo privado da Família Guedes
Fonte:
(1) O Baependiano
100 anos na mesma casa, in Jornal do Brasil
Agradecimentos:
Agradecimentos muito especiais à Izabela Jamal Guedes, que os proporcionou fotos e documentos, bem como seu relato ao nosso Blog.
Agradecimentos também a Julio Jeha.

sexta-feira, 20 de julho de 2018

Na selva/ Lembranças do Parque das Águas de Caxambu


O bosque, passeio muito apreciável, principalmente nas horas mais quentes do dia, está situado na frauda do morro: uma rua, apenas, o separa do parque. Por um caminho largo, sombreado sempre, contorna-se todo o lado leste do Caxambú, gozando-se de uma deliciosa temperatura.

Assim escrevia Henrique Monat em seu livro Caxambu, publicado, em 1894. Na foto a referida  rua fica bem atras das árvores frondosas, onde as meninas posaram para eternidade. Hoje a rua faz parte da área do Parque. Como prêmio de uma gincana, os alunos do 3° ano do 2° grau do Colégio Leopoldo do Rio de Janeiro, ganharam uma viagem a Caxambu e fizeram uma visita ao Parque das Águas em 1980. Adriana Gonçalves Ayres tirou a foto do baú e aí estão: Angela Danielle e Fatima Alvarenga.

Para quem não  conhece Adriana Gonçalves Ayres,  lá vai sua árvore genealógica:

Ela filha de Jorge Ayres; que é filho de Geralda Ayres  (sua avó); que é filha de José Ayres  e Alzira Ayres (seus bisavós); filho de Gervásia da Conceição/ Ayres, casada com José Ayres de Lima (seus trisavós), o Trançador-filho, (filho de José Fernandes Ayres, o Trançador-Pai que deu origem ao Bairro Trançador de Caxambu), casado com Maria de Lima (seus tataravós, avós de 4° grau); filha de João José de Lima Silva e Joana Thereza Ribeiro (seus avós de 5° grau).

Gervasia é sua trisavó que era filha de Sabina da Conceição, ex-escrava (sua tataravó); que era filha de Justinianna da Conceição (sua avó de 5° grau); que foi escrava de João José de Lima Silva, (seu avó de 5°grau) um senhor dos escravos; que foi mais tarde escrava de João Ferreira Simões.

Para ler mais cliquem abaixo e conferir as biografias de seus antepassados

Foto:
Arquivo privado de Adriana Goncalves Ayres

domingo, 15 de julho de 2018

A Casa Guedes e sua história /José Maria Costa Guedes, a "mola real" da cidade de Caxambu


Hoje o Blog da Família Ayres tem a honra de poder contar a história de um português, um dos mais caxambuenses que se conheceu: José Maria Costa Guedes. Ele foi um dos cidadãos que mais trabalharam em prol da pequena Caxambu, quando ela ainda não era cidade. Dos seus muitos legados, o Casarão Guedes, no largo da Igreja, não somente abrigou seus descendentes, mas também foi palco da história, além de ser a marca arquitetônica da cidade.

"Com suas 51 janelas externas em madeira de lei maciça, todo construído em alvenaria e pedra em estilo colonial português e de 2 pavimentos contando 12 quartos, três grandes salões, 1 sala a nos falar da história doutros tempos que aquelas sacadas deslumbrantes, foram testemunhas oculares pois viram nascer e crescer a nossa Caxambu". Assim escreveu o jornalista  Maurício Ferreira.

 O filho do Marquês de Vila Nova de Gaia

José Maria Costa Guedes nasceu em 1 de novembro de 1852, foi batizado em 8 de novembro de 1852 e chegou ao Brasil em 1874, provindo de Vila Pouca Aguiar, da antiga província Trás-os- Montes, e Alto DouroPortugal. Nos registros de batismo, Costa Guedes constava como filho de José Guedes Teixeira  e Leonor da Costa. O pai verdadeiro era de origem nobre, o Marques de Vila Nova de Gaia, que não assumiu a paternidade. Leonor, mãe solteira, casou-se com José Guedes Teixeira, que lhe deu o sobrenome.

Jovem, resolveu imigrar para o Brasil, como muitos de seus conterrâneos, até porque a ligação afetiva  com seu pai adotivo não era tão forte. Assim  foi contado na família.  Embora o grande ciclo do ouro e diamantes tivesse passado, o Brasil ainda era a terra prometida, ainda mais para jovens talentosos para o comércio como ele.

A bordo do navio inglês Mennom chegou ao porto do Rio de Janeiro em 1° de abril de 1874. No seu passaporte, emitido em 6 de março do mesmo ano, consta que ele tinha 21 anos e trabalhava como "caixeiro", isto é, comerciante; tinha 1,65 m de altura, cabelos, sobrancelhas e olhos castanhos escuros, nariz e boca "regulares", cor "natural" e alguns "sinais pretos no rosto e pescoço". Ah,  sabia escrever.


Sorte nos negócios 

Costa Guedes residiu por pouco tempo na cidade do Rio de Janeiro, como muitos imigrantes dedicando-se ao comércio. Em seguida, foi para Sant'Ana do Capivari, onde conheceu José Ribeiro de Carvalho, proprietário do maior "empório comercial", como era dito, de todo o Sul de Minas, a Casa Capivari, no município de Pouso Alto. Tal como outras povoações, Sant`Ana do Capivari situava-se ao longo da Estrada Real, por onde tropeiros levavam mercadorias para abastecer o interior das Minas Gerais, abastecendo ainda aos estados do Rio de Janeiro e São Paulo.

José Ribeiro gostou do moço, o caixeiro viajante, e confiou-lhe a casa de negócios que tinha em Caxambu. Costa Guedes se tornou o seu braço direito. Ele iria mais tarde assumir a filial na povoação em substituição Caetano de Lima Mattos que regressou a Portugal. A firma original, que tinha sede em Sant'Anna do Capivari, era composta pelos seus genros e se chamava José Ribeiro & Genros. Eram eles: João de Souza FerreiraCustódio Olívio de Freitas Ferraz e... José Maria Costa Guedes. Em 1880 a firma se desmembrou sendo a de Capivari renomeada José Ribeiro & Cia  e, a de Caxambu, Costa Guedes & Cia. Sorte nos negócios.

O Casarão



A história de como Costa Guedes construiu o Casarão esta relacionada aos primeiros de homens de  negócios de Caxambu.

Uma das primeiras casas comerciais da cidade pertenceu a Caetano de Mattos, na esquina onde ficava o Parque Hotel e hoje se encontram as barraquinhas, ao lado do prédio da antiga Radio Caxambu, em frente à Praça 16 de Setembro (foto ao alto). Caetano expandiu seus negócios e construiu outra casa, no largo da Matriz, a futura Casa Guedes. Era um imóvel com um pequeno jardim na frente, tendo uma cruz pintada na parede, e por isso era camada Casa do Cruzeiro. Tempos depois, o comerciante português, natural de Viseu, José Ribeiro de Carvalho, de Sant'Ana do Capivari,  associou-se a Caetano, fez melhoramentos no prédio e ampliou os negócios.

Mas a Casa do Cruzeiro não foi ponto comercial pioneiro da cidade. O primeiro fora uma casinha situada onde é hoje a Fonte Magnesiana, de "género do país e molhados" de propriedade de José Baptista, que foi vendida mais tarde para Teixeira Leal. O prédio foi demolido e, no lugar, surgiu a fonte.

Por um triz, sorte no amor


José Ribeiro: - É verdade que você quer nos deixar?
José Maria:  - Efetivamente, vou regressar ao Rio de Janeiro.
José Ribeiro: - Posso saber a razão que o leva a tomar esta atitude?
José Maria: - Eu gosto de sua filha Ana e sou correspondido, mas não me vejo à altura de pretendê-la.
José Ribeiro: - José Maria, você fica e casa com minha Ana. Você a merece e ela merece você. É um rapaz digno, honesto, inteligente e muito trabalhador.

O diálogo entre José Ribeiro e Costa Guedes foi recontado pelo filho Reynaldo Guedes ao jornalista Mauricio Ferreira e assim pudemos saber que Costa Guedes quase ia deixando Caxambu. Quase. Então? Sorte no amor.

O seu casamento com Anna Nonata Ribeiro aconteceu em 25 de julho de 1876, em Sant'Ana do Capivari. O casal  foi morar na promissora Caxambu, que ainda era chamada de Paróquia Nossa Senhora dos Remédios. Nove meses depois do enlace, nasce Adelina Guedes, em 14 julho de 1877, batizada em 6 janeiro de 1878, na Capela Nossa Senhora dos Remédios. Adelina teve como padrinhos o avô José Ribeiro e a tia Adelina Angela de Carvalho, de quem recebeu o nome, costume comum na época. Na histórica foto de 1890, os sete filhos estão em frente ao casarão. Vêem-se ao fundo clientes, passantes e, possivelmente, funcionários. Outros filhos vieram ao mundo:


Maria da Conceição  Guedes, nascida em 22 de dezembro de 1878;  batizada em 21 de setembro de 1879;
José Guedes, nascido em 28 abril 1879; batizado em 8 junho de 1880;
José Reynaldo Guedes nascido em 27 abril 1883; batizado em 15 setembro 1883;
João Guedes nascido em 16 de maio de 1884; batizado em 4 setembro 1884;
Leonor Guedes, nascida em 3 de outubro de 1885; batizada em 28 de outubro 1885;
Alfredo Guedes, nascida em 7 dezembro de 1887; batizado em 6 janeiro de 1888;
Regina Guedes (?-?)
Sofia Guedes (?-?)
Laura Guedes (?-?)

Os filhos foram educados nos melhores colégios da época: Adelina e Maria estudaram no Colégio Campos, no Rio de Janeiro; Leonor, Sofia e Laura, no Nossa Senhora do Sion, em Campanha;   José, Reynaldo, João e Alfredo, no Colégio São Joaquim, em Lorena.

A Mola Real

José Maria Costa Guedes foi um grande empreendedor e tinha uma carinho especial pela capelinha, onde fora batizada sua primeira filha. Não só patrocinou suas obras, como também comprou as imagens dos Santos que estão na atual Igreja Matriz Nossa Senhora dos Remédios. Ele contribuiu ainda com outras obras na cidade. Foi ele quem doou o terreno em volta da Igreja para abertura de rua, a Travessas Nossa Senhora dos Remédios, além de patrocinar uma paixão: o teatro. Em 1879,  aparece fazendo contribuindo para a construção da ponte sobre o Bengo, na administração de Mateus Correia Batista, no valor de 5$000 reis.

Ele era daqueles que tomava muitas iniciativas por conta própria. O jornal O Baependiano, de 1882, noticia a existência de formigueiros no terreno da Capela e, antes que o poder público tomasse providencias, o seu Costa Guedes já tinha dado cabo das saúvas. Noticiava O Baependiano:

Concluindo esta breve notícia, faremos nossas homenagens ao Sr. José Maria da Costa Guedes, que a tempos desta parte tem se tornado a mola real das proveitosas festas que fazem Caxambu, e melhorado muito o estado da capellinha e de suas alfaias.

Um Festival de Teatro, uma indústria têxtil, um asilo para idosos, uma empresa de água mineral, um hipódromo, uma vereança,  os inundados da Itália e... um infalível remédio para calos.

No início do século, ele e outros conhecidos nomes da política nacional constituíram um grupo social, "as pedras angulares do passado social da estancia", escrevia o historiador Floriano Lemos. De fato. Ele não parava. A lista é longa, e Costa Guedes não conhecia avareza quando se tratava de ser solidário. Em 1883, consta da lista de contribuição para os "inundados da Itália". Inundados da Itália? Sim. Naquele ano, a Europa fora atingida por fortes chuvas, e o norte da Italia sofrera graves danos.

Em 1884, participou da comitiva para receber D. Gastão, príncipe de Orleans, consorte do Brasil e  conde D`Eu, na povoação. Uma banda foi contratada para a recepção,  e claro, às expensas de Costa Guedes. O príncipe veio visitar o local que fora escolhido para a construção da Igreja de Santa Isabel da Hungria. Depois do passeio até o Cruzeiro, foram jantar no Hotel João Carlos.

No ano seguinte, como procurador da povoação, promoveu obras de aterros no largo da Igreja, além de providenciar o plantio de arvores, transformando o local uma praça. Ah, a bela pracinha!Tudo isso de uma vez. Costa Guedes não parava.

Toma a iniciativa de construir o Asilo Nossa Senhora dos Remédios em 1886. Este projeto parece que não foi à frente, e demanda maiores pesquisas. No mesmo ano, realiza-se a primeira reunião da Assembléia Geral Ordinária da Companhia das Águas Mineraes de Caxambu e Contendas, tcom sede na povoação. Os acionistas? Antonio Penha de Andrade, Coronel Justo Maciel, Dr. Polycarpio Rodrigues Viotti, Barão de Caldas e... José Maria Costa Guedes, que assumiu a comissão fiscal. Era uma das primeiras tentativas de exploração comercial das águas minerais na terrinha. Podemos dizer que a vida de Costa Guedes era dividida entre os afazeres do comércio, cerimônias religiosas e atividade política.

Em 1890, houve a iniciativa de criar a primeira industria têxtil em Baependi. Em sociedade com Antônio Policarpo de Meirelles Enout, Costa Guedes compra um terreno, situado próximo à cachoeira do Ribeirão. Eles esperavam plantar algodão e criar carneiros para fornecimento de matéria-prima para o empreendimento. Do resultado da empreitada não se tem notícias. Ainda no mesmo ano houve a liquidação da Companhia das Águas Minerais de Caxambu e Contendas. O encarregado da liquidação: José Maria da Costa Guedes. Quem mais? Ele era o homem das finanças, - ninguém mais sério e honesto que Costa Guedes.

Em fevereiro de 1890, com o dr Maciel e o juiz de direito Torquato, formaram uma sociedade  de corrida de cavalos denominada Derby Caxambuense, que durou  6 anos.

Os Calos

Em 1889, Pedro Silveira Nogueira da Luz, gerente do Hotel da Companhia das Águas de Caxambu e Contendendas faz propaganda de um remédio "infalível contra calos", chamado Maynardina, descoberto por Joaquim Furnello Lopes. Cita como referência de sua credibilidade, quase como um avalista, o... "guarda-livros de Costa Guedes", confirmando o que disse David Nasser no seu livro Portugal meu avozinho: " Guedes era certificado de boa qualidade".

Em direção à Europa

Provavelmente já planejando se ausentar, em 26 de janeiro de 1892, anuncia no Jornal do Comercio do Rio de Janeiro que "deu interesse na sua casa comercial ao seu antigo empregado Raul de Castro Mendes", deixando-o à frente dos negócios. Em 16 maio de 1893, embarca no vapor Paquete Thames em direção à Europa, para tratar  da saúde. Após cinco meses de ausência, retorna. Estaria ele com os sintomas da doença que o iria abater?  Pois a vida seguiu, e ele esteve ainda nos próximos 18 anos muito ocupado. Na bagagem, ele trouxe de Portugal algumas imagens dos santos que compõem o acervo da Igreja Matriz de  Nossa Senhora dos Remédios.

Em 1898, é eleito "vereador especial" e, em 1901, torna-se um dos primeiros vereadores da  primeira Camara de Caxambu, que se emancipara de Baependi. Assina com outros comerciantes da região, um protesto contra o aumento dos impostos sobre o tabaco, que, segundo eles "traria o desânimo" para  as lavouras  e, claro, o seu comércio.

Nas próximas duas décadas, Costa Guedes empreenderia várias viagens ao Rio de Janeiro, tornadas mais fáceis pela chegada do trem até Caxambu, ficando hospedado em diversas ocasiões, 1907, julho 1909,  em agosto e novembro de 1910, no Hotel dos Estados. Com os filhos estudando em colégios, era obrigado a levá-los a Campanha, Lorena e Rio de Janeiro, e de lá trazê-los .

Como presidente da Comissão Portuguesa de Caxambu, a chamada "Pró-Pátria", organizou um Festival de Teatro em Caxambu, que, acreditem, arrecadou  l.050$000 - um conto e cinquenta mil réis - , acrescido das contribuições de proeminentes figuras da vida política da cidade, como Polycarpo ViottiDomingos Gonçalves de Mello.  Em 9 de abril de 1916, foi pessoalmente entregar o dinheiro arrecadado à Cruz Vermelha Internacional, fundos estes destinados ao atendimento dos filhos portugueses envolvidos na Primeira Guerra Mundial. Soledade além mares.

Sua querida cidade, seu descanso final

José Maria Costa Guedes chegou a presenciar o florescimento de Caxambu, com o início das obras no governo de Camilo Soares (1916-1920). Faleceu durante uma cirurgia  29 dias após completar o seu 68° aniversário, no hospital da Beneficência Portuguesa, no Rio de Janeiro, do qual ele também era  benemérito, em 29 de novembro de 1920, sendo sepultado no cemitério de são João Batista. Segundo relatos na família, ele teria sido vítima de câncer intestinal. Anos depois, a família providenciou a transferência dos seus restos mortais para seu último lugar de descanso, o Cemitério Nossa Senhora dos Remédios na sua tão querida cidade Caxambu.

Termino com a frase de minha colega do Colégio Normal Santa Terezinha, bisneta de Costa Guedes, Izabela Jamal Guedes, que muito contribuiu com informações para recuperar a memória do seu bisavô: "Sei do que me contavam.. quem podia contar melhor, já morreu."

Fontes:
O Baependiano (1)
Family Search
Anais da Camara dos deputados- sessão em 16 de dezembro de 1898.
Correio da Manhã, 1920
O Fluminense, 1889
O País, 1920
O Jornal, 1920
O imparcial, 1910/1916
Gazeta de notícias, 1910/1919
O Tempo, 1893
A Notícia, 1898.
Lemos, Floriano - Crônicas publicado no Correio de Manha, 1941.
Arquivo privado da família Guedes
FERREIRA, Maurício, recorte de jornal enviado por Izabela Guedes.
LEMOS, Maria de Lourdes - Caxambu: de Água Santa a Patrimonio Estadual, rio de Janeiro, 2007.
Cem anos na mesma casa, in Revista Cruzeiro.
MASIUS Patrick, Risiko und Chance - Das Jahrhunderthochwasser am Rhein 1882/1883 - Eine umweltgeschichtliche Betrachtung - Universität Göttingen, 2013.
Agradecimentos:
Agradecimentos muito especiais a Julio Jeha.

domingo, 10 de junho de 2018

O engenho e a roda do engenho no Chapeo/ Muita água e história passou por esse moínho



E contudo, entre o passado, mesmo longínquo, e o presente nunca há ruptura total, descontinuidade absoluta ou, se se preferir, uma não contaminação. As experiências do passado prolongam-se incessantemente na vida presente, alargam-na (...). Enfim, esta dialética - passado, presente; presente, passado é, com certeza, pura e simplesmente, o coração, a razão de ser da própria história (Braudel, 1986:53). (1)

E se não fossem as surpresas dos registros... uma roda de engenho? Absolutamente uma relíquia dos tempos, que liga o presente ao nosso passado, uma prova concreta de que os nossos antepassados a construíram, com ela trabalharam, ganharam a vida e criaram os seus filhos. Graças a ela a família Lima pode comer, ir à escola.

"Onde quer que se localizassem, os moinhos cumpriam um importante papel nas suas paragens, fornecendo o fubá, para a confecção de bolos, broas, sopas e o angu - cujo papel sempre foi destacado na alimentação de escravos negros. Da moagem realizada nesse rústico maquinismo, provinha também a quirera (ou canjiquinha, como é chamada em Minas Grais), fundamental na criação de porcos, cavalos e aves domésticas." (1)

O doce-amargo sabor da escravidão

A origem do moinho hidráulico remonta à antiga Grécia. Ele foi um dos elementos marcantes nas paisagens rurais das Minas Gerais. Estava presente nas grandes e pequenas propriedades e foi parte importante da estrutura agrária do Sudeste brasileiro.

O primeiro engenho construído no Brasil que se tem notícia foi em Pernambuco no ano de 1516, destinado à fabricação de açúcar. A partir de 1530, os donatários das Capitanias iniciaram a implementação de engenhos para atender a grande demanda do produto, e assim iniciou o povoamento em torno deles. Para o trabalho, tentaram escravizar, sem sucesso, os indígenas. Então optaram por importar escravos da África. O subproduto da fabricação do açúcar, a cachaça, foi moeda de troca no comércio de escravos. O doce-amargo sabor da escravidão...

Os engenhos possuíam diferentes características. Havia unidades de moer cana, de descaroçar algodão, de triturar minério e limpar cerais - engenhos de pilões, de beneficiamento do milho - engenho de fubá ou moinho d`agua e os engenhos de serra. Os engenhos de água eram de construção mais complexa que os movidos por tração animal, e sua manutenção, dispendiosa. Tinham, porém, maior capacidade produtiva que os de tração animal. Para a sua construção era necessária, além da matéria prima, madeira de grande resistência à água, como a cabreúva, a cangerana, a canela-preta, angahi-rajado, com as quais eram confeccionadas a parte central dos moinhos. Era preciso, também, um bom carpinteiro. 

Já os moinhos de pedra eram compostos por pedras de grande resistência com sulcos para melhorar a moagem dos grãos, denominadas mós. O relevo acidentado da região e a água em abundância da região do Chapeo possibilitaram Pedro ter os dois sistemas: a unidade de moenda de cana, com a grande roda de madeira, e a moenda de pedra, na casa atrás. (fotos).

João José de Lima e Silva, a roda da vida

E aqui voltamos a João José de Lima e Silva (1798-1875) o mais antigo ancestral da Família Ayres/Lima/Loesch e suas ramificações, para explicar as coisas.

O nosso tataravô se mudou de Pouso Alto para o Chapeo por volta de 1854. Até o seu falecimento, em 1875, eles tiveram que conviver com a conturbada política da região. Os movimentos abolicionistas chacoalhavam a Província, e a insatisfação com a possível falta de braços para tocar as lavouras levava os produtores agrícolas a temer pelo seu futuro. Eles claro, eram parte da história. Com um plantel superior a 20 escravos, sua propriedade podia ser considerada de médio porte. Nela havia criação de animais, cultivo do milho, feijão, arroz, algodão, café e fumo. Este último que ajudou Baependi a tornar-se famosa, pela qualidade de seu tabaco.

Na história, a Comarca do Rio das Mortes, unidade administrativa no tempo do Brasil-Colonial na qual Baependi estava inserida, foi considerada de alto nível de desenvolvimento econômico. O indicador eram os plantéis de escravos. Numa tabela da presença de escravos e tamanho dos plantéis da primeira metade do século XVIII, baseados nos inventários das comarcas de Ouro Preto e Rio das Velhas, constava que os possuidores de até 20 escravos significavam 27,4% na estrutura econômica. João José  fazia parte dela. O moinho então significava para a Família Lima ferramenta de trabalho, e acredito que a roda desse moinho tenha servido a várias gerações, desde João José de Lima e Silva Pedro e Lina.

Então vieram novos tempos. O Brasil não era mais colônia, a escravidão chegou ao fim e o Brasil foi, mesmo que lentamente, se transformando. Muitos engenhos foram desativados pela carência de braços cativos, e as grandes demandas de açúcar já não existiam. Mesmo com as mudanças econômicas, os moinhos, suas rodas e pedras tiveram ainda uma vida longa em Minas Gerais. Eles estariam vinculados à produção para o consumo próprio, e o pequeno excedente era comercializado na região até os anos de 1960.

Os engenhos de Minas e as Minas dos engenhos



Na propriedade de Pedro Francisco de Lima e Lina Amélia de Lima era praticada a agricultura familiar, uma comprovação da continuidade das atividades econômicas exercidas por seus antepassados. Pedro Francisco foi descendente de Francisco Ignacio de Lima, neto de José Ignacio de Lima e bisneto de João  José de Lima e Silva.

O moinho ainda era parte integrante dessas atividades. Com a cana moída no engenho era fabricada rapadura, bem como o fubá, moído no pequeno engenho de pedra. Eles tinham uma pequena criação de gado e aves, fabricavam queijo, principalmente para os hotéis de Caxambu, na alta temporada. Os produtos eram transportados como nos tempos do Brasil colonial, no lombo de cavalos, até que chegou a modernidade. Pedro foi o primeiro lá do Chapeo a adquirir um veículo motorizado, um Jeep, e assim as mercadorias chegavam rapidamente ao seu destino.

Nas ancas do burro

Assim lembra Antonio Claret Maciel Santos:

A Venda de meu pai, Joaquim dos Santos que existiu da década de 30 até 1960, na Rua Teixeira Leal, era ponto exclusivo e único na comercialização de fubá moído em moinho de pedra acionado por água, produzido no Chapéo pelo "Seu" Pedro que semanalmente trazia um saco cheio dentro de um jacá de bambu  nas ancas de um burro. O produto era vendido rapidamente. Como clientes fiéis me lembro de Rangel Viotti e José Bráulio Junqueira que pedia o produto do interior de seu "rabo de peixe", quando voltava de sua chácara, nos fundos do Parque da Exposição. Esse "seu" Pedro era presbiteriano.

Para a nossa tristeza o moinho de madeira foi vendido. Ainda bem que Loide Lima/Losch o fotografou, provando que de fato ele existiu, e assim pudemos contar a sua história. O moinho de pedra, ah, esse fará parte de uma outra reportagem. 
Fotos:
Arquivo privado da Familia Lima/Loesch
Na foto, Carolina e Fernando, em 1980, filhos de Loide Lima Loesch.
Fonte:
(1) ANDRADE, Francisco de Carvalho Dias, in - A presença dos moinhos hidráulicos no Brasil - tese de Doutorado, 2015.
(2) GODOY, Marcelo Magalhães, in No país das minas de ouro a paisagem vertia engenhos de casa e casa de negócio - Um estudo das atividades agroaçucareiras tradicionais mineiras, entre o Setecentos e o Novecentos, e do complexo mercantil da província de Minas Gerais.
Agradecimentos:
Agradecimentos muitíssimos especiais ao meu contemporâneo Julio Jeha e a Antonio Claret Maciel Santos que com suas lembranças, complementa a nossa história, comentado no Facebook e transcrito no nosso texto.