sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Outros carnavais/ Caxambu, carnaval à moda do Zé Pereira, relatos de um fevereiro de 1887, Parte 1



Quem diria! Em 1887, era comemorado o Carnaval em Caxambu, que não era cidade e ainda subordinada à administração da vizinha Baependi. E se algum membro da Família Ayres participou das comemorações carnavalescas naquela data, não podemos afirmar, até porque as manifestações carnavalescas eram típicas dos aglomerados urbanos. Eles moravam longe da cidade e provavelmente estavam muito ocupados na labuta pela sobrevivência.

Antes porém teremos que contar a história do surgimento do carnaval, claro. O carnaval tem origem nas festas imperiais da Antiguidade, realizadas em Roma, em louvor de Saturno, divindade romana, no início do ano agrícola. Elas tinham o propósito de lembrar  no tempo de Saturno reinava  paz, abundância e igualdade entre os homens. Durante os "Saturnais", os escravos tomavam o lugar dos senhores, vestiam como eles, satirizavam o seu comportamento. Temporariamente a diferença entre escravos e homens livres era suspensa. Este tipo de festividade também acontecia na Grécia com regras semelhantes. O carnaval também é associado na história como uma festa em louvor a Baco, o deus do vinho e dos excessos carnais, celebrada pelos camponeses, que se apresentavam mascarados durante as festividades.
A palavra Carnaval foi originada de carnisvalerium (carnis de carne  e valeriam de adeus), isto é o "adeus à carne", ou a suspensão de seu consumo. Bem, daí a Quaresma, tempo em que a carne é abolida por um período, na religião cristã.

Os Entrudos

E o costume de "brincar carnaval" foi trazido pelos portugueses por volta do século 16 com o nome de "Entrudo", que remonta dos tempos medievais que engloba uma variedade de brincadeiras. As "brincadeiras" foram adquirindo forma na cidade do Rio de Janeiro e se espalhou pelo interior da Colônia variando de lugar para lugar. Havia dois tipos de entrudo, o entrudo na família e o entrudo popular. Estas duas formas foram bem características no carnaval da nossa vizinha Baependi, e claro, transportado para Caxambu.


O Entrudo na família acontecia, como dito, nas casas senhoriais dos principais centros urbanos. Os jovens atiravam limão de cheiro entre sí, e na subjetiva interpretação, servia para fortalecimento dos laços entre as famílias. Os tais "limões" eram feitos de cera (vide na gravura ao alto) de diferentes tamanhos e o conteúdo variava da água ao perfume e era vendido nas cidades.

Mas brincadeira não era menos perigosa. Dona Maria Pellucio, casada com Roberto Pellucio, moradores cidade de Baependi, foi vítima de um grave acidente no carnaval, em 1881. Estando ela sentada na janela de sua casa, se assustou ao ser atingida nas costas por quatro desses limões, vindo a cair de uma altura de cinco metros, atingindo chão de pedra do pátio interno com a sua filha pequena no colo! Foi hospitalizada.

Já o Entrudo Popular acontecia nas ruas das cidades, e a brincadeira chegava até a ser violenta. Tinha como participantes a população local e também os escravos. Sua principal característica era o lançamento de todo tipo de líquidos, inclusive... urina e excrementos.

O Entrudo foi diversas vezes execrado no jornal  O Baependiano  e o repórter chocado com as que ele classificou como "degenerescência", principalmente por causa das gravuras publicadas na Revista Illustrada de 1879, sobre o Entrudo da corte do Rio de Janeiro, quando as ruas acabavam imundas depois das tais "batalhas" de limões e farinha.

O Carnaval em Baependi

Não podemos começar a falar de comemorações carnavalescas  de Caxambu sem antes citar a cidade de Baependi. De la vinham as comemorações, digamos, mais representativas, até porque a sede do Jornal O Baepenndiano era lá, fonte de informação para reconstruir nossa história. 
O Baependiano, fevereiro de 1879

Assim em 1879 a cidade de Baependi se organizou  através da Sociedade Carnavalesca baependiana. Algumas dezenas de rapazes percorreram os três dias as ruas da cidade. Com a organização do carnaval os participantes teriam um pequeno cartão, ou crachá, para identificar os foliões mascarados e com isso  evitar os "abusos", isto é, os atos ofensivos sem permanecer na anonimidade, durante o Entrudo.

Em 1880 parece que o carnaval foi mais "civilizado" pois ganhou muitos elogios de Amaro, redator e proprietário do Jornal. Houve a tradicional guerra dos limões. Os foliões e transeuntes eram molhados sem perdão. Barris, potes, bilhas, gamelas e até uma banheira foi usada como reservatório da molhada munição colocada no Largo do Lava-pés, no centro de Baependi. Como choveu copiosamente naquele verão, a água de enxurrada foi também largamente usada. Além de molhado o transeunte era execrado com uma estrondosa vaia. A lista dos "cheiros" dos "limões", isto é, os seus conteúdos eram: pétalas de rosa, mel, azeite, assafedida (devia ser alguma coisa fedorenta) e... aguardente. Eca! Incidentes aconteciam: um que foi obrigado a deitar no tanque de água fria, ameaçou ter congestão (sic), um outro reagiu à ducha involuntária distribuindo tapas a torto e a direito.

Em 1882 o jornal O Baependiano noticia que o Entrudo fora mais "tímido" que o ano anterior, e noticiava " -O carnaval esteve sofrível, esteve mesmo bom, si atendermos aos recursos do logar". Hum... Argumentos contraditórios.

Na segunda feira, percorreu as ruas de Baependi um carro de boi com foliões fantasiados de ministros e o Imperador e distribuíram condecorações. O repórter escrevia: "ficando Baependi quase composto de fidalgos, como o antigo senado romanos". Nota-se uma mulher fantasiada no meio dos foliões, e o jornal descreveu: "No dia seguinte os ministros voltaram à vida privada, e alguns mesmo mudaram de sexo". Foram contadas cento e quarenta mascarados nos três dias dos folguetos. 

Já em 1883 o jornal noticia que o Entrudo e Carnaval foram "amenos" e o consumo de laranjas de cheiro, menor.

No ano de 1884 as comemorações foram "afinadas". O carnaval não estava organizado, mas grupos fantasiados foram vistos pela cidade. A medida mais drástica encontrada para  conter a violência no carnaval, foi o edital publicado pelo delegado de polícia Antonio José de Castilho, não permitindo aos cidadãos se fantasiarem nos dias de carnaval sem primeiro ser "cadastrados" na polícia. Os candidatos a foliões tinham que comparecer à delegacia, recebiam um número com o qual podiam desfilar fantasiados, sob pena de serem presos.

E em 1888, as comemorações carnavalescas não haviam "se desenvolvido", como nota o jornal e apenas mascarados em pequeno número vagavam pela cidade "sem graça e sem gosto". E os baependianos já olhavam em direção a outras localidades onde,  segundo eles, "o que se passa em outras localidades mais adiantadas", desejando que o tal Entrudo fosse substituído pelo "verdadeiro carnaval". Até meados de 1800 havia uma nítida separação entre o Entrudo e o Carnaval, e como se vê, o primeiro era uma comemoração anárquica e o carnaval que os baependianos achavam que era o "verdadeiro", uma festa mais descontraída e mais elitista.

No ano de 1889 parece que o carnaval se animou. Centro e cincoenta participantes exercitaram suas críticas à burocracia. Eram mascarados fantasiados de membros da Assembléia Constituinte e um de juiz municipal, encenando o impedimento da construção de uma casa nas... "Águas Maliciosas", no caso Águas Virtuosas de Caxambu, referindo às contendas políticas entre as duas localidades Baependi e Caxambu. No final o repórter concluiu: "Afugentaram em três dias o tédio da cidade". 
Ainda bem.

O carnaval de Caxambu à moda do Zé Pereira
Carros de bois em "alta velocidade" e a crítica do mau estado das ruas 

Provavelmente o carnaval já devia ter sido comemorado na povoação em anos anteriores, mas a primeira nota sobre o carnaval de Caxambu apareceu no O Baependiano, no ano de 1887. As comemorações foram  "à moda do Zé Pereira". E... quem era esse Zé Pereira?

Em todo o Brasil era costume fazer galhofa dos tipos notórios de cada cidade durante os festejos. Em 1846, um português chamado José Nogueira de Azevedo Paredes introduziu o hábito  de animar as folias ao som sabumbas e de tambores muito grandes, em passeadas pelas ruas, como era feito em Portugal. Os tais bumbos eram denominados Zé Pereiras. E assim Caxambu teve o seu... Zé Pereira.

Quase todos crioulos

No ano de 1887 a sede do jornal O Baependiano tinha sido transferida para a povoação de Caxambu, e assim a redação do jornal recebeu a visita dos foliões. "Em uma das noites de carnaval um grupo de Zé Pereiras percorreu as ruas fazendo uma algazarra infernal, mas cantando um dos participante do grupo com bastante graça: eram todos ou quase todos crioulos, e cá nos fizeram uma visita ensurdecedora. "

E continuou:

"O que tivemos este  ano apenas se pode considerar como ensaio deste divertimento. Houve vários mascarados avulsos e um grupo menos mao; mas quase todos mostram-se noviços ou ainda acanhados, de maneira que pouco temos a mencionar. No último dia houve um diabinho todo vestido de encarnado, com os característicos que a imaginação do povo dá ao espírito mãos, inclusivamente a cauda em cuja extremidade havia um guizo que o mesmo chocalhava, segurando-a, provavelmente para que não lhe acontecesse o mesmo em que dia anterior, em que um garoto lha havia arrancado. 

O mesmo  grupo fez o enterro do carnaval, saindo da casa em pranto, em que de vez em quando de novo prorompiam, e achando-se no préstimo a viuva. Concluziam uma cousa que se assemelhava antes o andor que a esquife.  O rasgo de espírito practicado por esse grupo foi a crítica ao mao estado de nossas ruas, que eles percorreram fingindo fazer alinhamento, entupir buracos. À tarde do ultimo dia sahiram tres bandos em outros tantos carros de bois, velozmente conduzidos pelas ruas. Não traziam mascaras, excepto um que ia no carro dianteiro conduzindo uma bandeira."


E para finalizar, o registro, a Casa Guedes (acima na foto) sendo pano de fundo para as folias carnavalescas, assim descrito: 

"Quando o prestito fronteou a casa comercial do Sr. Costa Guedes, um patusco mandou o préstimo com foguetes, que continuou a soltar, acompanhado-o até enfrente ao hotel do Sr. Ferreira. Taí foi nosso carnaval. Como se vê, os foliões não aproveitaram alguns assuntos de actualidade que havia, como a recente prohibição do engarrafamento d`agua, a questão dos prazos, etc."
Sim, sim eram outros carnavais.

Fonte:
O Baependiano
Wikipedia
Gravura: Debret
Foto:
Arquivo privado da Familia Guedes

5 comentários:

  1. parabéns! pela iniciativa de passar adiante perseverando e compartilhando informações sobre os familiárias que foram tão importante para nossa existência hoje.eu também pertenço a família lima que tem registro no brasil desde 1770.

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    1. Olha no nosso blog, tem um post com o tema "Lima". Saudações. Solange Aires

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  2. Obrigado, Solange, pela divulgação desses relatos pitorescos e preciosos.

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  3. Super interessante os primórdios do carnaval em Caxambu. Na minha infância havia os blocos de sujos , moleques que atiravam bosta de cavalo nos folioes . Era uma correria para escapar

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  4. Parabéns pelo excelente texto com belas explicações sobre o Carnaval.

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