domingo, 26 de agosto de 2018

100 anos da fundação do templo presbiteriano no Chapeo/ Baependi /Homens de terno escuro vendendo livros pretos

Templo Evangelico do Chapeo, Baependi
E o tempo passou, os escravos foram libertos, causando grandes mudanças na política e na economia da região do Sul de Minas. O caro tabaco, vendido na corte do Rio de Janeiro, já tinha perdido sua pujança, e os fazendeiros reclamavam a falta de braços para tocarem suas lavouras. Embora o comércio de produtos, por meio de tropas e tropeiros entre as fazendas do Sul de Minas, Rio e São Paulo, ainda florescesse, a economia não era mais a mesma.  Nem as crenças religiosas. Muitas mudanças estariam ainda por vir. As comunidades vivenciavam a transição do século, a passagem da sociedade escravista para a de cidadãos livres. Quais motivos os moradores teriam para trocar de religião?

Os primórdios dos luteranos no Brasil

E lá vamos nós contar um pouco mais de história.  Com o acordo comercial entre Brasil e Inglaterra que "abriu seus portos às nações amigas", chegaram aqui protestantes americanos, suecos, franceses, alemães e suíços, de tradição luterana. A primeira capela dos luteranos foi inaugurada no Rio de Janeiro,  em 1816.

O artigo 5° da Constituição Política do Império, de 1824, rezava:

"A Religião  Cathólica Apostólica romana continuara a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular, em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior de templo".

Com o Brasil independente, e a separação de Estado e Igreja  tendo ocorrido em 1890, por um decreto republicano, a Igreja Católica agora iria enfrentar a concorrência de outras tendências religiosas, como o positivismo e o espiritismo. No mesmo período, houve necessidade de atrair imigrantes europeus para substituir a mão de obra escrava, e , com eles veio sua religião. Os movimentos culturais que abalavam a Europa chegavam ao Brasil, influenciando os intelectuais, políticos e os... sacerdotes e fiéis .

A expansão da comunidade presbiteriana no Sul de Minas se deu ao longo da Estrada Real. Fulgêncio Batista descreve o penoso trajeto que faziam  aqueles que pretendiam chegar a Caxambu em 1873, passando pelo arraial de Pouso Alto, pelo Sengó no lombo de animais. A partir de 1880, o acesso ao Sul de Minas foi facilitado pela ligação das povoações por dos trilhos. O trem chegou à vizinha Soledade de Minas em 14 de junho de 1884. A viagem seguia daí em cavalos e carroças até Caxambu, que só teve só teve trem em 1891, quando a Viação Férrea Sapucaí chegou à povoação. Com a ferrovia os pastores presbiterianos alcançaram o Sul de Minas.

Uma Igreja no Chapeo

No final do século XIX, no início de 1908, foram iniciados os trabalhos da comunidade evangélica no Chapeo, hoje bairro de Baependi. Sim, sim, na pequena comunidade do Chapeo, situada num dos caminhos alternativos da Estrada Real. Outras crenças vieram ocupar o espaço espiritual de seus habitantes, tendo como referencia espiritual Erasmo Braga, que esteve na comunidade. 

Erasmo Braga (1877-1932) (foto de 1901) iniciou os estudos de teologia aos 16 anos, tornando-se pastor e professor. Foi líder presbiteriano e, com grande esforço, ativou a cooperação entre as igrejas evangélicas do Brasil na década de 1910, nas área de literatura, educação cristã e teológica. Para ele, os evangélicos deveriam se unir e vincular sua fé às mudanças sociais do país. Erasmo se destacou como um dos maiores líderes evangélicos de seu tempo. 

Bibiano José Ferreira, um dos fundadores do Templo Presbiteriano no Chapeo, e os primeiros cultos religiosos/ Homens de terno escuro vendendo livros pretos


Foram tempos difíceis, pois dos seus primórdios até o estabelecimento definitivo dos trabalhos dos eclesiais na região, os cultos se davam em residências particulares para evitarem que fossem... apedrejados. Em 1901, escrevia o Jornal Diário de Minas, foi muito elogiado o ato do governo suspendendo a proibição dos cultos públicos das congregações protestantes em... Portugal. Até que os ecos das práticas religiosas chegassem ao interior das Minas Gerais, os cultos protestantes eram realizados quase às escondidas.

Assim,  Bibiano José Ferreira recebeu a visita do Pastor Àlvaro Reis em sua casa no Chapeo, em agosto do ano de 1908, onde foi realizado um pequeno culto com sua mulher e seus quatro filhos.

Uma pergunta foi respondida: como Bibiano, batizado na igreja Católica, se converteu ao protestantismo? Loide Lima Loesch nos esclarece: - Bibiano frequentava as missas na Capela do Piracicaba, quando num dos sermões, o padre solicitou que os fiéis "evitassem os homens de terno escuro, vendendo livros de capas pretas".  Segundo ele, "Era coisa do diabo". E como tudo que é proibido desperta a curiosidade, Bibiano foi conhecer pessoalmente os  tais vendedores e assim tomou contato com os primeiros pastores presbiterianos, que também vendiam livros, como mascates, pelo sul de Minas.

A Igreja Presbiteriana do Chapeo ganhava adeptos e também os seus primeiros diáconos. Foram eles Marciano Martins de CastroAdolfo Martins e o próprio Bibiano José Ferreira. Já no início dos trabalhos, em 1906, eles contavam com 85 membros, num total de 6.500 fiéis em todo o Brasil.  Uma vitória para a comunidade presbiteriana, cercada pelos católicos da região da Capela de Santo Antônio do Piracicaba e da Igreja Matriz Nossa Senhora de Mont Serrat de Baependi. Podemos então dizer que uma das primeiras células presbiterianas na região surgiu no Chapeo, posteriormente, foram se expandindo até PiracicabaSengó, município de Pouso Alto e, no ano de 1916, chegaram  a Caxambu.

Em 1913, noticía o jornal O Puritano que Bibiano doara um terreno para a construção de um salão para os Cultos e de um  o cemitério, no Chapeo. Assim, Bibiano José Ferreira, o neto de um dos mais antigos ancestrais da Família Ayres/Lima Loerch, o senhor de escravos João José de Lima e Silva Joana Tereza Ribeiro, escreveu a história, ajudando fundamentar o trabalho dos protestantes na região.

O templo presbiteriano do Chapeo completa 100 anos em setembro de 2018. A comunidade só tem a comemorar.

Fotos:
Arquivo privado da Família de LoideLima/Losch
Fonte:
DIAS, Carlos Alberto -  A FÉ NO CAMINHO DAS ÁGUAS: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA DO PRIMEIRO CENTENARIO DA IPS CAXAMBU - MG, Universidade presbiteriana Mackenzie - Escola Superior de Teologia, 2010.
Anuário  de Minas Gerais para o ano de 1890
School of Theology
Site da Igreja Presbiteriana de Caxambu
Igreja Presbiteriana de Pinheiro
PARANHOS, Paulo, Ruim Mais vai / O desenvolvimento da estrada de ferro no sul de Minas Gerais e a chagada do trem a Caxambu.
MATOS, Alderi Sousa, BREVE HISTÓRIA DO PROTESTANTISMO NO BRASIL.
Wikipedia.
Agradecimentos: 
À Loide Lima Loesch pelas informações que ajudaram a compor este texto e também ao meu antigo colega de escola, Carlos Alberto Dias, da Igreja Presbiteriana de Caxambu, por receber a pesquisadora Graça Pereira Silveira  em sua residência em Caxambu, em abril de 2018, e fornecer preciosas informações e rico material iconográfico, que compõem vários textos deste blog. Agradecimentos também  a Julio Jeha.


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