domingo, 7 de maio de 2017

O ribeirão Bengo de Caxambu e sua história

O Bengo de Caxambu, em 1868
E a denominação do ribeirão como Bengo é tão velha, quanto a ocupação do local pelos bandeirantes paulistas, que se embrenharam no sertão a procura de ouro e pedras preciosas. Eles foram se fixando ao longo dos caminhos da Estrada Real, plantando suas roças, criando seu gado, aumentando suas famílias e espalhado descendentes por Minas afora.

Bengo é denominação de outro rio, muito maior que o nosso ribeirão e corre na província do mesmo nome, Bengo, no norte de AngolaÁfrica e deságua no oceano Atlântico, onde, em 1670, teve o início do tráfego de escravos pelos portugueses, em direção ao Brasil. Os primeiros povoadores da região mantinham escravos para cuidar da lavoura e trabalhos domésticos. Importaram os escravos e  vieram junto sua cultura, hábitos alimentares, os nomes de lugares e de sua gente.  Bengo é também nome de uma variedade de capim, Braciaria mutica, originária da África, introduzida no Brasil, no ano de 1820, conhecida como capim Angola, que serve para alimentação de animais. Mas ha outros lugares homônimos da palavra Bengo, como um povoado, no município de São João Del Rei e outro localidade na Padre Paraíso. Todos em Minas Gerais. E... o Bengo de Caxambu.

Mas vamos voltar lá atras nos anos em que o ribeirão corria livre pelo vale, e não estava ainda apertado no corpete de cimento que hoje tem.

"O valle ocupado pela povoação de Caxambu tem pouco mais de dous kilometros de comprimento por quinhentos metros de largura e esta a 890 metros acima do nível do mar; o Bengo, afluente do Baependy, corta-o a princípio de leste a oeste, depois de sul a norte, formando um angulo recto; quasi toda a povoação ocupa a margem direita; á esquerda, destaca-se isolado o Morro do Caxambu com um bosque em sua frauda; no sopé o parque com as fontes virtuosas..." (1)
A foto do ribeirão Bengo acima é a mais antiga conhecida, datada de 1868, publicada, em 1894, no livro Caxambu, do médico Henrique Monat.

Um documento oficial com o nome "Bengo"


E em 9 de julho de 1798, em um histórico documento, (ao alto) aparece o nome  "Bengo", citado no requerimento de Luiz Antonio de Souza Mendes, morador de Baependi, pedindo uma Sesmaria, isto é, terras que ele já cultivava, "onde tem terras e roça" "na paragem chamada Bengo" e onde tinha sua morada. Não foi dito que se tratava de um ribeirão e sim "na paragem", isto é, um lugar. Com o pedido da Sesmaria, queria ele na verdade a regulamentação da posse da terra,  para torna-la legalmente o seu sesmeiro, pois como esta no documento "não tem Título Régio", isto é, não era legalizado oficialmente.

Sesmaria era uma porção de terra, dado aqueles que tinham "cabedal", isto é dinheiro, para ocupar e cultivar terras. As terras eram de propriedades do Capitão donatário, que pertenciam a nobreza portuguesa. Eles eram titulares das Capitanias e concediam terras aos sesmeiros. A distribuição das Sesmarias tinha como função incentivar a produção agrícola e se converteu, posteriormente, numa verdadeira política de povoamento da colônia.

Aninha do Bengo

Certidão de nascimento de Anna Leonízia de Castro, 1829, a Aninha do Bengo 
Luiz Antonio tinha como vizinho de porteira o Sargento Mor Antonio José de Castro Medronho, natural de Ouro Preto, e sua esposa Ana de Meireles Freire, que era filha de Dona Magdalena de Meireles Freire, natural de Guaratinguetá e que era proprietária da "Fazenda do Caxambu". Sua filha  Anna Leonízia de Castro  residiu por algum tempo na denominada... Fazenda do Bengo.

O jornal O Baependiano, de 1887, publicado por Amaro Nogueira, neto de terceira geração por parte de mãe de Anna, noticia seu falecimento, referindo-se no texto à antiga moradia  de sua trisavó a "Fazenda do Bengo".

"A finada, como dicémos, residiu a princípio nesta freguesia, na Fazenda do Bengo, cuja situação exata ignoramos, mas que deve ter sido no valle do rio que banha esta povoação e tem o mesmo nome". (2)

De fato, ela era nascida em Caxambu/Baependi batizada, em 25 de dezembro de 1829, na Igreja Mont Serrat (foto). Ana Leonizia de Castro casou-se em primeira núpcias com o Sargento Mor Manoel Dias Ferraz e de segundas núpcias, em Baependi, com Antonio Dias Ferraz, vindo a falecer, em Cristina, em 1887, onde tinha criado sua família. Curiosamente, era conhecida,  na ainda povoação das Águas Virtuosas de Caxambu por... "Aninha do Bengo". Todos as pessoas acima citadas podemos dizer que foram os primeiros povoadores de Caxambu e região.

O Bengo e a origem das fontes


O ribeirão  esta também  relacionado a fatos da descoberta das fontes de água mineral. Um outro neto de Anna Leonísia, assinado como JG, no jornal carioca Correio da Manhã, de 1959, relata as memórias de sua avó. Um de seus escravos chamado Felicio, ao pescar no rio Bengo, viu uma água "que borbulhava com gases, saindo em borbotões", e a provando apresentava um  gosto incomum acre. Segundo ele essa informação é anterior ao ano de 1791. Mais de dois séculos se passaram e as informações que não podem ser desprezadas, foram transmitidas oralmente na família. Esta aí mais uma versão do descobrimento das fontes de Caxambu.

Henrique Monat e suas previsões para o Bengo

O ribeirão Bengo faz parte da bacia do Rio Verde, junto com os rios  Baependi, Taboão  e João Pedro que banham o município. Nos seus primórdios corria livremente pelo terreno, onde hoje é o parque, em direção à Baependi, até que foram descobertas as fontes e foi dado início ao processo de drenagem do lugar, para a captação das águas, e claro, começaram os problemas. Assim predestina Henrique Monat:


"Causa lastima o estado do Bengo. Ao entrar na povoação, elle mede apenas de oitenta a cento e vinte centímetros de largura e as aguas deslizam-se com certa velocidade; canalizado-o, a Camara deu-lhes três, quatro metros e em alguns lugares mais, em toda a extensão da povoação; deixando-a o Bengo, volta à largura primitiva, descreve curvas, rápidas e zig-zags, atravessando extensos capinzais; forma charcos, lagoas, e estreita-se de novo, antes de desaguar no Baependy, com um volume insignificante." E conclui: A situação do Bengo esta a indicar que para elle devem convergir os esgotos da cidade.

Com as várias intervenções, drenagens e aterros, para captação das fontes sem planejamento adequado, o Bengo era motivo de preocupação, quando chegava a época das chuvas. Não precisamos descrever o dramático quadro: Coletores de esgotos obstruídos, águas estagnadas, que invadiam o parque inundando as fontes, lixo e sujeira espalhados por toda a parte. E a área do parque era a "mais bem aterrada de Caxambu", escreveu Monat "... no resto da povoação não se tomaram as precauções mais elementares; mas a Camara consente que se vá construindo, sem se lembrar dos perigos que acarreta tal imprudência, não só sob o ponto de vista hygiênico, como também quando à resistência do solo." O velho problema do crescimento  urbano desordenado, tudo sem planejamento...

Enfim...


E para o bem dos caxambuenses, em primeira linha e turistas, a paisagem foi sendo modificada.  Na administração do prefeito  Camilo Soares (1912-1916)  o Bengo foi canalizado, pelo menos a parte que corria no centro, levando-o para 1.800 metros da povoação. Bem, não era muito. O ribeirão continuaria correndo como ha séculos, agora como cloaca da cidade, quando foi definitivamente iniciado seu segundo grande processo de canalização, no inicio da década 1980, com a construção da "Avenida Beira Bengo". Ok, uma vez mais empurraram os limites de sua canalização para mais de um quilometro do centro da cidade...

É sujo, é limpo

Janice Drumond em suas memórias ajuda-nos a descrever o nosso ribeirão, na década de 1960, quando éramos vizinhas, na rua Quintino Bocaiúva. O Bengo corrida no fundo dos quintais de vó Gervásia, da casa de meu pai José Ayres e ia passar correndo pelo quintal da tia-avó Mariquinha, e do vo Ramiro, onde moram até hoje os seus descendentes da Família/Ayres/Rodrigues Freitas. Nas palavras de Janice, foi  cumprido o destino que Henrique Monat tinha profeticamente predestinado a ele. (leia aqui outras histórias de Janice Drumond)

"A pracinha quadrada, cortada perpendicular pelo Bengo, ribeirão sempre discutido - É sujo, é limpo - como ser sujo se vem direto do Parque, se vem do lago, suprido pelo veio d`águas-régias vindo do bosque? Tá certo que depois de correr a cidade, lá no final perto da fazenda Santa Terezinha, na pontinha que dá no Matadouro já está sujo. A gente sabia disso porque tomava bronca sempre que tentava atravessar a pé, nos fundos dos quintais, inclusive da avó Juruva *(vó Gervásia). Quando mais distante do parque, mais sujo."

Do Bengo que sonhamos, rodeado de árvores, correndo livre, sem ser contido por muros, contorcendo-se na várzea ao pé do morro... Sonho. Da romântica foto de Haroldo Kennedy, no interior do Parque das Águas para a realidade: As obras de sua canalização e os resultados.


Para onde foram as galinhas d`água?

Mas a história canalização do Bengo ainda não terminou! Depois de tantos anos correndo como cloaca da cidade, temos uma boa notícia: O esgoto vai direto  para a estação de tratamento. Aproximadamente 95% do material é tratado.  Mas o pobre ribeirão continua correndo desolado, sem nenhuma vegetação ciliar que o acompanhe até a estação de tratamento e que o proteja do assoreamento. Sem vida, assim pelado não  ha possibilidade de abrigar aves aquáticas às suas margens, como as galinhas d`agua que vi quando criança.

Citações:
*Janice Drumond  quiz dizer Vó Gervásia, pois quando pequena não conseguia pronunciar o nome, e sempre a chamava de "vó Juruva".
* vários grifos meus
Fonte:
(1) Henrique Monat, Caxambu
(2) O Baependiano, 1883
Correio da manhã, 1859
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Arquivo Público Mineiro
ARSAE-MG Agencia Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário do Estado de Minas Gerais do ano de 2015.
Fotos:
Arquivo privado
Parque das Águas: Fotos Antigas de Caxambu
Fotos da colagem: Prefeitura de Caxambu
Revista Fon Fon
Jornal O Boemio
Agradecimentos:
 Haroldo Kennedy que emprestou sua bela foto do Bengo, para o Blog da Família Ayres.

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