sexta-feira, 25 de agosto de 2017

O primeiro avião a sobrevoar Caxambu e o trágico destino do seu piloto, o Tenente O`Reilly

Em 1931, sobrevoava o primeiro avião sobre a cidade de Caxambu.  A aeronave não estava  em tão  grande altitude e assim a minha irmã  Eny Ayres  teve tempo de anotar o "numero da placa", digo, a matrícula da aeronave: KC 624. O avião era uma das 8 aeronaves que pertenciam ao Correio Aéreo Militar, procedente do Rio de Janeiro. pilotado pelo tentente  O`Really.

Um objeto mais pesado que o ar

Sim, um objeto mais pesado que o ar ergueu, em 23 de outubro de 1906, por apenas 3 metros de altura, percorrendo uma extensão de 700 metros. Era o 14 Bis, pilotado por Santos Dumont. A partir desta data histórica os aviões se desenvolveram numa rapidez alucinante e de uma frágil máquina, em moderíssmos aviões.

Mas estamos ainda nos anos de 1930, e a aviação brasileira alçava seus primeiros vôos partindo do Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro. Hoje nos custa acreditar que aqueles "teco-tecos" podiam voar. E podiam!
E se escrevemos sobre o primeiro avião a sobrevoar a cidade, também teremos que falar, claro, sobre quem o pilotava, o  Tentente O`Reilly. Aqui vai o seu curriculum.

Altamiro O`Reilly dos Santos, o nosso piloto-herói, nasceu, em 12 de maio de 1902, no Rio de Janeiro, entrou para o Exército, em 26 de dezembro de 1918, sendo declarado aspirante, em 7 de janeiro de 1922, e foi promovido a 2° Tenente, em 30 de abril de 1923 e novamente promovido a 1° Tenente, em 16 de abril de 1924. Servia como auxiliar de instrutor na Escola de Aviação e tinha acabado o curso de aperfeiçoamento, tendo conseguido o segundo lugar na sua turma. Ele foi também o um dos pioneiros do 1° pouso de um avião, em Resende, em 1931, a bordo do Curtis 269 da Escola de Aviação Militar do Realengo, que ocorreu na Fazenda Santo Amaro. Neste mesmo ano ele cortou os céus de Caxambu e foi fotografado. Eny Ayres adquiriu a foto de  recordação, a qual ficou guardada durante décadas, nos arquivos da família.

Uma aterrissagem forçada 

O feito de ter sido o primeiro a sobrevoar a cidade, tem aqui que ser escrito duas vezes. Duas vezes o seu destino estaria ligado à cidade de Caxambu.

Num dia de dezembro, mas precisamente 23 de dezembro de 1931, o Tentente O`Reilly subiu no avião como sempre sorrindo e bem humorado para pilotar, trocando de lugar com o Capitão Barcelos,  que tomou o assento traseiro, na posição de "observador", que hoje seria o "co-piloto". O avião de treinamento da marca "Morane 147",  de fabricação francesa da década de 1920, partiu de Resende em vôo  experimental e deveria seguir em direção ao seus hangares, no Campo dos AfonsosRio de Janeiro, quando, à altura do quilometro 91 da Rede Sul Mineira, o motor sofre uma pane. Era 18:30 da tarde e eles sobrevoavam a cidade de Passa Três.

O`Reilly era conhecido  por suas manobras espetaculares nas exibições aéreas do Exército, daquelas que "causaram horror a multidão", escrevia um jornal, referindo-se às perigosas manobras, quando se ouvia aquele ohooo!! ao voar sobre as cabeças dos espectadores. Mesmo na situação que se encontrava, não perdeu a calma e o sangue frio, qualidades exigidas para um piloto de sua categoria, pois tinha enfrentado outras situações mais graves. Ele ainda tentou planar para fazer uma aterrissagem, mas o terreno era curto para a manobra, e com a velocidade que o avião tocou no chão, rodou desgovernado indo chocar-se a uma elevação próxima a linha férrea. No impacto  a fuselagem ficou retorcida e o avião  totalmente destruído. Os  pilotos foram encontrados desacordados pelos funcionários da Light, Companhia Elétrica, que trabalhavam próximo ao local e prestaram os primeiros socorros. O`Reilly estava em pior estado, pois sua cabeça foi de encontro à fuselagem e sangrava muito sendo seu ventre atingido pelo motor.  O Capitão Barcelos tinha o rosto coberto de sangue e sofrido escoriações pelo corpo...

A sorte estava com o Capitão Barcelos...

A sorte estava como Capitão Antonio Alberto Barcelos de 33 anos de idade, que por várias vezes escapou de acidentes.  Por uma ocasião, o avião em que viajara sofreu uma pane, ficando atolado num pântano. Os dois pilotos foram dados como mortos. Longas horas de angusta e a notícia: Ele tinha sobrevivido com apenas algumas escoriações, mas o colega falecera. Assim parece que o destino se repetia. O Capitão  Barcelos, sobreviveu e uma ambulância foi enviada para o socorro dos pilotos.

Fotos ao Alto, Tenente-Aviador Altamiro O`Reilly Santos, abaixo o avião Morane 147, e o Capitão-Aviador Barcelos
...  mas não com o Tenente O`Reilly

O Tenente O`Kelly não resistiu aos graves ferimentos e veio falecer. Não havia mais o que fazer. O corpo do piloto foi levado para a igreja de Passa Três, e às duas horas da madrugada compareceu o comandante da Escola de Aviação Militar Amilcar Pederneiras, para tomar as providencias necessárias à remoção do corpo e transportar o outro capitão ferido. Pederneiras estava arrasado com a morte do colega.

O´Reilly foi velado, na Igreja, pela população local, antes de ser transportado para o Rio de janeiro, e  receber as últimas homenagens da família, sendo sepultado no cemitério São Francisco Xavier, no Caju. O`Reilly tinha apenas 29 anos e era casado com Nydia O`Reilly ha cinco anos. O casal não tinha filhos. O trágico acontecimento se deu nas vésperas de natal. As últimas palavras proferidas pelos pilotos que tinham as suas profissões  dedicadas aos transportes aéreos: " - Os pilotos nunca dizem "até a volta", quando sobem num avião, dizem apenas "adeus"".

Altamiro O`Reilly Santos, adeus!


Na foto, as homenagens dos colegas, representado na cadeira vazia por uma coroa de flores. Assim a história é escrita. O Campo de Pouso de Caxambu, inaugurado, em 1932,  recebeu o nome em homenagem ao aviador do exercito, o 1° Tenente aviador: O`Reilly dos Santos. O`Reilly recebeu também homenagens, em Rezende, em 29 de setembro de 1941, e um avião foi batizado como seu nome.
Salve!
Aqui para a eternidade, minha irmã Eny Ayres e sua caligrafia, no dia que adquiriu a foto. Salve!


Na próxima postagem, vocês irão conhecer a Campo de Pouso de Caxambu. Aguardem!
Foto:
Arquivo privado da Família Ayres
Jornal Correio da Manhã, 1955
Fonte:
(1) Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica - Idéias em destaque- n° 40, 2013.
Aragão, Isabel L.,Correio Aéreo Militar (CAM): uma história de pioneirismo, 2012.
Força Aérea Brasileira:  A saga dos bandeirantes que criaram as rotas aéreas pelo interior.
Correio da Manhã,1955
Jornal Catholico, 1933
Bento, Claudio Moreira, Cel. em Resende-RJ- História Militar 1744-2001-Memória
A Crítica, RJ 1920-1930
Diario da Noite, RJ, 1931
Diário de Noticias, RJ

sábado, 19 de agosto de 2017

Os últimos dias da Casa Armenia




"Tudo ai era português, a começar da loja dos Guedes e terminar no sonhador que descobrira as fontes de águas mineral, o Venâncio, Depois começaram a emigrar de Baependi os italianos- e Caxambu se encheu dos Viotti. Os sírios, os libaneses, os humildes turcos chegaram depois e o Bechara, o José Calil, o Abdallah, os Sarkis, mascates de uma genialidade itinerante que punha no chinelo a matreirice mineira, foram os antecessores de meu pai no lugar." (1)

E acrescentaria à lista do jornalista David Nasser, ele que também era filho de imigrantes libaneses e que morou até os 14 anos na cidade, outros sobrenomes como os Rosentais, Diórios,  Gadbens, NimansNabors, Rafles, Abrahaos, o Zhoury, Dauannys, Canaans, Hadads, Matucks, Salluns, Arjas,  Tabolares, JamalsBaldis, Fares David e... os Serabions. Sem esses bravos imigrantes Caxambu não seria hoje o que ela é. Eles ajudaram escrever a história cultural, política e econômica da cidade.

Peixes, camarão e pertences p/ feijoadas. Pra Quintino Boaiuva, 345, tel: 341- 2949. Quem hoje tentar telefonar para a Casa Armenia, ou passar pela praça Quintino Bocaiúva para fazer a sua encomenda de bacalhau para Semana Santa, vai dar com a cara na porta, diriam os mineiros.

Numa de minhas viagens ao Brasil, fui comprar pão como de costume na padaria, e passando em frente à Casa Armenia, estava lá os pintores mudando a cor interna de suas paredes. Tudo vazio. A casa Armenia mudava de dono? Levei um susto. O filho de seu Anisio, o Serabion, havia falecido e  a Casa Armenia fechava suas portas e com ela encerrava uma história de imigrantes.  

Sobrevivente

Expulsão dos armenios da Turquia
Anisio chegou ao Brasil como imigrante vindo o oriente, e era ainda menino quando aconteceu o massacre do povo armênio pelos turcos no ano de 1915. A maioria dos membros da família dos Serabions, (Babaplavian), em armênio,  foram mortos e sobraram somente os dois irmãos: Jacob e Anísio. Muitos fugiram para o deserto, assim como ele, agora órfão de pai e mãe, encontrando abrigo junto aos beduínos. O irmão Jacob, que servia  no exército libanês, resgatou mais tarde o irmão Anísio, levando-o para o para morar com ele no Líbano. Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, a família imigrou para o Brasil, mais precisamente para a hidrópolis Caxambu, na década de 1920, onde já morava o seu primo Salomão. Foi a terra escolhida e ao mesmo tempo a terra prometida. Assim o ramo dos Jacobs se tornaram comerciantes e dono do Bar dos Motoristas, e Anísio  fundou  a "Casa Armenia" dos Serabions.
Na cidade conheceu Araja Missa Srkis, casaram  e tiveram 6 filhos: LuciliaMoisés, Luisa, Laila Serabion, Cecília a minha professora de educação física. Sua geração esta espalhada pelo Brasil afora.

Família Serbion/Jacob em várias comemorações, em Caxambu
O universo entorno da Casa Armenia

A Casa Armenia de nossa infância era o lugar onde comprávamos aquelas balas de leite, embrulhadas cudasdosamente em papeizinhos e que ficavam naquele vidro grande de rodar. La também comprávamos os ingredientes para o tradicional bacalhau da Semana Santa, bem como azeitonas grandes, pretas, mergulhadas num vidro grande, junto com as pimentas. Minha mãe contava, que seu Anisio comia uma colherada só de pimenta retirada daqueles vidros e não fazia careta. E quando íamos comprar as azeitonas, observámos o seu Anisio, e lembrávamos das pimentas ardidas. Ele ali sentado entre os sacos de arroz e batata...

Depois de publicado o texto, muitas pessoas recorreram aos seus baús de memória e nós aqui prontificamos publica-las, ja que o nosso Blog é interativo. Foi o caso de Newton Louis Rodrigues, num comentário publicar no Facebook informando que participou de rifas, promovidas pela Casa Armenia. Naquela época a propaganda tinha que ser feita de outro jeito e a criatividade não tinha limites. Então eles recorreriam às rifas. O mais interessante eram os "prêmios": bacalhau, azeite, vinhos e outros produtos importados e muito cobiçados, já que eram produtos exclusivos e caros.  

A Casa Armenia ficava bem dizer, quase no fim da cidade, de quem ia em direção à Baependi, no entroncamento da estrada que dava para o Bairro Trançador, e fazia divisa com Estádio Rangel Viotti, conhecido como CRAC. Na pracinha havia outros dois estabelecimentos, o Mario Caetano  do lado, José Caetano, de frente. Também havia o armarinho do Lourival, logo abaixo, onde comprávamos aqueles envelopes de figurinhas para colar num álbum, que ao ser completado, dava direito a uma colcha de chenil azul.  Para a minha tristeza faltaram duas figurinhas difíceis. Não poderíamos esquecer  dos picolés do seu Lourival, que tinha uma grande diversificação de sabores. Tempos de infância. Tudo ali nequele pequeno universo em torno da Casa Armenia...

Com lagrimas nos olhos fiz as derradeiras fotos, em 2013, antes da pintura do lado de fora ser apagada. Não podia acreditar, agora a Casa Armenia era história.

Casa Armenia em 2011, foto abaixo, em 2013
Agradecimentos:
Ao meu colega de Ginásio, Jacob Serabion, pelas informações.
Fotos:
Solange Ayres
Fotos antigas de Caxambu
Wikipedia
Fonte:
(1) O Cruzeiro, 1967
Nasser David, em Cadernos de Memórias de Getulio Vargas (fragmentos)
Notas:
Vários grifos meus

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

As fontes da juventude / por Guilherme Butler



"Voltei da minha excursão  radiante e assombrado. Radiante, porque fiz uma descoberta que, Deus permitindo, poderá tornar-se menos pesadas as agruras da minha velhice, quiçá, acrescentar alguns anos à minha vida. Voltei assombrado pelas indivisíveis belezas que a rica natureza brasileira nos prodigaliza, naquelas plagas e pelas grandiosas obras que as mãos humanas ali realizaram." 

Guilherme Butler (1880-1962) nasceu na Letônia, hoje membro da Comunidade Européia, chegando ao Brasil, em 1900. Estudou na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos e voltou ao Brasil para ser pastor e líder comunitário da Colônia Batista, no Paraná. Trabalhou como professor de língua alemã e inglesa, no Ginásio Paranaense, e fez diversas excursões pelo Brasil, visitando entre outras lugares, em 1942, as estancias hidrominerais de São LourençoCambuquiraPoços de CaldasLindóiaItapira, na serra da Mantiqueira e... Caxambu. Seus relatos foram publicados nos jornal O Dia, do Paraná sob o título: Uma visita às regiões das fontes de águas milagrosas.

Com exceção dos três dias de carnaval, havia depois muita melancolia, escrevia Butler. E faz uma citação: "Numa terra radiosa vive um povo triste". Aqui refere-se ele à vida real, às doenças que assolavam o Brasil na época, como doenças do fígado e que poderiam ser curadas pelas águas. Dois dias foram suficientes para Butler sair encantado da cidade.

Caxambu, o Éden para encantar a alma e reconfortar o corpo

Professor Butler não economizou nos seus elogios à cidade:

"O forasteiro que pela primeira vez visita esta cidade não deixa de receber impressão muito lisonjeira. De facto Caxambu é uma cidade moderna, bem delineada, com ruas largas e bem calçadas, e lindas praças. O serviço de luz é ótimo. A instrução pública esta bem adiantada, possuindo a cidade um ginásio municipal, uma escola normal, um colégio evangélico, um patronato, um belo grupo escolar e várias outras escolas públicas, tanto municipais como estaduais. A vida associativa é representada pelo Clube Caxambuense, com valioso patrimônio. Ha na cidade uma Casa de Caridade, três associações de classes, três beneficentes, várias esportivas, três igrejas, um banco e uma caixa econômica. 
(...) O parque das águas é sumamente pitoresco. Há no mesmo reunidas comodidade, conforto, beleza e encanto. Além dos campos para todos os esportes e aparelhos de ginástica, encontra-se no parque uma grande piscina cheia de água mineral e um suntuoso balneário.
(...) A cidade esta à altitude de 900 metros acima do nível do mar e seu clima é ameno e seco. Em suma, Caxambu é uma bela cidade. Localizada no interior, possui ela os recursos e confortos das grandes cidades, mas sem o tumultuar e a inquietação das mesmas."

E continua:

"Escrevo as linhas que seguem a-fim-de chamar a atenção dos meus amigos e alunos  para o fato de que Deus pôs, nesta sentida terra, à nossa disposição meios para não somente desopilar o nosso fígado, como também para rejuvenescer e retemperar os nossos órgãos, pois as estancias hidrominerais que tive a dita de conhecer este são verdadeiras fontes de juventude eterna. 

(...) Os dois dias que tive a dita de parmanecer neste Eden, passaram como um sonho oriental. Caxambu, na verdade, é um lugar ideal para repousar o espírito, encantar a alma e reconfortar o corpo."

E para que o Professor Guilherme Butler continue a ter razão, é preciso que o povo saiba preservar sua cidade, sua arquitetura, suas fontes. Caxambu, o maior complexo hidromineral do planeta. Que as águas de Caxambu continuem ser a Fonte da Juventude para todos e por muitas gerações.
Foto:
Philosletera / Sidónio Muralha/ web
Fonte:
Colonia Leta do Rio Novo - Blog
Gazeta do Povo: A adorável filha de mister Butler
Jornal O Dia, Curitiba, 1949 - Uma visita às regiões das fontes de águas milagrosas - Por Guilherme Butler.
Agradecimentos:
O Blog da Família Ayres agradece a Dra Helen Butler, pela autorização da publicação da foto do Prof Guilherme Butler, na pessoa de Ana Cristina do Instituto de Filosofia e Fundação Sidónio Muralha Instituto de Filosofia, Paraná.

domingo, 13 de agosto de 2017

Cinema de Caxambu/ A 7a Arte chega à cidade


Exatamente 21 anos após os irmãos Lumierè fazerem uma  apresentação pública dos produtos do seu invento, o qual o chamaram de Cinematógrafo, no Salão Grand Café, em Paris, Caxambu iria ter o seu Cinema. Imaginem! 

A primeira exibição de cinema no Brasil aconteceu, em 8 de julho de 1896, no Rio de Janeiro, por iniciativa do exibidor itinerante belga Henri Paillie. Numa sala alugada do Jornal do Comércio, na Rua do Ouvidor, foram projetados os 8 filmes de um minuto cada um, retratando cenas pitorescas do cotidiano de cidades da Europa. O público era seleto, até porque quem podia pagar os ingressos era a elite carioca. E talvez pela grande proximidade com o Rio de Janeiro e as constantes trocas culturais, econômicas e políticas entre as cidades, Caxambu teve o seu cinema, já no início do século, por volta de 1916, quando acontece na cidade as grandes reformas urbanas, iniciadas na administração de Camilo Soares (1912-1916).

O Cinema-Theatro e o Radium-Cine

Caxambu tinha o seu cinema, digo, dois. Um cinema era teatro, outro radio. O iniciador do primeiro empreendimento foi Saturnino Vital Santos, que  administrava o Cinema-Theatro, e se localizava exatamente, onde é hoje atual prédio do cinema, na Praça 16 de Setembro. Saturnino tinha um pequeno negócio de secos e molhados, em  1911, e também aparece como proprietário de uma colchoaria, isto é uma fábrica de colchões. Ele provavelmente resolveu iniciar em outro ramo, e a 7a Arte chega à cidade, em 1916. Assim como escrito, o salão devia servir tanto às apresentações de teatro como projeções de filmes. Recordo que meu pai, José Ayres, relatou que foi assistir uma dessas seções de cinema. Era preciso ter paciência. As projeções eram constantemente interrompidas pelo rompimento das fitas de celulóide. Ah, e mudo.

A segunda sala de cinema foi o Radium-Cine, pertencente a Antonio de Paiva. Acreditamos que deveria ser uma sala,  onde eram projetados os filmes e ao mesmo tempo, também servia de para as transmissões de radio, bem como com aqueles auto-falantes instalados pelo lado de fora.

Numa prosa Brasil/Alemanha com Ruth Vilara, em junho de 2017, conta que ela teria freqüentado, quando criança, por volta dos anos 30, uma sala de cinema, onde era o antigo Club CRAC, e hoje é um supermercado. Outra sala de cinema? Seria onde Ruth assistia os filmes de farwest,  daqueles de bang-gang, nas cadeiras de madeira, que rangiam, o tal Radium-Cine? Na lembrança, a dona Chiquinha na portaria e as crianças lá pedindo a permissão para entrar "para ver se a mãe estava lá dentro". Desculpa esfarrapada. Elas queriam era ver os filmes de graça. Ah, as crianças. E lá vem a confirmação de nossa biblioteca familiar Celia Ayres de Lima/Araujo: "La funcionava também a radio".

Minas afora / Baependi, um modelo

Em Minas Gerais a cidade de Juiz de Fora foi a primeira a exibir seus filmes, no Teatro Juiz de Fora, em julho de 1897. O jornal O Pharol, publica sua programação, anunciando a maravilha elétrica, que punha as imagens em movimento. As salas de cinema se alastraram pelas estancias hidrominerais. Ter uma sala de cinema elevava o status da cidade. Cada uma queria ter a sua. Cambuquira tinha o seu cinema, em 1913, e segundo o Anuário Estatístico, as seções eram bastante concorridas. Queluz tinha o seu cinema também, em 1913 e a sua programação, igualmente concorrida e Lambari, em 1916. Montes Claros fazia grande alarde de sua programação, em 1927.  Campanha anunciou,  em 1943, que estava planejando a sua.

E a nossa vizinha Baependi, que sempre esteve à frente de Caxambu em várias ocasiões na história, no ano de 1921, tinha 2 cinemas, o Cine Modesto e Baependi Felipe de Mangia e C&. Em 1943, anunciou a construção de um cinema, com capacidade para 600 lugares. E quem era o "avalista" do projeto? A Santa Casa. Investimento na cultura para assegurar a saúde. Bem pensado, Baependi. Em 1943, ele chegou a representar o 2° lugar na arrecadação da instituição de caridade. Ele foi idealizado executado por João Mangia, mediante donativos, empréstimos, benefícios e a aquisição do maquinário foi sem nenhuma despesa para a Santa casa. Quase um milagre!

E as regras do bom conviver já teriam sido enumeradas pelo conselho deliberativo do consórcio para sua construção. Seria uma casa de diversões e para que fosse... "digna de uma cidade civilizada, como a nossa (Baependi) é imprescindível, que a Mesa adote algumas providencias e o faça  com toda energia, a saber: impedir que se fume no salão; não consentir que sejam guardados lugares com chapéus, jornais ou agasalhos sobre as poltronas, deixando sem acomodações os frequentadores que comparecem mais cedo: proibir algazarras injustificadas das crianças e mesmo dos adultos, etc."

Parece que os cinemas  eram muito frequentados, sendo diversão de fim de semana para famílias inteiras. Para melhorar a "renda", os porteiros tinham que impedir a cobrança da 1/2 entrada para adultos e "eliminar as entradas de favor". O espaço do cinema era mesmo um espaço público e  o seu  salão recebia festas de cunho caritativo, em beneficio da caixa escolar, sem falar que a arrecadação ia direto para o hospital, que tratava dos pobres. Era um outro mundo. Já disse e repito, Baependi esteve sempre à frente de seu tempo. Não era o máximo?

Cinema: Um livro das imagens luminósas / Caxambu na era Vargas


Enquanto o espaço do Cinema de Baependi era aberto para atividades com fins caritativos, o cinema de Caxambu já foi inaugurado para o glamour e representação. Sua primeira seção, em 25 de janeiro de 1940, já mostrava a que vinha. Foi durante o Estado Novo que Getulio Vargas reconhece o valor das projeções cinematográficas como instrumento  de propaganda política. No seu discurso, em 1934 escreveu: "O cinema como livro das imagens luminósas." Filmes-propagandas eram realizados para difundir uma imagem de Vargas como um líder carismático. Nos jornais ele era mostrado inaugurando obras, e excursionando por vários estados e... passeando no Parque das Águas de Caxambu, cenário para sua propaganda política. A cidade estava prontinha. Getúlio mobilizou recursos federais para a sua construção, que foi edificado no mesmo lugar, onde ja tinha funcionado o Cinema-Theatro de Saturnino, no terreno pertencente à Empresa das Águas, que também era proprietária do Hotel Caxambu, em anexo, ali na Praça 16 de setembro. As obras andaram relativamente rápidas. E em três anos o cinema estava pronto.

O imponente cinema se tornou  o ponto central das atenções da cidade e recebia vários tipos de comemorações políticas, cívicas, estudantis. Em abril de 1939, quando o espaço ainda não havia sido inaugurado oficialmente, a família do presidente Vargas compareceu ao local para assistir uma seção especial, promovida pelo Departamento Nacional de Propaganda do Governo. O filme exibido: "De braços abertos", com Spencer Tracy.

Inspirado em arte-deco, o seu interior era  luxuosíssimo (e ainda é), com as paredes revestidas de uma areia especial que refletiam um brilho de estrelas, quando a sala ficava na penumbra. Com capacidade para 200 lugares, sua inauguração foi um acontecimento, não só para a cidade, mas como também para as cidades circunvizinhas.

E o Vento levou Ruth Villara ao cinema



No aniversário da cidade, em 16 de setembro de 1940, foi exibido o filme E o vento levou, em várias seções, com entrada franca para os caxambuenses. Agora se segurem: Era a première do filme no Brasil.  Duas seções foram exibidas, uma no Rio de Janeiro e a outra... em Caxambu! E, ei! Ruth Villara, a filha de Rangel Viotti, estava presente! Ela nos contou que com o alvoroço da novidade, assistiu E o vento levou 3 vezes! 3 horas e 42 minutos. Pensem bem...

Besame mucho




Décadas se passaram e muitas gerações cresceram assistindo filmes, naquele maravilhoso cinema.  Bateu uma tremenda nostalgia ao ouvir o Besame Mucho de Ray Connif, tocado antes de iniciar as seções, quando a iluminação mágica do teto ia mudando de cores. As luzes abaixando... vinha aquela luz amarela... agora as paredes refletiam, embora estivéssemos na penumbra, uma miríade de pontos luminosos... e era o tom de rosa...  e... aparecia aquele gavião de todo mundo enxotava... ou o leão da Metro... O cinema tremia. Urrrauu!!

Muitas cenas de namoros rolavam no escurinho. Quantas. Não vamos esquecer do Tomé, porteiro, com a lanterninha dando bronca. A criançada, ao pagar as luzes, imitava uma cabra e diziam: -Tomééé. Quanta traquinagem! E Izabela Jamal Guedes conta. "- Lembram da parte suspensa do cinema? Mesanino? Área de namoro e da bagunça? A turma do meu irmão, Ronaldo, que morreu aos 17 anos, jogou uma galinha viva lá de cima, em um filme de terror. Pânico geral e expulsão da turma toda, já que não sabiam quem era o culpado." E mais. Fui ao Cinema com o meu colega de classe Amauri Soares Moreira. Em cartaz: Lua de Papel, com Tatoo O`Neal. Nas primeiras cenas, passa pela tela um carro antigo e ele lascou: "- Olha lá o caminhão do Zé Bucha!" O cinema inteiro veio abaixo. Não sei se alguém lembra, o Zé Bucha tinha um caminhão daqueles antigos e com ele fazia entrega de gaz na cidade. Mais um outro se manifestou: Antonio Clare Maciel Santos. " -Eu fui baleiro! Vendia balas de doce de leite feitas pela Dona Cecília Levennhagen. Ficava no Hall do cinema. Assistia filmes de graça." Hoje é o  Novo Cine Caxambu. Ah, é o velho cinema e o mesmo charme, sem seu Dodô pipoqueiro ali em frente. Vale a visita, seja lá qual filme que estejam projetando.

(Façam aqui uma visita virtual ao Cinema de Caxambu)
Foto:
Fotos Antigas de Caxambu.
Da web
Fonte:
Correio da Manhã , Rio de Janeiro.
O Patriota.
Almanak Lammert, Rio de Janeiro.
Rocha, Adriano Medeiros da. in, O cinema chega às montanhas de Minas.
Almanak Laemmert- Anuário Conmercial, Industrial, Agricola, Profissional e Administrativo para 1921-1922.
Agradecimentos:
Aos colaboradores em permitir reproduzir as "conversas paralelas" do facebook, entre Izabela Jamal Guedes, Antonio Claret Maciel Santos e Ruth Villara, esta por telefone Brasil/Alemanha, em 2017.

O pai José Ayres e o Spuntik


Por mais que o tempo embace a face, pai é sempre será pai. José Ayres.  Ele nos deu exemplo de honestidade e trabalho. Para ele a educação era tudo que ele nos podia  deixar. Quando criança me fez despertar para a técnica e as revoluções científicas, apontando no céu a trajetória do satélite russo Spunitk. 
Foto:
 Arquivo privado da Familia Ayres

sábado, 5 de agosto de 2017

Caxambu na horizontal ou na vertical?


A primeira construção na povoação de Caxambu, publicada no livro de Henrique Monat, em 1894.
"Por ora, tudo quanto respeita ao serviço municipal toca aos últimos limites do desleixo e da incúria, ou melhor nem sequer existe. Disso dao atestado ruas immundas, cravadas se enormes buracos, sem alinhamento, sem nivelamento, nem vestígios de calçamento e illuminação, nem simples denominação; aguas estagnadas, agrupamento de casinholas levantadas a capricho, sem regra nem constrangimento, enfim de todos os lados um estado de cousas que grandemente pode prejudicar o desenvolvimento e porvir de Caxambu".

Proteção Inteligente

Esta foram as impressões do Senador Viconde de Taunay, publicado na Gazeza de Notícias, em 1888. E imaginarmos que Caxambu já tinha sua planta desenhada desde 1872. O artigo portanto era a pior propaganda que se podia fazer para uma povoação que estava em ascendência, e ja tinha nome no cenário brasileiro, pelas suas águas de poder curativo. Tá certo, a tiragem do jornal era de 24.000 exemplares, mas quem o lia eram potenciais veranistas que procurariam a estancia Caxambu. E continuava:

"É de se esperar, é de toda a justiça, que a presidência da província e o poderes públicos attendam para esta localidade, que tem diante de si grande futuro e só pede alguma protecção intellingente para manifestar lisonjeio e rápido implemento".

Ah sim, Caxambu precisava e precisa até hoje de uma "proteção inteligente".

Modernizando, progredindo


O desenvolvimento de Caxambu esteve ligado ao desenvolvimento as práticas turísticas e medicinais que ocorreram na segunda metade do século XIX, no Brasil. O intercâmbio com a Europa, e suas práticas de banho termais, impulsionou a remodelação de várias cidades européias, com a construção de modernos hotéis, cassinos, parques. Caxambu tinha todos os requisitos: Um clima invejável, fontes reconhecidamente que curavam, e alguns abnegados que lutavam para que Caxambu  se tornasse uma cidade balneária de fato, mesmo com toda a preguiça pública da época.

Entre as décadas de 1910 e 1950 foram desenvolvidos projetos de remodelação das estancias hidrominerais sulmineiras. Apesar de Caxambu ter sido uma das primeiras cidades brasileiras a ter seu traçado planejado, foi preciso esperar décadas pelas reformas urbanas, que visariam criar condições de atrair mais turistas para a cidade. Caxambu era ainda pequena e respirava a atmosfera de uma típica cidade do interior de Minas.

A grande reforma aconteceu então na administração de Camilo Soares (1912-1916) e que de fato surtiram efeitos. O ribeirão Bengo foi canalizado, sendo retirado dele os esgotos da parte central, as ruas foram calçadas com paralelepípedos, e a cidade adquiriu nova iluminação pública. E neste tempo o vírus da "modernização" já havia contaminado os que achavam que a cidade tinha que... "progredir", e iniciou-se ai a derrubada dos casarões históricos. O belo Hotel da Empresa sumiu da praça 16 de setembro. Ele estava situado de frente do prédio, ainda hoje existente, ocupado pela Radio Caxambu nos anos 40/50, (foto ao alto). Se hoje ainda estivesse lá, seria a jóia da cidade, assim como o Mercado Municipal. Mas em nome do progresso, desconhecendo a função história e estética das antigas edificações, os proprietários e administradores foram demolindo e construindo...


Se pensarmos de como eram feitos os loteamentos naquela época sem parâmetros mínimos para as áreas públicas, e muitas vezes resultavam em espaços que desconsideram os cursos d´agua existentes, utilizando-os apenas como avenidas sanitárias, como no caso do Bengo. A conjunção de incompetência e a voracidade de lucro rápido dos empresários, com a anuência  do poder publico, foi liberando a cidade para os prédios. A cidade foi crescendo em todas as direções e o seu centro se adensando com a construção de novos hotéis, casas, comércio. E no caso especial  de Caxambu, o maior perigo para as nossas  fontes de águas: a impermeabilização do solo.

Caxambu na horizontal, a Era Vargas


E não foram em vão os esforços do prefeito Fabio Vieira Marques, nomeado por Getulio, em 1935. Formado em engenharia pela Universidade de Ouro Preto, e com especialização na área hídrica, em Harward, era funcionário da Secretaria do Estado de Obras Públicas, quando foi indicado pelo Governador Benedito Valadares para ser prefeito de Caxambu. Naquela época as estancias hidrominerais eram consideradas "cidades estratégias" e seus prefeitos eram indicados pelo governador. Assim Fabio chegou à Caxambu e acabou criando raízes na terrinha.  Hospedado no Hotel Glória, conheceu Ophélia, para a sorte dele e da cidade. Casaram-se, tiveram 7 filhos e foram muito felizes, conta o seu sobrinho Julio Jeha.  Ele era contra prédios nas cidades turísticas e não queria que Caxambu virasse uma cidade de arranha-céus, e assim impediu que se construíssem desenfreadamente para cima. Os prédios não podiam passar de 2 andares, pelo menos na área central. O belo Mercado Municipal foi uma obra do seu governo (foto acima).

Caxambu na vertical


A cidade iniciou sua verticalização na década 1960. A sequencia de fotos, nos dá uma noção de como os prédios foram sendo construídos. Os primeiros arranha-céus foram o Edifico Anice o Edifício Halle, Palace e o Edifício Aparecida. Até ai  edificações não tinham o efeito de estar sufocando a cidade. Eram poucos concentrados numa área pequena, se compararmos com a extensão da cidade. Então chegamos a década de 80, 90, 2000. Os prefeitos eleitos não pouparam esforços  para "modernizarem" a cidade, e os prédios foram crescendo em altura e número. De repente, a bela Igreja Matriz tinha companhia na praça. Um prédio, concorrendo com sua torre e sinos, foi erguido ao lado da centenária igreja, sem elegância, nem charme e assim a cidade foi se tornando uma cidade do interior, cheia de arranha-céus.

Caxambu na verticalíssima

Em várias visitas à cidade, foi difícil tirar fotos sem algum prédio alto de fundo. Os vários edifícios históricos tem a nossa visão embaçada pelas construções sem estilo. A Casa Guedes ainda reina soberana na pracinha, tendo ao fundo um arranha-céu, a Igreja matriz e sua torre não esta só. O prédio na esquina, onde funcionava a antiga farmácia do professor Antonio Marques e a Casa Ribeiro, das irmãs Ribeiro, também tem os seus "panos de fundo". Qual cidade queremos? Façam os seus próprios julgamentos.

Fotos:
Arquivo privado de Solange Ayres
Fonte:
PORTO, Daniele Rezente, Amanda Cristina Franco - A construção do território nas cidade de lazer
História da Policia Operacional e Investigativa. Web
MONAT, Henrique, Caxambu, 1894.

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Águas da fonte Dom Pedro de Caxambu falsificadas!


Em virtude da fama e da grande procura pelo precioso líquido, alguns comerciantes resolveram falsificar o rótulo das preciosas Águas de Caxambu, colocando outro rótulo nas garrafas.  Não se assustem, o fato aconteceu em... 1901.
Fonte:
Jornal O Ferrão, RJ, 1901