sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

José Ayres, o eletricista

Assim era conhecido meu pai, seu Zé Ayres, profissão eletricista. Contava ele que um dia, aos 21 anos, saiu de Caxambu em direção à cidade de Aiuruoca a procura de trabalho. Ao que seu pai,  soube, foi buscá-lo de volta. Ele respondeu ao pai que precisava trabalhar ter uma profissão e seguir a vida. Seu pai calou-se, com lágrimas nos olhos o abraçou e o deixou ir.

José Ayres nasceu em 26 de dezembro de 1906, filho mais velho de Gervásia Maria Ayres e José Ayres de Lima, conhecido como José Trançador, batizado em 7 de Janeiro de 1907 por Nicolau Tabolar e Paulina Tabolar Brochado na igreja Nossa Senhora dos Remédios, em Caxambu. 

Sua infância foi vivida num quintal, onde é hoje a rua Policarpio Viotti, em Caxambu, cercado por um imenso bambuzal, pés de jabuticabas, laranjeiras, pés de uvas, um pequeno paraíso naquela época, "fora do centro" da cidade, onde quando criança  chegou a caçar um... urubu e o colocou para cozinhar. Disse que o pobre bicho era de uma carne duríssima. Não sei se ele chegou a... a...provar a tal carne, ah, isso eu não sei. 

Pés descalços

A família ia aos domingos à missa e como ele tinha somente um par de  sapatos, que eram calçados somente à porta da igreja, aconteceu de ele levar um tropeção e ferir o dedão do pé e foi comentado entre os irmãos: "Já pensou se tivesse calçado, teria estragado o sapato..."


Calçando os sapatos na porta da Igreja Matriz  em Caxambu, ano de 1907
No início dos anos de 1900 a cidade já era conhecida mundialmente pelas suas fontes de água mineral e ele era um de seus degustadores:  Não faltava água mineral na mesa do almoço. A que mais apreciava era procedente da fonte Viotti, mas também as águas magnesianas, bem como a fonte Venâncio eram degustadas com prazer entre um frango a molho pardo, o seu prato preferido. Dizia ele que eram as águas mais famosas do mundo, e por nada trocaria um copo de nossa água  por cerveja ou coca-cola, esta última que classificava, não sem razão, como "água suja", para a decepção de nós crianças, que gostávamos de beber do líquido preto, vendido nos caminhões que passavam de quando em quando, popularizando-a. Ele resistiu à moda e continuava fiel às "águas milagrosas".

Primeira família

José Ayres casou-se pela primeira vez com Alzira de Carvalho em 25 de outubro de 1928, na Basíca  da cidade de Aparecida no estado de São Paulo. Da união nasceram as filhas: Jane dos Santos Ayres, Eny dos Santos Ayres,  Vany Dos Santos Ayres, Geralda dos Santos Ayres e Lindenberg dos Santos Ayres
Outros 2 filhos falecidos quando crianças, Luiza Maryland dos Santos Ayres, nascida em 9 de setembro de 1931, nos registros, a sexta filha do casal e Steinberg dos Santos Ayres, nascido em 5 de julho de 1940 falecido de sarampo, que cheguei a conhecer o menino em foto dentro de um caixão... Naqueles tempos era comum fotografar seus entes queridos dentro dos caixões. A tal foto era vista de vez enquando, quando abríamos os envelopes "secretos" no armário de minha mãe.

O eletricista Zé Ayres

 Na década  de 20,  ele chegou a ser funcionário da prefeitura de Caxambu como gerente da Subestação de Soledade  do qual foi suspenso por 8 dias no dia 9 de outubro de 1929 "por fazer ligação de luz clandestina para sua casa". Ao escrever o texto achei diversas correspondências que me permitiram escrever esta pequena biografia. Na verdade a história foi contada por ele de outra maneira. Por uma desavença com o senhor "Picolé", um outro trabalhador da prefeitura, que fez a tal "denúncia vazia" e nunca se confirmou e de fato, achei outro documento de 15 de agosto de 1928 que comprova a sua inocência. Na verdade José Ayres não residia na casa citada e sim morava num comodo pertencente a José Ambrósio de Lima, que escreveu uma carta atestando que na verdade a residência referida pelo denunciante não era de propriedade de José Ayres.

Em 11 de julho 1935 assinou contrato com a Companhia de Forca e Luz de Aiuruoca para  a construção  da linha de transmissão e rede de distribuição para a sede do distrito de Carvalhos, com prazo de entrega de 4 meses após o inicio das obras.

José Ayres, 5° da direita para a esquerda.
Turma do curso técnico em geladeira
 Frigideire na General Motors em São Caetano
do Sul, São Paulo no ano de 1955.
Em 1936 realizou trabalhos de instalação elétrica no anexo do Edifício Palace e em 17 de janeiro de 1940 ele volta à prefeitura de Caxambu contratado pelo prefeito como " Operário do Serviço Municipal de Eletricidade ". Em 24 de julho de 1941, recebeu a incumbência do engenheiro Asdrubal Teixeira de Souza para  fazer  consertos na turbina da Usina de Congonhal, no município de Baependi.
Em 20 de marco de 1943 é concedida licença sem vencimentos para "tratar de assuntos de interesse particular".

Não tenho registros de quando ele se desligou da prefeitura e passou a ser trabalhador autônomo, mas o certo é que no ano de 1955 participou de um curso de refrigeração em São Caetano do Sul, São Paulo, na General Motors, fabricante da geladeira marca "Frigideire", que tínhamos como relíquia na copa da casa e da qual me separei somente no final de 2006, por  não ter mais condições de ser consertada. Mas ele nunca gostou de consertar nem geladeiras, nem ferros elétricos. De vez enquando eu o ajudava na confecção de resistências para ferros elétricos... Ele gostava mesmo era de trabalhar em grandes projetos.

Por sua forma correta e honesta e sua competência, era requisitado para obras grandes como o serviço de eletricidade do primeiro edifício da cidade, o edifício Anice, o edifício Halley em 1962/63, Condomínio do Edifício Palace em 1972, assim como o edifício Aparecida 1972, e a grande reforma elétrica do engarrafamento de água do Parque das Águas, em 1977/78, na época coordenado pelo senhor Edmundo Dantas, um velho amigo, sendo este seu  último grande trabalho executado antes de se aposentar aos 65 anos. 

Tomate na ponta da vara

Me lembro quando a Cemig, Centrais Elétricas de Minas Gerais, instalou seus primeiros postes de luz e a rua foi iluminada, e batizada com o nome do candidato a deputado Federal pela Arena em 1966, Magalhães Pinto que apoiou a instalação do Ato Institucional n° 5, que restringiu as liberdades democráticas, dentre elas caçar mandados de parlamentares e proibir manifestações de políticas.  Nas noites que se seguiram a inauguração,  milhares de besouros de todas as cores e tamanhos perdiam suas vidas voando em torno as lâmpadas.

Por ter pouca capacidade de iluminação, meu pai considerava o antigo sistema de postes e lampadas como... "tomates em ponta de vara".  E lembrava: "O Kennedy, (presidente dos Eua) estudou sob a luz de um poste de luz e chegou onde chegou." Verdade ou não, para ele a eletricidade era a revolução.

Na sua profissão de eletricista, construiu muitas "mini-usinas" pelo interior das Minas Gerais, Liberdade, Carvalhos, Seritinga, Serranos, Aiuruoca, principalmente para fazendeiros, que com suas pequenas quedas d`agua movimentavam, moinhos e iluminavam suas casas. Aiuruoca particularmente fez parte de sua juventude e onde pela primeira vez teve uma... namorada.
Fiel permaneceu ele ao seu alfaiate o "Nego", que fazia suas calças de zuarte verde-claro. Uma vez acompanhei meu pai numa viagem à Aiuruoca, quando ele foi lá tirar as medidas para confecção das ditas, e que quando ficaram prontas foram enviadas via "ônibus" para Caxambu. Assim era. 

Depois veio o "progresso" e com as grandes companhias elétricas, as pequenas usinas movidas à água perderam o seu sentido. A eletrificação tornou-se projeto de grande escala estadual e o governo reservou para si o direito de produzir energia elétrica  e proibindo  a geração de energia para consumo privado. Assim as viagens pelo interior de Minas foram se tornaram escassas e ele se ocupou mais com obras na cidade.

Embora fosse profissional autônomo, era um seguidor de uma rotina disciplinar: Acordava entre 7 e 7:30 da manhã, tomava seu café com leite e pão com manteiga e ia para o trabalho, voltando às 12 horas, quando soava o apito do parque. Depois do almoço, fazia a "siesta" até no máximo 13:30 e depois saia para trabalhar, voltando às 18 horas para comer um prato de sopa de macarrão com carne, que ficava cozinhando desde as 16 horas da tarde. Às 19 já estava na cama.

Segunda família

José Ayres e Arminda Maria Ayres
em sua casa em Caxambu, 1961.
Na década de 50 ele enviuvou-se e voltou a se casar com Arminda Maria da Conceição, de Baependi, que conheceu ao instalar uma lampada na casa do patrão dela, em Caxambu, e com idade já avançada para a época, com 46 anos foi pai de Elizabeth Ayres e aos 54 anos, de Solange Ayres, que aqui vos falo.

Admiração pelo Sputnik , mas sem telefone

Ele era admirador das novas tecnologias. Minha primeira calculadora recebi de suas mãos, daquelas que faziam contas de mais e menos e raiz quadrada. Uma revolução! Com ele também cheguei a ver o satélite Sputnik que voava sob nossas cabeças piscando num céu escuro, na pracinha em frente onde era a venda do senhor Caetano e da Casa Armênia. Em uma noite escura de maio saí com ele para ver o trabalho das máquinas que abriam a estrada em direção à Baependi e ele me ensinou a memorizar os nomes inscritos nas cavadeiras: "marechal", "coronel", "major". Tempos da ditadura...
Mesmo com toda a admiração pela técnica, nunca tivemos telefone em casa, pois "não queria ser perturbado nos fins de semana". A demanda de serviços elétricos na cidade era grande e ele não teria mesmo sossego.

Meu pai era um crítico severo da igreja e sua pompa. Dizia que o Papa deveria vender suas ricas vestes de ouro e entregar o dinheiro aos pobres.
Além do que, descobriu ele (por parte da empregada que trabalhava na casa paroquial) , na quaresma, tempo de jejuar, o padre tinha em sua mesa um grande bife. Para ele um acinte. Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço, repetia.
Assim foi desacreditando da igreja e seus dógmas. Em nome de Deus, dizia ele, eram feitas guerras. Mesmo assim, acompanhávamos as procissões de semana Santa e ele se emocionava na Sexta Feira Santa quando o coral entoava os seus canticos... 

José Ayres, Arminda Maria Ayres, Elizabeth Ayres
e Solange Ayres, fotografados por Menininho
 em 1965.


José Ayres, teve um excelente aprendiz, seu neto Luiz Henrique dos Santos Ayres, hoje funcionário da Cemig, em Três Corações filho de Lindenberg dos Santos Ayres, já falecido. Somente ele pode contar como foi trabalhar com o seu avô.

José Ayres faleceu no hospital Cônego de Monte Raso, em Baependi,  em 1 outubro de 1988, aos 81 anos de falência múltipla dos órgaos.

domingo, 20 de abril de 2014

Justiniana a avó de todos e todas

Violinos de arcos quebrados
Natureza morta em afrescos
Insistem no mesmo roteiro
A memória em seu vehiculo
Apenas reúne as perdas
seculares

Eustáquio Gorgonne
Quando pensei que não mais poderia reconstruir a história da Família Ayres antes de Sabina Maria da Conceição (1865-?), mãe de Gervásia (1881-1971), acho nos arquivos a certidão de casamento de Justiniana, a Nana como era chamada, mãe de Sabina. Que satisfação! Também encontrei nos registros outros filhos dela, que até agora ficaram perdidos no tempo. E se não fosse a ajuda da memória da tia Célia...


Assim consta que Justiniana Maria da Conceição, aos 45 anos de idade, que foi escrava de João Ferreira Simões (como consta em 2 certidões de batismo de seus filhos Salviano e Sabina), casou-se num sábado às 2 horas da tarde, na Igreja Matriz de Baependi, em 20 de outubro de 1888, com Pedro, que foi escravo Gabriel Theófilo de Andrade, conhecido fazendeiro em São Thomé das Letras. A data provável de seu nascimento é 1943 e este registro até agora não foi encontrado. O certo é que Justiniana morou em Baependi, mais preciso, no Chapéu, batizando os seus filhos  na Capela do Piracicaba e na Igreja Matriz em Baependi. Foram eles: Camillo Ferreira Junior (1858-), Salviano (da Conceição ?) (1861-?) e Sabina Maria da Conceição (1865-?). Salviana Maria da Conceição ( ?-?)

          
Decreto da Lei Área
de 13 de maio de 18
Libertos!

Atentem para o detalhe do documento acima: Pedro e Justiniana foram "libertos"! Quanta felicidade! Este casamento tardio pode-se entender no contexto da abolição da escravidão. O certo é que houve na época uma "onda" de casamentos entre negros após a proclamação da Lei Áurea em 13 de maio de 1888, (vide decreto ao lado) pois  contei um grande número de uniões ao fazer minha pesquisa. 

Não posso assegurar se Pedro, com quem ela se casou oficialmente, foi o pai de seus filhos, pois nos registros constam todos como "filhos naturais" o que significava que os pais ou não eram casados oficialmente, ou não eram conhecidos. 

Certidão de batismo de Salviano de 1861

Desvendando as certidões...

 Certidão de Batismo de Camilo de 1858
Mais outra informação foi resgatada dos arquivos, já que o quebra cabeças da família não se desvenda de uma certidão e sim de várias certidões e cruzando as informações. Assim aconteceu ao analizar a posteriori a certidão de nascimento de Camillo, o primeiro filho de Justiniana. Nela consta que ele era filho de "Justina", (ver documento ao lado) possivelmente escrito erroneamente, "Justiniana", escrava de... João José de Lima e Silva. Ora, até neste momento da minha pesquisa achava que Justiniana fora escrava de João Ferreira Simões, mas no registro de nascimento de Camillo constava que ela, em 1858 era escrava de João José de Souza Lima, o avô de José Ayres de Lima, o Trançador. 

E o destino uniu casa grande e senzala

E por destino o neto de  João José de Lima e Silva, José Ayres de Lima, o Trançador, casou-se com a neta de Justiniana, Gervásia da Conceição. Então parece que tudo ficou em família.

Certidão de Batismo de Sabina de 1865
Provavelmente João José de Souza Lima vendeu Justiniana para João  Ferreira Simões após o ano de 1858, pois consta nas certidões seguintes de nascimento de Salviano e Sabina, nascidos respectivamente em 1861 e 1864 que ela, Justiniana, era de propriedade de João Ferreira Simões.

Por algum tempo Justiniana morou em Baependi, ou na propriedade de seu ex dono, como era costume. Para onde iriam os escravos depois de abolida a escravidão? Conquistaram a liberdade mas não a cidadania. Por não terem outra alternativa de sobrevivência, sem formação profissional, sem escola, provavelmente continuaram trabalhando na terra , agora como "libertos" para os seus antigos senhores, ou buscaram no trabalho informal uma maneira de sobreviver. O destino de nossos antepassados não foi diferente de milhões de outros negros no Brasil

Pedro, o marido

O marido de Justiniana, Pedro pertenceu ao plantel de escravos de Gabriel Theófilo de Andrade. Pude reconstruir parte de sua história pessoal comparando os dados dos arquivos. O seu dono, Gabriel casou-se com Maria José da Luz Junqueira em 30 de abril de 1872 em São Thomé das Letras. Em 1875 registrou uma filha na paróquia de Baependi e em 1890 outra em São Sebastião da Encruzilhada, hoje Cruzília. Em alguma das três povoações Gabriel adquiriu Pedro, que após a abolição da escravatura, casou-se com Justiniana. Gabriel o ex-dono de Pedro não pode ver seus escravos livres e nem o casamento de Pedro com Justiniana. Ele faleceu  antes de 1888.

Atestado de óbito de Justiniana de 1813
Justiniana terminou os seus dias na já proeminente Caxambu, que em 1901 foi elevada à categoria de vila emancipando-se de Baependi. No ano de sua morte, Caxambu tinha status de Estância Hidromineral e era visitada por inúmeros turistas em busca da cura de várias doenças através de suas "Águas Virtuosas". Mas suas fontes de águas medicinais não puderam ajudar Justiniana, que faleceu em 23 de novembro de 1913, (documento) aos 60 anos de insuficiência cardíaca, sendo sepultada no Cemitério Paroquial de Nossa Senhora dos Remédios.

Nota: A datas de nascimento e falecimento de Justiniana não correspondem. Se ela tivesse "60 anos", portanto teria nascido em 1853 e o seu primeiro filho não poderia ter nascido em 1858, pois são apenas 5 anos de diferença. Assim suponho que foi um erro cometido por quem deu, ou fez as anotações pois segundo a nossa tia Célia, Justiniana teve seu primeiro filho também muito jovem, assim como Sabina, aos 14 anos de idade.

Geração familiar seguindo a linha matrilinear de Justiniana Maria da Conceição:

Primeira geração  nascidos como "naturais":
Filhos de Justiniana

Camilo Ferreira Junior (1858-?)
Salviano da Conceição (1861-?)
Sabina Maria da Conceição (1865-?)
Salviana Maria da Conceicção ( ?-?)

Segunda Geração
Netos de Justiniana

Filhos da relação de Sabina Maria da Conceição com Bernardino Lopes de Faria
Netos de Justiniana:
                               
Gervásia Maria Ayres
Josino Lopes de Faria (Nego)
Eduardo Lopes dos Santos
Luiz (?)
Manoel (1886- ?)

Netos de Justiniana
Filhos da relação de Sabina Maria da Conceição com José Luiz de Castro, apelidado de "José do Saco".

José de Castro
Maria de Castro
João da Conceição
Antonio da Conceição
Alzira de Castro
Sabina de Castro Diório

Observando que Sabina de Castro, que casou com João Diório, originou o ramo da família dos "Diários", era meia irmã de Gervásia Maria da Conceição, que casou-se com José Ayres de Souza Lima originando o ramo da família "Ayres".

Bisnetos de Justiniana
Filhos do casamento de  Gervásia Maria da Conceição com José Ayres de Souza Lima, o Trançador.

José Ayres
Mercedes Ayres
Silvio Ayres
Maria Ayres
Luiz Ayres de Lima
Palmira Ayres
Josino Ayres
Silvia Ayres
Samuel Ayres
Celia Ayres

Kreuzau, 20 de julho de 2014, Alemanha.
Foto: Solange Ayres, piso do Coreto da Pracinha central da cidade de Caxambu.




terça-feira, 25 de março de 2014

João Ferreira Simões, o português




Baependi em 1870
O passeio de Caxambu a Baependy é intessantíssimo; ora, vê-se uma paysagem pittoresca, ora um bloco immenso de pedra calcaria, branca que se pulverisa facilmente; aqui é uma descida escarpada, tortuosa, accidentada; alli um morro, onde se descortina um panorama delicioso...
Causa agradável impressão a vista da cidade, quasi toda sobre uma collina, com as casas cercadas de vegetação sempre abundante o aspecto é risonho e contrasta com o isolamento arido das casas de Caxambú.
Ao penetrar-se, porém na cidade, triste decepção! são ladeiras cheias de buracos, outrora calçadas por lages, de que existem ainda restos; casas velhas, de aspecto lugubre, pobre, algumas a esboroarem-se, a procurarem um centro de gravidade... 
Baependy, hoje em decadência, floresceu até uns vinte annos passados, o tabaco fez-lhe a reputação de município opulento, e na história do império os grandes princípios democráticos ali encontraram defensores heroicos.

Foi berço de homens ilustres nas sciencias e na politica. Hoje, não tem tabaco para dous cigarros, e vive de recordações, a ver e crescer a fama de Caxambú, como uma mãe velha e exausta vê, cheia de orgulho e de esperanças, elevar-se o filho que amamentou.*



Assim se parecia Baependi na chegada do imigrante João Ferreira Simões (1837-1919) um dos personagens centrais de nossa história. Se vocês não se lembram, ele era o proprietário, digo, dono das escravas Justiniana Maria da Conceição mãe de Sabina Maria da Conceição, sendo Sabina a mãe de Gervásia Ayres de Lima, (nascida Maria da Conceição) nossas bisavós, trisavós, tataravós... Tomei emprestado o texto acima, datado do ano de 1894, que encaixa exatamente no contexto em que viveu ele, analisando com vivacidade cidade de Baependi.

A história de João Ferreira Simões, 25 anos de idade "do reino de Portugal" e "que se justificou livre"como consta na certidão abaixo, começa para nós quando ele que se casa com Maria Eugenia de Lima, 23 anos de idade em 27 de outubro do ano de  1860 no "Oratório da Lagoinha do Chapeu". 
A cerimônia foi realizada em "um oratório particular", uma tradição de origem européia, praticada pelos portugueses que aqui chegaram.



"O oratório (do latim oratoriu)  era um  nicho ou armário com imagens religiosas, de origem medieval, é concebido como um tipo de capela particular em que reis e nobres realizam suas orações, e, freqüentado em seguida também por associações religiosas leigas. Ligado, de início, ao modo de vida das camadas abastadas, o hábito de ter altares particulares logo se dissemina pelos mais variados estratos sociais. O oratório chega ao Brasil com os portugueses e sofre adaptações de acordo com as formas de vida local. No Brasil colonial, essas peças religiosas estão presentes nas fazendas, senzalas e sobrados urbanos. Parte do equipamento da casa colonial, o oratório - que substitui progressivamente as capelas anexas às fazendas - é introduzido nas residências, colocado em nichos nas paredes ou nos quartos para uso individual. A presença dos oratórios dentro das casas e o hábito de rezar individualmente sinalizam uma "vida íntima em ascensão", nas palavras da historiadora Leila Mezan Algranti, e fornecem ainda elementos para a compreensão das formas de religiosidade na colônia, oriundas da mescla de tradições culturais distintas. (texto extraido do Museu Itau Cultural)

E a familia cresceu...

Mas não como esperado. Ao contrário da maioria dos fazendeiros, cujas proles eram grandes, José Ferreira Simões e Maria Eugenia de Lima tiveram somente 3 filhas: Elvira Maria do Nascimento Simões, nascida em 1862 e Elízia Simões, em 1876 e Inocencia Ferreira Simões (14/03/1907), que faleceu aos 32 anos em Pouso Alto de febre Pueril. Para os fazendeiros naquela época era certamente um problema ter uma pequena prole, já que os filhos eram braços para tocar as lavouras, principalmente do sexo masculino. A administração da fazenda, o cultivo da terra, o comércio dos produtos produzidos, tudo ficava em sua responsabilidade e esta situação perdurou por muitos anos, pois sua família não crescia como era desejado. Ele foi pai pela primeira vez aos 27 anos.

E talvez por esta razão o casamento de sua filha mais velha, Elvira se realizou tão cedo, quando tinha apenas 13 anos de idade com Bernardino Lopes de Faria de 22. Esta foi a solução dada, segundo minhas hipóteses, casar as filhas logo para que os genros e netos dessem continuidade ao trabalho na fazenda.

E de Elvira nasceu Elvira. Ela ela foi a primogênita e recebeu o mesmo nome de sua mãe, e infelizmente veio falecer aos 11 anos de idade. Depois seguiram mais 12 crianças resolvendo o problema da descendência de nosso personagem João Ferreira Simões.

Inicialmente o seu João ficava na fazenda e com o passar dos anos adquiriu um  terreno, onde hoje é o bairro denominado de "Caxambu Velho" e lá construiu uma casa. Estas informações foram retiradas de uma certidão de óbito datada do ano de 1896 (abaixo) entre tantos outros que  encontrei:


"Consta que em um dia em fins de março de 1896, ausente durante a Semana Santa em Baependi, fora sepultado no cemitério de Nossa Senhora dos Remédios de Caxambu o cadáver de uma criança da casa do Sr. José Ferreira Simões, cuja a guia civil não deixaram-me, sendo o mesmo João Simões residente fora desta povoação."

Casa no Caxambu Velho

 Caxambu no início de 1900 o caminho, de quem
vem de Baependi passando pelo Caxambu Velho,
hoje parte da Estrada Real, com certeza percorrido
por João Ferreira Simões até chegar à cidade.
Aos 60 anos podemos dizer que ele  ainda era ativo para tomar as empreitadas à cavalo e participar das comemorações da Semana Santa em Baependi. Também podemos deduzir que ele tinha alguma posse e era "abastado" em comparação com a maioria da população pobre e escrava, possuindo uma casa "na cidade".
A decisão de sua mudança de Baependi para as "Águas Virtuosas", como era chamada Caxambu naqueles tempos, foi muito bem relatada no texto acima e os argumentos de Henrique Monat encaixam-se exatamente no período histórico em que viveu João Simões e sua família. Assim como outros tantos proprietários de terras, o declínio da mineração e das lavouras causado por falta de mão de obra escrava atingiu toda a região.

No jornal O Baependianoque circulou de julho de 1897 a novembro de 1899, havia alguns anúncios de venda de propriedades com os mesmos argumentos: falta de mão de obra para tocar a fazenda, e como prova a nota abaixo, um fazendeiro anunciava sua propriedade dizendo às claras: "o preço é muito módico em conseqüência do proprietário não ter gente bastante para cultivá-la". Não nos esqueçamos também que movimentos abolicionistas chacoalhavam a província. No ano de 1871 foi promulgada a Lei do Ventre Livre, e ditava que todo filho de escrava a partir daquela data era livre, da qual  Gervásia Maria da Conceição nossa avó, bisavó foi beneficiada, e em 1888 a escravidão foi definitivamente abolida.

 Nos anos seguintes à abolição, Baependi foi perdendo sua força econômica e política, e a novas vilas e povoações foram se emancipando e ganhando importância, como Caxambu, que passou a categoria de vila em 1901. A mudança de João Ferreira Simões para as "Águas Virtuosas do Caxambu" também pode ter se dado pelas boas condições climáticas e de seu status como estância hidromineral.

Em família

Assim como Virgolina Balbina de Lima a dona Virgolina, ele tinha também inúmeros afilhados entre escravos, filhos de escravos e parentes. Ele batizou em 1862 no Oratório da Fazenda Sao Pedro, junto com sua esposa, Nicolau, filho de Virginia, escrava de João José de Lima e Silva José Florêncio Bernardes. Lembrem-se que João José de Lima e Silva era o avô pelo lado materno de José Ayres de Lima, o nosso Trançador.

João Ferreira Simões faleceu em 5 de agosto de 1919 em sua casa em Caxambu, aos 84 anos, um matusalém para a época.  A "causa mortis", "marasmo senil", sendo enterrado no Cemitério da Paróquia Nossa Senhora dos Remédios da cidade. Dois anos após seguiu sua mulher, dona Maria Eugenia de Lima que faleceu de gripe em um dia frio de junho de 1921.

Descendentes da primeira  geração

João Ferreira Simões com Maria Eugenia de Lima:

Filhos:
Elvira Maria do Nascimento Simões (1862-?)
Eliza Ferreira Simões (1876-?)
Inocência Ferreira Simões ( 14/03/1907)

Descendentes da segunda geração:

Elvira  Simões com Bernardino Lopes de Faria:

Netos:
Elvira Lopes (1878-1889)
Elvira Maria de Faria (1880-?)
Urbana Lopes (1882-?)
Amancio Lopes (1882-?)
Amancio Lopes de Faria (1884-?)
Luiz Lopes de Faria (1886-?)
Maria Lopes de Faria (1888-?)
Travassos Lopes de Faria (1890-?)
Francisco Lopes de Faria (1891-?)
Escolástica Lopes de Faria (?-1879)
Sebastião Lopes de Faria (1892-?)
Antenor Lopes de Faria (1895-?)
Francisco Lopes de Faria ( ?-?)

Eliza Ferreira com João Gomes Murta:

Netos:
Maria Murta (1894-1895),
Maria Murta (1901-?) casada com Guilherme Vilella Gouveia (?-?)
Elvira Ferreira Murta (1905-?), 
Adelina Ferreira Murta (1909-?)

Innocência Ferreira Simões com João Batista Dias

Netos:
Adolpho Dias (1889-?)
Idalício Dias (1897-?)
João Dias (1890-?)
Avelino Andre Dias (1900-?)

Maria Murta (1901-?) neta, casada com Guilherme Vilella Gouveia (?-?)

Bisneto
Abel Murta de Gouveia (1935-2008)


Texto:
Henrique Monat, sobre a cidade de  Baependi extraido do livro "Caxambu" de 1894.