quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Arqueologia urbana/ S.A. Meca - Comércio e Indústria/Caxambu na era da geladeira e do rádio


Em 22 de abril de 1955, José Ayres foi enviado ao Departamento Frigidaire da General Motors do Brasil a São Caetano do Sul, São Paulo, para fazer um curso de refrigeração. Parece que a firma S.A. Meca – Comércio e Indústria, com loja na avenida Camilo Solares, 212/248, em Caxambu, tinha feito a inscrição dele no tal curso para depois ser eletricista e fazer reparos nas geladeiras, caso dessem defeito. A loja tinha dois endereços, talvez duas filiais em Caxambu, com representação temporária em Baependi, sendo  Miguel Donglache o diretor-presidente e Manuel Ruas Fernandes o diretor-tesoureiro.

A loja vendia não somente refrigeradores, mas também os mais modernos rádios, modelos de... 5 válvulas, que captavam "ondas curtas e longas", e que hoje ninguém sabe mais do que se trata. Em 1955 era o "aperfeiçoamento da técnica moderna". Mas meu pai não gostava de consertar rádio, nem refrigeradores. A bem dizer, ele detestava os pequenos trabalhos, gostava mesmo era de grandes projetos, como a construção de usinas nas fazendas da redondezas. 

Na conclusão do curso, a foto para a galeria.

José Ayres, segundo de óculos, na fila ao alto, da direita para a esquerda
em frente à fábrica da General Motor do Brasil
em São Caetano do Sul, São Paulo




Vou à Meca/ De brigas à futebol

E as histórias não acabam. E como o blog é interativo, estamos aqui acrescentando as memórias do nosso colaborador Antonio Claret Maciel Santos, que vira e mexe traz umas e outras. Conta Claret que na década de 60 não existia mais a "Meca", mas o prédio era lá onde hoje é a funerária. A Meca era conhecida dele como ponto de brigas entre alunos do  Ginásio dos Padres. Diz ele que assistiu "alguns embates previamente anunciados" como: "vou te esperar na Meca", e que de fato, aconteciam. O "Vou à Meca" era ir para a arena. Uau!

Dil Sacramento lembra da Meca, mas no tempo que outro inquilino ocupada o prédio, o "Bar Mutação". A Meca era um comércio próspero e farto. Logo acima do hotel União funcionava outro bom comércio de Caxambu, a "Casa Rosado". Outro que veio dar seu pitaco foi Roberto Mendes Paiva. Ele lembrou da agencia Chevrolet, onde vendia pianos, cujo dono era o senhor Dugleche, o mesmo dono da Meca. Já o Fabio Sarabion Machado lembra que perto da Meca ficava a casa onde residia a família do senhor José Olinto Aguiar, e ao lado um campinho de futebol, e quase semanalmente era frequentado: iam "jogar na Meca" contra o time do José Olinto que era composto por ele e os filhos. O Claudio Eduardo Gomes Nogueira lembra das... botinadas do José Olinto "para todo o lado". Ai, ai seu Olinto. Isto tudo porque achei um recibo da Meca, perdido nos meus guardados.
Obrigado a todos pela colaboração.

Foto:
Arquivo privado da família Ayres
Fonte:
O Patriota
Correio da Manhã, 1956

sábado, 15 de outubro de 2022

Elisa de Andrade/ A primeira professora da povoação do Caxambu/Memórias de uma educadora, tia do modernista Oswald de Andrade

Hoje vamos escrever uma pequena biografia da professora Elisa Noronha de Andrade. Primeira professora da povoação de Caxambu, Elisa fundou uma das primeiras escolas para meninas. O resgate de sua memórias teve início quando a minha tia Célia Ayres, a nossa biblioteca familiar, relatou que suas irmãs, as tias Mercedes Ayres/Soller, Palmira Ayres /Rodigues e Silvia Ayres/Diório, bem como os seus irmãos, os tios, Josino Ayres, Silvio Ayres, Samuel Ayres de Lima, Luiz Ayres de Lima e José Ayres, meu pai, aprenderam as primeiras letras com ela. 

A escola funcionava na casa de Elisa, onde morava com a irmã Olívia de Nogueira de Andrade (1863-1944). Era um casarão de muitas janelas, lembra tia Célia, num terreno livre que ia até o Bengo. "O casarao era compriiiido", acentuava. "Era como um casarão tipo fazenda. Tinha duas janelas, uma porta, mais duas janelas, uma porta. Os quartos da casa foram transformados em salas de aula. Quando se pedia um lugar para estudar, sempre tinha", relata. O prédio ficava na hoje rua Plínio Mota e foi demolido em data desconhecida. No local foi erguido o Mercado de Caxambu, que, infelizmente, tampouco existe mais (foto abaixo na posição marcada). Elisa era considerada por minha tia como a desbravadora no que diz respeito ao ensino na cidade. 

Neta de 5° grau de Thomé Rodrigues do Ó/ Uma moça toda de azul

Elisa de Andrade, a primogênita, nasceu em 9 de outubro de 1842, foi batizada em 20 de novembro na Igreja Matriz de Baependi, filha de Hypólito José de Andrade (1816-1906) e Antônia Nogueira Meireles (1822-?) Eles pertenciam à tradicional família dos Nogueiras e Meireles de Baependi, de origem paulistana. Seus bisavós vieram de São João del Rei, seus avós de quarto grau eram portugueses, e seu avô de 5° grau, Thomé Rodrigues do Ó (1674-1708), foi um dos fundadores de Baependi.

Elisa de Andrade estava nos seus dourados 23 anos quando participou das festividades da princesa Izabel em Caxambu e Baependi, em 15 de dezembro de 1868. Da festa de recepção soubemos até a cor do vestido que ela usava: azul! O vestido era de taranta muito fino, azul claro, com palmas de seda frouxa, decotado, com mangas curtas de filo, franzidas, debaixo de outras azuis, com três sobressaias, colar de contas azuis, uma presilha de fitas azuis nos cabelos, escreve Pelúcio, historiador de Baependi. O perfume, Mil Flores, parece que arrasou.

O sobrinho da Paulicéia desvairada conta tudo

O irmão de Elisa, José Oswaldo Nogueira de Andrade (1847-1919), foi pai de nada mais nada menos que Oswald de Souza Andrade (1890-1954). Sim, sim, o Oswald de Andrade, um dos organizadores da Semana da Arte Moderna, com Menotti Del Picchia, Mario Andrade e a pintora Tarsila do Amaral, com quem se casaria em 1926. Oswald, em sua biografia, O homem sem profissão, descreve a situação econômica e social da família e assim ficamos sabendo tudo, ou melhor, quase tudo, inclusive que a mãe de Elisa era "seca, velha de óculos e grande leitora", e o pai, "de barba branca, sem bigodes."

"A origem feudal de minha família paterna explica bem isso. Grande e afazendado em Baependi, Minas meu avô Hypólito José de Andrade tivera terríveis lutas com escravos. E arruinara-se, parece que em parte devido a uma tragédia de ciúmes, pois tendo ele tido uma aventura com D. Águeda, minha avó – uma autêntia Nogueira – abandonara toda a assistência que lhe dava nos trabalhos da fazenda e com isso o teria descontrolado."* 

De fato, as querelas jurídicas pela posse das fazendas Cachoeirinha e Glória vinham desde 1856 e contribuíram para a ruína da família. A disputa foi parar no jornal O Bapendiano em 1886. Em 1881 José Oswald Andrade, irmão de Elisa, já tinha deixado Baependi em direção a terras paulistas e seu avô Hypólito fora para Caxambu.

"Com a desgraça da família, meu avô tentara, inutilmente ser hoteleiro, auxiliado por toda a família, em Caxambu, que a cinco quilômetros de Baependi se abria como estação de águas. Contaram-me que o velho chorava humilhado, vendo as filhas servirem a mesa de hóspedes".* O agravante foi a desestruturação da economia, após a abolição da escravidão. Henrique Monat já escrevia no seu livro Caxambu, de 1894, no capítulo Baependi, que a cidade, motor econômico da região, estava em decadência.

A família do sobrinho, que ainda não era famoso, nos idos de 1900, passava estações de veraneio em Lambari, hospedando-se no Hotel Mello e, em Caxambu, na casa dos parentes, um casarão próximo à estação de trem, que, segundo ele, "dava para abrigar nós todos".

De fato, o endereço coincide com o avisamento do terreno, de 1873, com o mapa dos antigos lotes da povoação, assinada por Silvares (foto abaixo).

Localização da casa da família Andrade, em Caxambu; José Oswald Andrade
 irmão de Elisa (à direita e ao alto à direita com Inês Inglês, sua esposa e Oswaldo filho;
ao alto à esquerda, Inês Inglês Andrade

De chicote na mão/A triste herança escravista/Educação para uns, trabalho para muitos

"Meu pai (José Andrade Nogueira, irmão de Elisa) uma vez, querendo chicotear um negro, o Ambrósio, este o atacara de faca. Saltou adiante do homem. Tendo sofrido para mais de trinta golpes, apenas um o atingiu na mão. Era o sinal para uma revolta de escravos, logo abafada."* Essa violência era ordem do dia nas fazendas e senzalas da região de Baependi.

Assim começava a saga da família que passou a viver entre Minas e São Paulo. Antes de se mudar para São Paulo, o irmão de Elisa, José Nogueira de Andrade trabalhou como tropeiro, conduzindo tropas de burros através da serra do Picu, em direção ao Rio de Janeiro, acompanhado de escravos da propriedade da família. Quando a família foi à ruína, José Nogueira imigrou para São Paulo e hospedou-se na casa de sua irmã Alzira Nogueira, casada com Joaquim Augusto Nogueira. Em São Paulo, ele encontrou possibilidades de trabalho: transformou-se corretor de imóveis e levou o resto da família para morar lá. Chegou a ser vereador por São Paulo em quatro mandados, 1889 a 1914.

"... retiraram-se para São Paulo, deixando saudosos seus parentes e amigos, nossa conterrânea D. Antonia Eugênia de Meirelles Nogueira, esposa do nosso amigo o sr Hypólito de Andrade (e suas filhas DD. Maria e Oliva", noticiava O Baependiano em 1886. As tias, segundo escreve Oswaldo em sua biografia, trouxeram a encravaria que restava. E foi com o aluguel de escravos que a família se alimentou e se manteve por algum tempo. Essa renda contribuiu também para custear os estudos de Elisa, não tenhamos dúvidas.

"A família prosperou com grande escravaria negra, sendo que meu avô veio, por circunstâncias já referidas, a se arruinar e deixar o latifúndio."* A "grande escravaria" referida pertenceu à família desde os tempos do bisavô, o alferes José Gonçalves Penha (1776-1851), avô de Elisa. Nas listas nominativas de habitantes de 1838/40 para o distrito do Favacho, hoje Cruzília, ele possuía 38 cativos, um número considerável para a época. Os escravizados, surpreendentemente, eram a maioria da população 707 contra 504 livres.

Oswald descreve no poema da Colonização

a roça

Os cem negros da fazenda
comiam feijão e angu
Abóbora chicória e cambuquira
Pegavam uma roda de carro
Nos braços 

Elisa, a normalista

Elisa entrou tardiamente para a escola normal. Em um registro de 1883, noticiava O Baependiano que Elisa e seu cunhado, José Augusto Nogueira casado com sua tia Alzira Orminda, regressavam a São Paulo, onde residiam. Em 1884 era aprovada no exame de habilitação para a segunda cadeira de magistério pela escola normal de São Paulo. No ano seguinte os Andrades visitavam Caxambu e se hospedaram no Hotel Mitão, antiga propriedade da família. Como Elisa teria de voltar a frequentar o curso para se habilitar para o magistério público, retorna a São Paulo, em companhia de sua irmã Maria. No seu regresso à Caxambu, em 28 de março de 1888, já com o resultado da aprovação dos exames feitos em 27 de novembro de 1887, Elisa foi recebida com muita festa, fogos, com direito a discurso e banda de música coordenada pelo senhor Joaquim Pinto. Agora ela tinha a carta de professora normalista. Da sua turma, três foram aprovadas com "com distinção", três com "plenamente", sete (dentre elas Elisa) foram aprovadas "simplesmente" e uma, reprovada. Independentemente de sua classificação, a recepção tão festiva evidenciava o quanto a educação era importante para os seus familiares e para a sociedade. 

O Baependiano: "No domingo à noite chegou de S. Paulo, em companhia de seu pai nosso amigo, o Sr. Hypólito de Andrade, nossa estimável conterrânea D. Eliza Nogueira de Andrade, que, como em tempo noticiamos, com seu esforço e trabalho, dando um bello exemplo às moças, receber a carta de professora normalista pela escola normal daquela cidade". Segundo seu sobrinho modernista Oswald de Andrade, nenhum dos filhos homens de seu Hypolito teria tido educação escolar. Elisa foi exceção, chegando a ser professora aos 45 anos, bem dizendo, e repetindo, à custa do trabalho dos escravizados, agora libertos.

De Pirassununga para Caxambu

Elisa não iniciou sua carreira como professora em Caxambu, e sim no interior de São Paulo. Em 1889 ela constava como professora pública de Pirassununga. Fato é que havia vários sobrenomes Nogueira na cidade, e pode ter sido lá, com o apoio da família, que ela teria conseguido um lugar para lecionar. Em setembro do mesmo ano, solicita três meses de licença sem vencimentos, para tratamento de saúde, e em outubro solicita exoneração como professora municipal da segunda cadeira. Ela já devia estar contando com a nomeação para ser professora nas Minas Gerais.

Em 2 de junho de 1890, ela foi nomeada para ocupar a cadeira mista em Caxambu. Um requerimento datado de 1893 da Secretaria das Finanças de Minas Gerais questiona se a dita professora estaria exercendo seu trabalho na povoação. De fato, já estava. Em julho pediu prorrogação por três meses da licença concedida pelo inspetor municipal de Caxambu, onde exercia a segunda cadeira de instrução primária. Em 6 de outubro de 1896, como "ex-professora", pede para ser reintegrada na cadeira, É então nomeada por decreto para "o emprego de professora da cadeira mista da povoação de Caxambu, município de Baependi". Nos dois meses que esteve de licença fez um requerimento para o pagamento dos honorários, negado em 9 de janeiro de 1897.

Nessa época, Elisa, já de volta à Caxambu, e trabalhando como professora, viveria o sofrimento de seu irmão e cunhada, quando da perda de seu sobrinho, o Inglesinho, irmão de Oswald, que faleceu na povoação com um ano e meio, de gastroenterite, sendo sepultado no jazigo da família. 

Elisa deve ter participado nas muitas comemorações e saraus que aconteciam no casarão da família, ao som de valsas ao piano, quando da visita do irmão José Oswald, Inês Inglês, sua cunhada, e o sobrinho. O sobrinho, que ficaria famoso como escritor, descreve a convivência familiar e como os "causos" e histórias contadas na família de Minas fantasiavam sua cabeça de menino. Ele ouvia de tudo, caçadas perigosas, onças em cima das árvores e estórias de mulas-sem-cabeça. Do tio Luiz, ouvia narrativas de sua atribulada vida pessoal de crimes, das cabeças que rachou, fuzilamentos. Parece que o tio não era flor que se cheirasse. Ele se envolveu em confusões na Rede Ferroviária, onde trabalhava, resultando na sua prisão e na morte de sua mulher. Assim o sobrinho foi fazendo o seu arquivo, que reflete em sua obra literária. As estórias de escravos contadas nas rodas de conversas nas noites de serão não eram ficção, e sim triste realidade.

O Levante de Bela Cruz, que teve iniciou na fazenda Campo Alegre, ocasionou a morte de, entre outros, Gabriel Francisco de Andrade Junqueira, filho de Gabriel Francisco Junqueira, deputado nacional da província de Minas Gerais. A revolta de 13 de maio de 1833, liderado pelo escravo Ventura Mina, atingiu três fazendas da família Junqueira: Campo Alegre, Bela Cruz e Jardim, atuais municípios de Cruzília e São Thomé das Letras, no Sul de Minas. Morreram sete pessoas, a golpes de paus, machados, foice e arma de fogo. A reação contra os rebelados foi igualmente medonha. Nas entrevistas arquivadas no acervo do Laboratório de Imagem e Som da Universidade de São João del Rei, há o relato de Pedro Gonçalves da Rocha. Os escravizados rebeldes teriam sido mortos e suas cabeças fincadas em estacas, o que não foi confirmado. Sabe-se que 16 escravizados foram punidos, 12 com a forca. 

Tempo, tempo/O time de educadores da cidade de Caxambu no início do século

Em janeiro de 1910 é publicado no Minas Gerais que seriam mantidas as cadeiras regidas pelas professoras Elisa Nogueira de Andrade e Leovegilda América de Castilho. Quatro anos depois, consta que Elisa, aos 72 anos, ainda estava listada como professora estadual, com Leovegilda América de Castilho e as professoras adjuntas Maria Custódia de AndradeJudith de Castilho. O time de educadores da cidade era composto ainda pelo inspetor escolar Martinho Candido Vieira Licio, os docentes Alice Meyer de AndradeAmélia PhilomenaÁrgia Castilho, Luiza da Silveira G. Maciel, Maria Custódia de Andrade, João Mendes da Luz e José Arlindo de Carvalho. Havia também o Externato, cadastrado como instrução particular, dirigido pelo professor Edmundo Robert. Três irmãs pertencentes a família Castilho fizeram carreira como educadoras na cidade: Leovegilda, Judith e Árgia.

Nessa época, existia em Caxambu o Collegio N. S. d'Aparecida, escola normal; Collégio de Caxambu, para o sexo feminino, e o Collegio Mayer, dirigido por Alice Mayer de Andrade, o primeiro da povoação, somente para meninas, segundo Célia Ayres. Não pudemos identificar em qual das instituições Elisa lecionava. 

Em 1918 Elisa consta do Almanak como cadastrada da instrução pública. Uma década mais tarde, segundo descrição de tia Célia, Elisa "era uma velhatona gorda, alta, corpulenta, usava cabelos em coque, calçava meias e usava saia até os calcanhares, como as mulheres da época". Ah, sim, não podemos duvidar dos relatos. 

Outra instituição educacional é construída na cidade, em 1929, o Grupo Padre Correia de Almeida, cuja professora Árgia Castilho Moreira ainda do tempo de Elisa, se tornaria uma das primeiras professoras, encerrando o ciclo das pequenas instituições dedicadas à educação, quando construíram o Grupo Padre Correia de Almeida e o Colégio Normal Santa Terezinha.

No dia 30 de outubro de 1933, fazendo parte das comemorações do aniversário da padroeira da povoação Nossa Senhora dos Remédios, o Hotel Caxambu sediou as homenagens aos velhos mestres, com direito a "hora literária" e baile. As homenageadas: Elisa de Andrade, Leovegilda Castilho, Alice Mayer, coronel Marinho Lício, João Mendes da Luz e José Divino de Oliveira. A rua em frente ao hotel se encheu de caxambuenses para prestar homenagens aos seus educadores. Eram outros tempos.

Marco Zero/ Caxambu ficou só num rascunho?

Oswald esteve em Caxambu em 1942 e enviou um postal intitulado "Panorama parcial vendo-se no centro a Matriz" à Maria Antonieta D'Alkimin, relatando ter visto um espetáculo que contribuiria para a feitura de Marco Zero e comunicando viagem ao Rio de Janeiro. O cartão foi postado em 10 de outubro , um dia depois de sua tia Elisa completar 100 anos. O cartão suscita duas perguntas que não podemos responder: Viera ele participar das comemorações do centenário da tia? Teria ele visto algum espetáculo teatral em Caxambu que o inspiraria escrever alguma passagem do Marco Zero? O fato é que dos cinco volumes planejados para Marco Zero, somente dois foram publicados: A revolução melancólica e Chão. Talvez as suas impressões captadas na cidade (?), ou da peça teatral vista, ainda estejam rabiscadas num dos seus 80 cadernos de rascunho.

Escola Elisa de Andrade

Citarei um trecho de Marco Zero, de Oswald, e as dificuldades de ensinar na terra brasilis no início do século, que podia ser também em Caxambu:

"A escola era a descoberta. Naquela casa de muitas janelas era uma minúscula humanidade avançada penosamente. Eufrásia perguntava a si mesma de que servia aquela chave do mundo. Ensinava tantos Idalícios a ler. Eles não sairiam do charco. Faltavam diariamente às aulas. Ajudavam nos serviços de casa e da lavoura. Vinham e voltavam da escola sem comer. As mães detestavam-na porque lhe roubava os filhos, seus arrimos caseiros..."

Ato final

Mesmo vestindo azul na recepção à princesa Izabel, e no ponto mais alto de sua juventude, Elisa não teve nenhum pretendente à sua mão e assim não deixou descendentes. Talvez sua dedicação ao trabalho educacional a tivesse mantido jovem produzindo longevidade – Elisa faleceu 1 em outubro de 1944 aos 102 anos, em Caxambu, uma idade de Matuzalém para aquela geração. 

Passados seis anos do falecimento de Elisa, o político e médico Lisandro Carneiro Guimarães , chefe do centro de saúde da cidade, na administração de Renato Maurício Silva, e prefeito eleito para o mandato de 1947-50 pelo PSD quis homenagear uma das mais antigas professoras do Caxambu. Aquela professora que, com certeza, pegou nas mãos de meus antepassados para lhes ensinar as primeiras letras do alfabeto, agora era nome de escola. 

Em 16 de setembro de 1950 é inaugurada a Elisa de Andrade. O projeto teve muitos desdobramentos. Em 1960 funcionou como classes anexas ao Grupo Escolar Cabo Luiz de Queiroz, no bairro Caxambu Velho. Em 1963 houve um desmembramento, passando a ser Escolas Reunidas, com prédios no bairro Trançador e no Isolamento. Em 1964 as instalações do Trançador foram transformadas em grupo escolar, e devido a demanda por matrículas, novamente se separou, e as instalações escolares do prédio do Isolamento se tornaram o Grupo Escolar Presidente John Kennedy. Em 1997 o Elisa de Andrade foi municipalizado. Em 2001 a escola atendia 200 alunos do ensino fundamental alocados em oito salas de aulas. Hoje, em 2022, a Escola Elisa de Andrade, que funcionava na avenida Barão do Rio Branco, 699, no bairro Trançador, não existe mais como escola de alfabetização, mas funciona como um centro de profissionalização.

P.S.: Ah, me esqueci de dizer que, por causa da tia Célia, li quase toda obra de Oswald de Andrade em curto espaço de tempo, O homem em profissão, Os condenados, Memórias sentimentais de João Miramar e os dois volumes de Marco Zero...

Fonte:
O Baependiano
O Patriota
O Pirralho - SP (1911 a 1918)
O Correio Paulistano (1909-1919)
Correio da Manhã (1933)
Almanak Lemmert: Administrativo, Mercantil e Industrial (RJ)- 1891 a 1940.
Almanack da provincia de Sao Paulo: Administrativo, Commercial e Industrial (SP) 1884-1888)
Sentinela da Monarchia: orgam conservador (SP) - 1889
Correio Paulistano (SP) 1880 a 1888
OSWALD, Andrade. Um homem sem profissão: memórias e confissões, Sob as ordens de mamãe. Civilização Brasileira, 1976 (* todas as citações pertencem ao livro)
OSWALD, Andrade. Marco Zero: A revolução melancólica. Civilização Brasileira, 1978
OSWALD, Andrade. Os condenados, Civilização Brasileira.
Projeto Compartilhar
MONAT, Henrique. Caxambu, 1894
PELUCIO, José Alberto. Baependi, Visita Beija-mão , Te Deum. Baile - Nome de ruas - Uma fábrica- Recordações
Histórico da Escola Municipal Elisa de Andrade, ano de 2001/Centro de Memória da Camara Municipal de Caxambu.
Biblioteca do Exército. Excex
Foto: 
Secassox
Mapas fornecidos pelo Execex, Exército brasileiro
Câmara Municipal de São Paulo
Agradecimentos:
Ao Centro de Documentação e Memória da Câmara Municipal de Caxambu 
A Julio Jeha, sempre
Nota:
Não há como saber quem são os autores de alguns dos documentos publicados em nossas postagens, nem a quem pertencem os seus direitos autorais. Acolherei qualquer reivindicação dos detentores de seus direitos.


sábado, 1 de outubro de 2022