sábado, 20 de fevereiro de 2016

Capela de Santo Antonio do Piracicaba, uma visita histórica


Capela do Santo Antonio do Piracicaca, e à direita
entrada para o Cemitério.
Capela de Santo Antonio do Piracicaba lugar em que os nossos antepassados foram batizados, se casaram e ao lado da Capela encontraram seu último lugar de descanso, como o nosso mais antigo ancestral, Joao José de Lima e Silva lá sepultado em 1 de janeiro de 1875. Nas nossas estatísticas foram realizados 306 batismos de parentes e afilhados e 18 descansam neste pedaço de chão ao lado , abandonado as ervas e picões. Essa capela tem história, muita história...


Estrada Real, Caminho Velho
A visita

Muito antes de nossos antepassados se radicarem na região de Piracicaba, hoje Bairro da Cidade de Baependi, Minas Gerais, a capelinha ja escrevia sua história. Um documento inédito  publicado em 2012, denominado "Visitas Pastorais", elucidou a vida e a administração das igrejas e paróquias de Minas e é sem dúvida o maior  e mais importante conjunto de textos de natureza estatística. Um rico relato feito pelo Dom Frei da Santíssima Trindade (1762-1835), entre anos de 1821 a 1825, percorrendo os caminhos da Estrada Real.

Nos fins de julho de 1824, em sua 4a visita, Dom Frei visita a Capela de Santo Antonio do Piracicaba, cuja abrangência pertenciam "500 almas". No Censu da época só se considerava a população livre e sendo assim, os escravos não eram considerados... "cidadãos", que passaram somente a serem contatos após o senso de 1872.

Padres com chapéus nas cabeças e o escandaloso batismo em gamelas 

Dom Frei relatou não somente o estado de conservação das igrejas, mas também os problemas da organização administrativa, comportamento político e moral de deviam ser observados pelos párocos e suas ovelhas. O rol das queixas e observações era longo: desorganização administrativa dos cartórios eclesiásticos e livros de assentamento em geral, templos  em ruínas ou inacabados, e a ignorância  da doutrina, em grande parte praticada pelo próprio clero, matrimônios  ilícitos, ruína de costumes, além dos desentendimentos entre vários clérigos. 

Nas paróquias percorridas, fazia observações e recomendações  que tinham quase o mesmo sentido: o da observância e cumprimento dos preceitos católicos, nem sempre praticados, nem pelos párocos, nem pelos seus fiéis.

Em sua visita, Dom Frei chegou a  Baependi no dia 01 de agosto de 1825 e não  gostou do comportamento de seus fiéis e logo proibiu os sacerdotes do uso de "roupas profanas  e a celebração de sacramentos sem vestes próprias":

"... e muito mais ao da Sagrada Eucaristia, as mulheres que se atreverem a aparecer com vestidos indecentes, impróprios de matronas cristãs, e que só podem competir a gentias brutas, ou vis e ridículas comediantes, com tivemos a desgraça  de observar e com maior vigor nos transportamos à mais exempar e pública repreensão. Calem-se as mulheres do templo e nele entrem com as cabeças   cobertas".

E continuava:

"Estranhamos muito aos pais-de-família a relaxação em que se têm entranhado, consentindo tão abominável excesso de traje em suas mulheres e filhas criadas no seio do cristianismo, e lhes encarregamos muito as consciências e responsabilidade na presença do Supremo Pastor dos Pastores, entanto que gememos na oração a ver se alcançamos a reforma de tão graves abusos."

E em Pouso Alto se exaltou com a notícia que sacerdotes acompanhavam os defuntos "sem vestes talares e com chapéus nas cabeças!!!" isto é, vestimentas que usam os sacerdotes em cerimonias religiosas, dando-lhes representatividade. Escandaloso achou de que na Capela de Santa Luzia, na freguesia de São  Gonçalo, por falta de pia batismal de pedra, os batismos eram realizados em gamelas... 

E repetia incansavelmente em: "E com igual ardor ordenamos aos pais-de-família sejam cuidadosos em que seus escravos venham aos templos ouvir missa nos domingos e dias santos, ao menos uma vez a cada mes aprender a doutrina do seu reverendo pároco." 

Nem tudo estava ruim. A freguesia de Aiuruoca, em sua perspectiva, era "exemplar". Mas acredito que 50 anos mais tarde a mesma freguesia não iria receber boas notas: O pároco local, José Eduardo Honorato da Silveira (1826-1885), que batizou Sabina Maria da Conceição, mãe de Gervásia Maria da Conceição, a vó Gervásia, virou político local, candidatando-se para vários períodos legislativos na Freguesia de Aiuruoca. Ele não era exceção quanto aos sacerdotes exercerem atividades completamente diferentes que cuidar de suas ovelhas. Muitos eram possuidores de terras e exerciam atividade agrícola, bem como de mineração, como relata o Frei, sobre a Freguesia de Nossa Senhora do Pilar de Congonhas, em Sabará:

"O pároco existente é o padre Antônio Fernandes Taveira e os sacerdotes que ajudam são o padre, mestre de gramática latina, Joaquim Machado Pinheiro, de 63 anos, o padre Joaquim Barbosa Ferreira, de 73 anos, o padre Joaquim Albino Pereira, de 34 anos, o padre Antônio de Freitas, de 50 anos, na sua fazenda de engenho e de grande mineração."

A Capela de Piracicaba

Falemos primeiro da cidade de Baependi a qual ela era ligada. A Freguesia de Baependi, que recebeu o alvará régio em 2 de agosto de 1752, ficava a 55 léguas de Mariana, portanto a 264 km, do bispado situado na cidade hoje Mariana a qual era filiada e 64 léguas, 307 km da Corte do Rio de Janeiro e continha 7.560 "almas", segundo o mapa de 1819. Toda a Freguesia continha 1.896 fogos, termo usado como fogões, metonímia de casas, lares.
A capela de Santo Antonio de Piracicaba foi erigida "por provisão  de 22 de fevereiro de 1770", assim consta no livro "Instituições  Canônicas  do Bispado de Mariana", do qual Baependi pertencia.

Até o ano de 1838, pertenciam à Baependi as capelas filiais de Santo Antonio de Piracicaba, hoje situada no município de Baependi, São   José do Favacho, pertencendo hoje ao município de Cruzília, e Conceição do Rio Verde, município do mesmo nome. Todas as tres capelas mencionadas, segundo o Dom Frei, estavam em bom estado de conservação e ornados com toalhas de linho, uma exigência dele para as capelas, cujas toalhas de algodão em outra ocasião, foram por ordem dele retiradas. 

Porta lateral da Capela que da acesso
direto ao Cemitério  Santo Antonio do Piracicaba

Mas voltemos para a nossa Capela... Assim foi mencionada a Capela de Santo Antonio do Piracicaba no documento original:

Ermida de Santo Antonio do Piracicaba.

Confessionário em cor
roxa, cor cidata duas
vezes no texto.
É esta capela dedicada a Santo Antonio com sua capela-mor forrada por cima, com o presbitério também assoalhado de tábuas, com seu arco cruzeiro perfeito de madeira e grades divisórias, com seu altar de comprimento de 9 palmos e 3 de largura, fora a banqueta, tudo em branco, ornado com frontais, um de branco e encarnado, outro de roxo e verde, com três degraus para o trono, onde esta a imagem de Santo Antônio, padroeiro, de 3 palmos de alto e perfeita, com um altar colateral onde estão duas imagens: uma de Santana, outra da Conceição, e em ambos estes altares as imagens de Cristo Crucificado, e são perfeitas e as alfaias são as seguintes: duas pedras de ara sãs e forradas, uma casula com os seus pertences de damasco e outra de cambraia roxa e verde, duas alvas novas com seus amictos e cordões, seis toalhas de altar de linho com renda e mais duas para a Comunhão, um cálice com patena de prata, dourado por dentro, um missal e um ritual já velhos, porém ainda em bom uso, um caixão na sacristia para guardar as alfaias e ornamentos da igreja. A pia batismal é de madeira, está na esquerda, à entrada da igreja, e os vasos dos santos óleos são de chumbo, e está toda a igreja para campar, assim como o seu adro por cercar.

A Capelinha do Piracicaba recebeu "boas notas" de conservação e estava "nos conformes" se comparadas com outras capelas das Minas Gerais, como o caso da Paróquia da cidade vizinha, Pouso Alto:

"A igreja matriz acha-se muito arruinada, sem forro e com 3 altares de madeira e muito pobres, o que não corresponde à riqueza dos fazendeiros, e no mes de março do ano de 1825 caiu a torre com um temporal  e obra de tres a quadro bracas de uma parede e duas bracas de frontispicio de baixo a acima, e mostra a continuar a destruição ."


A nossa visita


Quase 200 anos depois, mais precisamente  187 anos, no ano 2012, visitamos a Capela do Piracicaba. O Frei da Santíssima Trindade iria se exaltar se visse a situação da capelinha nos nossos dias...
Se fossemos dar o nosso "parecer", diríamos que nada mais encontramos que uma capela em reformas. Tudo que era antigo no interior da capela, que lembraria o templo visto por Dom Frei em 1825, como por exemplo a escada que levava ao coro, estava deposta do lado de fora. O altar era novo e horroroso construído de alvenaria, e o Santo Antonio padroeiro, ausente. Segundo nos informou a senhora que tinha a chave da capela, o pároco levou-o para ser restaurado. Havia um substituto sobre a mesa... Não era o autentico...

Um oratório, provavelmente tão  antigo como a capelinha, estava depositado  pelo lado de fora da capela (foto). Quem ordenou as "obras" não  tinha exato sentido de memória e nem de restauração. O confessionário estava no repartimento atras da capela e era só desolação. Na minha documentação  preferi deixar  a penumbra falar que fotografar o altar de alvenaria. O passado se foi.




E o cemitério...

os mortos 
estão na Via Lacta.
esquecidos do apocalipse
esquecidos dos oráculos

o tempo não  pode regurgilá-los,
não  ha juízo nas bússulas
nem Estrada Real*
Vista do Cemitério ao  fundo a Capela
Santo Antonio do Piracicaba

Fontes: Visitas Pastorais de Dom Frei José da Santíssima Trindade (1821-1825)
Fotos: Solange Ayres
Poesia: Eustaquio Gorgonne
A visita: Feita por Fatima Ayres, Rosaria Aires e Solange Ayres em 2012.

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