domingo, 14 de maio de 2017

As coroações do mês de maio em Caxambu/Os anjos com asas / Parte 1

"A Matriz Nossa Senhora dos Remédios de Caxambu, no mês de maio, era pura festa. Todos os dias do mês dedicados a Virgem Maria, revezando entre a Igreja Matriz e a Igreja Santa Izabel, interligadas por uma rua: a Matriz embaixo, no centro da cidade e a Igreja escadaria acima, lá em cima, atrás do cruzeiro. A coroação na Igreja Santa Izabel, mais simples, mas a coroação na Matriz, verdadeiro evento."

Hoje mais uma vez, vamos pedir ajuda à Janice Drumond, a nossa vizinha de frente, lá da rua Quintino Bocaiúva, relembrando os memoráveis dias de maio, quando as crianças podiam brincar por algumas horas de serem anjos. E... Não era um "anjo" esta menina?

A missa começava às oito da noite e desde as sete a fila de anjos começava a engrossar. Nossas mães se esmeravam, caprichavam nas roupas de cetim. A minha era azul celeste, com peitilho todo trabalhado em “casa de abelha” feita pela mãe do Faridinho Cury, uma estrelinha prateada em cada arremate, as asinhas de plumas de ganso vinham de longe, a gente cheia de agasalho por baixo da roupa, um frio cortante de começo de inverno, a gente tiritando na fila, mas firme ali porque sabia da importância do evento.

Cada dia um festeiro e tinha festeiro que era muito concorrido. Ser festeiro era muito importante porque era ele quem determinava os papéis, que escolhia qual anjo poria a palma, qual jogaria as pétalas de flores do cestinho, quem colocaria a coroa na cabeça da nossa senhora, quem participaria do quadro vivo e... O mais importante... De que tipo seria o cartucho. Sim, o cartucho nosso principal interesse. Aquele cone cheio de gostosuras era nossa recompensa pelo incomodo da roupa e o frio. Talvez por isso a festeira mais aguardada era a Maria Boleira. O dia que ela era festeira, os cartuchos eram sempre garantia de surpresas.

Coroação causa traumas

Minha mãe Dona Dolores, ex “filha de Maria”, uma das fundadoras da Ação Católica na cidade, sempre me levava, deixando marcados em mim estes retalhos de memória que me fazem até hoje ter no céu dos amigos, todos aqueles anjos que compunham a enorme fila de coroação do mês de maio, em Caxambu. Cumpri com todos os papéis, pus palma, pus coroa, joguei flores e participei dos quadros vivos.

Dois traumas ficaram bem marcadas na mente. O primeiro foi no dia em que minha mãe foi festeira na Igreja Santa Izabel e que realizei o sonho de por a coroa, diga-se de passagem, honra máxima numa coroação, e o fato dela, na praticidade dela, ao invés de cartucho, ter distribuído amarradinhos meia dúzia de balas... Uma pobreza frente aos cartuchos da Maria Boleira. Nunca me conformei com aquilo.

O segundo trauma descrevo aqui. Eu era sempre convidada a fazer o menino Jesus nos quadros vivos. Era a única criança da cidade com olho azul e cabelo enroladinho e dividia este papel com a Marcia Gallo, cuja mãe conseguia com um lápis, cachinhos melhores que os meus. Éramos sempre os meninos Jesus.

O quadro vivo funcionava como fechamento do evento. Uma vez colocada a coroa, a banda começava a tocar e disparavam os fogos de artifício ao mesmo tempo que uma cortina acima do altar se abria e expunha uma cena bíblica. E lá fui eu com meus 5 anos fazer a criança boazinha, deitada numa caminha, com a filha da Ivone pintora, linda, fazendo o anjo da guarda, de asas super imponentes, a proteger a terna criança em seu sono tranquilo. Assim deveria ser. E bem me explicaram: você fica quietinha deitada na caminha, e depois que abrir a cortina e a banda começar a tocar é pq terminou, então você já pode voltar para colo da sua mãe. Ok, fácil demais, mais fácil que subir nos caixotes pra ter acesso à caminha a partir dos bastidores. 

E assim foi. Deitei na tal caminha, a filha da Ivone maravilhosamente posicionada como anjo enorme a mãe proteger. Posta a palma, colocada a coroa, as flores atiradas, abre-se a cortina e a banda começa a tocar, os fogos a pipocar. Não tive dúvidas. Obedeci de imediato ao roteiro. Levantei, desci e fui pra platéia, para colo da minha mãe. Lá debaixo eu via o lindo anjo a velar a caminha vazia e levei anos pra entender porque o povo tanto ria. E quando entendi, percebi também que a precipitação é uma característica que trago de berço.
Foto:
Arquivo privado de Janice Drumond

Um comentário:

  1. Quê recordação maravilhosa!!! Parabéns por este comentário que nos fez lembrar de tempos de deixar saudades!!!!👏👏👏👏👏👏👏

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