De couro era a porta das cabanas, o rude leito aplicado ao chão duro, e mais tarde a cama para os partos; de couro todas as cordas, a borracha para carregar água; o mocó ou alforge para levar comida, a mala para guardar roupa, mochila para milhar cavalo, a peia para prendê-lo em viagem, as bainhas de faca, as bruacas e surrões, a roupa de entrar no mato, os bangüês para curtume ou para apurar sal; para os açudes, o material de aterro era levado em couros puxados por juntas de bois que calcavam a terra com seu peso; em couro pisava-se tabaco para o nariz." (1)
A utilização de pele de animais é tao antiga como a história da humanidade. Os homens de todas as eras eram caçadores por consequente desenvolveram ao longo dos milenios técnicas de preparação da pele de animais para seu uso. Os mais antigos achados no Egito comprovam que o trabalho com o couro já era largamente praticado e tinha várias utilidades inclusive como papel e foi encontrado em vários sarcófagos. A técnica de trabalhar o couro daqueles tempos não diferencia das técnicas de hoje, tendo os ítens básicos: pele, óleo e gordura.
Ciclo do Ouro, Ciclo do Couro
Foi Tomé de Souza quem introduziu as primeiras cabeças de gado no Brazil, em 1534 trazidas das Ilhas de Cabo Verde. Elas serviam como meio de transporte, forca motriz nos engenhos de açúcar, além da carne, leite e... o couro.
Assim as fazendas foram extendendo a sua criação, de Sergipe, depois para os hoje estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Paraíba avançando em direção ao sul até a região do São Francisco, Minas Gerais. A pecuária ofereceu então não somente a carne e seus derivados, mas sobretudo o couro, empregado na confecção de roupas, calçados, utensílios de trabalho e domésticos, desenvolveu-se a "indumentária!" como chapéu de couro, gibão, apertadas, perneiras, além das selas, artelhos para adestrar os animas surgindo daí uma tradição de atividades ligadas a manufatura do couro.
Parada dos Tropeiros |
Antigos oficios do nosso Sertão
Antes do advento da cafeicultura, as fazendas mineiras eram grandes produtoras de gado bovino para corte além de produziam géneros alimentícios que eram transportados para toda a província em tração animal, cavalos, burros e carros de bois. Com uma farta matéria prima, surgiram um grande número de atividades profissionais que compunham os antigos ofícios do sertão ligados ao abastecimento das necessidades das tropas, fosse elas de carga ou de gado. Eram eles Seleiros, Trançadores, Vaqueiros, Boiadeiros, Tangeiros, Tropeiros, Curtidores, Sapateiros, Açougueiros, assim como os que trabalhavam com metais, como os Ferreiros, Ferradores, Funileiros ou Tecelões que trabalhavam com palha. Muitas das vezes a mesma pessoa tinha vários ofícios e isso pode se confirmar na família pelos relatos dos descendentes de José Fernandes Ayres, o Trançador-velho, como ele era tratado.
O couro, não somente de bovino, mas de animais selvagens como antas, veados, também eram usados e muito valorizados na época como matéria-prima essencial na confecção de peças de vestuário, calçado ou apetrechos de montaria. Os tropeiros foram grandes consumidores desses produtos. Além do que havia uma grande necessidade de reposição das tralhas de montaria.
O trabalho em couro exigia certa habilidade, tanto naquela época como hoje e ha várias técnicas envolvidas no trabalho do artesão. Primeiro ha necessidade de preparação das ferramentas, como facas, gravadores, além de saber fazer avaliação da qualidade do couro. Outro, além dos procedimentos do descarne, depilação, e amaciamento das peles. O artesão tem que ser capaz de saber "tirar os tentos", isto é, saber cortar as tiras de couros que são serão usadas em diversas formas de tecer.
Estica, puxa, raspa, corta...
O trabalho do nosso bisavô começava com a escolha do boi. O couro preferido pelos Trançadores dependia da região e o tipo de gado criado. Havia diferentes raças de bois e cada um fornecia o couro com diferentes cores variando de marrom escuro, claro ou amarelados. O couro para ser trançado não podia ter nenhuma cicatriz, pois se tornavam frágeis e quebradiços. Em regra, o couro nunca é secado em dias úmidos, mas durante o período da seca. Ele era tirado no local onde o animal fora abatido com muito cuidado para não estragá-lo, depois lavado bem, por dentro e por fora e no mesmo dia esticado, ou a peça inteira ou cortado ao meio, no sentido transversal, entre a cabeça e a cauda.
Segundo o autor Vladimir Benincasa em Seleiros e Trançadores, Antigos Ofícios no Sertão de Rio Pardo, a figura do Trançador era bastante próxima dos tropeiros, quase um "profissional de confiança" tanto para os consertos quanto para a confecção de objetos de uso pessoal. Os tropeiros faziam suas encomendas quando da passagem das tropas pela cidades. Os objetos mais pedidos, a rédeas, o rebenques, os pelos, os laços, as cabeçadas e os peitorais.
O segredo das tranças
José Fernandes Ayres trabalhava com poucas ferramentas. O canivete, a faca, alguns alicates, sovelas e vazados. Também usava agulha e linha. Pedaços de madeira eram usados para servir de padrão para o corte das tiras de couro em espessuras pré determinadas. Ha inúmeras variações umas mais simples outras mais complicadas, podendo chegar a 18 ou 21 tentos, ou seja, tranças. Mas não somente o couro era única matéria-prima do velho Trançador. Ele usava também a crina da cauda do cavalo para a confecção de rédeas, este o mais difícil de trabalhar, pois exige grande habilidade do artesão.
Ainda, o trabalho exigia muita criatividade, afinal as indumentárias em couro, os apetrechos era como "vestir" o animal da cabeça até a cauda. Os acessórios, adornos no peitoral, os laços e relhos bem trabalhados valorizavam não só a montaria, mas também o montador. Saint Hilaire o botânico e viajante francês descreve em 1822, na sua Segunda Viagem a São Paulo, como um senhor de engenho se vestia e a importância que davam para a aparência:
"Em casa usa roupa de brim, tamancos, calça a mal amarrada e não põe gravata; enfim, indica-lhe a toialette que é amigo do comodismo. Mas, se monta a cavalo e sai, é preciso que o vestuário lhe corresponda à importância e então enverga o jaleco, as calcas, as botas luzidias, usa esporas de prata, cavalga sela muito bem tratada."
Hoje ha várias associações que tem como o objetivo restagatar a cultura tropeira e fácil, fácil fazer um "curso rápido" de como se trança couro. Mas ensinar a técnica de trançar não passava pela cabeça de José Fernandes Ayres naquela época, pois tudo era guardado em segredo para não ser copiado, mantendo o monopólio do trabalho e evitando a concorrência. Conta na família que José Trançador-pai confeccionava os seus artefatos, suas rédeas, seus relhos... De costas, num corredor para ninguém ver. Esta história nos foi resgatada pela nossa pesquisadora Maria das Graças Pereira Silveira, a Graça, em uma de suas visitas regadas a bolo e café ao Ramo dos Ayres, em São José dos Campos, São Paulo.
De pai para filho
O único que aprendeu os segredos de seu trabalho foi José Ayres de Lima, o Trançador-filho, casado com Gervásia Maria da Conceição. Segundo Celia de Lima Araujo, o pai adquiria a matéria prima para o seu trabalho no Matadouro Municipal de Caxambu (foto). Cheguei a ter um relho nas mãos quando criança, mostrado por minha vó Gervásia. Havia também dois tamboretes na varanda da cozinha com assentos de couro. Era lá que eu gostava de me aboletar quando criança. Na época não fazia idéia do seu valor dos objetos para a história da família.
O couro, não somente de bovino, mas de animais selvagens como antas, veados, também eram usados e muito valorizados na época como matéria-prima essencial na confecção de peças de vestuário, calçado ou apetrechos de montaria. Os tropeiros foram grandes consumidores desses produtos. Além do que havia uma grande necessidade de reposição das tralhas de montaria.
O trabalho em couro exigia certa habilidade, tanto naquela época como hoje e ha várias técnicas envolvidas no trabalho do artesão. Primeiro ha necessidade de preparação das ferramentas, como facas, gravadores, além de saber fazer avaliação da qualidade do couro. Outro, além dos procedimentos do descarne, depilação, e amaciamento das peles. O artesão tem que ser capaz de saber "tirar os tentos", isto é, saber cortar as tiras de couros que são serão usadas em diversas formas de tecer.
Estica, puxa, raspa, corta...
O trabalho do nosso bisavô começava com a escolha do boi. O couro preferido pelos Trançadores dependia da região e o tipo de gado criado. Havia diferentes raças de bois e cada um fornecia o couro com diferentes cores variando de marrom escuro, claro ou amarelados. O couro para ser trançado não podia ter nenhuma cicatriz, pois se tornavam frágeis e quebradiços. Em regra, o couro nunca é secado em dias úmidos, mas durante o período da seca. Ele era tirado no local onde o animal fora abatido com muito cuidado para não estragá-lo, depois lavado bem, por dentro e por fora e no mesmo dia esticado, ou a peça inteira ou cortado ao meio, no sentido transversal, entre a cabeça e a cauda.
A tarefa de esticar o couro é uma das mais importantes fases de sua preparação; ao esticar retira-se o resto de carne ou gordura. O tempo de secagem dura de 4 a 5 dias tendo o cuidado de protege-lo contra a humidade. Nas etapas seguintes o pelo é raspado e sendo colocado para descanso mais dois dias. E para que vocês tenham a idéia do que era o trabalho de nosso bisavô na prática, acompanhem no vídeo.
O segredo das tranças
José Fernandes Ayres trabalhava com poucas ferramentas. O canivete, a faca, alguns alicates, sovelas e vazados. Também usava agulha e linha. Pedaços de madeira eram usados para servir de padrão para o corte das tiras de couro em espessuras pré determinadas. Ha inúmeras variações umas mais simples outras mais complicadas, podendo chegar a 18 ou 21 tentos, ou seja, tranças. Mas não somente o couro era única matéria-prima do velho Trançador. Ele usava também a crina da cauda do cavalo para a confecção de rédeas, este o mais difícil de trabalhar, pois exige grande habilidade do artesão.
Ainda, o trabalho exigia muita criatividade, afinal as indumentárias em couro, os apetrechos era como "vestir" o animal da cabeça até a cauda. Os acessórios, adornos no peitoral, os laços e relhos bem trabalhados valorizavam não só a montaria, mas também o montador. Saint Hilaire o botânico e viajante francês descreve em 1822, na sua Segunda Viagem a São Paulo, como um senhor de engenho se vestia e a importância que davam para a aparência:
"Em casa usa roupa de brim, tamancos, calça a mal amarrada e não põe gravata; enfim, indica-lhe a toialette que é amigo do comodismo. Mas, se monta a cavalo e sai, é preciso que o vestuário lhe corresponda à importância e então enverga o jaleco, as calcas, as botas luzidias, usa esporas de prata, cavalga sela muito bem tratada."
E artesãos guardavam o seus segredos. Os laços que podem ser trançados em quatro, seis, ou oito tentos, isto é tranças, vão sendo humedecidos a medida que a tranças vão sendo feitas, para torna-as mais maleáveis e o trabalho ter um melhor acabamento. O segredo é a finalização das extremidades que prende a trança na argola de metal.
Hoje ha várias associações que tem como o objetivo restagatar a cultura tropeira e fácil, fácil fazer um "curso rápido" de como se trança couro. Mas ensinar a técnica de trançar não passava pela cabeça de José Fernandes Ayres naquela época, pois tudo era guardado em segredo para não ser copiado, mantendo o monopólio do trabalho e evitando a concorrência. Conta na família que José Trançador-pai confeccionava os seus artefatos, suas rédeas, seus relhos... De costas, num corredor para ninguém ver. Esta história nos foi resgatada pela nossa pesquisadora Maria das Graças Pereira Silveira, a Graça, em uma de suas visitas regadas a bolo e café ao Ramo dos Ayres, em São José dos Campos, São Paulo.
De pai para filho
O único que aprendeu os segredos de seu trabalho foi José Ayres de Lima, o Trançador-filho, casado com Gervásia Maria da Conceição. Segundo Celia de Lima Araujo, o pai adquiria a matéria prima para o seu trabalho no Matadouro Municipal de Caxambu (foto). Cheguei a ter um relho nas mãos quando criança, mostrado por minha vó Gervásia. Havia também dois tamboretes na varanda da cozinha com assentos de couro. Era lá que eu gostava de me aboletar quando criança. Na época não fazia idéia do seu valor dos objetos para a história da família.
Sylvio Aires de Lima, filho de Anna Ayres de Lima, a Lica, e neto José Fernandes Ayres, o Trançador velho, conta que, quando jovem, ainda possuía cela, arreios e outros objetos de couro feitos pelo avô e que foram (sic) vendidos, juntamente com um cavalo para uma pessoa de fora da cidade de Caxambu. O comprador estava mais interessado nos artefatos de couro que no cavalo, claro. Com o dinheiro da venda dos objetos de couro ele comprou o terreno, onde construiu sua casa e criou a família, lá no alto do bairro que leva o nome de seu avo: Trançador. Sentimentos à parte, o dinheiro da venda foi bem empregado. O Ramo dos Ayres cresceu lá pelos lados de São José dos Campos e tem nos dado muita alegria com suas histórias e memórias.
Bem, agora voces ficaram sabendo um pouquinho mais da profissão de nosso ancestral.
Biografia:
(1) Capristano de Abreu,
Die Geschichte des Leders
Rego, José Mora - Ciclo do Couro,
Benicasa, Vladimir - Seleiros e Trançados. Antigos Ofícios do Sertão do Rio Pardo,
Maia, Tom; Maia, Thereza. R.C. Folclore das Tropas, Tropeiros e Cargueiros no Vale do Paraíba, Rio de Janeiro, 1980.
Foto: Autores desconhecidos
Benicasa, Vladimir - Seleiros e Trançados. Antigos Ofícios do Sertão do Rio Pardo,
Maia, Tom; Maia, Thereza. R.C. Folclore das Tropas, Tropeiros e Cargueiros no Vale do Paraíba, Rio de Janeiro, 1980.
Foto: Autores desconhecidos
Nossas histórias não têm fim...cada dia é uma lembrança! !!
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