domingo, 25 de setembro de 2016

O segredo do velho José Fernandes Ayres, o Trançador


De couro era a porta das cabanas, o rude leito aplicado ao chão duro, e mais tarde a cama para os partos; de couro todas as cordas, a borracha para carregar água; o mocó ou alforge para levar comida, a mala para guardar roupa, mochila para milhar cavalo, a peia para prendê-lo em viagem, as bainhas de faca, as bruacas e surrões, a roupa de entrar no mato, os bangüês para curtume ou para apurar sal; para os açudes, o material de aterro era levado em couros puxados por juntas de bois que calcavam a terra com seu peso; em couro pisava-se tabaco para o nariz." (1)

A utilização de pele de animais é tao antiga como a história da humanidade. Os homens de todas as eras eram caçadores  por consequente desenvolveram ao longo dos milenios técnicas de preparação da pele de animais para seu uso. Os mais antigos achados no Egito comprovam que o trabalho com o couro já era largamente praticado e tinha várias utilidades inclusive como papel e foi encontrado em  vários sarcófagos. A técnica de trabalhar o couro daqueles tempos não diferencia das técnicas de hoje, tendo os ítens básicos: pele, óleo e gordura.  

Ciclo do Ouro, Ciclo do Couro

Foi Tomé de Souza quem introduziu as primeiras cabeças de gado no Brazil, em 1534 trazidas das Ilhas de Cabo Verde.  Elas serviam como meio de transporte, forca motriz nos engenhos de açúcar, além da carne, leite e... o couro.

Assim as fazendas foram extendendo a sua criação, de Sergipe, depois para os hoje estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Paraíba avançando em direção ao sul até a região do São Francisco, Minas Gerais. A pecuária ofereceu então não somente a carne e seus derivados, mas sobretudo o couro, empregado na confecção de roupas, calçados, utensílios de trabalho e domésticos, desenvolveu-se a "indumentária!" como chapéu de couro, gibão, apertadas, perneiras, além das selas, artelhos para adestrar os animas surgindo daí uma tradição de atividades ligadas a manufatura do  couro. 


Parada dos Tropeiros
Na história brasileira houve não somente o Ciclo do Ouro, mas também o "Ciclo do Couro" como escreveu  o historiador Capistrano de Abreu. O couro ocupou o 4°lugar no século XVIII nas exportações para Portugal, superados apenas pelo ouro, o açúcar e o fumo. O Ciclo do Couro foi mais regionalizado, no nordeste do país, mas foi registrado em outras regiões, quando matava-se o boi e... jogava-se a carne fora. Do animal aproveitava-se somente o couro. Um esperdício! Mas que fazer, o couro tinha mais valor.

Antigos oficios do nosso Sertão

Antes do advento da cafeicultura, as fazendas mineiras eram  grandes produtoras de gado bovino para corte além de produziam géneros alimentícios que eram transportados para toda a província em tração animal, cavalos, burros e carros de bois.  Com uma farta matéria prima, surgiram um grande número de atividades profissionais que  compunham os antigos ofícios do sertão ligados ao abastecimento das necessidades das tropas, fosse elas de carga ou de gado. Eram eles  SeleirosTrançadoresVaqueiros, Boiadeiros, Tangeiros, Tropeiros, Curtidores,  Sapateiros, Açougueiros, assim como os que trabalhavam com metais, como os Ferreiros, Ferradores, Funileiros ou Tecelões que trabalhavam com palha. Muitas das vezes a mesma pessoa tinha vários ofícios e isso pode se confirmar na família pelos relatos dos descendentes de José Fernandes Ayres, o Trançador-velho, como ele era tratado.

O couro, não somente de bovino, mas de animais selvagens como antas, veados, também eram usados e muito valorizados na época como matéria-prima essencial na confecção de peças de vestuário, calçado ou apetrechos de montaria. Os tropeiros foram grandes consumidores desses produtos. Além do que havia uma grande necessidade de reposição das tralhas de montaria.

O trabalho em couro exigia certa habilidade, tanto naquela época como hoje e ha várias técnicas envolvidas no trabalho do artesão. Primeiro ha necessidade de preparação das ferramentas, como facas, gravadores, além de saber fazer  avaliação da qualidade do couro. Outro, além dos procedimentos  do descarne, depilação, e amaciamento  das peles. O artesão tem que ser capaz de saber  "tirar os tentos", isto é,  saber cortar as tiras de couros que  são serão usadas em diversas formas de tecer.

Estica, puxa, raspa, corta...

O trabalho do nosso bisavô começava com a escolha do boi. O couro preferido pelos Trançadores  dependia da região e o tipo de gado criado. Havia diferentes raças de bois e cada um fornecia o couro com diferentes cores variando de marrom escuro, claro ou amarelados. O couro para ser trançado não podia ter nenhuma cicatriz, pois se tornavam frágeis e quebradiços. Em regra, o couro nunca é secado em dias úmidos, mas durante o período da seca.  Ele era tirado no local onde o animal fora abatido com muito cuidado para não estragá-lo, depois lavado bem, por dentro e por fora e no mesmo dia  esticado, ou a peça inteira ou cortado ao meio, no sentido transversal, entre a cabeça e a cauda.

A tarefa de esticar o couro é uma das mais importantes fases de sua preparação; ao esticar  retira-se o resto de carne ou gordura. O tempo de secagem dura de 4 a 5 dias tendo o cuidado de protege-lo contra a humidade. Nas etapas seguintes o pelo é raspado e sendo colocado para descanso mais dois dias. E para que vocês tenham a idéia do que era o trabalho de nosso bisavô na prática, acompanhem no vídeo.


Segundo o autor Vladimir Benincasa em Seleiros e Trançadores, Antigos Ofícios no Sertão de Rio Pardo, a figura do Trançador era bastante próxima dos tropeiros, quase um "profissional de confiança" tanto para os consertos quanto para a confecção de objetos de uso pessoal. Os tropeiros faziam suas encomendas quando da passagem das tropas pela cidades. Os objetos mais pedidos, a rédeas, o rebenques, os pelos, os laços, as cabeçadas e os peitorais.

O segredo das tranças

José Fernandes Ayres trabalhava com poucas ferramentas. O canivete, a faca, alguns alicates, sovelas e vazados. Também usava agulha e linha. Pedaços de madeira eram  usados para servir  de padrão para o corte das tiras de couro em espessuras pré determinadas. Ha inúmeras variações umas mais simples outras mais complicadas, podendo chegar a 18 ou 21 tentos, ou seja, tranças. Mas não somente o couro era única matéria-prima do velho Trançador. Ele usava também a crina da cauda do cavalo para a confecção de rédeas, este o mais difícil de trabalhar, pois exige grande habilidade do artesão.

Ainda, o trabalho exigia muita criatividade, afinal as indumentárias em couro, os apetrechos era como "vestir" o animal da cabeça até a cauda. Os acessórios, adornos no peitoral, os laços e relhos bem trabalhados valorizavam não só a montaria, mas também o montador. Saint Hilaire o botânico e viajante francês descreve em 1822, na sua Segunda Viagem a São Paulo, como um senhor de engenho se vestia e a importância que davam para a aparência:

"Em casa usa roupa de brim, tamancos, calça a mal amarrada e não põe gravata; enfim, indica-lhe a toialette que é amigo do comodismo. Mas, se monta a cavalo e sai, é preciso que o vestuário lhe corresponda à importância e então enverga o jaleco, as calcas, as botas luzidias, usa esporas de prata, cavalga sela muito bem tratada."

E artesãos guardavam o seus segredos. Os laços que podem ser trançados em quatro, seis, ou oito tentos, isto é tranças, vão  sendo humedecidos a medida que a tranças vão  sendo feitas, para torna-as mais maleáveis e o trabalho ter um melhor acabamento. O  segredo é a finalização das extremidades que prende a trança na argola de metal.

Hoje ha várias associações que tem como o objetivo restagatar a cultura  tropeira e fácil, fácil fazer um "curso rápido" de como  se trança couro. Mas ensinar a técnica de trançar não  passava pela cabeça  de José Fernandes Ayres naquela época, pois tudo era guardado em segredo para não ser copiado, mantendo o monopólio do trabalho e evitando a concorrência. Conta na família que José Trançador-pai confeccionava os seus artefatos, suas rédeas, seus relhos... De costas, num corredor para ninguém ver. Esta história nos foi resgatada pela nossa pesquisadora Maria das Graças Pereira Silveira, a Graça, em uma de suas visitas regadas a bolo e café ao Ramo dos Ayres, em São José dos Campos, São Paulo.

De pai para filho

O único que aprendeu os segredos de seu trabalho foi José Ayres de Lima, o Trançador-filho,  casado com Gervásia Maria da Conceição. Segundo Celia de Lima Araujo, o pai adquiria a matéria prima para o seu trabalho no  Matadouro Municipal de Caxambu (foto). Cheguei a ter um relho nas mãos quando criança, mostrado por minha vó Gervásia. Havia também dois tamboretes na varanda da cozinha com assentos de couro. Era lá que eu gostava de me aboletar quando criança. Na época não fazia idéia do seu valor dos objetos para a história da família.

Sylvio Aires de Lima, filho de Anna Ayres de Lima, a Lica, e neto José Fernandes Ayres, o Trançador velho, conta que, quando jovem, ainda possuía cela, arreios e outros objetos de couro feitos pelo avô e que foram (sic) vendidos, juntamente com um cavalo para uma pessoa de fora da cidade de Caxambu. O comprador estava mais interessado nos artefatos de couro que no cavalo, claro. Com o dinheiro da venda dos objetos de couro ele comprou o terreno, onde construiu sua casa e criou a família, lá no alto do bairro que leva o nome de seu avo: Trançador. Sentimentos à parte, o dinheiro da venda foi bem empregado. O Ramo dos Ayres cresceu lá pelos lados de São José dos Campos e tem nos dado muita alegria com suas histórias e memórias.

Bem, agora voces ficaram sabendo um pouquinho mais da profissão de nosso ancestral.

Biografia:

(1) Capristano de Abreu,
Die Geschichte des Leders
Rego, José Mora  - Ciclo do Couro,
Benicasa, Vladimir - Seleiros e Trançados. Antigos Ofícios do Sertão do Rio Pardo,
Maia, Tom; Maia, Thereza. R.C. Folclore das Tropas, Tropeiros e Cargueiros no Vale do Paraíba, Rio de Janeiro, 1980.
Foto: Autores desconhecidos

terça-feira, 20 de setembro de 2016

O segredo do embornalzinho verde




E de dentro de um pequeno embornal, confeccionado manualmente por Ana Aires de Lima e guardado a sete chaves pela neta Isa de Souza, que recebera pessoalmente de presente da avó, saíram as mais preciosas fotos, que agora estão sob a guarda momentânea da firma Documenta, Pesquisa, Documentação & Memória, nas mãos de Thaís Silveira para os devidos cuidados e digitalização.
Para nós da Família é simplesmente um luxo ter a Documenta a nosso serviço. Com o seu trabalho estão sendo tratadas e reveladas as mais interessantes imagens e detalhes, congeladas no tempo. As cápsulas do tempo... Para sempre.

Mas vocês pensam que vão recebe-las em uma só dose? Que nada, vamos deixar o suspense no ar. Elas serão publicadas ao longo do ano nos textos com histórias contatadas por vocês, é por vocês, por nós. Os relatos já estão em andamento, os depoimentos estão sendo feitos.

Vou dizendo, já abrimos alguns "embornais" de fotos por aqui, como por exemplo da Belu, a Maria de Lourdes, filha de Romeu Rodrigues de Freitas . 

E mais uma vez, para todo aquele membro da família que quiser contar a sua história, não se avexem,  façam contato, envie sua foto do baú, ou se vocês tiverem também um embornalzinho como esse, cheio de preciosidades. Acreditamos que ainda ha fotos aí na gaveta de cada um de vocês esperando para revelar os seus segredos, contar suas histórias. Nós faremos público também o que ficou guardado, ou na sua memória, ou mesmo histórias recentes. Porque não?

E para finalizar este post, agradeço a todos aqueles que estão colaborando com este trabalho o nosso respeito e gratidão, em especial a entusiasta Graça Pereira Silveira, a Graça e seu marido Vander Silveira que acompanham de pertinho, não só os relatos, mas também promovem a integração dos membros da Família Ayres/Rodrigues Freitas/ Silveira Pereira. Íh, é gente que não acaba mais.
Aguardem as novidades!

Foto e produção: Graça Pereira Silveira

domingo, 18 de setembro de 2016

Romeu Rodrigues Freitas, o Romeu apaixonado


 Documenta - Pesquisa, Documentação & Memória
E lá vamos nós mais uma vez trazer para o presente o nosso passado, ler as embaçadas declarações de amor... Dar por conhecido gente que passou por essa terra e deixou saudades. Hoje apresentamos Romeu Rodrigues Freitas.

Quebra cabeças

Romeu nasceu em 14 de setembro de 1918, filho de Ramiro Rodrigues Freitas e Maria José de Lima, a Mariquinha, batizado em  6 de outubro, na Igreja Nossa Senhora dos Remédios, pelos padrinhos João Rodrigues do Prado e Sebastiana Rodrigues Freitas e abençoado pelo Monsenhor José João de Deus.  Aqui o batistério de Romeu nos leva a  um quebra-cabeças. Para nós, que achávamos que seu pai não teria família no Brasil, aparece na sua certidão de batismo  a madrinha Sebastiana  com sobrenome de Rodrigues Freitas e é absolutamente uma surpresa. É que na história família foi sempre contado, ainda difícil de acreditar, que Ramiro veio clandestino num navio de Portugal para Brasil ainda adolescente, por volta do ano de 1880 e que foi criado por uma família de turcos, em Caxambu. Diante do sobrenome da madrinha de Romeu, temos agora que duvidar se Ramiro veio mesmo sozinho, ou se ele não tinha outros parentes ou familiares no Brasil. Uma das hipóteses: quem fez o lançamento no batistério acrescentou erroneamente o "Freitas" ao invés do "Prado" no sobrenome de Sebastiana, isto se os padrinhos eram casados. Este batistério nos levará a outras futuras pesquisas da origem da família Rodrigues de Freitas.



O seu pai Ramiro Rodrigues de Freitas, foi jardineiro do Parque das Águas de Caxambu e Maria Ayres de Lima, parteira muito conhecida da cidade de Caxambu e que perdeu o "Ayres" com o casamento, assumindo o sobrenome do marido e originando o ramo dos "Rodrigues de Freitas".

Romeu foi um dos 12 filhos do casal. Seus irmãos e irmãs. Na seqüência de nascimentos:
Etelvina Rodrigues de Freitas (1898-?)
Izabel Rodrigues Freitas (1901-1903)
Maria Izabel Rodrigues Freitas (1906-?)
Geralda Rodrigues Freitas (1906-?)
Joaquim Rodrigues Freitas (1911-1913)
Laura Rodrigues Freitas (1913-1915)
José Rodrigues Freitas (1916-1921)
Romeu Rodrigues Freitas (1918-1971)
Edwiges Rodrigues Freitas (1918-?)
Agnelo Rodrigues Freitas (1920-?)
Harold Rodrigues Freitas (1922-1923)

Os avós e bisavós


Os seus  avós pelo lado paterno eram os portugueses Joaquim Rodrigues de Freitas e Maria de Jesus. Seus avós pelo lado materno eram José Fernandes Ayres o Trançador, como era conhecido, e que deu origem ao nome do Bairro Trançador da cidade de Caxambu, e Maria Ribeiro de Souza Lima, cujos pais eram procedentes da cidade de Pouso Alto.

O seu bisavô   pelo lado materno era João José de Lima e Silva (1798-1875). Ele foi registrado no Sensu, isto é a contagem populacional de 1839 da cidade de Pouso Alto, juntamente com a família, a esposa Joana Thereza , 32 anos, na época (1807-1860) e seus três filhos: Virgolina (1833-?),  com 6 seis anos de idade, José de 4 anos (1835-?), Thereza com 2 anos (1837-?) e mais 5 escravos: Adão, Vicente, Benedicto, Celestina e José. Este documento inédito nos foi  gentilmente cedido pelo Arquivo Público MineiroMaria Ribeiro de Souza Lima (1841-1903), a sua avó ainda não havia nascido até a data do Censu, como podem ver no quadro acima. Podemos concluir que a família dos bisavós de Romeu foi uma mistura de portugueses com portugueses.

A Família

Romeu casou-se, em 27 de junho de 1942, na Igreja Nossa Senhora dos Remédios, em Caxambu com Ieda da Silva. Ieda tinha muitos problemas de saúde, um deles era a pressão alta, que provocou a perda de 4 filhos. Então, por uma promessa à Nossa Senhora de Lurdes, veio a... Maria de Lourdes Rodrigues Freitas que não ficou sozinha. Depois nasceram o Luiz Carlos de Freitas e a Fátima Rodrigues Freitas, para a alegria da família.

No encalço das laranjas desaparecidas 


No tempo que a família morou em Caxambu, ali mesmo na rua Quintino Bocaiúva, a família encontrou abrigo no terreno do vô  Ramiro, este que tinha um extremo cuidado com sua horta. Ai se alguém fosse visto colhendo sem sua autorização! Somente a Ieda, esposa de Romeu, tinha este privilégio. Ramiro tinha um olfato tão apurado que sentia o cheiro das laranjas no ar, quando eram colhidas sem sua autorização. Fora que ele "rastreava" literalmente quem pisava na sua horta. Ele sabia quem era o autor das colheitas furtivas pelo tamanho do pé, chegando até a... "medir" os rastros de quem andava por lá.  Aí tinha bronca. E quando o rabugento Ramiro vinha medir o tamanho do pé do "ladrão" e via o número 32, sabia que era a Ieda, esposa de Romeu. Essa sim tinha passe livre na horta e carta branca para colher e distribuir para os outros membros da família.

Modernos tropeiros

Romeu, assim como muitas das crianças e adolescentes de seu tempo começou  trabalhar cedo. O  primeiro trabalho de carteira assinada foi na antiga torrefação de café da cidade, onde num acidente de trabalho, perdeu o dedo indicador da mão direita. E de profissão em profissão... Os irmãos Romeu e Agnelo começaram a trabalhar na abertura da nova estrada de Caxambu, juntamente  com o outro primo, o Sylvio Aires Lima, filho da tia Anna Ayres de Lima, Lica, do ramos dos Ayres, que moram hoje em São  José dos Campos. Ele aprendeu a dirigir com Seu Aragão,  pois na época escola de direção era rara. Foi lá que ele pegou o gosto pela estrada.

Férias é atraso de vida

E quem vai negar que o sangue de tropeiro não circulava nas suas veias? Ele neto de  José Fernandes Ayres, Trançador, que também era tropeiro. Na vontade de por o pé na estrada, Romeu subiu não mais numa carroça puxada por cavalo, mas sim num caminhão. Assim trabalhou em diversas cidades, como Conceição do Rio Verde, CampanhaTrês Corações. A Expresso Mineiro, de Varginha, a Sudoeste de Minas, que transportada café do Sudoeste de Minas para as capitais de São Paulo e Rio de Janeiro, para Coma, uma firma que fazia o transporte de leite das pequenas cidades do interior como Três Pontas, Boa Esperança, Fama. O seu último empregador foi o Transporte Paiva, que fazia o carreto diariamente de gasolina naqueles caminhões tanques, até Belo Horizonte, quando ficou gravemente doente.
Talvez por ter tomado um safanão da mãe, mesmo depois de casado, ao reprimi-lo por ter habito de jogar, Romeu se tornou um trabalhador incansável e nunca tirou férias! Ele dizia "Férias para pobre era um grande atraso de vida". Estava preparando sua aposentadoria, quando foi levado desta terra. Deixou muitas lembranças na família, muitas...

Lembranças tem gosto e cheiro

O ritual começava quando o Romeu vinha de Conceição do Rio Verde, passando pela estrada do Bairro Trançador em direção à Caxambu. Lá de cima do morro buzinava avisando que estava chegando. Era uma festa só para a criançada, os sobrinhos e sobrinhas cá embaixo na rua Quintino Bocaiúva. Elas sabiam que iam poder pegar uma carona na carroceria e irem de cabelo ao vento até o trevo. Pura diversão. E... Saudade tem cheiro e gosto, confirma a sobrinha  Graça Pereira. Para sua mãe  Geralda, ele tinha uma carinho especial, pois ela era viuva  e criava sozinha 8 filhos. Os presentes eram frangos, leitoas, café e deliciosos queijos, naquela época transportados em latas. Inesquecíveis os gostos e cheiros...

Piadinhas ácidas

E a vida não era só trabalho. Romeu era um daqueles que gostava de festejar, brincar carnaval.  Quando jovem chegou a desfilar no "Bloco do Seu Lazinho", o alfaiate, que tinha sua oficina em frente ao Crac, Clube Recreativo e Esportivo de Caxambu e onde acontecia a aglomeração carnavalesca. Mas ao se mudar de Caxambu não deixou de ser folião. Na empresa Expresso Sul Mineiro onde trabalhava, o patrão Funito e sua família gostava também da fuzarca. Eles se organizavam nos blocos carnavalescos e a cada ano tinham um "tema". Este aí do lado, era ele fantasiado de Toureiro. Olé!

Graça Pereira disse que o tio gostava de contar piadas, daquelas de corar velhas senhoras. Então desconfiadas, chegamos a conclusão que aquele que gostava de "contar piadinhas ácidas", descrito por Celia Lima Araujo, a tia Célia, não era nem o pai dele, Ramiro, nem o João de Deus, o filho do irmão Manoel Fernandes de Lima, criado por vó Mariquinha e sim o próprio Romeu. Independente das... "piadinhas ácidas", Romeu era muito respeitado e querido na família. Por muitas vezes era chamado, quando havia necessidade de tomar decisões de importância nas famílias compostas majoritariamente de mulheres sozinhas, ou viuvas, como era o caso de Geralda Pereira.

Armado até os dentes

Tio Romeu? Que nada, era um grupo de amigos que se reuniam para caçar. Nos anos 50 não havia o advento da televisão e os homens nos fins de semana saiam em grupo para caçar e pescar pelos lados de Conceição do Rio Verde, no Rio Grande. Romeu pescou muito peixe. Até hoje a família se lembra dos enormes peixes Dourados que ganhavam do tio. A maioria dos caçadores amadores eram ou vizinhos, como o Seu Picolé, quando ele morava em Caxambu, ou colegas de volante que se juntavam na diversão de fim de semana.
Cachorrada. Amor em tempos de cólera

Os caçadores não iam sozinhos.(Romeu na foto, o 5° da esquerda para a direita de camisa escura) Eram acompanhados pelos caros cães de caça  de propriedade de Romeu. Uma verdadeira matilha deles, para o desespero da mulher Ieda. Nas suas longas  ausências de caminhoneiro ela ficava tomando conta dos bichos e... dos filhos, claro. A criançada chorava de um lado e do outro uivava a cachorra Luma, que tinha acabado de dar cria. No desespero na ausência do marido ela se desfez da ninhada, pois já não aguentava mais o estresse, a choradeira e uivos  produzidos por todas as "crias". Ieda ouviu o marido dizer colérico,  por  ter ela desfeito dos caros animais: " Vou te matar com um tiro de espingarda!!" Ainda bem que ele não levou a cabo a promessa.

Documenta - Pesquisa, Documentação  & Memória
Romeu  e JuliIeda, as bodas de prata

E independente das ameaças com tiro de espingarda, o casal chegou às bodas de prata.  Isso! Vinte cinco anos após a sua primeira declaração de amor oficial escrita e assinada, em 18 de julho de 1941 (ao lado), a família vai comemorar, em 27 de julho de 1967, suas de bodas  em Aparecida do Norte. Alguém hoje perguntaria, o que seria isso? Vinte cinco anos de casados? Sim, vinte cinco  anos após sua declaração de amor... A cidade de Aparecida do Norte parece que era um lugar simbólico para a família. Foi lá que eles batizaram a sua primeira filha, a Maria de Lurdes, Belu, (foto) e onde passavam com destino a São Paulo, como caminhoneiro e onde anualmente faziam a peregrinação, no aniversário da aparição da Santa.


Da Esquerda para direita: Maria de Lurdes Rodrigues Freitas, Belu, Ieda Rodrigues de Freitas,
 Romeu Rodrigues Freitas e Fatima Freitas.
Linha do tempo


A linha do tempo contém datas de 1 de janeiro/ quando não podemos saber exatamente o dia. Quem quiser ver os fatos e fotos de Romeu Rodrigues Freitas, vá à sua linha do tempo aqui Aproveitem o visual!!Linha do tempo de Ramiro Rodrigues Freitas



Esta tudo ligado, esta tudo ligado...

Os os tios e tias de Romeu Rodrigues Freitasirmãos de sua mãe, Maria José de Lima, Mariquinha

Emiliana de Lima (1861-1910)
Manoel Fernandes da Silva (1866-?)
Sebastiana de Lima (1869-1911)
Josephina Maria de Lima ( 1869-?)
José Ayres de Lima, Trançador-filho (1873-1943), casado com Gervásia Maria da Conceição 
Maria Ayres de Lima /Mariinha  (1876-?)
Cecílio José de Souza (1876-1914), casado com Salviana
Maria Ayres da Silva/Mariinha (1879-?)
Roza Ayres de Lima (1882-1895)
Anna Ayres de Lima (1883-?)
Izabel Ayres de Lima (1885-?)

Os tios e tias, os primos e primas de 1° grau de Romeu  Rodrigues Freitas

Para compreendermos quem foram, vamos fazer aqui uma lista de todos os seus tios, tias, primos e primas, alguns com biografia própria nos links dos nomes em azul. Bom lembrar que a grande maioria dos batismos e celebrações de casamento foram feitos na Capela de Santo Antonio do Piracicaba, no bairro Piracicaba da cidade de Baependi.

tia  avó de Romeu Rodrigues Freiras: Virgolina Balbina de Lima era a mais velha. Ela foi madrinha de batismo, junto com o seu irmão José Ignacio de Lima  de Sabina Maria da Conceição, mãe da Gervásia Ayres de Lima; casou com Francisco Bernardino de Faria, em 13 de setembro de 1849, com apenas 13 anos. Da união  nasceram 13 filhos. São  eles:

Os primos e primas de 1° grau de Romeu Rodrigues Freitas:

1)- Bernardino Lopes de Faria (1853.?) que se casou com Elvira Maria do Nascimento.
Lembremos que Elvira era filha de João Ferreira Simões  que era proprietário de escravos, inclusive de Justiniana Maria da Conceição e Sabina Maria da Conceição, avó e mãe respectivamente de Gervásia Maria da Conceição/ Ayres de Lima

2)  Lucianna de Faria (1856-?)
3)  Ludgero Lopes de Faria (1858-?)
4) Lucinda de Faria (1861-?)
5) Eleziel Lopes de Faria ( 1862-?)
6) José de Faria (1864-?)
7) Arminda de Faria (1867-?)
8) Sabina Bernardina de Faria (1869-?)
9) Bruno de Faria (1872-?)
10) Maria de Faria (1875-?)
11) De Faria (1875-1875)
12) Juvêncio de Faria (1877-?)
13)  Escolástica Lopes de Faria (?-1879)

tio avo, José Ignacio de Lima e Silva (1835-?) que se casou com Fraujina Honorina de Jesus em 12 de agosto de 1860, no Chapeo, em Baependi. Da união  nasceram 4 filhos:

Os primos e primas de 1° grau de Romeu Rodrigues Freitas:

1) Anna Frauzina de Jesus (1857-?), que se casou com, pasmem, Camilo Ferreira Junior, filho de Justiniana Maria da Conceicao, avó de Gervásia.
2) Candida de Lima (1860-?)
3)- Francisco Ignacio de Lima (1862-?)
4) Ana Ignacio de Lima (1865-?)

tia avó  Thereza Ribeiro de Lima/Jesus (1837-?) que se casou com José Florencio Bernardes  (?-?) em 22 de julho de 1855. Da união nasceram 7 filhos:

Os primos e primas de 1° grau de Romeu Rodrigues Freitas:

1) José Bernardes (1854-?)
2) José Bernardes (1860-?)
4) Maria Florencia (1867-)
5) Bernardes (1875-1875)
6) Maria Alexandrina ( ?-?)
7) José Florencio Bernardes Junior (?-?)

tio-avo  Rufino de Lima (1853-?) que se casou com Rita Carolina de Castro (?-?) em 26 de julho de 1875, na Capela de Santo Antonio do Piracicaba. Da união nasceram 7 filhos:

Os primos e primas  de 1° grau de Romeu Rodrigues Freitas:

1) José de Lima (1876-?)
2) Cesar de Lima e Silva (1878-?)
3) Maria de Lima e Silva (1880-?)
4) Antonio de Lima (1882-?)
5) Benjamim de Lima (1884-?)
6) João de Lima e Silva (1886-1897)
7) Eudoxia de Lima (1890-?)

tia avó  Ignacia Ribeiro de Lima (?-?) que se casou em 1861 com Candido José Ferreira (?-?)

Os primos e primas de 1° grau de Romeu Rodrigues Freitas:

1) Bibiano José Ferreira (1862-?)
2) - Ferreira (?-1873) 
3) Maria Candida Ribeiro (1864-?)
4) Candida Ferreira (1869-?)
5) Cornélio José Ferreira (1880-?)

 O tio avo  João José de Lima  Filho (?-?) casado com Theodora Constancia de Vasconcelos (?-?)

Os primos e primas de 1° grau de Romeu Rodrigues Freitas :

1) Izabel Francisca de Jesus (?-?)
2) Ludgelo de Lima (?-1865)
3) Galdino Emydio de Lima (1869-?) 
4) José Augusto Anselmo (1871-?)
5) Amélia Eugenia do Espirito Santo (1872-?)
6) Samuel Augusto de Lima (1874-?)
7) Rachel Silva (1876-?)
8) de Lima, (?- 1884)
9) Theodora Constancia de Vasconcelos (filha) (1878-?)

tio João  de Lima (?-?)

O tio avo de Romeu Rodrigues FreitasFrancisco Theodoro de Lima (?-?), que se casou em 23 de fevereiro de 1870 com Maria Gabriela Alves Ribeiro (1855-?)

Os primos e primas de 1° grau de  Romeu Rodrigues Freitas:

1) Antonia de Lima ( 1873-?)
2) Marcos de Lima (1875-?)
3) Francisco de Lima (1875-?)
4) filho de Lima (1876.1876)
5) Maria de Lima (1877-1884)
6) Antonia Petronila de Lima (1879-?)
7) Agueda de Lima (1882-1882)
8) Joana de Lima (?-1883)
9) Gabriel de Lima ( 1885-?)
9) Maria de Lima II (1887/1887)
10) José de Lima (1889-?)
11 Tercilia de Lima (1892-?)
12) Dorcina Natividade (1894-?)
13 Priciliana de Lima (1897-)
14 Ercilia de Lima (1899-?)
15 João  de Lima (?-1888-?) 

tia de avó  Maria Antonia Ribeiro de Lima (1871-1903) (?)

Cenas finais

Romeu Rodrigues Freitas faleceu, em  3 de setembro de  1971, não envenenado como o Romeu do romance, mas pelo veneno da modernidade: o acúcar. Ele sofria de diabetes. Sua esposa Ieda Rodrigues Freitas, a "JulIeda" também não foi como no filme, com uma punhalada no coração, e sim de sequelas de um acidente vascular cerebral, em 2 de novembro de 1996, em Varginha, Minas Gerais.


sexta-feira, 16 de setembro de 2016

domingo, 4 de setembro de 2016

Prisciliana Izidora do Espírito Santo, a boa vizinha


do Gamarra vejo onde nasci:
no  vigésimo terceiro jumento
daquela tropa de montanhas.

vejo as terras de Pouso Alto onde o sol cobre sua claridade
como os gatos cobrem as fezes.

vejo a estrada de São  Tomé das Letras os carvoeiros queimando pedras.
do Gamarra percebo melhor 
o que está a nove léguas:
  a lua
  a hormiguillla
  os pêssegos do primeiro amor


Hoje vamos contar a história de Prisciliana Izidora do Espírito Santo, terceira filha do casal Thereza Ribeiro de Jesus/Lima e José Florencio Bernardes, batizada numa manhã  de sábado, em 16 de junho de 1864, pela tia Virgolina Balbina de Lima (1833-?) e seu marido Francisco Bernardino de Faria,  na Capela de Santo Antonio do Piracicaba. Ela foi minha, nossa prima de 3°grau.


Seus avós maternos, João José de Lima e Silva (1798-1875) e Joana Thereza Ribeiro de Lima (1807-1860), vieram procedentes da cidade de Pouso Alto e foram contados no Censu da povoação no ano de 1839. O documento (abaixo) enviado gentilmente pelo Arquivo Público Mineiro é o mais antigo documento comprovando a existência de nossos ancestrais. A família migrou para as terras da Comarca do Rio das Mortes, onde se encontrava Baependi. No registro já continha o nome de sua mãe, Thereza Ribeiro de Lima, com 2 anos de idade e mais 5 escravos (Veja no quadro  abaixo), que, em 22 de  julho de 1855, se casou, na Igreja Matriz de Baependi, significando que toda a família  já  tinha se mudado para o Chapeo nesta data.


Casamento do Ó!

O Baependiano
Mons. Marcos
Prisciliciana casou aos 18 anos de idade, em 13 de novembro de 1882,com Antonio José  Cassiano Pereira (?-?), fazendeiro, viúvo de Maria Candida Pereira, às 5 e meia da tarde, no altar erigido na fazenda de seu pai José Florencio Bernardes, no Chapeo, celebrado pelo Monsenhor Marcos Pereira Gomes Nogueira.

E o casamento deve ter sido mesmo um acontecimento social, pois o padrinho, o Major Luiz Joaquim Nogueira Meirelles Cobra, era fazendeiro influente na região, filho de 5a geração de Tomé Rodrigues Nogueira do Ó, um bandeirante procedente da ilha da Madeira, considerado o fundador da cidade de Baependi. Seu pai, já aqui biografado como "O homem dos raios", era fazendeiro e ativo na política baependiana, colaborador em diversas vezes do Jornal "O Baependiano", com cujo jornalista e proprietário Amaro Carlos Nogueira mantinha grande amizade. Não foi à toa que seu casamento foi noticiado com grande pompa  na seção "Gazetilha", n° 261 no "O Bapendiano".


Além do Major Luiz Joaquim Nogueira Meirelles Cobra, foi testemunha José Roque de Almeida, outro também ativo da política baependiana e professor da escola de Santo Antonio do Piracicaba. Ele que veio a público se despedir de todos, quando mudou-se para Pouso Alto como professor, provavelmente designado para aquela localidade em outubro do mesmo ano. (vide anuncio).
O termo de casamento ficou arquivado com Dona Elvira Maria Ferreira, filha de João Ferreira Simões, proprietário de Justinianna e Sabina, vó e mãe de Gervásia Maria Ayres, a vó Gervásia, respectivamente. As minhas suspeitas aqui se confirmaram: as famílias Ferreira SimõesLima e Silva eram vizinhos de porteira lá no Chapeo. O seu consorte, Antonio Cassino assim como seu sogro era ativo na política. Como eleitor de Baependi constou nas listas de votação, no ano de 1884.  E para ser eleitor tinha que "ser homem de bem"  e de cabedal, isto é posses. Assim...



Histórias de família:
Falso ouro e filhos ao longo da Estrada Real

Histórias da família são sempre histórias de família, com todas as suas facetas. Os antepassados de Prisciliana pelo lado paterno pertenciam a uma longa geração de comerciantes, provindos da Região de Flandes, hoje Bélgica, que se instalaram na Ilha da Madeira. Como eles tinham boa relação com a Coroa Portuguesa, imigrarem para o Brasil no século XV, sendo pioneiros na colonização de São Paulo. Um dos descendentes dos "Lemes" saiu de Sorocaba, percorreu os caminhos da Estrada Real e  foi residir em Aiuruoca.

Sua avó Anna Francelina de Castilho (1809-1889), era moradora do quarteirão 0, Fogo 4, de Alagoa, pertencente à Aiuruoca, no ano de 1832. Anna era bisneta de Domingos Lemes Bernardes  (1767-1838) e neta de 3° grau de Domingos Lemes de Brito (?-?), este último com uma vida passada realmente apimentada. Nascido em Guaratinguetá, foi tendo filhos em estado de solteiro ao longo da Estrada Real, entre  Resende, Conceição do Rio Verde, Pouso Alto e Aiuruoca. No seu testamento diz que foi casado com sua primeira mulher Ursula Francelina de Castilho (bisavó de Prisciliana pelo lado materno)  e tiveram 12 filhos. E... mais 5 "por fora". Assim era. Este comportamento foi detectado por Saint Hilaire, em suas viagens pelo interior do Brasil.

Pelo lado da família de seu marido, parece que honestidade não era virtude. O bisavó de seu marido Antonio José Cassiano Pereira, José Cassiano  foi cobrado pelo capitão Francisco Ribeiro da Silva, morador de Baependi, por ter comprado fumo "importando em 9 oitavas e 1/4 de ouro", o qual havia lhe recebido com ouro falso, segundo o despacho, de 27 de outubro de 1803, de Vila Rica, atual Ouro Preto. Gentes... Pagou com ouro falso...

Mas Prisciliana pelo visto casou bem "nos conformes" e da união nasceram 10 filhos:

1) -  Zulmira Cassiana (1884-?)
2) - Alexandrina  Cassiana (1886-1955), casada com Antonio Joaquim Maciel.
3) -  Pedro Pereira (1887-?)
4) -  Alfredo Cassiano Pereira (1892-?)
5) -  José Cassiano Pereira (filho) 1894-?)
6) -  Casimiro Angelo Pereira (1896-1958)
7) -  Vital Cassiano José Pereira (1899-?)
8) -  Prisciliana Cassiano Pereira (?-?)
9) -  Thereza Cassiano (?-?) casada com José Arlindo de Castro.
10 -  Cecília Cassiana (?-?), casada com Abel Ferreira Gomes.

A última cerimonia na fazenda

Na época que  Prisciliana se casara, em 1882, os movimentos abolicionistas   fervilhavam na província. Na década anterior, em 1871, foi promulgada a Lei do Ventre Livre e os filhos de escravos, nascidos depois desta data, eram considerados "livres". Uma das beneficiadas foi a minha, a nossa vó Gervásia Maria da Conceição , que nasceu, em 1881.  Mas tão livres não eram.  Os filhos dos escravos segundo a lei, seriam mantidos sob os seus "cuidados" até a idade de 8 anos, trabalhariam até os 20 anos para... "Pagarem pela educação recebida". A lei tentava atender aos críticos da escravidão, sem prejudicar as lavouras e os interesses dos donos dos cativos. Bem, na verdade os escravos ficaram quase que na mesma situação, isto é, seriam "libertos" aos 20 anos de idade.
Do outro lado do mar a Inglaterra fazia pressão para impedir o tráfico de escravos, pois ela tendo feito a Revolução Industrial, saiu na frente na corrida de novos mercados. A fim de evitar a concorrência desigual da mão de obra paga, os ingleses exigiam que os demais países avançassem em direção ao processo capitalista de produção. Ah, não era por convicção humanitária que os ingleses clamavam pelo fim da escravidão e sim por sede de lucro.

"Recebe-se qualquer quantia, para o mais dá-se praso"

Na família de Prisciliana pelo lado materno a tia/madrinha Virgolina, que apadrinhou a minha bisavó, a  escrava  Sabina Maria da Conceição e mais outros 6 filhos de escravas, a mão de obra escrava ainda era utilizada. Mas a situação dos proprietários de escravos iria mudar. Em julho de 1886, 3 anos antes da abolição, se realizaria a última festa na fazenda do Chapeo: O casamento do irmão José Florencio Bernardes Junior com Maria Francelina de Castilho. Em agosto, seu pai colocou a propriedade à venda (vide anúncio). Ele estava vendendo tudo, casa, terras, suas vacas, monjolo e... Toda a mobília da casa! E mais, a qualquer preço: "Recebe-se qualquer quantia; para o mais dá-se o prazo." Por quais dificuldades estariam passando a família dos pais de Prisciliana?


Talvez já antevendo o futuro com a libertação dos escravos e consequente a falta da mão de obra para tocar as lavouras, José Florencio tomou a radical atitude de se  desfazer de suas posses e ir morar na cidade...

O proprietário do Jornal O Baependiano, Amaro, o seus colaboradores, e que também  eram possuidores de escravos, defendiam a dúbia posição contra a escravidão  e pediam ao governo que importassem braços europeus, no mínimo para "embranquecer" a população brasileira. Para eles a escravidão teria que ser abolida "paulatinamente", para que não houvesse uma ruptura abrupta no sistema e os escravos pudessem ser substituídos por trabalhadores livres europeus.

E a história ia sendo escrita. O movimento abolicionista ganhou grande força  na sociedade. A justiça passava a olhar com maus olhos a escravidão e os próprios escravos reivindicavam a sua liberdade. A coroa não suportando as pressões, aos 13 de maio de 1888, foi assinada pela Princesa Isabel a Lei Áurea, abolindo a escravidão. Assim o Brasil passara a ser o último país do continente americano a libertar os escravos de seus grilhões, mas não de dura vida que eles teriam a partir daquela data. Sem qualquer preparo, eles foram da noite para o dia ""libertos", mas por não terem alternativas, muitos continuaram a trabalhar para os seus antigos donos.

Esta tudo ligado...

Prisciliana bateu todos os recordes como madrinha. Sua carreira de iniciou-se aos 18 anos, quando ela foi madrinha pela primeira vez, em 1883  e continuou até o ano de 1907. Ao todo ela batizou 30 crianças e por 4 vezes foi madrinha de casamento! Em quase sua totalidade as cerimonias foram realizadas na  nossa conhecida Capela de Santo Antonio do Piracicaba. Os seus afilhados de  eram na maioria filhos de fazendeiros locais, gente que tinha alguma posição social.

Em uma curiosa conversa telefonica com minha tia Josina, pelo meu lado materno,  e que hoje mora no Rio de Janeiro, relatou que a família "dos Cassianos"  era vizinha da família de meus avós " dos Gomes", no Gamara. Contou ainda que o cunhado, José Cassiano, que faleceu de um grave acidente, por ter sido atingindo no ventre por uma chifrada de boi,  foi padrinho de batismo de minha tia Ana de Abreu, casada com Tibério de Abreu, irmã de minha mãe, Arminda Maria Ayres.
José Cassiano levara o meu avo doente até o hospital de Baependi. E mais ainda, que os Cassianos compraram a parte das terras inventariadas que pertenceram aos seus pais,  isto é,  meus avós, denominada hoje Fazenda Santa Rosa e que uma remanescente, uma neta dos Cassianos ainda morava lá, em Baependi... Que Prisciliana  era uma bondosa vizinha e ajudava a todos, com alimentos e cobertores para os pobres. Segundo ela, Prisciliana Isidora faleceu já idosa de uma doença desconhecida, na cidade de Baependi, onde viveu nos seus últimos anos de vida. Seus descendentes provavelmente moram até hoje na região, outros espalhados pelo mundo, como nós.



Fonte:
Wikipedia
Projeto Compartilhar
Jornal, O Baependiano
Foto: Baependi
Poesia: Eustaquio Gorgonne
            de Ossos naives