domingo, 6 de novembro de 2016

O Morro de Caxambu e sua história



"... pelo que se descobre daquele monte, que aparece um mundo novo, muito alegre: todo campo bem estendido, e todo regado de ribeirões e por ele se caminha com alegria, porque tem os olhos que se ver e contemplar na perspectiva do Monte de Caxambu, que se levanta às nuvens com admirável altura". (1) "... a altitude do seu pico, avaliado em 1.090 metros, não encontra igual pelos arredores, não obstante o acidente notável do terreno." (2)

O sertão das Gerais que ainda não era Minas

O Morro de Caxambu foi na história referencia para disputas de fronteiras entre as Capitanias de São  Paulo e Minas Gerais,  iniciadas por volta dos anos de 1700. Meu pai, José Ayres, quando criança, contava histórias das disputas de fronteiras entre  Minas e São Paulo e apontava para o Morro de Caxambu referindo-se a um "marco" postado lá pelos paulistas. Eu me perguntava, será que era aquela cruz?

Mas antes vamos decifrar a palavra "Caxambu", associada ao morro que deu origem ao nome da cidade. Ha várias interpretações. Uns comparavam-no pelo formato, a um gigantesco tambor, usados pelos africanos cacha (tambor) e mumbú (música), que juntado os vocábulos chega-se a "Caxambu", outra de raízes tupi assim: caa - xa - umbú, para indicar o mato que vê o riacho. Prevaleceu a denominação de origem africana.

Em 1711, Antonio João Antonil publicou, em Lisboa, o "Cultura e Opulência do Brasil" descrevendo na  3° parte as "Minas do Ouro" e os caminhos do sertão. Conta sobre os bandeirantes que chegaram até o Rio Verde, depois à Boa Vista. "... com alegria, porque tem os olhos que ver e contemplar na perspectiva do Monte de Caxambu, que se levanta às nuvens como admirável altura".
O morro foi tomado pelos bandeirantes como referencia para o caminho entre Baependi, Rio Grande e Carrancas.

No final do século XVII os bandeirantes paulistas descobriram areias auríferas no sertão das Gerais, que não era ainda Minas e a boataria se espalhou rapidamente em Portugal. Houve uma "corrida ao ouro" e um grande afluxo de gente proveniente de todas as partes na busca eldorado. Do Brasil todo acudia gente em direção ao Vale do Rio Paraíba, até Vila Rica, hoje Ouro Preto, passando pelo Vale do Inghay, Aiuruoca, a nossa Baependi, da Comarca do Rio das Mortes, São João D`El Rey, MarianaSabará e Pitanguy. Imaginem o que acontece quando se trata de ouro e riquezas minha gente... Incidentes entre os bandeirantes e os novos que chegaram eram constantes e a região se tornou violenta e perigosa. E para melhor administrar os conflitos, inclusive para a cobrança de impostos,  a Coroa portuguesa  iniciou o desmembramento das Capitanias de São Paulo  da Capitania do Rio de Janeiro, e em 1720 a criação da Capitania das Minas de Ouro.

"Pelo Alvará de 02 de dezembro de 1720, era criada a Capitania de Minas Gerais distinta de São Paulo tendo como limites onde se lê: “determino por limite do sertão, pela parte que confina com o Governo de Minas os mesmos confins que tem a Comarca da Ouvidoria de São Paulo, com a Comarca da Ouvidoria do Rio das Mortes”, isto é, o sertão ignorado e impreciso (Moraes Filho, 1920, p. 15) , (1).

"A instalação da Vila de São João Del Rey desmembrada de Vila Rica, em 1713, foi conservado os mesmos limites entre Vila Rica e a Vila de Guaratinguetá, que pertencia a Comarca de São Paulo e mais a criação da Comarca do Rio das Mortes e cuja a sede era São João Del Rey chamava a atenção das autoridades mineiras a “Serra da Mantiqueira” como baliza natural entre as “Minas” e "São Paulo", (2).

E os ânimos se acirraram. Os marcos territoriais foram sendo levados de lá para cá, e de cá para lá. "As autoridades da Câmara de Guaratinguetá fincaram um “marco” no Morro do Caxambu, que era mais ou menos a metade do caminho entre Guaratinguetá (São Paulo) e São João Del Rey (Minas Gerais), lavraram um “Auto de Posse”, em 1714. A Câmara de São João Del Rey nesta data, mandou arrancar o marco de pedra e levá-lo para o alto da Serra da Mantiqueira, conforme havia sido decretado, em reunião de 06 de abril de 1714. Nesta  data determinou-se que o limite sul da Comarca do Rio das Mortes fosse a Serra da Mantiqueira e a oeste o Sertão desconhecido" (3). Se houvesse mantido o marco, pretendido pelos paulistas, a Capitania das Minas Gerais, teria perdido os atuais municípios de Passa Quatro, Itanhandú, Pouso Alto, São Lourenço e Soledade de Minas.

Morro do Cachumbú


Cartografia de 1738
Em 1727, o governador de São Paulo enviou uma carta ao Rei de Portugal sobre a mudança do marco de divisão, estabelecendo "o morro de Caxambu ou Boa Vista" como divisão. Em 1748, a Província de São Paulo perde sua autonomia ficando sob a jurisdição do Rio de Janeiro, de Gomes Freire e ao ser restabelecida, em 1765, após 17 anos, o governo de Luiz Antonio de Souza reclama  a divisão  do Morro de Caxambu e dando a questão novamente como aberta. Oh, não!

A Cartografia do ano de 1766, mostra a verdadeira situação dos lugares por onde se fizeram as sete principais divisões que marcavam a fronteira das Capitanias, aqui escrito como Morro do "Cachumbú". (vide carta abaixo)

Cartografia de 1766
No Brasil Império, entre os anos de 1827 e 1879, tanto a Província de São Paulo como a Província de Minas Gerais, emitiram vários documentos, pareceres diversos e não se chegavam a um acordo. Desde então as demarcações foram reclamadas pelos diversos governos e, somente em 1935, quando foi publicado o Decreto Constitucional do Governador de São Paulo Armando de Salles Oliveira, que  conseguiram a definitiva delimitação entre os dois Estados pondo fim a mais de 200 anos de disputas territoriais. Ufa!

Cartografia de 1873
Programa de saúde: Sobe o morro, desce o morro


A estrada no Morro de Caxambu foi inaugurada em 25 agosto de 1873, paga por um estancieiro do Sul do Brasil, chamado Conceição, era um "caminho em ziguezague, um M, com quatro pernas, pelas quais se ia ao alto do Morro de Caxambu".  Na administração de Camilo soares, o caminho tomou a forma que tem hoje. Em 1886, o Morro é citado no jornal O Baependiano, na Seção Gazetilha, sob o título: "Efeitos prodigiosos das Águas de Caxambu sobre os Dispépticos".

"Depois de uns vinte dias de estação d`aguas, pouco mais ou menos, já não se conhece quasi aquelle homem que acabamos de ver ha dias todos desfeito e desanimado. Elle jé tem sangue, carne, cor, graça, força, e tanto assim é que já vae passear em Baependy e sobe até o alto morro de Caxambu! No fim dos quarenta ou cinquenta dias está o nosso homem bom como um pero!"

E lá estava o Bairro do Trançador nos seus primórdios...


Se falamos do Morro de Caxambu, não podemos deixar aqui de citar o Bairro Trançador, que já existia na Planta Cadastral de Caxambu de 1937. No seu sopé encontrava-se a residência de José Fernandes Ayres de Lima, o Trançador-pai (1835-1897) que emprestou ao bairro o seu apelido. Lá ele morava e tinha seu "ateliê", onde confeccionava artefatos de couro como relhos, celas para cavalos. Assim o lugar ficou conhecido como "Trançador". O local era caminho  de passagem  de Tropas e Tropeiros,  transportando gado, mantimentos provenientes de Conceição do Rio Verde em direção à Baependi e outras cidades.

Tira cruz, põe   cruz

Ah, agora as disputas territoriais ficaram somente na lembrança dos historiadores, mas o tira e põe cruz não cessou. Para mostrar que Caxambu também era Terra de Santa Cruz,  o mesmo marco que os navegantes fincaram ao aportarem, na hoje Cabrália, quando do descobrimento do Brasil, foi postado no alto do Morro.

"A enorme cruz de ferro, cuja deformação evidencia intenso esforço dos ventos, acha-se cravada em bloco de concreto e pedra, de forma aproximadamente troncônica" (3).

A velha cruz não existe mais. Inaugurada, em  3 de maio de 1928,  iluminou por muitas décadas o contorno do Morro de Caxambu, sendo substituída por uma estatua do Cristo Redentor, promessa de Dona Ivone que exercia a profissão de cabeleireira e moradora da cidade, nos anos de 1960. A Cruz original de ferro, foi uma reciclagem de trilhos de trem, sendo substituída pela de concreto.

Na ocasião, a Cruz foi abençoada pelo Padre Galvão, vigário de Niterói, que estava hospedado no Hotel de Caxambu. No seu sopé a inscrição de autoria do médico residente na cidade Mario Artur Milwald"A sombra desta árvore viva e cresça Caxambu".  A que árvore mesmo ele se referia? Wanda Milward, neta do médico nos dá a resposta: A árvore a que ele se refere é alusão a cruz de Cristo, de madeira.

Piquenique e carrapatos
Documenta - Pesquisa, Conservação & Memória
Quem fez piquenique no morro  de Caxambu levanta a mão! Eu! Nos domingos, quando não havia o advento da televisão e seus aborrecidos programas, as famílias resolviam fazer uma prazeirosa caminhada até o alto do Morro, após o almoço. No caso o ramo da Família Ayres/Rodrigues/ Pereira (foto), os netos e bisnetos do Velho Traçador, empreenderam a caminhada, num ensolarado domingo de 1948. Geralda Pereira carregou praticamente quase toda a sua prole junto, mais as irmãs e sobrinhas. Em estilo de verão total, ao alto esta a Ruth, de chapéu, segue sua mãe, Geralda Pereira, Ricardo,  (casado com Tereza) e outras duas filhas, Tereza, Dirce, a pequena Anita (no centro da cruz) e igualmente pequena, Dalva (última sentada à direita). Ainda, sentadas Nicinha, Magali (neta de Maria José Rodrigues Freitas, a vó Mariquinha). Ah, faltou uma! Como assim? Não estamos vendo ninguém mais aí. Ah, era Graça Pereira Silveira que ainda estava na barriga de sua mãe Geralda, na foto de braços cruzados, já protegendo a cria. Eles ainda posaram sob a antiga cruz. Ah, só me lembro ter voltado do passeio cheia de carrapatos.

Como chegar lá

Ha dos caminhos para empreender a subida. O primeiro  e o preferido pela maioria, inicia  na rua João Pinheiro, passando pelo belo prédio do Grupo Escolar Padre Correia de Almeida, à direita, e no fim da rua vê-se o Hospital Casa de Caridade São Vicente de Paula, a Santa Casa. Aconselho a fazer uma pequena parada e visitar a Igreja Santa Izabel da Hungria. Segue-se aí o caminho com uma pequena mata, continuidade da mata do Parque das Águas, onde à direita se encontra a  "Cruz de Suzana", lugar onde  ocorreu o Crime de Suzana, em 1922, contado neste blog.

O outro caminho é através do próprio Bairro Trançador. Toma-se a rua Joaquim dos Santos. No alto da subida, ha uma possibilidade de se transpor para a Avenida Barão do Rio Branco e seguir o camino descrito acima. Nela toma-se novamente à esquerda o caminho e... Estamos quase lá. Da estrada, chega-se ao caminho principal da Estrada do Morro. E... apreciem a paisagem.
Fonte:
(1) Antonil, Andre João - Cultura e Opulencia do Brasil, por suas drogas e minas, 1711. 
Caxambu, Eng. Virgilio Correia Filho, Revista Brasileira de Geografia, Ano II Julho, 1940, n° 3 (2),
Carta Corográfica da Capitania, 1766,  Cartografia da cidade de Santos.
(3): Ricardo Carrijo Vilhena, A curiosa mudança do local do Marco da Divisa entre São Paulo e Minas Gerais.
História Antiga de Minas Gerais, Diogo de Vasconcelos.
Conflitos Políticos e Articulações Sociais: A História dos Limites entre  São Paulo e Minas Gerais, na formação do Território Nordeste Paulista -1720-1935, Dirceu Piccinato Junior, Ivone Salgado.
Correio da Manha, 1950
Agradecimentos
Nossos especiais agradecimentos ao ARQUIVO HISTÓRICO DO EXÉRCITO  (AHEX), DIVISAO DE HISTÓRIA E ACESSO A INFORMAÇÃO (DHAI), na pessoa do Major Ferreira Junior, que prontamente dispôs vários mapas, inclusive este publicado no Blog.
Wanda Millard pelas informações que foram acrescidas ao texto.
Foto: Do livro Caxambu de Henrique Monat, 1868.
              Arquivo privado de Graça Pereira Silveira

7 comentários:

  1. Gostei muito do texto para a preservação da história de Caxambu e gostaria de contribuir e esclarecer alguns pontos.
    O Cruzeiro, no alto do morro de Caxambu, foi colocado pelo meu avô, Dr. Mario Milward, quando prefeito de Caxambu. Assim ele narra em seu livro "Caminhada de um médico"de 1976 editado por Folha Carioca editora S.A.
    "Fui prefeito de Caxambu de 1926 a 1930.Católico deveria, na conclusão da usina elétrica, ter promovido uma solenidade religiosa.Não quis, porém deixar a administração sem antes um ato que compensasse aquela falta e mandei levantar no alto do morro de Caxambu um cruzeiro.E no dia de santa Cruz,promovi a sua benção pelo Padre Galvão,vigário de Niterói,que estava hospedado no Hotel Caxambu.Na base da cruz,coloquei uma placa com os seguintes dizeres: A sombra dessa árvore viva e cresça Caxambu."
    A árvore a que ele se refere é uma alusão a cruz de Cristo, de madeira.
    A cruz original feita de trilhos de trem, foi substituída por uma de concreto.
    Quanto a imagem do Cristo Redentor,foi uma promessa de uma senhora,d. Ivone (esqueci o sobrenome), cabeleireira ,moradora de Caxambu, nos anos 60.
    Obrigado pela atenção
    Wanda Milward

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    1. Alo Wanda, agradeço sua contribuição ao texto sobre o Morro de Caxambu. Somente hoje, 9 de marco de 2017 que pude responder, pois estava entre os "spams". Suas notas serão acrescentadas ao texto. Se você tiver alguma nota ou história para contar, faca contato. Saudacoes, Solange Aires

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  2. Da casa onde nasci, em 1950, via-se o Morro, de frente. Era no começo da subida, logo depois da linha do trem, mais ou menos, um quarteirão da Estação Ferroviária... Da última casa onde morei, em Caxambu, 1963, já a vista era meio de perfil. Um pouco além da Estação. Mas, de qualquer forma, esta visão me acompanha como um símbolo da minha poesia, carregada de emoção, que herdei desta minha cidade, muito amada.

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    1. Caro leitor, somente hoje vi sua correspondência. Pois o Morro de Caxambu, acho que todos nos trazemos esta "foto" na nossa memória e nos nossos corações. Agradecemos a visita. Saudações. Solange Ayres

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  3. Amo suas pesquisas historicas!
    Gratidão por meu avô "Pedro Turco" ter escolhido esta cidade para viver e criar 11 filhos com sua criação de carneiros.

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  4. Conheci Caxambu com meus pais, quando era criança. Ficávamos hospedados no Hotel Líder, que não existe mais. Bem ao lado do hotel, tinha uma sorveteria,isso me lembro perfeitamente! Ah, sem esquecer os passeios de charrete. Caxambu vai ficar pra sempre no meu coração.

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  5. Minhas memórias afetivas de infância revividas em seu blog. Da janela do casarão de meu avô no alto da rua Major Penha avistavamos o Cruzeiro iluminado.saudades daqueles tempos. Obrigada

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