Quando, em 1874, o médico e botânico norueguês Gerhard Henrik Armauer Hansen confirma que o causador da lepra era o Mycobacterium leprae, o estigma já havia se consolidado no imaginário popular. Acreditava-se que a doença era castigo divino, ou hereditariedade. Pela impossibilidade de cultivo em laboratório do agente causador, as pesquisadores tinham dificuldade de saber a forma exata de sua transmissão, ou do contágio, que supunham ser por mosquitos, como na febre amarela. A medicação veio somente na década de 1940, com o aparecimento das sulfonas. Na incerteza era recomendado o isolamento compulsório, oque causou traumas irreversíveis nas famílias, entes queridos separados de seus familiares, filhos criados em orfanatos, estigmatização. Não por acaso os prédios/hospitais eram chamados de "Isolamento". Caxambu teve o seu.
Ironias da história
Mas a história da povoação, que tinha o nome de "Águas Virtuosas", ou "milagrosas", está intrinsecamente ligada à doença, sim, sim à lepra. Ironicamente, os doentes acometidos da doença de Lázaro, foram quem melhor contribuíram para difundir o poder curativo das águas. Eles chegaram a acampar na área, hoje Parque das Águas, na busca da cura de suas feridas, sendo banidos, em 1847, por ordem judicial, tendo suas mais de 40 choupanas em volta dos, na época poços de água, queimadas. O futuro Parque da Águas de Caxambu assim ganhou fama muitos anos antes da sua Alteza real, a princesa Izabel fazer o uso de nossas águas. Muitas décadas se passaram e o mal de Lázaro ainda castigava o Brasil.
Embora presente a legislação sanitária de 1920, o isolamento dos doentes não foi posto em prática por várias razões. A ausência de recursos e a falta ações coordenadas pelos estados, dificultavam o combate a doença. Assim, as providencias necessárias não foram tomadas para a separação social dos doentes, e abrigar os "isolados para sempre", uma política higienista praticada, antes de se ter conhecimento da disseminação da doença, bem como medicamento para combatê-la.
Belizário Pena e a grande polêmica sobre os casos de lepra em Caxambu, no ano de 1926
O título do artigo citado publicado na revista carioca Brasil Contemporâneo de dezembro de 1926, onde Belisário Pena (1868-1939), médico sanitarista dava uma entrevista e o título estampava: "Caxambu um dos maiores focos de propagação da lepra do mundo inteiro". O entrevero e maus entendimentos foram tão grandes que Belizário foi obrigado a se retratar.
Belisário cita o trabalho de doutorado do Dr Gumercindo do Couto e Silva sobre a lepra em Minas Gerais. Segundo ele era uma "immensa calamidade", e quem teria viajado o país podia avaliar "o espantoso desenvolvimento da terrível modéstia que assola o território e parece querer tragar a população num terrível sorvedouro". Esta era um a afirmativa sem bases concretas, uma vez que não havia estatísticas. E perguntava: - Por que é o sul de Minas a região mais castigada do Estado? E lá vinha uma explicação, que já tinha sido feito parte da história da hidrópolis Caxambu: - "Por ser ela onde se encontram quase todas as estanâncias de águas minerais, que foram sempre verdadeiros chamarizes de leprosos, esperançosos na cura ou melhora dos seus soffrimentos, não só as thermaes, de águas sulfurosas, para banhos, como as alcalinos-gasozas para uso interno". E continua: "Não há uma só dessas localidades, onde não seja avultado o número de leprosos vivendo, uns miseravelmente de esposas; outros, mais ou menos remediados, alguns quasi abastados, fazendeiros, sitiantes, criadores, fabricantes de queijos de maneira, fornecedores de leite, da carne de porco, toucinho e de produtos da pequena lavouras, exercendo outros ofícios de sapateiros, pintores, ferreiros, carpinteiros careiros, tropeiros, etc".
Em janeiro de 1927, o jornal baependiense O Patriota, bem como a Gazeta de Caxambu esbravejaram contra o médico. Eles saíram em defesa da economia local, já que o artigo dizia que mãos contaminadas estariam manipulando a confecção de queijos, doces e biscoitos "que saem de suas mãos", além de ocuparem os hotéis, casa de banhos, oque estaria facilitando a transmissão da doença. Ele comparava as estatísticas dos contaminados de São Paulo, as porcentagens populacionais, chegando a conclusão que somente a cidade de Caxambu teria 4.000 leprosos! Imaginem que a população da cidade, contada para o início da década de 1920 era de 5.000 habitantes. Isto é, a maioria estaria contaminada!
A notícia caiu como uma bomba no colo dos empreendores locais, dos hoteleiros. Logo quando Caxambu acabava ter recebido as reformas urbanas, e se projetava como uma das cidades mais belas e aprazíveis para os aquáticos. Era a catástrofe!
As afirmações eram baseadas em "provavelmente". "Enfim, as estâncias de águas minerais brasileiras todas sem exceção, tanto as de Minas, como as de S. Paulo e de Goyaz, tem sido provavelmente a origem de numerosos casos de lepra, sem explicação, e o ponto de partida da endemicidade o terrível mal em localidades, onde elle não existia".
Belizário acusava o governo de Minas não ter interesse em tratar o caso como saúde pública e acusava de "tolerância criminosa" por parte do poder público, e pedia que o governo fizesse um recenseamento "honesto" nos municípios de Passa Quatro, Pouso Alto, São Lourenço, Soledade, Lambary, Cambuquira, Caxambu, Baependy e Poços de Caldas, e que segundo ele, não seria de se espantar que "só nesses municípios encontrar 2.000 leprosos, senão ultrapassar esse número. (...) Não me surpreenderá que a cifra de leprosos de Minas atinja a mais de 11.000 casos portadores do mal".
Qualquer menção de insalubridade era motivo para espantar os aquáticos, e afetar a economia da povoação e assim Costa Guedes, comerciante e benemérito da cidade, já no ano de 1891, declarava que Caxambu estava livre da varíola, uma das mais temidas doenças. As publicações eram feitas nos jornais da corte, Rio de Janeiro. A palavra de Costa Guedes era pregava com prego. Valia. Agora era vez de Rui Guedes, que o fazia no O Caxambuense.
Colonônia Santa Izabel/Betim
Em 1936 a cidade não tinha local para abrigar os doentes acometidos de lepra, já que a política era de "isolamento" dos pacientes. Então o chefe do sub-posto de Higiene de Caxambu, Dr Lysandro Guimarães escreve um comunicado ao prefeito, assegurando que Caxambu estava completamente livre da doença, e que em cooperação com a prefeitura, os doentes se encontravam internados na Colônia de Santa Isabel, em Betim. Foi a primeira colônia construída em minas gerais com o objetivo de abrigar e isolar pessoas diagnósticadas com hanseníase, que na década de 1930 chegou a abrigar quase 4.000 pessoas, dentre elas caxambuenses que chegavam de trens. Inaugurada em 23 de dezembro de 1931 a Colônia Santa Izabel em Betim, começou a receber os primeiros doentes, em 1932. A colônia se achava próxima a estação da estrada de ferro. As prefeituras tinham que enviar verbas para a instituição para, praticamente, ficarem "livres" de seus doentes. Assim também foi feito com os pacientes de Caxambú. Deles nada sabemos.
A construção do prédio do Isolamento da cidade de Caxambu
Trem de doido/Estação final: Barbacena
O local já foi sede de escola para alfabetização de adultos, no início da década de 1960, onde Graça Pereira trabalhou, por pouco tempo como professora denominada Escola Cabo Luiz de Queiroz. Um relato mais antigo, de 1956, vem de Vander Silveira, seu marido. Wander menino costumava ir para para aquela parte da cidade para "escorregar na terra", e lembra que o prédio tinha grades. Ele afirma que ali era, praticamente, o "centro de triagem", uma primeira estação para enviar doentes com problemas de saúde mental em direção ao Hospital de Barbacena. A expressão "trem de doido" não é uma expressão qualquer da mineirice, mas sim triste realidade. Os trens levavam os pacientes psiquiátricos e paravam em Barbacena para, literalmente, para "descarregar" os pacientes, e assim chamados de trem de doido, expressão que ficou na memória e virou expressão popular.
Escavando as camadas mais profundas da história deste prédio, soubemos que ali, nos seus primórdios, provavelmente logo após sua construção, que aconteceu em 1937, era estação de isolamento de fato, para pessoas portadoras de alguma doença contagiosa.
Sua construção iniciou-se em 1937, na administração do prefeito nomeado pelo interventor Benedito Valadares, no período da Era Vargas, o engenheiro Fabio Vieira Marques que ficou à frente da prefeitura de 1934 a 1939. Juntamente com o prédio do Isolamento, foi erguido o Mercado e concluído o calçamento e arborização da Avenida Camilo Soares. Estávamos na era Vargas e o Estado Novo, e os projetos estavam no contexto das medidas para manter o controle sanitário, e muito criticado ao longo de sua existência. Entre 1920 e 1950 foram inaugurados quarenta asilos-colônia em todo o Brasil. 80% deles foram criados no governo Getulio Vargas.
Predio ocupado pela prefeitura municipal |
Assim chegamos ao final. O prédio ainda esta lá, agora com outras características urbanas, e hoje abriga uma creche administrada pelo poder municipal. Com as reformas o imponente prédio perdeu seu estilo original. Eu ainda me lembro de quando ia buscar leite no seu Zé Magana, que morava em frente daquele prédio pintado de amarelo, esquecido naquele canto da cidade. Ele ainda esta na minha memória...
CUNHA, Vivian da Silva in Isolamento Compulsório em questão. Políticas de combate à lepra no Brasil (1920-1941), RJ, 2005
FILHO, Ronaldo Manzi, in Hospital Colônia de Barbacena: Um passado que insiste em se repetir, Revista Ideação, RJ, 2019.
Correio da Manhã (RJ) 1940 a 1949
O Radical (RJ) 1932 1943
O Imperial (RJ) 1935 a 1939
O Jornal (RJ) 1920 a 1929
Diário da Manhã (ES) 1908 a 1926
A Noite (RJ) 1920 a 1929
Agradecimentos:
A Vander Pereira e Graça Pereira Silveira pelas suas, nossas memórias.
Julio Jeha, na eternidade
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