domingo, 23 de abril de 2017

Chácara das uvas/ O Ramo dos Solers



Impossível não falar da Chácara das Uvas e vir aquelas lembranças. O sossego na rede, o imenso galinheiro de tia Mercedes,  a charrete puxada pela tinhosa égua Rolinha, o ribeirão, a mina d`agua, a represa e o pequenino curso d`agua que corria pelo jardim, os pés altos das pereiras, o laranjal,  a castanheira, onde debaixo existia um pequeno laguinho cheio de sapos, o caramanchão das samambaias e orquídeas, o forno de barro e os biscoitos de polvilho... Tanta coisa boa... Tanta lembrança... De ter tomado banho de água, esquentada na serpentina do fogão à lenha... A cortina vermelha e o corredor mau assombrado (imaginação minha). Da trepidação dos vidros da cristaleira, ao passar pela sala... A casa da tia Mercedes era mágica.

Um espanhol em Caxambu

E aconteceu o que o Jornal O Baependiano tanto apregoava: Os imigrantes chegaram, pelo menos a Caxambu. Salvador Soler Y Contesti, filho de espanhol, chegou ao Sul de Minas por volta do ano de 1910, jovem ainda. Seus pais vieram da região de Mont Serrat, (villa Tetri) que fica na província da Catalunha, à noroeste na Espanha e primeiramente se radicaram, em Poços de Caldas.

A imigração espanhola para o Brasil teve início, no ano 1890. Ela estava inserida no contexto da substituição de mão de obra escrava nas lavouras de café. O governo brasileiro subsidiava as passagens. O fato atraiu grande numero de espanhóis, sobretudo de Andaluzia, Espanha. Embora menor que os portugueses e italianos, os espanhóis foram o terceiro maior contingente de imigrantes recebidos pelo Brasil. Em 1900 2/3 da população espanhola se ocupava direta ou indiretamente com atividades agrícolas. A pobreza no campo incentivaram os espanhóis a abandonarem o seu país e tentar a sorte além-mares. Embora os espanhóis não eram os imigrantes preferidos da elite brasileira.


Os espanhóis estavam entre os imigrantes mais pobres do Brasil. Muitos chegavam com a expectativa de melhorar de vida. O que encontraram foram péssimas condições de trabalho e baixa remuneração nas lavoura cafeeiras. Decepcionados com o Brasil retornaram 65% deles voltaram para Espanha. O pai de Salvador Soler ficou.

Caxambu, nos anos de 1910, tempo em que Salvador Soler chegara, estava a todo vapor. Na administração do prefeito  Camilo Soares (1912-1916) foram feitas grandes reformas urbanas que incluíam o jardim central, hoje Praça 16 de Setembro, com desenho paisagístico de José da Silva Reis, o Chico Cascateiro, e os jardins cuidados pelas mãos de Ramiro Rodrigues Freitas. A cidade ia ficando cada vez mais aprazível para os aquáticos, assim denominados os turistas que vinham fazer o seu turismo de verão, e atraindo gente, como o filho de imigrante espanhol Salvador Soller Y Contesti.


Em 1905, Salvador já teria contato com a Família Ayres, pois ele foi o padrinho, juntamente com Thereza Constestina Soler,  de Salvador filho de João Bruno da Silva e Izabel Ayres de Lima, filha de José Fernandes Ayres, o Trançador-pai.


Salvador casou-se pela primeira vez vez com Maria da Luz e da união nasceram 5 filhos. Walter Soller, Tereza Soller, Emilio Soler, Salvador Soler filho, Solerzinho, que faleceu de uma apendicite.

Filho ilustre

O filho de Salvador, Walter Soler chegou a ser vereador de Caxambu, e presidiu a câmara de vereadores por longo tempo, além do que ainda serviu na Segunda Guerra Mundial, junto aos Aliados no combate aos nazistas, na Italia. Voltou como herói de guerra. Mas o golpe de Estado, de 10 de novembro de 1937, e o período do Estado Novo, provocaram a suspensão das atividades da Assembléia de Minas e das demais câmaras legislativas do país por 10 anos. A câmara de Caxambu realizou sua ultima reunião, em 15 de outubro de 1937, retomando os seus trabalhos, em 8 de dezembro de 1947. Na ocasião tomaram posse o vereador Walter Soller juntamente com Emundo Pereira Dantas, Abelardo de Sá Guedes, dentre outros. Em 15 de setembro de 1981 o Plenário da câmara recebeu o nome de Walter Soler, pois foi o vereador que mais tempo a presidiu. Seu casamento com Maria Ribeiro Maciel foi noticiado no jornal O Patriota, de 10 de julho de 1948, demonstrando que ele era uma pessoa muito querida e reconhecido  político na cidade. (Leia mais sobre Walter Soler e sua noiva Célia Ayres de Lima)

Os "S", o Ramo dos Solers

Mas não estaríamos falando aqui de Salvador Soller se ele não tivesse casado de segundas núpcias com uma Ayres. Mercedes Ayres de Lima (1910-?) batizada em 6 de maio por Sebastião Barilo e Agueda Brochado; filha de Gervasia Maria da Conceição e  José Ayres de Lima, o Trançador-filho, neta da escrava  Sabina Maria da Conceição e bisneta da também escrava Justinianna Maria da Conceição, a Nana como era chamada. Com a união, Mercedes perdeu o "Ayres" e adquiriu o nome no marido "Soller", dando aí a origem do Ramo dos Solers.

Pois, Salvador ficou viúvo e encontrou, na igreja, a sua segunda esposa. Vocês sabem, na época as abordagens eram extremamente formais, mas Mercedes não resistiu, até porque ela já estava solteira e "em idade avançada" para época, 30 anos, para contrair matrimonio. Não perderam tempo. Casaram-se, no ano de 1940 e dessa segunda união vieram 5 filhos ao mundo todos batizados com inicias "S": Solon, Sodré, Saulo, Solange e Sergio, os dois últimos gêmeos. Ah, o parto deles   foram feitos, segundo a nossa biblioteca familiar Célia Lima/Ayres Araujo, pela parteira  e tia pelo lado paterno, Maria José Freitas/Ayres, a Mariquinha, (aqui também biografada no nosso Blog). Os gêmeos Solange Soler e Sergio Soler nasceram, na Rua Quintino Bocaiúva, na residência de vó Gervásia. A única desavença entre os dois era a mania dele de guardar mortadela nos bolsos do paletó. Ah, as desavenças de casal...

Salvador Soler e seu maravilhoso pomar

Salvador adquiriu terras, que se transformou na "Chácara da Uvas". Ela foi assim denominada não à toa: Suas parreiras produziam cachos que chegavam a pesar 5 quilos! Nos anos 40 e 50 foi dado como ponto de visita turística de Caxambu. Laborioso, Salvador plantou não somente uvas, mas, arroz feijão, olivas e frutas de diferentes qualidades, exatamente como o clima da região mandava. Dela saía fantásticas peras, maçãs, pêssegos, castanhas do Pará, caquis, laranjas que iam parar direto na mesa dos hotéis da cidade, fresquinhas para o café da manhã. Ele aprendeu ofício de agricultor e nos detalhes nada escapava para manter a alta qualidade de sua colheita. Com certeza com os familiares na Espanha e com sua experiência transformou aquele grande pedaço de chão em um produtivo pomar. Seu prazer era completo, quando recebia visitas dos veranistas para ver o seu grande trabalho. Ele sabia como tratar as figueiras, como fazer excertos das variedades,  resultando frutas macias, saborosas, doces como mel, descreveu Solange sua filha.  Pela sua experiência sabia que para uma boa produtividade, havia de ter plantas femininas e masculinas como no caso das castanheiras e olivas. As frutas eram uma a uma envolvidas em papéis impermeáveis, amarradinhas com embiras, pequenos finos cordões, evitando o ataque de bichos e pássaros. O zelo tinha os seus efeitos. Próximo a época da colheita as árvores viam-se todas "vestidas de branco". Um espetáculo para os olhos e mais tarde para o paladar.

Água e vinho

Mas a Chacara produzia não somente frutos. Surpreendentemente fiquei sabendo que lá era também produzia vinhos e ainda, de três variedades! O tinto, branco e rosé, amadurecidos em barris! Eles iam para a mesa dos hotéis mais chics da cidade, como o Hotel GloriaPalace Hotel,  Hotel LopesHotel Bragança, degustados pelos turistas, que de dia bebiam água e a noite... Ic! Vinho da Chácara das Uvas. E claro, ele era o único fornecedor de vinho para as celebrações das missas, (ai!), celebradas pelo Monsenhor João de Deus (leia aqui a biografia completa de João de Deus). Solange Soller chegou a amassar com os pés calçados em tamancos, as uvas nas gamelas, junto com os empregados da chácara, para sua fabricação. Sendo a Espanha tradicional produtor de vinhos, nada mais natural que houvesse uma continuidade da cultura da uva, no país que seus pais resolveram escolher para imigrar. Na publicação "Agricultor Almanak Lambert" de 1936, constava Salvador Soller como "produtor". E era.

Distribuição de cestas e embornais (cheios!)

A Chácara tinha uma pequena "venda" na entrada que continha produtos de primeira necessidade, vendidos para os moradores locais. Salvador tinha o costume de fazer cestas e presentear membros da família que moravam Rio de Janeiro, mandados atravez dos motoristas da antiga empresa de ônibus Cavisa. Outras cestinhas de frutas iam para a irmã Lucia, do Colégio Normal Santa Terezinha. E era ritual todos os anos encher os embornais dos moradores da Vila Santo Antonio com arroz, carne de sol, feijão, acúcar, café. Era o seu lado cristão complacente com os mais necessitados. No natal comprava roupa, chapéu, camisa, botinas para vestir os pobres da vila.
Salvador Soller na política


Salvador Soler era ativo na vida política da cidade, assim como foi seu filho Walter. Ele foi juiz de Paz e em 21 de julho de 1945, participou da comissão executiva da fundação do Diretório Municipal do Partido Social Democrático, o PSD de Caxambu, juntamente com os políticos proeminentes da época, Rangel Viotti, o redator do Jornal O Patriota, Mario Lara, de Baependi e o médico Dr. Lisandro Guimarães Viotti. Ele também estava presente no tal baile em que a tia Célia, a Célia Ayres de Lima abrilhantou. (leia sobre a festa aqui)

E a Chácara que era das uvas...

A Chácara viveu os seus áureos tempos na década de 40 e 50.  Salvador faleceu aos 65 anos, em consequência de uma diabetes (1893-1958). No dia de seu enterro, 5 de maio, o comércio da cidade baixou portas em respeito a sua pessoa. Lá se foi um dos bons. Na ausência do seu criador a Chácara entrou em decadência e dela só  temos a lembrança. Os motivos foram muitos e um deles era que a agricultura familiar não era mais base econômica das famílias.   Os seus filhos foram  seduzidos pelas das grandes cidades, procurando suas alternativas de vida, no Rio, São Paulo. Ainda hoje (17/10/2016) a Chácara consta do Portal da Secretaria de Turismo do Estado de Minas Gerais, como ponto de turismo. Ah, pena... Só consta.

(Façam uma visita virtual na entrada da Chácara das Uvas). A antiga venda, onde se pode ver por detrás do antigo prédio, se transformou em restaurante.

Fonte:Associação Nacional de Veteranos, 2007
Wikipédia
Conversas telefônicas com Solange Soler Bragança, Francisca Soler e Celia Ayres de Lima/Araujo, em 2016.
Jornal: O Patriota

Fotos: 
Arquivo privado da Família, Mercedes Ayres/Soler

10 comentários:

  1. Muito bom conhecer um pouco da historia da Chácara das Uvas e dos meus avos.
    Solon Soler Filho

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  2. Vejo meu avô Emílio Soler em cada pedacinho dessa terra. Sds

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    1. Olá, vc é neto de Emilio? Preciso entrar em contato com um familiar do Emilio. Poderia ter seu email?

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    2. Boa Dia! Sou Neta do Sr. Emilio Soler, Meu nome é Elida. segue meu e-mail, elida.belo@hotmail.com.

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  3. Os melhores momentos da minha vida foram vividos neste lugar.que saudade.sergio Soler

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  4. Eu tive o privilégio de conhecer um pedacinho desse paraíso, quando ia visitar minha amada irmã Francisca Soler e meu cunhado Saulo Soler. Lugar cheio de árvores e muita água e um pomar maravilhoso....

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  5. Boa noite sou filha do Emílio Soler segue meu email sonia.soler.oliveira2011@hotmail.com

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  6. Olá sou filha do Emílio soler meu nome é Sônia Maria Soler de Oliveira meu email sonia.soler.oliveira2011@hotmail.com

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  7. Hoje eu (Rodrigo Soler) e minha irmã (Nathalia Soler) que tomamos conta de parte da chácara das uvas...

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  8. Oi eu sou Camille Soker, a filha do Sergio soler, vivo no Uruguay. A minha infância foi na chácara das Uvas com a família Sokers. Amo vinho!

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