quarta-feira, 2 de março de 2016

Argentino Ferreira Murta, o professor

Turma da 4a Série de Contabilidade de 1966, em Caxambu
Quem conheceu o professor Argentino? Sei, poucos em 2016 vão dizer: "Eu!"
E vocês perguntariam, o que o Senhor Argentino estaria fazendo aquí no Blog da  Família Ayres? Temos muitas razões  para biografá-lo. Argentino Ferreira Murta era neto de João Ferreira Simões, o proprietário das escravas Justinianna Maria da Conceição e Sabina Maria da Conceição, respectivamente avó e mãe de Gervásia Maria Ayres, esta última livre, pois  nasceu posteriormente à lei do Ventre Livre.




Argentino foi o único filho homem do casal João  Gomes Murta e Eliza Ferreira Simões. Nasceu a 26 de agosto de 1896, batizado ao 26 de outubro do mesmo ano pela sua avo Maria Eugenia de Lima. A sua primeira irmã Maria não viveu um ano. Faleceu de bronquite capilar aos 8 meses em 1895. Em 1901 nasceu sua segunda irmã e novamente deram o nome de Maria Murta. Era comum  dar nome de um filho morto à próxima criança nascida. A terceira irmã, Elvira Ferreira Murta/Mello (1905-?) e a quarta, Adelina Ferreira Murta (1909-?), todas nascidas em Caxambu.



Em pesquisas posteriores, 28/09/2016, achei dois recortes no Jornal O Patriota, dos anos de 1945. Na sua estada em Caxambu, Argentino fez sua contribuição para a reconstrução da Capela de Nha Chica. Naquele tempo se prestava contas em público e em centavos! Três anos mais tarde, em 31 de maio de 1948, o mesmo jornal anuncia sua definitiva mudança para a cidade.




Esta tudo ligado, esta tudo ligado...




Argentino  e seus antepassados tiveram uma grande convivência com a Família Ayres. Não só porque eram vizinhos lá no  Chapeu, hoje bairro de Baependi, mas também porque ha laços  entre as famílias de apadrinhamentos tanto de batismo como casamentos. Sua mãe, Eliza Ferreira Simões/ Murta (1876-?), que foi batizada na nossa conhecida Capela de Santo Antonio do Piracicaba, teve como padrinhos sua irmã mais velha, a Elvira Murta que na época tinha 14 anos,  juntamente com Bernardino Lopes de Faria, filho de Virgolina Balbina de Lima.Vejam acima.

Mas não é só isso. A dona Eliza foi ainda foi madrinha de casamento juntamente com  João  Baptista Dias, (casado com Inocência Dias, a outra filha de João  Ferreira Simões), de Justinianna Maria da Conceição, ela aqui novamente, que se casou na Igreja Matriz de Baependi com Pedro, Maria que era ex escravo de Gabriel Theófilo de Andrade, fazendeiro na região de São Thomé das Letras e Cruzília. Na época do casamento, em 20 de outubro de 1888, Justiniana já era "ex" escrava de  João  Ferreira Simões, (vide certidão abaixo) o avo de Argentino, pois a princesa Izabel havia assinado a Lei Áurea em 13 de maio do mesmo ano.  A anotação dos nomes à esquerda é um sonho:   "libertos". 


Mas as relações  de Argentino com os Ayres não param por aí. Aos 26 anos de idade foi padrinho de batismo  juntamente com Maria da Conceição Machado, de  minha nossa tia Célia Ayres de Lima/Araujo,  na Igreja Nossa Senhora dos Remédios em Caxambu. Vocês virão? Esta tudo ligado.

Da rua das Murtas para a Estrada Real

Muitas pistas nos levaram a conclusão que  João Ferreira Simões teria tido uma residência no Caxambu Velho. As conclusões pude tirar ao ler a certidão abaixo do ano de 1903. Ana Francisca da Silva, de 70 anos, faleceu na casa de João Ferreira Simões, no "Caxambu  Velho", (vide certidão abaixo). Além do que, Sabina Maria da Conceição sua ex escrava também residia no Caxambu Velho. Então...

Interessantemente ha em Caxambu  uma rua denominada "Rua das Murtas", (veja no google). Se analisarmos bem, o terreno estaria situado na beira da Estrada Real, que ligava Caxambu à Baependi e de lá para o Chapéu, onde José Ferreira Simões tinha fazenda. No mapa, detalhei o caminho possível feito a pé, ou melhor, a cavalo, na época, entre Caxambu e Baependi. Este é o percurso oficial da Estrada Real, que inicia no Palace Hotel. Seria nesta rua em que "as Murtas", a filha e as netas, que talvez lá no terreno remanescente de seu avo João  Ferreira Simões, fizeram suas casas e lá moravam? Ainda esta para ser pesquisado.




Filosofando em grego

Argentino morou na sua juventude em Caxambu e foi para o Rio de Janeiro estudar. Voltou anos mais tarde para lecionar na Escola de Contabilidade, e lá se aposentou. Em 1973 ele ocupou por um ano a presidência da Camara dos Vereadores de Caxambu.

Mas a profissão de educador não o deixava ficar em casa. Mesmo aposentado cumpria a rotina de ir à escola noturna de Contabilidade acompanhado de sua pasta preta, todos as noites, que funcionava no Grupo Padre Correia de Almeida. Fui sua aluna, mesmo que somente por algumas poucas horas. Vez ou outra, quando algum professor faltava, estava lá o Seu Argentino para fazer substituição falando de Sócrates e filosofia grega, mesmo que os alunos quase o ignorassem. Uma pena, ele tinha muito a dizer e a nos ensinar.

20 anos de noivado

Argentino noivou-se por muito tempo, 20 anos! e depois se deu conta que ele não combinava com a noiva e assim desistiu de se casar. Essa história foi contada à sua aluna do Colégio Comercial de Caxambu. Faleceu solteiro convicto, em Caxambu, na década de 1990.

Abel Murta de Gouveia, o sobrinho cassado pelo regime militar

Abel Murta de Gouveia em campanha política
em frente à Igreja Matriz, Caxambu, 1960
Abel Murta de Gouveia e a fogueira suspeita

Bem, os laços familiares continuam se entrelaçando. Abel Murta de Gouveia era bisneto de João Ferreira Simões, filho de Maria Murta de Gouveia, a tia de Argentino, casada com Guilherme Vilela Gouveia. Ele se formou advogado foi diretor e lecionava na Escola de Comercial em que também o seu sobrinho Argentino lecionava, no ano de 1959. Ele foi eleito prefeito de Caxambu em 1964 e posteriormente cassado pelo regime militar. Constou na lista dos "indiciados" a absurda acusação de "uma fogueira suspeita" no quintal de sua casa, demonstrando a fantasia na cabeça dos militares, que viam em tudo o comunismo ameaçando o regime político vigente, isto é a Ditadura Militar, assim escrito no protocolo de acusação do  sobrinho Abel:

Abel Murta de Gouveia, sobrinho
 de Argentino Ferreira Murta
"E estas revelam o bom critério de defesa e melhor conhecimento da doutrina de Marx, e suspeita mais grave contra Dr. Abel é revelada pela testemunha José de Paula Pereira, quando afirma que entre meia noite e uma hora viu que ele e seus familiares levavam papéis a uma fogueira no quintal da casa, justamente um dia antes da prisão."

Enfim, os militares viam em tudo  o fantasma do  comunismo. Reabilitado, se tornou Juiz do Trabalho, atuando em Caxambu. Viveu seu últimos dias de aposentado, trabalhando ainda como advogado, na pacata cidade até sua morte em 21 de fevereiro de 2008.


Abel Murta de Gouveia (leia aqui uma entrevista dele em 2002)

Fonte: Arquivos do DOPS
Foto: Não  foi possível identificar o autor
Agradecimentos:  A Claudio Eduardo Gomes Nogueira, Zeka Rafide, e Sandra Helena Murta de Gouveia, pelas duas fotos enviadas, via grupo Colégio Normal Santa Terezinha.

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