"Lá no final da cidade, ou no começo dela, dependendo de onde se vinha, ficava o Matadouro. Perto de casa, caminhada curta para os adultos, para as crianças era uma aventura. Interessante pelo que era, tinha a coisa agourenta que tem todo lugar onde a morte ronda, mas para a criançada era oportunidade de uma boa caminhada e ativação da imaginação."
Mas antes de deixar a Janice Drumont, a nossa vizinha de frente, na Rua Quintino Bocaiúva, contar suas impressões sobre o lugar, vamos voltar lá nos idos de 1881, quando numa seção presidida pelo presidente da câmara dos vereadores de Baependi, o Coronel Justo Maciel, recebeu a petição de Vicente Peixoto para a construção de um matadouro em Caxambu, onde mais tarde o nosso bisavô, José Fernandes Ayres, Trançador-velho e meu avô José Ayres de Lima, o Trançador-filho adquiriam couro, matéria prima para o seu trabalho.
Em ata do 2° dia da Seção Ordinária do dia 22 de janeiro de 1881, foi lida a tal petição de Vicente Peixoto e deliberado que o vereador José Ribeiro "se entendesse com o proprietário sobre a indenização do terreno preciso para tal fim", noticiava o jornal O Baependiano. Lembrando que naquela época Caxambu pertencia a Comarca de Baependi e vindo se separar dela somente, em 1901, sendo assim as decisões politico-administrativas estavam sob sua jurisdição.
Somente quatro anos mais tarde as obras foram iniciadas, demonstrando a morosidade do poder público. No dia 21 de outubro de 1885, o Matadouro em construção recebeu a visita do Tenente José Francisco Maciel, presidente da Camara Municipal de Baependi, a qual a obra foi dada pela sua administração e cujo vice-presidente, João Frauzino Alves Pereira foi encarregado de sua execução.
Somente quatro anos mais tarde as obras foram iniciadas, demonstrando a morosidade do poder público. No dia 21 de outubro de 1885, o Matadouro em construção recebeu a visita do Tenente José Francisco Maciel, presidente da Camara Municipal de Baependi, a qual a obra foi dada pela sua administração e cujo vice-presidente, João Frauzino Alves Pereira foi encarregado de sua execução.
"O Matadouro esta sendo construído em logar apropriado, à margem do Bengo, abaixo da povoação, em terreno comprado do Sr. Manuel de Seixas Baptista, por 150$00.
E um quadrado de 20 braças de lado , e dentro do qual constroe-se um telheiro de 20 braças em quadro, pouco mais ou menos para a matança."
Ah, Manuel de Seixas Baptista, para lembrar, foi o padrinho de batismo de Manoel Ayres de Lima, (1866-1908) o filho do José Fernandes Ayres (1834-1897), o Trançador-pai.
Mas três anos depois de construído, "em lugar apropriado, à margem do Bengo", como foi relatado acima, e exatamente por essas razões, começaram os problemas. "Achando-se ele em logar muito baixo e muito perto do córrego Bengo, é inundado sempre pelas enchentes do córrego, ficando o pavimento coberto de lama e areia de maneira a não poder se servir. Acresce que, sendo pavimento de pedras roliças e mal ajustadas, e tende-se parte destas despregado, contem elle fendas por onde penetra o sangue, que coagulando-se e decompondo-se, produz exalações prejudiciais à saúde pública."
As exalações odoríficas eram um problema, pois estando próximo a estrada eram sentidas pelos transeuntes e os cavalos, que ao passarem pelo local "refugavam, pondo assim seus donos em perigo". A proposta do jornal era que o Matadouro fosse removido para outro lugar, mas contraditoriamente escreve adiante: "O telheiro deve ser construído com a altura necessária para comportar o sarilho."
Assim era. A falta de planejamento e com outros parâmetros de higiene as obras eram feitas sem a fiscalização de profissionais competentes. E o resultado ao passar dos anos, o matadouro não atendia mais às necessidades de higiene no abate dos animais.
"Na visita que ha dias fizemos ao matadouro deste lugar verificamos a necessidade de remover o actual telheiro para melhor logar, que o ha dentro do terreno desapropriado, reconstruído-em melhores condições, com o melhor pavimento, e com a altura suficiente para comportar o sarilho do Sr. Julio Nobrega. (sarilho, equipamento que serve para elevar ou rebocar cargas).
O esquartejamento por meio do sarilho é um processo achado, com o que melhor se esgotam as rezes e se evita que matérias estranhas se misturem à carne.
O cavalheiro a quem nos referimos propõe-se a fazer as obras necessárias no matadouro, medeante a quantia de 500$, sendo 300$ para receber na ocasiono de entregar a obra e o resto para se descontar nos impostos que elle tem de pagar.
Esperamos que nossa câmara municipal prestará attenção ao assunto: uma povoação, como esta, precisa de ter um matadouro, ao menos aceado.
Ella examinará a proposta do Sr. Julio Nobrega, cujas condições nos parecem acceitaves, si não excelentes, para resolver como julgar mais acertado, mandando examinar as obras". O Baependiano, 1888.
E pela importância que tinha o comércio da carne para a região e para a Província de Minas, em 25 de março de 1888 é dado o reconhecimento da necessidade de reformas no prédio. Exatamente como descrito no Jornal O Baependiano, o piso foi elevado e no centro do prédio, o palco central onde os animais eram sacrificados (foto).
Oportunamente o senhor Julio Cunha da Nóbrega tinha acabado de se mudar de Barra Mansa para Caxambu com a família, em 1886 e abriu na cidade uma "casa de negócios" e açougue. Ele pareceu estar disposto a ajudar na reforma do prédio pela sua experiência no ramo de carnes. A metade dos custos seriam pagos pela prefeitura ao concluir a obra e a outra seria descontada dos impostos. Ve-se aqui que o poder público tinha pouca ação e deixou a cargo de um privado a execução das obras necessárias, com todos os riscos...
Mas o problema do Matadouro continuava sendo sua localização. O fiscal de Caxambu, José Teixeira Leal, comunicara a câmara o mal estado das estradas. Perto do Bengo e das enchentes, as ruas que davam acesso ao Matadouro ficavam intransponíveis com as chuvas, impedindo a passagem dos animais e carroças. Mais uma desculpa, ou argumento, para os donos das vacas mudarem o local de abate fazendo-os nos pastos... Um cidadão chegou a escrever para o jornal reclamando do lastimável estado da estrada a ponto das carroças que serviam ao transporte de carnes atolarem no lamaçal. No caso da estrada, o reclamante sanou o problema do próprio bolso "mandando fazer no valo uma estiva à sua custa", isto é, colocou madeira formando uma esteira onde passavam as carroças.
As reformas foram feitas e o prédio (foto) ficou nos conformes. Mas... Resolvido os problemas com a reforma do prédio, outro problema não menos importante veio à tona: A falta de um profissional para o controle sanitário dos animais. Em visita ao matadouro, o Jornal noticia: "A propósito lembramos à necessidade de um médico para o matadouro, e esperamos que nossa Camara Municipal se ocupara de nomear um." Reformaram o prédio e esqueceram da saúde dos animais e da saúde dos consumidores. Eita!
E tudo se tranforma...
E de notícia em notícia Julio Nobrega, apresentou uma vaca abatida, cujas "entranhas do animal que se achavam eivadas de tubérculos". Muito nobre por parte do dono do açougue por a público a saúde de sua mercadoria, mas como nada era desperdiçado ele resolveu transforma-la em sabão. E pensar que, em 1882, Robert Koch descobriu o agente infeccioso da tuberculose e sendo que os primeiros dispositivos legais instituindo a aplicação obrigatória do teste que diagnosticava a doença nas vacas, em 1897, no Rio de Janeiro e 1898, em São Paulo. Que dizer nos rincões das Minas Gerais, no Matadouro de Caxambu que nem veterinário tinha? Eles não sabiam que o manuseio da carne contaminada, também poderia transmitir a doença para os humanos...
Taxa mendigo
E para resolver as graves desigualdades sociais da velha Caxambu dos anos 40, houve uma soluçao no mínimo criativa. O prefeito Dr. Lysandro Guimarães, institui em 30 de abril de 1948 a "Taxa de transporte para o gado abatido no Matadouro Municipal". No parágrafo 2° consta que as taxas estariam sujeitas a cobrança de 10% para "socorro ao Mendigo". Gostaria de saber como era administrada esta taxa na prática...
Entrou década e saiu década. Da petição expedida no ano de 1881 até hoje se passaram 135 anos. Nós crianças nos anos 60 íamos assistir o espetáculo da morte à marretadas. Acredito que os métodos de abate não mudaram até esta data. O Matadouro teve no início dos anos 70 seus dias contados. E de estação final para as pobres vacas o prédio histórico, no Bairro Santa Rita, até tinha lá seu charme e poderia ter tido outro destino que servir à carceragem da cidade. Façam uma visita virtual.
Mas o problema do Matadouro continuava sendo sua localização. O fiscal de Caxambu, José Teixeira Leal, comunicara a câmara o mal estado das estradas. Perto do Bengo e das enchentes, as ruas que davam acesso ao Matadouro ficavam intransponíveis com as chuvas, impedindo a passagem dos animais e carroças. Mais uma desculpa, ou argumento, para os donos das vacas mudarem o local de abate fazendo-os nos pastos... Um cidadão chegou a escrever para o jornal reclamando do lastimável estado da estrada a ponto das carroças que serviam ao transporte de carnes atolarem no lamaçal. No caso da estrada, o reclamante sanou o problema do próprio bolso "mandando fazer no valo uma estiva à sua custa", isto é, colocou madeira formando uma esteira onde passavam as carroças.
As reformas foram feitas e o prédio (foto) ficou nos conformes. Mas... Resolvido os problemas com a reforma do prédio, outro problema não menos importante veio à tona: A falta de um profissional para o controle sanitário dos animais. Em visita ao matadouro, o Jornal noticia: "A propósito lembramos à necessidade de um médico para o matadouro, e esperamos que nossa Camara Municipal se ocupara de nomear um." Reformaram o prédio e esqueceram da saúde dos animais e da saúde dos consumidores. Eita!
E tudo se tranforma...
E de notícia em notícia Julio Nobrega, apresentou uma vaca abatida, cujas "entranhas do animal que se achavam eivadas de tubérculos". Muito nobre por parte do dono do açougue por a público a saúde de sua mercadoria, mas como nada era desperdiçado ele resolveu transforma-la em sabão. E pensar que, em 1882, Robert Koch descobriu o agente infeccioso da tuberculose e sendo que os primeiros dispositivos legais instituindo a aplicação obrigatória do teste que diagnosticava a doença nas vacas, em 1897, no Rio de Janeiro e 1898, em São Paulo. Que dizer nos rincões das Minas Gerais, no Matadouro de Caxambu que nem veterinário tinha? Eles não sabiam que o manuseio da carne contaminada, também poderia transmitir a doença para os humanos...
Taxa mendigo
E para resolver as graves desigualdades sociais da velha Caxambu dos anos 40, houve uma soluçao no mínimo criativa. O prefeito Dr. Lysandro Guimarães, institui em 30 de abril de 1948 a "Taxa de transporte para o gado abatido no Matadouro Municipal". No parágrafo 2° consta que as taxas estariam sujeitas a cobrança de 10% para "socorro ao Mendigo". Gostaria de saber como era administrada esta taxa na prática...
Entrou década e saiu década. Da petição expedida no ano de 1881 até hoje se passaram 135 anos. Nós crianças nos anos 60 íamos assistir o espetáculo da morte à marretadas. Acredito que os métodos de abate não mudaram até esta data. O Matadouro teve no início dos anos 70 seus dias contados. E de estação final para as pobres vacas o prédio histórico, no Bairro Santa Rita, até tinha lá seu charme e poderia ter tido outro destino que servir à carceragem da cidade. Façam uma visita virtual.
O Baependiano,1877-1889
O Patriota, 1917-1951
Fotos:
Autoria desconhecida
Um vi o matador dando paulada na cabeça da vaca porque ela estava com medo de chegar naquele tronco para levar maretada enquanto já tinha acabado de matar outra vaca na frente dela que estava amarrada coisas muito trister.
ResponderExcluirPessoal sem coração não podem ser chamados de seres humanos nunca terminei de ver saia de perto do portão.
Sim, nos criancas presenciamos muitas dessas cena...
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ResponderExcluirMuito interessante; não conhecia a história do Matadouro de Caxambu. Pena que o prédio foi demolido...como tantos outros, aqui em Baependi e Caxambu. Lamentável! Parabéns pela pesquisa.
ResponderExcluirSó uma observação, um detalhe. O jornal O Patriota foi fundado em 1917 (não 1927), e publicado ininterruptamente até 1951, sendo entregue ais assinantes sempre às sextas-feiras.
Era tão ruim que acabou
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