terça-feira, 12 de março de 2024

Villa Julia/ Se as casas contassem... /Os tempos de glamour e glória/ Um palacete em Caxambu onde se hospedou o presidente Wenceslau Bras, em 1918.



A Villa Julia desapareceu da paisagem urbana de Caxambu, bem como as histórias que por ela poderiam ser contadas. José Pereira e Souza, proprietário do imóvel era gerente da Casa Sucena, conhecida no Rio de Janeiro por comercializar obras sacras no início do século passado, além de roupas e tecidos.
Porque ele teria escolhido Caxambu para construir sua villa? Talvez pelas razões  que outros o fizeram: passar temporadas de verão na bela hidrópolis, beber suas águas, desfrutar do clima de montanha e repor as energias para voltar aos negócios no Rio de Janeiro. José Pereira e Souza era conhecido como tradicional comerciante da cidade e resolveu construir uma residência, que levou o nome de sua esposa Julia Barbosa (1868-?), com quem casara em 1896.  Pode-se dizer que a residência foi construída após esta data. Villa Julia era considerada pela revista Fon-Fon como "palacete". E era! Uma casa daquelas construída na área mais nobre da cidade, quase ao lado do Parque das Águas. Era o luxo! 

Pereira e Souza era português, nascido em 24 de fevereiro de 1866 na freguezia de Cepas, Conselho de Fafe, Portugal. Veio para o Brasil em 1877, em companhia de seu tio, e por motivo de doença, retornou a Portugal. Em 1889 volta ao Brasil e vai morar em Belém do Para, onde dedicou-se ao comércio de roupas, "casas de modas" como era chamado. Mas foi aconselhado pelo médico a procurar outro clima, e ele se mudou para o Rio de Janeiro, chegando pouco dias antes da proclamação da República, em 1889. Logo achou emprego na Casa Sucena, e, em 1892, José Pereira e Souza assumiu a gerencia definitiva do estabelecimento, quando o Conde de Sucena, o antigo proprietário se desligou da sociedade. Não vamos duvidar que Pereira e Souza tenha tido muito boas relações com o outro português Costa Guedes, proprietário da Casa Guedes, pois além de terem em comum suas residências em Caxambu, participaram ativamente de inúmeras iniciativas em prol da comunidade portuguesa no Brasil. O comendador Pereira reconhecia assim o poder curativo das águas. Ele frequentava não somente a estância hidromineral de Caxambu. Em sua viagem no ano de 1908 a Portugal, deu uma esticada até a França para tomar as águas de Vittel.

O Conde Sucena, de quem Pereira e Souza adquiriu a Casa Sucena, era também português. Nasceu em 1850, na Borralha, emigrou para o Brasil aos 17 anos e fez fortuna no Rio de Janeiro. Aos 22 anos já era sócio de uma empresa de vestuário que, em 1886, passou a ostentar o seu nome. O estabelecimento comercial inaugurado em 1806 era um dos mais antigos estabelecimentos comerciais do Rio de Janeiro. O conde era um homem rico e visitava frequentemente a Europa, abrindo casa de negócios em Paris. Em Minas, já sob  administração de Pereira e Souza foi inaugurada, em 1897, a filial de Juiz de fora. Bem, assim vão se conectando as histórias que foram dar em... Caxambu.

Da união nasceram de Pereira e Julia nasceram sete filhos: Maria Luiza Pereira de Souza (1897-1972); Ophelia Pereira de Souza (1899-1945); José Pereira de Souza (1901-1980); Deolinda Barbosa Pereira de Souza (1902-1986); Julia Pereira de Souza (1902-1986); Zélia Pereira de Souza (1904-1982); Maria do Carmo Pereira de Souza (1906-1976), que muito provavelmente, frequentaram a residência nas temporadas de verão da hidrópolis. 

Políticos e política
Na foto, Raul de Sá, no centro, Wenceslau Brás à direita, de terno escuro;
 abaixo à direita, seus filhos em frente ao palacete, 1918.

Pereira e Souza era muito bem relacionado com a política e o clero, e a Villa Julia foi palco de um acontecimento importante para a época. Nela hospedou-se o presidente do Brasil Wenceslau Brás (1914-1918), em visita à Caxambu, em final de mandato. Ele esteve na cidade com sua comitiva, que consistia não somente de seu assistente pessoal de gabinete o baependiense Raul de Sá (1889-1953), mas toda a família. Wenceslau Brás era amigo do comendador Pereira e Souza
 
O então presidente nasceu na cidade de São Caetano da Vargem Grande, hoje Brasópolis, na vizinha Itajubá, MG, em 26 de fevereiro de 1868. Foi empresário, advogado e político, exercendo a presidência do Brasil entre 1914 a 1918. Ele presidiu o Brasil em tempos conturbados. Três grandes acontecimentos históricos de repercussão mundial sucederam no seu governo: a Primeira Guerra Mundial, a eclosão da Gripe Espanhola e a primeira greve geral da história do Brasil em 1917. 


Na foto os políticos e autoridades em visita ao Parque das Águas, em 1918.
Da esquerda para direita: comandante Dodsworth Martins da Casa Militar do governo;
Dr Magalhães Viotti, prefeito de Caxambu; senador Eduardo do Amaral, candidato do P.R.M. à vice-presidência do Estado; presidente Wenceslau Brás; deputado João Lisboa; ministro da fazenda Antonio Carlos; dr. Policarpo Viotti, clínico em Caxambu.







Villa Julia

Sua filha Ophelia Pereira (1899-1945) e seu marido Carlos Hue Junior (1892-1971), casados em setembro, provavelmente em lua de mel, em Caxambu, foram fotografados no ano de 1916, praticamente em frente à casa de seus pais, tendo como fundo o coreto e a cascatinha, obra do Chico Cascateiro, na praça 16 de Setembro. Em que ano exatamente foi construída? Quando e porque foi demolida? Não sabemos. Preciosos documentos da cidade de Caxambu foram perdidos num incêndio, segundo meu pai José Ayres, criminoso. Assim ficamos somente com a memória das fotografias e os fatos políticos publicados nos jornais. 
 
Sabemos que Pereira e Souza faleceu aos 51 anos de idade, no Rio de Janeiro em consequência de um escleroma cerebral, acidente vascular cerebral, em 29 de setembro de 1921.
 
Se os descendentes continuaram a frequentar a Villa Julia após esta data, não sabemos e, infelizmente o tal palacete não existe mais, tendo somente a praça  16 de Setembro e as obras do Chico Cascateiro  como testemunhas de que ali existiu uma casa que seria importante para contar um pouco da história, não só de nossa cidade, mas da política brasileira. Na ocasião da visita de Wenceslau Bras se discutiu a instalação da escola agrícola, que viria a ser a Escola Agrícola Wenceslau Brás. Ah, mas essa já é outra história que vamos contar.


Fotos:
Centro de Documentação Histórica da Fundação   Getúlio Vargas
Revista Fon-fon
Novo Milênio: Histórias e Lendas de Santos: Santos em várias épocas - 1913- Impressões do Brasil
Fonte: 
Centro de documentação Histórica da Fundação Getúlio Vargas
Wikipédia
Jornal Mineiro: 1898 a 1900
O Baependiano
O Arauto 
A Verdade 1886 a 1896
O Pharol 
Revista Industrial de Minas Gerais - 1893 a 1897
 
Agradecimetos:
A Julio Jeha, sempre

domingo, 25 de fevereiro de 2024

Caxambu Policial/ Martinho Candido Viera Licio/ Um delegado de policia com cravo de flor (de verdade) na lapela



Quando Martinho Cândido Vieira Lício faleceu, a cidade sentiu um grande pesar. Seu corpo foi velado num dos templos de educação da cidade, o Grupo Escolar Padre Correia de Almeida, onde a família recebeu as condolências e as últimas homenagens. 

E, antes de por as mãos no teclado para escrever sobre Martinho Lício, fui fazer uma consulta à nossa biblioteca Familiar Celia Ayres. Não deu outra:

"Ele era um político feroz. Trabalhava na prefeitura e andava com um cravo de flor na lapela esquerda. Antigamente usava-se flor na lapela, broche, flor legítima. Onde ele chegava todos se calavam. Era o manda-chuva da cidade, o padrinho do Caxambu inteiro! Andava de bengala cumprimentando todo mundo. Teve um ano que não passei de ano. As professoras não tinham pedagogia para ensinar. E lá foi mamãe (vó Gervásia) pedir os seus préstimos. 
- Compadre, estou enroscada. Célia levou bomba no Santa Terezinha, e não querem que ela continue. 
- A senhora pode ir para casa, que eu vou resolver. E lá foi ele: 
- Quero que vocês façam a matrícula de Célia.
- Sim Comendador. "Célia foi novamente registrada e passou de ano, e... se tornou professora do Grupo Padre Correia de Almeida e depois foi lecionar no famoso Colégio Pedro II no Rio de Janeiro, onde se aposentou. Então, valeu, seu Martinho Lício!

Mas Martinho Lício já interviera em favor da família Ayres. Ele trabalhava na prefeitura de Caxambu, quando a minha tia-avó, Josephina Ayres (1869-?) perdeu seu filho José, que ajudava seu tio e tropeiro Cecílo Ayres a levar uma boiada para São Paulo. A tropa foi assaltada, e José morto. Após a tragédia, Martinho Lício teria ajudado Josephina a construir uma pequena casa no terreno de Sá Delphina, dona de terras no bairro Trançador. Essa história foi constada por Silvio Ayres e registrada por Graça Silveira e Vander Silveira em São José dos Campos, em 2017. Assim ficamos sabendo que ele também fez parte da história da família Ayres. 

Martinho Lício era natural de São Tomé da Letras, nascido em 27 outubro de 1864, filho de Martinho Vieira Lício e Maria Marfisa Vieira Lício. Veio moço para Caxambu e se tornou chefe político da cidade. Sua carreira como funcionário público se iniciou em 1893, quando encaminhou um requerimento solicitando a nomeação de uma comissão, a fim de se habilitar para o oficio de justiça. E em maio de 1894, mediante concurso, foi nomeado escrivão para o distrito de Caxambu. Foi o único candidato.

Martinho Lício casou-se em marco de 1902, na ainda denominada Capela Nossa Senhora dos Remédios, com Brasilina de Oliveira Itagiba Vieira.Casado com Vitalina dos Santos em segundas núpcias nasceu Martinho Cândido dos Santos (1905-1985) que futuramente se tornaria tenente brigadeiro da aviação, intervindo politicamente, em 1953, para que a antiga pista de pouso Tenente A`Relly, fosse reformada e transformada no Aeroporto de Caxambu. Tenente A 'Relly foi o aviador que pilotou o primeiro avião que sobrevoou a cidade de Caxambu num KC-124, em 1931. O aviador perdeu a vida num acidente aéreo, e Martinho Lício resolveu homenageá-lo, batizando a pista de Tenente A'Relly que foi inaugurada em 1932.

Em 1910 era secretário do então Ginásio de Caxambu e, em 1916, na administração do dr Polycarpo de Magalhães Viotti constava como escrivão civil, além de ocupar a cadeira de inspetor escolar na "instrução pública", quando regiam as professoras Alice Andrade, Argea Castilho, Elisa Nogueira de Andrade e Leovegilda Castilho. Timão!

Martinho Lício, com a patente de coronel, foi fotografado com seus ajudantes  para a revista Fon-Fon em 1922. Podemos supor que a ligeira sombra branca da foto pode ser o cravo a que minha tia Célia se referiu.

Sentados (da direita para a esquerda) dr. Hernani Ferreira Braga, delegado de polícia; Coronel
Martinho Lício, escrivão da delegacia. Em pé (da esquerda para a direita) cabo Affonso Pinto 
de Freitas, comandante do destacamento de praças, 1922, Caxambu.

Em 21 de dezembro de 1966, no governo de Israel Pinheiro, o Fórum da Comarca de Caxambu passou a se chamar Coronel Martinho Lício pela lei n. 4307 da mesma data. Martinho deu seu nome também a ruas de Caxambu e Baependi. 

Faleceu aos 72 anos de idade, na residência de seu filho, Martinho Cândido dos Santos, no Rio de Janeiro, em 12 de outubro de 1937, em consequência de uma nefrite crônica. Foi velado no Grupo Escolar Padre Correia de Almeida (foto ao alto) onde os caxambuenses lhe prestaram as últimas homenagens.

Foto:
Revista Fon-Fon
Fonte:
Almak Laemmert Administrativo, Mercantil e Industrial, RJ, 1891-1940
O Patriota
Minas Gerais: Orgam Official dos Poderes do Estado (MG) - 1892-1900
Agradecimentos:
A Julio Jena, sempre
Nota:  Não há como saber quem são os autores de alguns documentos iconográficos publicados em nossas postagens, nem a quem pertencem os direitos autorais. Acolherei qualquer reivindicação dos detentores de seus direitos.

domingo, 4 de fevereiro de 2024

O fantasma do comunismo rondava Baependi em... 1879?

 


Não podemos ter ideia do que se passava na cabeça do jornalista Amaro Nogueira, editor de O Baependiano, ao publicar a nota sobre "comunistas" em Baependi, no ano de... 1879. Sim, bem longe das ideias do velho Karl Marx e acontecimentos políticos da época, Amaro Nogueira associou o roubo na propriedade de João Almeida Pedroso, na Lavrinha, região de Baependi, ao comunismo. João  de Almeida Pedroso (1819-12 fev 1881), natural de Sorocaba, SP, tinha patente de tenente coronel e foi casado com Prudenciana Nogueira de Sá. Era um dos homens mais ricos da região, constando no Almanak Sul Mineiro de 1874 como comerciante e "capitalista".   Foi ativo na política da província, sendo eleito representante pelo partido Liberal.  Possuía um grande número de escravizados. 
 
A cerca foi roubada "no decurso de uma semana", quando levaram a madeira avaliada em 20 carros, isto é, a quantidade equivalente a ser transportada em vinte carros de boi. O prejuízo foi não somente a perda da cerca, mas sua ausência permitiu que o gado danificasse a lavoura, bem como a plantação de café.

Mas vamos lá para decifrar as coisas e palavras. Fui pedir ajuda à Wikipedia. Comunismo vem do latim comunis e é um sistema ideológico e um movimento político e filosófico, social e econômico, cujo objetivo é o estabelecimento de uma sociedade comunista, ou seja, uma ordem socioeconômica estruturada sob as ideias do igualitarismo, propriedade comum dos meios de produção e na sua ausência de classes sociais, do dinheiro e do Estado. Ei! Aqui ninguém falou em roubo! Mas não, o jornalista  que lia as notícias vindas da Europa, dos conflitos da insurreição popular na França, em 1871, conhecida por Comuna de Paris, e as inquietudes provocadas pela Revolução Industrial na Inglaterra, apelou para o medo dos "comunistas", e parece que até hoje este bordão é usado.
 
Fonte:
O Baependiano, 1879.
Paula, Juliano Tiago Viana de. A manutenção da escravidão: desigualdades socioeconômicas, comparado e hierarquias sociais no Sul de Minas - Vila de Santa Maria do Baependi, 1830-1888, 2018.
Genealogia Paulistana Título Bicudos.
Familie Search
 
Agradecimentos:
A Julio Jeha, sempre

segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

As lembranças e afetos tem nomes e gostos…


Frutas cristalizadas da Maze. As deliciosas guloseimas que ganhei de presente da minha prima Graça Silveira, que mora hoje em São José dos Campos, estão sendo apreciadas ao pé da lareira no dia de Natal, trazidas pelo correio da Alemanha num silencioso carrobeletrico. Especialmente os figos cristalizados com nozes superaram (quase) os doces de figo que minha mãe fazia para as comemorações natalinas. Hoje tenho aqui uma pequena porção de figos e lembranças. Brigadim Graça. Está no coração 💓.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Lindenberg dos Santos Ayres/ Lindi ou Berg e seu time no Crac.


O tempo vai passando e a gente entra no tunel... túnel do tempo. Aí esta meu meio-irmão Lindenberg, (segundo ao alto da esquerda para direita) filho do eletricista José Ayres e neto de Gervásia Ayres de Lima. Ele era conhecido como Linde ou Berg, antigo funcionário da Cemig da cidade de Caxambu.
O local é o estadio do Crac, Clube Recreativo Caxambuense. Posso reconhecer somente um na foto, o Aro Serabion. Lembranças.

Foto:
Fonte reconhecida


 

domingo, 19 de novembro de 2023

Matadouro de Caxambu - Roteiro divertido na infancia, que virou Bairro Santa Rita



Em 1887 parece que já era costume as crianças assistirem a... "matança", e alguns condenaram o "espetáculo pouco próprio para se exibir à vista de uma população, principalmente crianças, que assim cedo se habituam  à crueldade", noticiava o Jornal O Baependiano. Parece que os animais eram sacrificados clandestinos, fora do matadouro Municipal. Mas se o jornal condenava a presença das crianças no sacrifício dos animais em casas privadas, nada fazia para evitar o espetáculo no Matadouro da cidade.

Na década de 1960 o espetáculo era grátis. Claro que não havia condições de por cortina no Matadouro e assim as crianças como eu podiam assistir o horrendo espetáculo sem censura.

Por mais de uma vez, Janice Drumont, a vizinha de frente lá da antiga Rua Quintino Bocaiuva, relata suas lembranças de infância para o nosso Blog, onde tudo era aventura, mesmo as cenas mais macabras produzidas pelo antigo Matadouro de Caxambu de onde provinha a matéria prima , o couro, empregado pelos nossos avôs José Ayres de Lima e bisavô Jose Fernandes Ayres, no seu trabalho como Trançadores.

"Dava para ver nos olhos das vacas"

"Lá no final da cidade, ou no começo dela, dependendo de onde se vinha, ficava o matadouro. Perto de casa, caminhada curta para os adultos, para as crianças era uma aventura. Interessante pelo que era, tinha a coisa agourenta que tem todo lugar onde a morte ronda, mas para a criançada era oportunidade de uma boa caminhada e ativação da imaginação. 

Caminhávamos pela poeirada da rua até chegar a pequena ponte estreita, de parapeito de canos, sobre o Bengo, que nesta parte já se afunilava transformado em pequeno córrego bem fétido. Do outro lado a majestosa Fazenda Santa Terezinha, (veja no google onde era originalmente a entrada da Fazenda) palco de mil e uma travessuras. Era atravessar a ponte e pegar a trilha de areia fina e logo se via o prédio antigo, ladeado do curral onde as “vítimas” esperavam desconfiadas, o sacrifício com hora marcada. Dava para ver nos olhos das vacas a sentença, a expressão da condenação. Íamos em bando e se aí estivéssemos nos dias de matança víamos a cerca do curral com as pessoas empoleiradas aguardando os restos que o comércio não aproveitaria... e diziam até que aguardavam pra beber sangue retirado quente, na hora...  Mistério não confirmado, nunca vimos ninguém bebendo sangue alí, mas a idéia nos embrulhava o estômago, argh!!!! E alguns justificavam que o sangue era saboroso, dobrava a força e era até adocicado. Certo é que “frango ao molho pardo” também era feito com sangue e a gente bem que apreciava. Mas pensar no sangue vivo da vaca nos parecia até sacrilégio.

Tudo uma viagem, tudo uma aprendizagem

Seguindo adiante, logo depois, vinha a escola. Unidade pobre, onde faltava tudo. Mas no corredor ao lado da diretoria um grande cartaz com guloseimas mostrava a fartura que nenhum aluno ali teria. Calhava que quase sempre passávamos por aí próximo ao horário da merenda e era comum ouvir o canto da criançada em fila la dentro, cuja letra sugestiva dizia: “Pão com queijo, manteiga e leite também, é a merenda gostosa que a todos convém....” A canção rimava na letra, retumbava na música, mas virava incoerência no cérebro, pois cada um de nós sabia que aquelas crianças daquele bairro talvez nunca vissem manteiga e muito menos queijo.

Alí perambulávamos até que passasse um carro de boi que rangeria levando a gente em cima, passando de volta em frente as nossas casas e de la até o outro lado da cidade na entrada do bosque, ponto final para as crianças na estação, e dali era voltar correndo em bando, de volta a casa em final de aventura.
Nada era isento de sentido. Tudo aprendizagem.... e a gente nem sabia, só se divertia."

Agradecimentos:
A Janice, que tem sempre colaborado com o Blog da Família Ayres. Através de seu olhar nos remete as lembranças de vidas vividas, na antiga rua Quintino Bocaúva, hoje rua Magalhães Pinto, em Caxambu.
Para ler
Cliquem aqui e leiam também: (A completa história da construção do Matadouro da Cidade de Caxambu)

terça-feira, 3 de outubro de 2023

Parabéns Henrique Ayres/ Mais uma etapa concluída!


Hoje, dia histórico. É o fechar de um ciclo para iniciar outro. Ayres de Oliveira Henrique. De blaser, tênis branco, camisa branca passada a ferro a vapor, carregado na mala. Tudo nos trinks! Henrique Ayres ocupou a tribuna da universidade de Bozano, Itália, para fazer a apresentação de seu tralho final de mestrado. Os pais acordaram no breu da noite, após o despertador falhar; a tia (aqui) se embaralhou cedo com a técnica, mas conseguiu entrar no sistema. Dois continentes ligados. Brasil, Alemanha, Itália. A revolução!

Estamos a quase x anos luz de quando avó de 5° grau,  pela linha matrilinear assim composta: Justinianna Maria da Conceição (?-1901)  trabalhava como escrava nas plantações de tabaco na região do Chapéu, hoje bairro de Baependi, Minas Gerais; igualmente  a sua avó de 4° grau, Sabina Maria da Conceição (1865-?)também na condição de escrava ; sua avó de 3° grau Gervasia Ayres de Lima (1881-1971), nascida após a lei do Ventre Livre; seu bisavô José Ayres; seu avo Linderberg dos Santos Ayres, e sua mãe Fatima Ayres/Oliveira

Voltamos para o ano de 2023, no salto quântico, para lembrar oque o futuro é agora. Seus pais Elcio de Oliveira e Fátima Ayres de Oliveira foram decisivos para o filho pudesse alçar voo. De novo escrevemos: Agora Henrique, a bola esta com você. Voe alto. Estamos aqui todos torcendo para o seu sucesso na nova vida profissional.

Saudações d`Este país, Alemanha.
A tia Solange Ayres e o tio Franz Hecker


Henrique Ayres, aprendiz de sommelier
em 2023.

Foto:
Meeting/internet


domingo, 11 de junho de 2023

Fonte Venâncio / A história de um talentoso marceneiro chamado Venâncio da Rocha Figueiredo





Quando Venâncio da Rocha Figueiredo faleceu, em 15 de junho de 1931, aos 76 anos de idade, houve uma grande comoção na cidade. Com ele ia-se a história da captação das primeiras fontes do Parque das Águas de Caxambu. Por mais de cinquenta anos, ele exercera o seu trabalho na cidade. Pouco antes de falecer ainda trabalhava na Empresa das Águas.

E quem foi que conheceu Venâncio em sua infância?  Claro, nossa biblioteca familiar, minha tia Célia Ayres. "Ele vivia embrulhado, num cobertor, num cachecol, sei lá, numa capa, e vivia sentado numa cadeira de balanço lendo jornal". Assim era a visão de Célia criança de Venâncio. A casa era grande, conta ela, com terreno cheio de árvores e folhagens, onde havia duas máquinas de costura, onde suas irmãs, minhas tias, Mercedes Ayres/Soler e Catarina Ayres aprenderam a costurar com a filha do Venancio, a Sá Mariquinha, com juntamente com duas outras aprendizes, a Sá Julieta e Mariinha, mulata gorda que cantava na igreja".

Venâncio da Rocha Figueiredo Júnior nasceu em 1855, foi registrado na paróquia de Baependi, filho de Venâncio da Rocha Figueiredo, político ativo na cidade, e de Anna Carlota Nogueira. O casal teve quatro filhos: Ana Nogueira, nascida em 18 de julho de 1853, batizada por Luiz Fernandes da Costa Guimarães e Marisena Honoria Nogueira; Maria Luiza/Augusta da Rocha Figueiredo, batizada na Capela de Nossa Senhora dos Remédios, em 19 de novembro de 1854, futura esposa de Targino Pereira Noronha, proprietário de umas das primeira padarias da povoação, a Padaria Caxambu, em sociedade com Fernando Levenhagen, nos anos de 1883.

Seu pai não era um qualquer. Em 1880 foi nomeado procurador do comendador e proprietário de terras Antonio Theodoro Fortes Bustamante. Como político local, era membro da elite sul mineira e teve sua mulher, Anna Carlota Nogueira e a filha Anna Nogueira, convidadas para participar da comissão dos festejos em homenagem à Princesa Izabel, quando de sua visita a Caxambu. Venâncio filho, aos 13 anos de idade, ainda era muito jovem para ir à festa, mas ao completar os seus 17 anos, estava de casamento marcado com Maria Josepha de Mello e Souza.

Venâncio, um baiano de nascimento

Certidão de casamento de Venancio e Maria Josepha, 1855

































 

Ao achar a certidão de seu casamento, pensei que devia haver um erro de assento. Ele nasceu e foi batizado... na Bahia. Na verdade, ele era mesmo baiano de nascimento. Sua mãe grávida foi visitar parentes na província vizinha e por lá ele nasceu. A certidão, achada quando estava pesquisando sobre meu tataravô, é confirmada no texto Caxambu: de água santa a patrimônio estadual, de Maria de Lourdes de Lemos.


Às pressas 

O casamento realizou-se em altar privado na casa do político e autoridade local, o coronel Joaquim Ignacio de Mello e Souza, no dia 21 de julho de 1872, tendo como testemunhas Antônio Pereira Gomes Nogueira e José Garcia de Oliveira. A pressa de casar tinha uma razão: o seu primogênito não nasceu nove meses depois do casamento, e sim uma semana antes da cerimônia. 
 
O menino, que também se chamou Venâncio, foi batizado quase um mês depois, em 15 de agosto, em tempo para ser registrado como "filho legítimo", pois todas as crianças que nasciam fora dos casamentos eram considerados "naturais". Naquela época, uma criança viveria com essa pecha pelas regras não escritas da sociedade colonial. A criança viveu apenas 4 anos, falecendo em Conceição do Rio Verde, onde a família residia, e lá foi sepultado.

Seus outros filhos foram Venâncio Figueiredo Neto (1872-?), José da Rocha Figueiredo (1873-?), Brasilino da Rocha Figueiredo (1875-?, Maria Augusta da Rocha Figueiredo (1876-?),
Manoel da Rocha Figueiredo (1882-?) e Rosa da Rocha Figueiredo (1883-?). 

Venâncio teve também duas filhas com Clementina Rodrigues Ramos: Bertha / Rodrigues Ramos/ da Rocha Figueiredo (1893-?) e Margarida da Rocha Figueiredo (1895-?)

O multi talentoso marceneiro



Ao longo da vida, Venâncio demonstrou inteligência e competência no seu trabalho de captação das fontes de Caxambu. Na juventude, fora empregado da Casa Costa Guedes, tornando-se amigo de seu patrão, José Maria Costa Guedes. O Almanak Sul Mineiro traz Venâncio como marceneiro em Baependi e Caxambu, uma profissão que requeria talento para o trabalho manual. No seu livro, Maria de Lemos, escreve que ele  fazia também concertos em relógios e prestava serviços de bombeiro. Como auto-didata, foi ajudar o os doutores Viotti e Enout a captarem as fontes do Parque das Águas de Caxambu (fotos 2, 3, 4).

Em 1880, foi nomeado para compor a mesa de jurados em questões administrativas de Baependi. Venâncio estava cadastrado como eleitor em 1881, 1884 e, em 1896, fazia parte do Conselho Distrital na função de engenheiro, juntamente com Martinho Cândido Vieira Licio, secretário, José Ricardo Barbosa, fiscal de Caxambu, e Manoel Fernandes Moreira, fiscal de Soledade.

Ao terminar o trabalho de captação da fonte Leopoldina, Venâncio iniciou os trabalhos da fonte Duque de Saxe.  Então ele recebeu ordens para suspender, o que o fez. Na sua avaliação os trabalhos "prosseguirão sem incidente de ordem alguma, alvo as  dificuldades inerentes a fonte profundas". O motivo que se havia propalado, é que se havia perdido suas nascentes. Contra argumentava ele no anúncio publicado, em 9 de abril de 1892, no Jornal do Comercio do Rio de Janeiro: "as fontes lá se achao intactas e em condições de se fazer a mais perfeita captação".

A Empresa das Águas

Em 1890, o Conselheiro  Mayrink adquire a Empresa das Águas e contratou o engenheiro Henrique Lalligant, vindo diretamente da França, para prosseguir coma captação da fonte Dona Leopoldina, em lugar de Venâncio, pois o seu trabalho tinha gerado controvérsias. Sem sucesso, Lalligant deixou o trabalho e o Conselheiro Mayrink chamou Venâncio de volta para realizar o trabalho.

Em artigo publicado na Revista Brasileira de Geografia, Virgilio Correia Filho confirma o talento de Venâncio para o trabalho: "Nos serviços de captação das fontes, distinguiu-se Venâncio da Rocha Figueiredo, pelo seu tino prático e paciência na escolha dos veios d'água." Ele devia ter razão, senão Venâncio não teria sido convidado para trabalhar com o engenheiro Benjamim Jacob no governo de Rodrigo Sales, no serviço de captação das águas de Lambari entre 1905 e 1906. Lá foi ele ajudar as vizinhas Cambuquira e Lambari a ver suas águas brotarem (foto 1).

"O mesmo padrão de demonstração é representado em Águas Virtuosas de Baependy, quando da extração das fontes Leopoldina (1891) e Duque de Saxe (1893), no parque do Caxambú. Os estudos de época demonstram que a vazão de água a partir da captação direto do veio da rocha é muito maior do que brotando no solo naturalmente. Preocupava-se com a profundidade exata de perfuração do veio correto, já que uma mesma rocha poderia apresentar mais de um veio d`agua, como no caso da rocha do Parque de Lambary." (1)

O talento de Venâncio para a captação das nossas águas estava então confirmado. Ele não era versado somente em coisas da água - era multi-talentoso. Foi ele quem fez funcionar o primeiro telefone na povoação, em 31 de setembro de 1888, mais precisamente no casarão  da família Guedes. Costa Guedes organizou uma companhia tendo Venâncio como técnico.

Em 1903, juntamente com o capitão Nicolau Tabolar, ocupou-se da iluminação pública das ruas de Caxambu, que era  feita a gaz acetileno. Em 1912, estava ele de volta ocupado na captação da fonte Mayrink, (foto 2 e 3), cujas análises ficaram a cargo de Cezar Diogo e Esteves Assis (foto abaixo).


Homenagem ao Mérito


Em setembro de 1891, quando foi dado como encerrada a captação da fonte Leopoldina, os aquáticos, aqueles frequentadores assíduos da povoação, renderam-lhe homenagem presenteando-o com um cartão de ouro com o emblema da bandeira republicana cravejado de brilhantes com a seguinte inscrição: "A Venâncio da Rocha Figueiredo Junior, homenagem ao mérito, fonte magnésiana, os aquáticos de Caxambu". A solenidade a aconteceu no hotel da Empresa. Ah sim, esse mereceu e merece nossas homenagens.

Venâncio foi sepultado no cemitério paroquial de Caxambu, com todas as honras, acompanhado da Sociedade S. José, a loja maçônica local, a Confraternidade Mineira, da qual ele fazia parte. José Ribeiro Guedes, filho de José Maria Costa Guedes, lhe rendeu as últimas homenagens, relembrando sua biografia.

Homenagem póstuma 

Quatro anos após sua morte, em 1935, a Empresa procurava uma fonte capaz de produzir gás para o abastecimento dos banhos gasosos do balneário. O que mais poderia ser achado no parque além de...  água? Em 1936 fizeram sua captação definitiva e suas águas inundavam de saúde a piscina. Então acharam por bem homenagear Venâncio. Antes tarde do que nunca. Em 1943, é inaugurada a fonte Venâncio, tendo na ocasião discursado Floriano Lemos, médico, jornalista, que residiu em Caxambu, e foi um grande propagador das águas de Caxambu, e que empresta seu nome ao gêiser que jorra no parque.

Fotos:
Revista Fon-fon
Gumagüinhas Memórias de Águas de Lambary
Caxambu 1894-1905, Resumo de fatos administrativos da Freguesia e Vila de Caxambu, em torno de 16 de setembro de 1901, 1955.
Arquivo privado de José Pereira Dantas filho
 
Fontes:
(1) SILVA, Francislei Lima, in A Politica Hidráulica nas Estancias Balneárias de Águas Virtuosas de LEMOS, Maria de Lourdes, in Fontes e Encantos de Caxambu, 1998. Lambary e Baependy (Caxambu) em finais do século XIX e início do século XX, 2012.
Jornal do Comércio, 1892
Boletim do Grande Oriente do Brasil / Jornal Oficial da Maçonaria Brasileira 1871-1889
O País, Rio de Janeiro, 1911
Diário de Notícias do Rio de Janeiro, 1931.
Revista Fon-fon
Gumagüinhas Memórias de Águas Virtuosas de Lambary
PELUCIO, José Alberto, in Baependi e Caxambu 1894-1905, Resumo de fatos administrativos da Freguesia e Vila de Caxambu, em torno de 16 de setembro de 1901. (Palestra realizada no Rotary de Caxambu, em comemoração do aniversário da cidade), 1955.
Lemes, FLORIANO, in Caxambu: de Água Santa a Patrimonio Estadual. Fonte Floriano de Lemes, Vol, II, 2007.
 
Agradecimentos
José Pereira Dantas filho
A Julio Jeha, sempre

terça-feira, 23 de maio de 2023

sábado, 22 de abril de 2023

Os primeiros dentistas de Caxambu


E quem não conhece o mais famoso dentista do Brasil, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, um dos líderes da Inconfidência Mineira? Mas tenho certeza que vocês não sabem quem foram os primeiros dentistas da povoação de Caxambu, ah, isso não. Então vamos a eles!

"Todos os serviços pertencentes à arte dentária, assim como chapas para endireitar deformidades de dentes, ou da abóbada platina, separação dos dentes, limpeza dos mesmos, etc, etc, tudo fará pelo preço mais razoável possível."

Esse foi o primeiro anúncio de um dentista na povoação das Águas de Caxambu, mas provavelmente o local já teria sido visitado por outros profissionais, ou melhor, por outros que, além de cortar cabelo, extraíam dentes, pois os primeiros a tratar dos dentes, antes dos dentistas, foram os... barbeiros.

A história da odontologia no Brasil

Em 17 de junho de 1782, a Coroa portuguesa promulgou uma lei para melhor fiscalizar as colônias e criou a Real Junta do Protomedicato. Para obter licença, os candidatos a dentistas, ou melhor, "pessoas que tirassem dentes", tinham que passar por uma comissão constituída de sete deputados, sim deputados!, médicos ou cirurgiões e obtinham a licença por três anos. Faculdade de odontologia? Qual! Os candidatos aprendiam o ofício com alguém mais experiente, trabalhando com o mestre por dois anos; depois eram submetidos a um exame perante o cirurgião de Minas Gerais e dois outros profissionais. Aprovados, eram-lhes concedidas as licenças.

Em 7 de outubro de 1809, é abolida a Real Junta do Protomedicato, e a responsabilidade de aprovação dos candidatos a arrancar dentes ficou a cargo do físico-mor e do cirurgião-mor, que exerciam o controle da medicina e da farmácia na província. Em 1828, dom Pedro I suprimiu o cargo de cirurgião-mor, e as funções passaram a ser exercidas pelas câmaras municipais e justiças ordinárias. Em 1850 estabeleceu-se a Junta de Higiene em substituição à fiscalização exercida pelas câmaras municipais, o que possibilitou o avanço das práticas medicinais. O decreto de 1879 que criou os cursos de odontologia determinava que esses ficassem anexos a faculdades de medicina e farmácia, obstetrícia e ginecologia. Dois anos mais tarde, outro decreto regulamentou os exames das faculdades de medicina. Os que se habilitavam para o exercício da profissão passariam por provas mais criteriosas, melhorando assim o atendimento aos pacientes.

Os dentistas em Caxambu

À medida que Caxambu foi ganhando fama, com a visita dos membros da Corte Real e a propalada cura da infertilidade da Princesa Izabel, vieram médicos e dentistas que atendiam  principalmente nos hotéis. Alguns deles demoravam um pouco mais, aproveitando a estação de águas e... tratando das bocas. Há registros de que, em 1884, Baependi havia concedido licenças para o exercício da profissão de dentista, arrecadando 50$000 réis para aos cofres municipais. Os dentistas em questão atuavam em Caxambu. Não podemos esquecer que a povoação estava administrativamente subordinada a Baependi. 

O primeiro a se instalar nas Águas do Caxambu, ou na Paróquia Nossa Senhora dos Remédios foi Joaquim Nunes de Moreira Paranhos que, em 1872, residia em São Vicente Ferraz, município de Aiuruoca, caminho alternativo da Estrada Real,  e fez um seguro de vida no Banco Rural Hipotecário, com sede no Rio de Janeiro, no valor de 1:500$000 reis. Ele tinha começado a exercer a profissão em 1867, portanto, tinha quase nove anos de prática dentária antes de se mudar para a povoação do Caxambu. Ele publicou anúncio no jornal O Baependiano em 1878, colocando-se  à disposição dos clientes como dentista. As razões de sua fixação na povoação foram mais pragmáticas: problemas de saúde causaram-lhe dificuldades para se locomover.

Pela descrição detalhada dos serviços que oferecia, parece que era mesmo um especialista habilitado com conhecimentos das últimas técnicas no tratamento das bocas. Alguns dos procedimentos e materiais empregados pelo dr Joaquim Nunes são usados até hoje na medicina dentária. Vejamos:

A colocação de dentes "em base de ouro" ficava por 10$000 cada um. Poderia ser também com base de vulcanite, um composto inventado em 1848 que combinava borracha com enxofre e que foi usado até 1940 para  confecção de próteses dentárias. Um pivô com esse material custava 5$000 reis. Já as obturações a base de amálgama custavam 2$000 cada dente, e as em ouro ficavam entre 5$000 e 15$000 réis. Restaurações a ouro: de 20 a 20$000. No anúncio lê-se que o profissional oferecia "Todos os serviços pertencentes à arte dentaria, assim como chapas para endireitar deformidades de dentes, ou da abobada platina, separação dos dentes, limpeza dos mesmo, etc, etc.: tudo para pelo preço mais razoável possível." 

Extrações de dentes ou de raízes custavam 2$000. E... as extrações "pelo sistema anestésico" a 2$ réis cada um. O que seria "sistema anestésico"? Cocaína, minha gente! A descoberta das propriedades anestésicas da cocaína pelo oftalmologista vienense Carl Köller em 1884 foi  um alívio para aqueles que tinham os seus dentes arrancados. Aplicada sobre a gengiva, produzia a insensibilidade. Esse procedimento também já era conhecido pelo nosso dentista e executado em sua práxis.

Além dos serviços profissionalíssimos acima, o dentista também oferecia aos seus clientes, hospedagem, comida e pasto para os animais, para aqueles que vinham de longe se tratar na povoação. Uau! Então era até bom negócio tratar dos dentes com ele. No ano de 1884, seu anúncio indicava que ele tinha fixado residência na freguesia vizinha de Conceição do Rio Verde.

Da feira de muares de Sorocaba para Caxambu

Mas os dentistas nem sempre fixavam residência como Joaquim Nunes. Uma parte deles fazia o seu trabalho itinerante. No início de maio de 1887, esteve em Caxambu José Carlos de Godoy Bueno, que se hospedou na casa do amigo Manoel Ferreira de Carvalho. Segundo ele, tinha prática de 22 anos de profissão, adquiridas em oito províncias do Império. De fato. O trabalho itinerante de Godoy se evidencia quando, no final de maio de 1885, portanto dois anos antes, estava registrado na Feira de Muares de Sorocaba, para onde convergiam comerciantes de animais vindos dos mais diferentes pontos do país. A feira era o grande acontecimento anual da região Sudeste e atraía todo tipo de profissionais itinerantes, fazendo visitas periódicas à população, principalmente nos meses de maior temporada. Faziam parte dos profissionais, além dos tocadores de instrumentos musicais, retratistas, relojoeiros e... dentistas, que proporcionavam os seus serviços aos que acompanhavam o movimento de tropas e tropeiros.
 
João Jacinto de Aguiar Borges consta no Almanach Sul-Mineiro, edição 1874-1884. Um outro dentista que consta no almanaque era João Jacques Doublé. Ele exercia múltiplas atividades. Era dono do bilhar e fabricava vinho; proprietário do Hotel Doublé, também exercia a profissão de... dentista. Vá saber! 

Parece que os hotéis de Caxambu serviam de base para que os dentistas atendessem os seus clientes. Assim, em novembro de 1887, o cirurgião-dentista José Martins de Oliveira Campos, residente na Corte, isto é, no Rio de Janeiro, em estada na povoação, publica um anúncio oferecendo os seus serviços, "attendendo a chamados por escripto". Ele volta à Caxambu em 1889 e se hospeda no mesmo hotel, o João Carlos, onde se dispunha a "recebe[r] chamados para fora", isto é, atendia clientes das localidades ao redor. Ele era especialista em obturações a ouro. O hotel João Carlos ficava situado de frente para a praça 16 de Setembro. 

Havia também outro candidato a dentista na cidade, Joaquim Juvêncio D'Assunção, que tinha acabado de se instalar no Hotel Ferreira, que, parece, tinha tradição de receber dentistas e seus clientes.

Em 1889, José Domingues Bastos põe anúncio jornal indicando também o Hotel Ferreira como lugar de sua práxis. Nascido no Rio de Janeiro, onde cursou medicina, foi concluir seus estudos na Escola de Farmácia de Ouro Preto. De passagem por Caxambu, ainda no início de sua carreira, Domingues Bastos oferece seus serviços como dentista. Ele também atendia em Baependi na casa da familia Motta.

E na vizinha Carmo de Minas...

Os cursos oficias de odontologia tiveram início imediatamente após o decreto de 1884, assinado por dom Pedro II, que criou condições legais para a institucionalização das práticas odontológicas. Em 1891, a Bahia deu início à sua, com instalação de laboratórios de cirurgia e próteses dentárias; em 1882,  já estava em funcionamento o curso, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro; em outubro de 1898, a Escola de Odontologia de Porto Alegre; em 1901, São Paulo, e em 1904, foi fundada a Escola de Farmácia e Odontologia de Juiz de Fora. Interessantemente uma das primeiras escolas de Odontologia do Sul de Minas foi fundada em 1911, na vizinha Silvestre Ferraz, hoje Carmo de Minas.

Década  de 1930/1940

Com o passar dos anos, com as novas técnicas, o tratamento dentário foi se transformando e podemos acompanhar sua evolução, lendo os anúncios dos jornais. No início eram "extração", passando para "tratamento". 

Nas décadas de 1930-1940, estavam listados os seguintes dentistas na cidade: Humberto Maciel Fortes, um baependiense que residia e clinicava em Caxambu; Michel Jamal e Odilon Dias Leite. Do doutor Michel Jamal podemos dizer que era conhecido de nossa família. Seu consultório, em frente à igreja matriz, era o melhor lugar para assistir ao Descimento da Cruz na Sexta-feira da Paixão.
Lembra também Roberto Mendes Paiva que além do doutor Michel Jamal, que ele considerava excelente pessoa e fiel colega, também clinicaram na cidade o doutores Horácio, Nagib Abrahão, Ninam, todos eles das décadas de 40 e 50, José Felizalle, de Baependi, mas que tinha consultório em Caxambu. Cumprimentos a todos eles e... obrigado Roberto por nos ajudar a completar os nomes da nossa coleção de cidadãos que serviram a nossa cidade.
 
Fonte:
BADDINI, Cassia Maria in Sorocaba no Império: comércio de animais e desenvolvimento urbano.
Museu de História da Medicina do Rio Grande do Sul.
O Baependiano
Wikipédia
Núcleo de Pesquisas Histórias de Camaqua.
O Patriota
O Correio Paulistano, 1887
História da odontologia no Brasil, in SOERGS, Sindicato dos Odontolistas do Estado do Rio Grande do Sul.
Annuário de Minas Geraes: Estatistica, História, Chorographia, Finanças, Variedades, Biografia, Literatura e Indicações (MG), 1906 a 1913.
Drumont, Ivan, in Faculdade de Odontologia da UFMG faz 110 anos lapidando saúde e os sorrisos.
Foto: 
O Baependiano
Solange Ayres
Agradecimentos:
Julio Jeha, sempre

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Rapataco, o rei Momo de Caxambu


Ninguém povoou mais as minhas lembranças nos carnavais que o rei Momo, encarnado pelo Rapataco, assim conhecido por raspar os tacos das casas. Tacos? Sim, eram pedaços de madeira usados nos pisos das casas de antigamente. Muitos ainda os têm em suas casas, relíquias de um tempo em que se raspava o taco para receber nova camada de cera de abelha, que depois era lustrado com escovão.
 
Quem tinha dinheiro fazia o polimento com enceradeiras elétricas, e quem tinha ainda mais dinheiro aplicava sinteco, que não precisava de polimento. 
 
Voltemos ao Rapataco, que brilhava nos carnavais.

Rei Momo

K

A origem do rei  Momo se encontra na mitologia grega. Ele era um personagem que encarnava a ironia e o escárnio. Foi adaptado para as festividades brasileiras na década de 1930, no Rio de Janeiro, tornando-se um símbolo do Carnaval. Ele abre as comemorações, quando o prefeito, em ato simbólico, entrega a ele a chave da cidade. 

Momo deveria ser encarnado, nos nossos carnavais, por um homem baixo e dono de uma pequena mas proeminente barriga. Deveria ser simpático, divertido e bem humorado. Rapataco encarnava o rei mitológico à perfeição.

Em Caxambu, o corso saía em frente da antiga marcenaria do seu Gino Peterle, na antiga rua Quintino Bocaúva, atual avenida Magalhães Pinto. Não me esqueço dele subindo no caminhão, ajudado pelos foliões, com toda a vestimenta de rei. O desfile o levava ao centro da cidade para abrir o Carnaval. Era a glória!
 
Rapataco foi homenageado, como não podia ser diferente, com uma marchinha no Carnaval de 1962. De autoria de Ferreira Sobrinho, cantava a profissão do rei Momo:
Rapa, rapa, rapa, 
Rapa, Rapataco, 
Rapa, rapa, rapa, 
Até fazer buraco!...

Agora, por favor, alguém aí sabe o nome do cidadão caxambuense... Rapataco?

E como o blog é interativo, acrescentamos o nome do nosso Momo, enviado pela bisneta Priscila Ferreira: Antonio Firmino Teixeira. Brigadim Priscilla!

Foto: 
Arquivo privado de Aurélio Gonçalves
Fotos Antigas de Caxambu
Agradecimentos:
A Julio Jeha, sempre

domingo, 15 de janeiro de 2023

Neide dos Santos Ayres/ Partiu para a casa das estrelas e vai fazer companhia aos seus, nossos ancestrais


Partiu na madrugada de domingo, 15 de janeiro de 2023, Neide dos Santos Ayres, esposa do também já falecido, Lindenberg dos Santos Ayres, conhecido como Berg.
Que Deus esteja com todos nós.
Foto:
Arquivo privado da Familia Ayres

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Enchentes no Bengo desde muito e lá vai pedrada/ A liberta Thereza salva as galinhas do Hotel Caxambu



A pedido da Empresa da Águas Minerais Caxambu e Contendas em de 22 de julho de 1894 assina  o projeto o engenheiro civil João Martins da Silva, referente ao empedramento, isto é o calçamento das laterais do Ribeirão Bengo na área das fontes. Na época se tentava conter as águas que alagavam as fontes. Muito otimistas, escreviam: 3,25 Máxima enchente.

Mas fomos buscar lá atras, em 1882, quando uma de muitas tempestades causavam estragos na povoação, e até hoje parece que as devidas providencias não foram tomadas. Resolvi  copiar o texto original, que por si só já conta a história do "dilúvio" com detalhes.

Morte dos cinco carneiros/Peão acorda com água na cama 

"... Na referida noite a tempestade (de 6 para 7 de março ), que desencadeou-se com fúria das 11 horas às duas, produziu uma grande enchente no Ribeirão que corre pela povoação e desmoronamentos em quatro lugares do Morro do Caxambu, do lado da casa de banho e da estrada da Glória. A enchente foi tal que chegou alturas que haviam sido respeitadas pelas cheias precedentes. Penetrou na casa onde dormiam os carneiros do Sr. Ferraz proprietário do Hotel Caxambu e matou cinco.

Na casa da tropa, do mesmo cavalheiro, situado a quatro palmos acima do nível da rua que margea o rio, o arreador desta, de nome Theodoro, homem possante de alta estatura, acordou com a água na cama, e retirando-se para a casa, ter que passar pelo pátio inundado, com agua até a cintura. Na mesma margem do ribeirão, um agregado do Sr. Ferraz, João Guilherme, que morava em uma casinha do lado da Glória, acordou tão desagradavelmente surpreendido como Theodoro, com a água a invadir-lhe a casa e correr com a tanta impetuosidade que derribou uma das paredes, e arrancou um esteiro de um baldrame, que arrebatou, assim como os mantimentos, móveis do pobre homem. Com o auxílio de um hóspede que tinha em casa conseguiu salvar a mulher e os filhos.

Na margem opposta, do lado desta cidade a enchente derribou a cerca e a porteira do pasto do Sr. Ferraz, tendo uma força  tal que arrastou esta até o hotel do Sr. Dobley! Uma das pontes ultimamente feitas em frente a casa de banhos (Balneário) foi arrancada de seu lugar com vigas. A que fica em frente a cada de José Bonifácio na estrada da Conceição do Rio Verde, foi também suspensa dos pegões de pedra, e com algumas vigas rodou à alguma distancia, estando completamente pregada como estava no lugar sem o menor desmancho."

A Liberta Thereza sobe no poleiro e salva as galinhas do Hotel Caxambu

"Em frente da fazenda velha de Caxambu foi destruída completamente a ponte. Houve, segundo nos referem, um incidente quasi cômico no medo desta especie de cataclisma. A liberta Thereza, mulher de Theodoro, a qual habitava uma casinha situada no pasto e tinha a seu cargo uma criação de gallinhas do Hotel Caxambu, despertou ao rumor da chuva e saindo com louvável solicitude a recolher os pintainhos confiados aos seus cuidados, via a grande enchente que cobria a vargem e, com razão, aterrada, supondo com bom fundamento que outro dilúvio ia aniquilar a creação, procurou um lugar bastante elevado para erguido contra a onda assassina e... subiu no alto do poleiro das galinhas, donde poz-se a gritar por socorro!"

E o Repórter pergunta:

"- Continuarão os desmoronamentos do Caxambu? Si continuarem, não produzirão no banco de turba, em que estão as fontes, um alteamento bastante grande para prejudicá-las?
Pode-se remediar a um ou outro inconveniente? Como?

Questões que parecem-nos no caso de merecer a attenção dos que se interessam por nossas águas minerais, e que não são somente os habitantes deste município, mas todos os que sofrem e tem as milagrosas águas em especifico poderoso para suas moléstias são também os poderes públicos que devem cautelosamente zelar pela conservação de um tesouro tão preciso para a saúde das populações."

Hoje com as mudanças climáticas, o adensamento populacional, as inúmeras construções que impermeabilizam o solo, agravavam os efeitos das chuvas, que não teem outra saída que... alagar o em volta. Que a administração da prefeitura de Caxambu tenha propostas para tentar, digo, tentar conter a fúria das águas, porque o Bengo alaga desde antes de 1882, desde a minha infância, desde a  infância de Antonio Claret. E já vão tempos!

O texto do jornal foi publicado em março. Eram as águas de março fechando o verão, literalmente. E olha que o verão em Caxambu nem começou ainda!

Fonte:
Arquivo Público Mineiro
O Pharol, Juiz de Fora, 1882.
Agradecimentos:
Julio Jeha, sempre


quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Arqueologia urbana/ S.A. Meca - Comércio e Indústria/Caxambu na era da geladeira e do rádio


Em 22 de abril de 1955, José Ayres foi enviado ao Departamento Frigidaire da General Motors do Brasil a São Caetano do Sul, São Paulo, para fazer um curso de refrigeração. Parece que a firma S.A. Meca – Comércio e Indústria, com loja na avenida Camilo Solares, 212/248, em Caxambu, tinha feito a inscrição dele no tal curso para depois ser eletricista e fazer reparos nas geladeiras, caso dessem defeito. A loja tinha dois endereços, talvez duas filiais em Caxambu, com representação temporária em Baependi, sendo  Miguel Donglache o diretor-presidente e Manuel Ruas Fernandes o diretor-tesoureiro.

A loja vendia não somente refrigeradores, mas também os mais modernos rádios, modelos de... 5 válvulas, que captavam "ondas curtas e longas", e que hoje ninguém sabe mais do que se trata. Em 1955 era o "aperfeiçoamento da técnica moderna". Mas meu pai não gostava de consertar rádio, nem refrigeradores. A bem dizer, ele detestava os pequenos trabalhos, gostava mesmo era de grandes projetos, como a construção de usinas nas fazendas da redondezas. 

Na conclusão do curso, a foto para a galeria.

José Ayres, segundo de óculos, na fila ao alto, da direita para a esquerda
em frente à fábrica da General Motor do Brasil
em São Caetano do Sul, São Paulo




Vou à Meca/ De brigas à futebol

E as histórias não acabam. E como o blog é interativo, estamos aqui acrescentando as memórias do nosso colaborador Antonio Claret Maciel Santos, que vira e mexe traz umas e outras. Conta Claret que na década de 60 não existia mais a "Meca", mas o prédio era lá onde hoje é a funerária. A Meca era conhecida dele como ponto de brigas entre alunos do  Ginásio dos Padres. Diz ele que assistiu "alguns embates previamente anunciados" como: "vou te esperar na Meca", e que de fato, aconteciam. O "Vou à Meca" era ir para a arena. Uau!

Dil Sacramento lembra da Meca, mas no tempo que outro inquilino ocupada o prédio, o "Bar Mutação". A Meca era um comércio próspero e farto. Logo acima do hotel União funcionava outro bom comércio de Caxambu, a "Casa Rosado". Outro que veio dar seu pitaco foi Roberto Mendes Paiva. Ele lembrou da agencia Chevrolet, onde vendia pianos, cujo dono era o senhor Dugleche, o mesmo dono da Meca. Já o Fabio Sarabion Machado lembra que perto da Meca ficava a casa onde residia a família do senhor José Olinto Aguiar, e ao lado um campinho de futebol, e quase semanalmente era frequentado: iam "jogar na Meca" contra o time do José Olinto que era composto por ele e os filhos. O Claudio Eduardo Gomes Nogueira lembra das... botinadas do José Olinto "para todo o lado". Ai, ai seu Olinto. Isto tudo porque achei um recibo da Meca, perdido nos meus guardados.
Obrigado a todos pela colaboração.

Foto:
Arquivo privado da família Ayres
Fonte:
O Patriota
Correio da Manhã, 1956