domingo, 29 de janeiro de 2017

Histórias da velha Caxambu. Celia Ayres de Lima, a madrinha do TG 63 vai à festa




No dia 25 de agosto de 1945, finalizava a "Excursão político-administrativa" do recém fundado PSD, Partido Social Democrático, organizado pelo Governador de Minas Benedito Valadares Ribeiro, que também foi seu primeiro presidente, e sob os auspícios de Getúlio Vargas. A caravana política percorreu o Sul do Estado e foi finalizada onde? Em Caxambu, claro, a mais bela hidrópolis do Brasil, na época, freqüentada assiduamente por políticos como Juscelino Kubistchek e outras tantas personalidades do cenário político nacional. As festividades foram fechadas com um banquete no Hotel Gloria, em companhia da fina flor da sociedade caxambuense.


Juscelino Kubischek, Benedito Valadares e Getúlio Vargas
Independente do que fervia na política, ninguém podia perder o acontecimento. Todos deram as caras, fazendeiros, comerciantes, industriais. Dentre eles o comerciante de carnes, João Diório, Salin Sarkis, Gino Pertele, marceneiro italiano nosso vizinho, que tinha sua serraria, na antiga Rua Quintino Bocaiúva, Fernando Levenhagen, Edmundo Pereira Dantas, o Padre Castilho Moreira,  José Ferreira Halfeld, o doutor Lisandro Carneiro Guimarães, bem como políticos, prefeitos da região Sul Mineira e o  proprietário do Hotel GlóriaDomingos Gonçalves Mello, claro

Ah, as "mais mais" da cidade, também estavam la: Vitória Zamot, Regina Andrade, professora da Escola Padre Correia de Almeida, Lea Carneiro, Adi Menezes, Rosiléia Branco, Ligia Cobra, Laura Guimarães Luz. Dentre os famosos presentes o caxambuense que nunca esqueceu sua terra natal, o ator e cantor Ivon Curi e... Célia Aires de Lima,  (Clique aqui e leia sua biografia completa), filha de José Trançador-filho e Gervásia da Conceição. O seu status de professora a credenciava para participar dos eventos da sociedade caxambuense, ela mesma, a gata borralheira Celia, que com sua inteligência e beleza fazia parar o transito da cidade e que hoje nos ajuda a contar um pouco da história da cidade.

Enfim, o céu estava estrelado naquela noite. Os convivas degustariam o banquete  regado à champanhe,  mas tiveram que ter paciência. A comitiva chegou somente às 23:40 e ainda fizeram seus discursos. E muitas das idéias e promessas são apresentadas em reuniões informais, isto é, nos bastidores, e na ocasião não foi exceção. Dentre as promessas acordadas, e os políticos sempre fazem promessas, a construção do Lago, no Parque das Águas, (soubemos que Emilio Soller trabalhou na sua construção, e aqui haverá demanda de novas pesquisas), que de fato aconteceu, e a construção de "um grande hotel, um edifício de 12 andares, com 260 apartamentos, todos externos, e com ligação subterrânea para o Parque".

O Hotel ficou só na promessa. Não sabemos o que pretendiam os planejadores com essa tal "ligação subterrânea para o parque". Um túnel? O tal hotel denominado Pan-America teve sua construção iniciada mas permaneceu no esqueleto. Depois de muitas décadas as obras foram retomadas e hoje é um prédio que abriga escritórios

Madrinha do Tiro de Guerra 63 

E foi realmente um grande acontecimento essa "Excursão", tanto que ganhou uma grande matéria no Jornal O Patriota. E a bela Celia Aires de Lima a escolhida Madrinha do "Tiro de Guerra  63", comandado pelo 1° Sargento e instrutor Benedicto Cassilhas abrilhantou a festa com  sua presença.

O Tiro de Guerra é uma instituição militar  tem como missão primordial formar reservistas aptos para o emprego em defesa territorial, civil e ações comunitárias. Um acordo firmado entre  as prefeituras e o Comando da Região Militar permite sua organização. O exército fornece os instrutores enquanto a administração municipal disponibiliza as instalações  para o seu funcionamento. A instituição é antiga e sua origem remonta do ano de 1902, com o nome de "linhas de tiro", sendo na época o poeta  Olavo Bilac um dos seus incentivadores. Eles são estruturados para que os convocados possam conciliar instrução militar com trabalho ou estudo, principalmente direcionado a aqueles jovens que residem em cidades do interior, como Caxambu, naquela época. As "madrinhas" eram referencias morais para seus "pupilos" e muitas delas vinham da área de educação, como Célia que era professora. Na verdade sua atuação como "madrinha" era uma extensão de sua profissão como educadora e o conteúdo dos seus discursos a formação de cidadãos conscientes de seus direitos e deveres na sociedade transformando-os no futuro em lideranças para atuar nas comunidades, nos municípios, na política.

Assim Célia  subia nos palanques e discursava! Pensem aquela Marilyn Monroe subindo no palco e cantando para os soldados... Pois a Celia Ayres de Lima podia ser comparada a ela... A beleza subia nos palanques, não para cantar, mas para discursar pela sua pátria. Não com vestidos sensuais, mas com a roupa da década de 40, saias longas, somente delineando a cintura, nada mais. Nada de sensual, não,  não, somente ela com sua beleza e inteligência...

Voltando ao salão...

Cinegrafista Primo Carnonari
A festança varou noite adentro e foi terminar às 3 e tanta da manhã. O evento foi acompanhado da orquestra de música, regido pelo professor Tibúrcio Dias, transmitido ao vivo pela Radio de Caxambu.  E Célia não perdeu o baile. Voltou para casa tarde da noite, contrariando as regras mãe Gervásia, que trazia as filhas literalmente "no cabresto", como era dito antigamente. Mas pelo menos sua mãe acompanhou  parte do evento de sua casa,  até altas horas, no seu radinho de cabeceira, como muitos caxambuenses.

Até hoje sonhamos saudosos com o charme daqueles tempos, independente de quem promovia a festa. E gostaria de saber em quais rolos de filme estão os históricos registros  cinematográficos do evento e da bela Célia em seu vestido de gala, feitos na ocasião pelo jornalista e documentarista Fernando Morelli e o legendário Primo Carbonari (cliquem nome para ver o documentário sobre seu acervo, foto), ah sim gostaria de saber...

Fonte:
Wikipédia
Jornal O Patriota, 1945
Fotos:
Wikipedia
Arquivo privado da Família Ayres

domingo, 22 de janeiro de 2017

A muretinha da Praça 16 de setembro de Caxambu e nossas memórias



E hoje vamos  tentar recapitular em fotos o que foi a Praça 16 de Setembro e como a muretinha que a circundava, ao longo dos anos apareceu e... Desapareceu. Nela, nos anos de 1950, sentou-se Maria das Graças Pereira, e estava feliz da vida pelo visto (foto). Pois 20 anos mais tarde ela viria se sentar la novamente para esperar o seu namorado, Vander Pereira, seu futuro marido.

Vamos aqui ser sinceros, se sentar na muretinha estava longe de ser confortável, pois as pedras de granito eram um tanto irregulares. Quem tivesse "pouca substancia" no traseiro, iria sofrer incomodo se permanecesse longo tempo sentado. Mas... Ela fez companhia a muitas gerações, que antes e depois das seções de cinema, se abundavam la para comer pipoca do seu Dodo, ou para ver o "movimento", principalmente nos sábados e domingos. Mas atenção! Esta muretinha tem história para além de ter sido assento de muitos caxambuenses.  Para tanto pedimos ajuda à Janice Drumond. Mas antes de deixar a Janice contar as suas impressões, vamos fazer um pequeno resgate histórico-fotográfico do lugar.

Assim era a praça 16 de setembro anos de 1920 (foto). O paisagista, o português Chico Cascateiro não somente desenhou seu jardim, mas também deixou sua obra esculpida em argamassa na praça e no Parque das Águas. E ele não estava sozinho. Para embelezar a hidrópolis e seus jardins teve as mãos do também português Ramiro Rodrigues, (?-?)casado com a minha tia avó Maria José Ayres de Lima, a Mariquinha. (1881-1946) Para lembrar, Mariquinha era filha de José Fernandes de Lima, o Trançador-pai, (1835-1897)que emprestou o seu nome ao bairro Trançador de Caxambu.

As obras tiveram o início no ano de 1912, na gestão de Camilo Soares e foram concluídas, em 1928, consumindo 7 anos de trabalho. A cidade ganhou contornos e melhoramentos foram feitos transformando as "Águas Virtuosas" num pequeno pedaço de paraíso.


A pracinha no desenho original era cercada por troncos imitados em argamassa e compunha o conjunto da obra de Chico Cascateiro na cidade. Mas parece que naqueles tempos como hoje, ninguém se preocupou em preservar o belo trabalho do artista. Na década de 1940, os contornos em forma de troncos ja não constavam mais da paisagem da pracinha, até que foi construída a... Muretinha...


Irmas gêmeas


Resgatando os cacos da história, podemos associar a construção da muretinha da praça com história a construção do Hotel Gloria, o "novo". Antes, nas fotos acima, sem a muretinha, por volta dos anos de 1945. Quase na mesma posição o hotel foi fotografado com a muretinha, idêntica à da pracinha. Podemos então dizer que ela foi construída no mesmo período e  afirmamos que elas eram irmãs gêmeas. O pedreiro que executou a obra no hotel deve ter sido o mesmo que fez o contorno da pracinha, na década de 1950.

E a muretinha se foi...

Na gestão do prefeito Isacc Rosental, 2005/2008 foi feita uma reforma na pracinha e a muretinha história foi removida;  lembrando o conjunto da praça estava tombado pelo Patrimônio Histórico, devido as obras de Chico Cascateiro. 

Ah, com vocês:
Janice Drumond a nossa vizinha de frente e suas memórias

Aí você amiga incita: vamos falar de infância, vamos recordar um tempo em que a pracinha de Caxambu tinha muretas. Falar disso é falar de muito mais. Não sei quanto tempo tem que as muretas da pracinha deixaram de existir, mas lembro muito do tempo que existiam.
Bengo sujo, Bengo limpo
Eram muretas de três fileiras sobrepostas e intercaladas , de pedras de granito, paralelepípedos, iguais aos que revestiam as ruas antes de vir o asfalto. Eram pedras retangulares iguais, as da praça e a das ruas, salvo o lustro e desgaste das que faziam o calçamento, de onde, à noite, a gente via foguinho saído do impacto das ferraduras das charretes, e ouvia o clok-clok mais que familiar que ainda ecoa fácil na memória. Já as pedras da mureta, mais preservadas, arranjadas geométrica e harmoniosamente, delimitavam a calçada de ladrilhos hidráulicos decorados... Chiquérrima, circundavam canteiros que faziam jus ao lema “medicina entre flores”.

A pracinha quadrada, cortada perpendicular pelo Bengo, ribeirão sempre discutido – é sujo, é limpo – como ser sujo se vem direto do parque, se vem do lago suprido pelo veio d’água vindo do bosque? Ta certo que depois de correr a cidade, la no final perto da fazenda Santa Terezinha, na pontinha que dá no Matadouro, já está sujo. A gente sabia disso porque tomava bronca sempre que tentava atravessar a pé, nos fundos de quintais, inclusive o da avó juruva. Quanto mais distante do parque mais sujo. 
Footing dos ricos, footing dos pobres
Mas ali na pracinha? Claro que não, só fazia compor os sentidos trazendo o cheiro mineral do parque. Ele dividia a praça em dois triângulos retângulos, enquanto a sociedade dividia a praça em dois meios retângulos. O meio footing dos ricos que ia da ponte do bengo à esquerda da praça, até a ponte do bengo à direita da praça. O meio footing dos pobres ocupava o outro grampo, ou seja, a meia parte dos fundos. Na frente da praça passeavam os importantes. Nos fundos passeavam os que os serviam. Eu sempre vi com bons olhos este vai e vem em meia lua, em que cada um sabia internamente limite e trajetória, e ninguém transgredia. Mas confesso que sempre gostei mais dos fundos da praça, achava mais divertido. Meu pai não gostava, mas a babá me levava.
Carpas no Coreto e matiné no cinema
A praça e as obras do artista que tanta coisa linda fez no parque. As muretas de moldura. Um belo coreto, digno da família Imperial, tinha sim banda que tocava, misturando som dos metais ao do cair da água, na cascata com laguinho. Quando criança ali tinha até carpas, a gente levava miolo de pão pra dar. De frente, um hotel famoso e chic, e ao lado o cinema. Aos domingos, qualquer família normal ia a missa cedo, depois ia ao parque, almoçava e a criançada ia pra matiné. Não dava pra faltar. Antes do filme tinha seriado, e a gente passava a semana curioso pra saber dos próximos 10 minutos no domingo seguinte. Era o Jim das Selvas, Tarzan, Zorro, em doses homeopáticas. Depois vinha o filme, pouco importava qual.
Mini Paris
Cinema de sonhos, paredes cimentadas em areia de malacassita. À meia luz, no ápice pra começar o filme, tudo brilhava ao redor, e o lustre enorme central mandava feixes de luz verde e azul. Lindo de fazer sonhar, de despertar estética em gorila... Às noites de inverno intenso, respeitando as proporções, a frente da praça parecia mini Paris, com as mulheres em seus casacos de pele, trazidos pela Mariazinha do Wallace, dono do único posto de gasolina. Ela trazia roupa chic de segunda mão, diretamente dos Estados Unidos. As senhoras esguias em seus saltos agulha, de braço dado com seus maridos, no footing meia lua, pra la e pra cá, glamour que nunca mais vi.
A Radio Caxambu
Do lado de la da praça, algumas residências, e a rádio, ah a rádio.... Quanta memória dai. E de frente pra radio, as muretas, mesmo formato e proporção, mesma função, mas muitas funções agregadas. Ponto noturno do povão, grupo mais numeroso que o grupo dos importantes, estes sim usavam as muretas pra sentar, fazendo aquela fila colorida de gente nos sábados a tarde, servindo pra ver melhor as externas da radio, onde Jackson do pandeiro e Almira corria solto, ao vivo, em cima do caminhão, com a filha da Ivone pintora no acordeon, o Leônidas alfaiate na bateria e adivinha quem nas maracas? Eu mesma, com meus 4 anos. Leônidas marido da babá Heloísa, tão bom baterista quanto alfaiate, tá certo que bebia um tanto e tinha umas ideias malucas, uma delas a de me treinar pra cantar musicas de letras bem improprias pra idade, fazer ele mesmo a saia de chitão da apresentação e me subir no caminhão, maracas na mão, sem entender nada. Até hoje agradeço a ele o estimulo musical. Eu fazia direitinho o que ele mandava e arrancávamos muitas palmas do publico, agradecimentos da rádio, ainda que o saldo final era sempre muita palmada. Meu pai ficava uma arara.
Azulejos "adapítados" 
A rádio, palco de tanta coisa, as muretas pensadas conjunto a ela. Tem apresentação na frente da rádio? Criança sobe na mureta, se cair é baixa, não machuca, de cima dela da pra ver mesmo com adulto em pé na frente. Na radio tinha o locutor Aristides, irmão da minha babá geralda. Minha mãe arrepiava toda vez que ele fazia propaganda de um certo azulejo. Ele falava em barítono empostado: Compre o azulejo tal.... o que melhor “adapíta” na sua parede. Isso valia sempre uma aula de português correto, minha mãe comentava que a radio não podia permitir isso, o povo ouvindo errado e aprendendo errado. Afinal radio é cultura, dizia ela, e era mesmo o único meio de comunicação além de jornal. Todo mundo mantinha sintonia com a rádio, dali vinha toda novidade, o que estava acontecendo e os avisos do padre. Anunciava a hora do ângelus simultaneamente a Igreja Matriz. 
Malba Thaan, o genial velho chato e a histórica Muretinha
Lembro de uma palestra na rádio, palestrante Malba Thaan. Autofalante propagando o dia todo. Não tinha idade pra saber quem ele era, penso que nem ele sabia que tornaria quem se tornou. Ao publicar sua maior obra, “O Homem que Calculava”, deu uma palestra de matemática na radio, demonstrava curiosidades matemáticas árabes e eu fui com mamãe, não tinha com quem ficar. Achei tão interessante sem entender que fui lá onde ele estava, à frente, e mamãe foi convidada a se retirar porque ele já tinha pedido pra não levar criança. Senti o clima, guardei o genial Malba Thaan como apenas um velho chato. Mais tarde vencendo a resistência pra ler o Homem que calculava, vi no prefacio que toda a obra foi escrita em Caxambu. Sabe onde? Sentado na mureta da praça. E eu tive o prazer histórico, desprazer pra ele, de atrapalhar o lançamento.

Viram? E só porque resolvemos contar a história da muretinha.

Fotos
Fotos Antigas de Caxambu
Agradecimentos:
Não sabemos onde por a nossa satisfação e ainda de ter a honra de publicar as memórias de Janice, a vizinha de frente, no Blog da Família Ayres.
Kreuzau, Alemanha

sábado, 21 de janeiro de 2017

A casmurra Samaria, a loura de olhos azuis e sua patroa mulata

Senhora Maria, Samaria assim a chamávamos. Desde que me entendi por gente Samaria já existia trabalhando como serviçal de  minha avó, Gervásia Maria da Conceição/Ayres. Era um ser quase inexistente. Quase. Falava pouco e resmungava de vez enquando. Só se alterava quando as crianças, às 4 horas da tarde, iam espreita-la na porta do seu quarto para “ver a Samaria tomar banho de bacia”, embora a casa tivesse chuveiro com água quente. Ela dormia num quartinho ao lado da casa, sem banheiro e tinha um único baú de couro, onde guardava seus poucos pertences.

Tinha pés grandes sempre calçados  de alpargatas  que nunca esqueci (vide anuncio), cabelos, acredito, outrora louros, trançados  e unidos no alto da cabeça, e uns grandes olhos azuis. Costumava "pitar" cigarro de  fumo de rolo, que cortava fininho e secava no fogão a lenha, enrolado em palha de milho, assim como a minha avó.

Samaria não era casada, não tinha filhos, nem parentes. Ela também esta nas lembranças de Janice Drumond, a vizinha de frente, que na sua infância também frequentava o quintal mágico de vó Gervásia e a conheceu.

Fiquei sabendo em conversas com o meu tio Samuel Ayres que ela foi abandonada pelos parentes na Santa Casa de Caxambu. Então o meu tio Silvio a levou para trabalhar na casa vó Gervásia. Aos domingos à tarde ela saía para o seu costumeiro passeio nos arredores e trazia uma espécie de grama, que crescia no alto do morro do Bairro Santa Rita, que amarrada, formava uma vassourinha e que servia para varrer as cinzas do  fogão à lenha.

Então Sá Maria ficou velha, muito velha. Como não havia outro modo de cuidar ela, meu tio Silvio Ayres de Lima arrasou para que ela tivesse um lugar no Asilo da cidade. Não posso esquecer o quanto seus olhos brilharam ao me ver, quando fui lhe fazer uma visita. Assim um dia recebi a notícia que a Samaria partiu.

Em tempos de Brasil pós escravidão até aquela data, é difícil ainda de acreditar, mas Samaria foi a única empregada branca de olhos azuis que conheci na vida que serviu uma mulata, a minha avó, a vó Gervásia.

sábado, 7 de janeiro de 2017

Bairro Trancador, antigo Pouso dos Tropeiros




"Quando chegam, os tropeiros arrumam as bagagens em ordem e de modo a ocupar o menor lugar possível. Cada tropa acende fogo, á parte, no rancho e faz cozinha própria; antes e depois das refeições, conversam os tropeiros sobre as regiões que percorrem e falam de aventuras amorosas; cantam, tocam violão ou dormem envoltos e cobertas estiradas no chão sobre couros."*

O local onde é hoje o Bairro Trançador da cidade de Caxambu, era local de passagem e também de curta parada dos tropeiros  e vinham de Conceição do Rio Verde e seguiam em direção à Baependi , Cruzília, Aiuruoca, bem ao pé do Morro CaxambuEra um caminho paralelo à Estrada Real, assim como muitos. As viagens duravam semanas, por vezes vários meses, obrigando-os a fazerem paradas em diversos pontos dos caminhos, montando acampamentos rústicos, conhecidos como "pousos". Eram lugares de pastos e água para o descanso de animais e homens. Os lugares eram ranchos toscos de pau a pique ou taipa. Em muitos pontos dessas paradas se formaram vilas e transformaram em cidades.

No Pouso os animais eram tratados, tinham as ferraduras raspadas, crinas escovadas e depois soltos nos pastos para recompor as energias. E foi ali que seu José Fernandes Ayres, o Trançador velho como o chamavam,  tinha  sua casa e que também funcionava como o seu "atelier", onde fabricava em segredo os seus relhos e cabrestos, selas para montaria. Silvio Ayres de Lima, seu neto, filho de Anna Ayres de Lima, a Lica, conta para Graça Pereira Silveira como era a rotina do lugar...




Fonte:
*Saint Hilaire, Viagem a São Paulo
Entrevista gravada por Graça Pereira Silveira na casa de Silvio, em São José dos Campos, 2016

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Com quem voce se parece?


Pois o primeiro álbum da série de 2017
Todos descendentes de José Ayres de Lima, o Trançador-fillho e Gervásia Maria da Conceição 



1-Angela Lima Araújo, neta de de José Ayres de Lima, o Traçador-filho e Gervásia Maria da Conceição (6 e 7)
2- Edison Rodrigues Ayres, neto de José Ayres de Lima, o Trançador-filho e Gervásia Maria da Conceição
3- Samuel Ayres de Lima, filho de José Ayres de Lima, Trançãdor-filho
4- Célia Ayres de Lima/Araújo, filha de José Ayres de Lima, Trancador-filho e Gervásia Maria da Conceição
5- Gervásia Williamson, bisneta de José Ayres de Lima, Trancador-filho e Gervásia Maria da Conceição
6-Gervásia Maria da Conceição com Gervásia Williamson no colo.
7-José Ayres de Lima, Trançador-filho

domingo, 1 de janeiro de 2017

O Grupo Escolar Padre Correia de Almeida de Caxambu e sua história


Muitos anos depois gerações ainda recordavam com saudade do ensino recebido no Grupo Escolar Padre Correia de Almeida. Sim, sim, educação era coisa que valia ouro, e hoje ainda é a chave para o sucesso de um país. E tudo começa lá, na escola primária, onde as crianças aprendem a decifrar as letras do alfabeto,  juntam as sílabas, formam palavras. Ler... Um mundo. Um universo. Este lugar, este pequeno grande lugar de aprendizagem, o Grupo Escolar Padre Correia da Almeida tem lugar  na memória dos seus ex-alunos espalhados pelo Brasil afora e continua prestando valoroso serviço à cidade: a educação básica.

Tudo começou nos anos de 1920, quando a cidade floria como Estancia Hidromineral, suas ruas eram calçadas, o Parque das Àguas embelezado pelas mãos do paisagista Chico Casteiro e seu jardineiro Ramiro Rodrigues Freitas, preparando a cidade para ser uma das mais charmosas e frequentadas estancias hidrominerais do Brasil.

A construção desta instituição de ensino iniciou, em setembro de 1926, exatamente no ano em que tomou posse o governador de Minas Gerais, Antonio Carlos Ribeiro de Andrade, sendo seu secretario de educação Francisco da Silva Campos. Nascido em Barbacena, e talvez por isso,  resolveu homenagear o seu compatriota,  José Joaquim Correia de Almeida, conhecido como Padre Correia de Almeida,  dando o seu nome à escola que teve sua construção concluída ainda no seu governo.

E agora vocês perguntariam quem foi José Joaquim Correia de Almeida? José Joaquim Correia de Almeida (1820-1905), foto ao alto, nasceu e viveu, em Barbacena e lá exerceu o sacerdócio, magistério e também suas críticas, como escritor satírico. Foi considerado o mais importante cultor da poesia satírica, em Minas Gerais e muito popular no Brasil do século XIX. No conceito literário, sátira é uma composição política jocosa ou indignada contras as instituições, os costumes, as idéias da época.

Em 1848, a conselho médico, estiveram em Caxambu, o padre Joaquim Camillo de Britto, vigário de Barbacena, que viria a ser "um preconizador  d`aquelas águas" e que tinha uma dispepsia antiga. Ele veio em companha do seu amigo padre Correia de Almeida. Na época o parque não era parque, era uma mata fechada, cujo pântano escondia as fontes que hoje conhecemos. Eles tiveram que fazer uma picada na mata e abrir caminho para seus passeios. A cura do seu amigo Camillo de Britto se espalhou e muitas outras figuras "de vulto", como barões e políticos passaram a frequentar o local. Foi um grande divulgador das propriedade das Águas de Caxambu. E da sua visita a sátira:

Por me faltar saúde
Vou ausentar-me daqui: 
Quero gozar a virtude
Das águas de Bapendy;
E hei de fazer um lundú
Às águas de Caxambu

Bem, bem, voltemos às obras. Elas foram concluídas, em abril de 1928, estando na vice presidência   do país Fernando Mello Viana e seu secretário do interior, o banqueiro, advogado e político Dr. Sandoval Soares Azevedo. Sua instalação, ou melhor sua inauguração oficial se deu, em 13 de outubro de 1929 (foto ao alto). Portando as obras tiveram uma duração de um ano e 7 meses. Um recorde  para a época, considerando sua arquitetura e seus painéis de azulejos em suas fachadas laterais.

À nossas mestras com carinho

Sua primeira diretora foi Maria de Lourdes Costa Guedes, neta do comerciante e benfeitor da cidade, José Maria Costa Guedes e suas primeiras professoras: Árgia Castilho Moreira, Georgina Meireles, Adelina Guedes Carvalho, Maria Antonieta MenezesGuiomar Pannoia Accioly e Julia Magalhães Viotti, esposa de Francisco Viotti, médico da cidade, que depois se tornaria sua segunda diretora.

E aqui, como estamos contando a história da Família Ayres, que tiveram muitos de seus filhos como alunos do Grupo, teremos que meter a Célia Lima Ayres no meio (foto).  Célia formou-se Normalista na Escola Normal Santa Terezinha e trabalhou na instituição, por quase 9 anos. Ela que foi protagonista da disputa da Rainha da Primavera-1946 para arrecadar fundos para a Caixa Escolar e conta as suas memórias. Segundo ela a diretora era muito exigente com as professoras. No tempo que ela lecionou na instituição, trabalhou com a competentíssima Regina Andrade, designada de Belo Horizonte para o cargo de diretora. Célia também citou a convivência com outras grandes educadoras como Nadir Siqueira, Ruth Nogueira, Luiza Machado, bem como as irmãs Meneses, Antonieta e Maria. Um time de primeira com uma tarefa gigante: serem educadoras num país onde a educação era artigo de luxo. 


Descalço também se aprende  

O trabalho das dedicadas professoras consistia não somente ensinar, mas educar  no mais amplo sentido da palavra. Lá se formariam os futuros cidadãs e cidadãos para a vida. Caxambu tinha, em 1939 10.537 habitantes, sendo 4.237 abaixo de 15 anos. Então os poucos que estudavam já poderiam ser considerados privilegiados.

 O Grupo como toda a instituição de ensino da época, era respeitado como um templo, sendo exemplo de limpeza e organização. As professores gozavam de um grande respeito e autoridade, não somente dentro da escola como fora. As classes possuíam de 25 a 30 alunos de todas as cores, e níveis sociais. Muitas crianças chegavam à escola descalças, mas mesmo assim não eram destratadas por não usarem sapatos. Realidade. E Celia  repetia o ditado chinês: Descalço também se aprende, para motivar os pequenos.

Guedes e os Viottis

E aqui não podemos deixar de falar nos benfeitores desta cidade, os Guedes e os Viottis. Por onde li e pesquisei, registrei várias iniciativas dessas duas famílias em prol da cidade, na paróquia, na escola, ou divulgando a cidade como estância  hidromineral.Em 1937 é constituída Caixa Escolar "Dr Policarpio Viotti", que angariava fundos para as atividades escolares, como merenda, material escolar para os alunos mais necessitados. Com o dinheiro arrecadado foi possível  ter o dentista José Felisale Filho, (vide anuncio) "atender a criançada pobre, socorrida pela Caixa escolar".  E como a Caixa sozinha não dava conta de cobrir todas as necessidades da escola, havia as tais quermesses, para arrecadação de dinheiro. Os turistas mais aquinhoados que frequentavam a cidade também contribuíam para a tal Caixa Escolar.  Celia repetia, faltava muita coisa na escola, o que não faltava eram professoras dedicadas. Sim, sim acreditamos em suas palavras.

À mestra sem carinho*
Regina Andrade 

O título não é por acaso, da canção do filme "Ao Mestre com Carinho", de 1966, em homenagem ao professor, estrelado pelo ator negro Sidney Poitier. No caso, Regina Andrade, a diretora,  que não era casada e não tinha familiares na cidade, adoeceu e foi substituída, vindo a falecer. O que contou-se na cidade foi o pequeno número de presentes no seu enterro, inclusive de seus ex-alunos, lembra Celia Lima Ayres com tristeza. Naqueles tempos "enterro concorrido" significava que a pessoa era bem quista. Mas que fazer? E para enterrar definitivamente o nome da dedicada professora, e apagar da memória da cidade e a escola que levava o seu nome e inaugurada pessoalmente pelo ator e cantor Ivon Curi, filho da cidade, tem hoje outro nome e outra finalidade.  E lá se vão nossas memórias...

Pau que nasce torto...


Com todos os esforços de passar valores morais e uma boa educação às crianças, as educadoras nem sempre tiveram sucesso. O jovem J.B. dos S., sabe lá que passado teve, resolveu arrombar a Caixa Escolar do Grupo, logo a caixa que ajudava os alunos mais necessitados. E o Jornal O Patriota, de 1945, fez o julgamento e  assim titulou: Pau que nasce torto.

Mas este não seria o último acontecimento deste género que passaria o Grupo. Na década de 60, quando Almerinda era diretora da escola, um ato de vandalismo aconteceu. A cantina, que funcionada no porão, foi depredada, deixando a pequena  aluna Janice Dumont impressionada. Ela que tinha a mãe Dona Dolores como professora, era orgulhosa de ser aluna do Grupo, não pode conter a indignação de ver a cena. Até hoje.

A fachada e as musas gregas
Quem sabe o nome da quarta?



Os alunos de ontem e hoje são escoltados por 4 musas gregas, filhas de Zeus com Mnamosine, queimados em ladrilhos portugueses, fazendo de suas fachadas laterais uma verdadeira obra de arte. O prédio impõe. Euterpe, Erato, Clio. Elas estão postadas uma em cada das quatro laterais do prédio. Euterte a musa da música. Erato, a musa da poesia romântica e Clio, musa da história e da criatividade. Falta uma! Pois exatamente esta, nos falta o nome. A nossa corresponde Graça Pereira da Silveira, enviou as fotos, mas pela pouca luminosidade do local, não consegui decifrar o nome da última. Se alguém aí em Caxambu souber, pode nos mandar, ou uma foto com o nome legível, que vai entrar para o posto do Blog!

* lundú: Dança de origem africana
Fotos
CDM- Centro de Documentacao e Memória da Camara de Caxambu.
Caxambu, fotos antigas, facebook
Solange Ayres, arquivo privado
Graça  Pereira Silveira
Fonte:
Maria Marta Araujo - Com quantos tolos se faz uma republica?
Padre Correia de Almeida e sua sátira ao Brasil oitocentista.
Ferreira, Antonio Mauricio, Revista Fontes da Vida, n° 1. Caxambu. 1957, Pag.02.
Monat, Henrique, Caxambu, 1894
Especiais agradecimentos:
À Janice Drumond, colabora deste blog.
CDM-Centro de Documentação e Memória da Camara de Caxambu, na pessoa de Lilian Auguto, por ter disponibilizado a foto e informações para o nosso Blog.