domingo, 26 de novembro de 2017

Voando para Caxambu/ A história de seu aeroporto


Caxambu tinha um dos melhores aeroportos de Minas, noticiava o Jornal O Patriota em júbilo. Sua inauguração oficial se deu no dia 29 de janeiro de 1951. Como sempre que é inaugurada uma obra de tamanho "vulto" e importância para a cidade, compareciam as autoridades e ... o "povo em geral". O aeroporto foi inaugurado um dia antes da posse do segundo presidente minero eleito, Juscelino Kubistchek, e foi um grande acontecimento também para as cidades vizinhas.

A história de sua construção começou no ano de 1938, no Governo de Benedito Valadares, interventor indicado por Getúlio Vargas, quando o projeto do futuro aeroporto de Caxambu foi encaminhado pelo Departamento de Aeronáutica Civil, o DAC, ao secretario de Obras Públicas de Minas Gerais. Os trabalhos foram coordenados pelo engenheiro Roberto Pimentel, chefe de Rotas e Circuitos do Departamento de Aeronáutica Civil, o DAC, e auxiliado por Mário Maneira, encarregado da supervisão dos campos de aviação da região.

Na época, o diretor do Departamento de Aeronáutica informou que não era possível a realização do projeto, pois não havia verbas necessárias. E como sempre acontece nos orçamentos, houve cortes nas verbas para outras obras, ocasionando a paralisação de vários projetos. O aeroporto de Caxambu tinha sido orçado em 40:000$000, mas ainda não tinham sido considerados os custos da limpeza do rio Baependi, as drenagens necessárias do campo, bem como o cercamento da área, além da sinalização. O DAC poderia apenas dar suporte técnico para as obras e nada mais. Então, Caxambu teve que esperar 12 anos pelo seu aeroporto.

Morro Queimado: 1 X Palmeiras: 0

E não há como falar de Caxambu sem que a vizinha Baependi seja citada em nossas histórias. Em setembro de 1949, às 22 horas e 30 minutos, sim, tarde da noite, a Câmara de Vereadores estava reunida para discutir assuntos de finanças quando o vereador Ciro Basílio leu um dos dois telegramas enviados para o Presidente da República, protestando contra a construção do Aeroporto de Caxambu no lugar denominado Morro Queimado. O argumento era que em Baependi havia lugar mais apropriado, chamado Palmeiras, e além do mais, a planta já tinha sido aprovada pelo "Ministério do Ar". Baependi teve sua planta aprovada, mas saiu Caxambu na frente. A cidade tinha chefes políticos mais fortes e argumentos que ninguém contestava: era uma das “hidrópolis” mais frequentadas não só por políticos de alto coturno, mas por turistas de todo o Brasil.

No mesmo ano, 1949, o prefeito Lysando Carneiro Guimarães foi a Belo Horizonte acompanhado do aviador Tenente Coronel Martinho dos Santos, caxambuense e filho do coronel Martinho Lício, que fez carreira política na cidade. Estávamos no governo Milton Campos e a política tinha outro regente. Eles foram assinar a escritura de doação dos terrenos para a construção do aeroporto e recebidos por outro tenente, Armando Trompowsky. Agora, sim, o aeroporto sairia do papel. Eles foram comunicados que as obras seriam iniciadas imediatamente, de acordo com as diretivas do Brigadeiro Luis Leal Neto dos Reis, comandante da 3ª Zona Aérea. O projeto já tinha sido aprovado pela Diretoria de Engenharia da Aeronáutica. Ufa! Morro Queimado: 1, Palmeiras: 0.

Perfeita em tudo

Em 1951, finalmente chegou o grande dia! Agora como vice-prefeito de Joubert Guimarães, Lisandro Carneiro Guimarães desceu dos céus num avião da Companhia Real, acompanhado de uma comitiva composta por muitos políticos e autoridades locais. O aeroporto foi obra de sua administração e Lysandro, o principal responsável pela sua concretização. Localizado na zona rural do município, numa altitude de 865 metros, o aeroporto fica a 11 quilômetros da cidade, e era acessado pela rodovia BR- 267, na altura do km 307, onde segue-se por uma estrada por cerca de 6 km.

Com uma pista de 1.300 metros de extensão e 12 metros de largura, sua construção era "das melhores", e... "perfeita em tudo", babava o jornal. Nela trabalharam os técnicos do Ministério da Aeronáutica, juntamente com a mão de obra local. Eles deveriam ter mais conhecimento que da primeira vez, em 1932, quando 150 trabalhadores rurais aplainaram, em 10 dias, o terreno a enxadadas. Dessa vez as máquinas utilizadas vieram especialmente do Rio de Janeiro para a realização das obras, e pertenciam ao Ministério da Aeronáutica. Mas, como obras são obras, a estação, o hangar e a pavimentação ficaram para depois. O pouso inaugural foi mesmo na poeira. Ah sim, inauguraram uma obra inacabada, como sempre. A empresa aérea Real ficou de instalar aparelhos de rádio e iluminação, indispensáveis em dias de mau tempo. Alguns jornais noticiaram que Caxambu inaugurou a... "pista de aterrissagem". Ah, e não era?

O objetivo da construção do aeroporto era a tentativa de ligar Caxambu às capitais do Rio de Janeiro e São Paulo e atrair mais turistas. A prefeitura tinha também como intenção atrair empresas de aviação para estender uma linha aérea entre as estâncias hidrominerais de Poços de Caldas e Araxá, interligadas com Rio, São Paulo e Belo Horizonte, dentre elas a Aerovias e a PANAIR estariam interessadas em fazer linhas regulares até Caxambu. Sem dúvida, era uma excelente ideia. As duas companhias aéreas que tinham seus escritórios na cidade já estavam usando a pista de terra: a Real, sediada em São Paulo, e a Nacional, com horários para Rio, São Paulo e Belo Horizonte. E, leitores acreditem: havia dias em que o tráfego aéreo era tão intenso que desciam 12 aviões, totalizando mais de 150 passageiros, somente para Caxambu! A cidade estava no auge e os hotéis, repletos de turistas.

E ainda recebemos a contribuição de Arnaldo Messias. O aeroporto tinha, pasmem... um bar com musica ao vivo! Seu avô tinha lá um bar e a filha dele era responsável por repor o café nos aviões. Quando os aviões se aproximavam da cidade, faziam um sobrevoo para avisar os taxistas que os turistas estavam chegando. Não era o máximo?

Muamba aterrissa em Caxambu

Nem tudo que aterrissava no aeroporto era turista, gente fina e homens de negócios. Ah sim, eram homens de outros negócios, digamos. Em 1957, o aeroporto foi notícia nos jornais do Rio de Janeiro. Na ocasião, o avião Catalina, pertencente à Empresa Prospec e pilotado por Cesar Lopes Aguiar, transportava "instrumentos em desacordo com sua licença prévia para entrar no país". O avião, que se encontrava no Canadá para reparos, partiu de Otawa, em Ontário, e deveria fazer escalas em Miami, Trinidad, Caiena e Belém, antes de pousar no Rio de Janeiro. O piloto então desviou-se da rota prevista, aterrissando, contrariamente ao que fora determinado, em Caxambu. A mercadoria? 32 pacotes contendo, dentre outras coisas, canetas da marca Parker, pulseiras de relógio, diversos "toca-discos de alta fidelidade", que hoje ninguém sabe mais o que é isso, aparelhos de televisão portáteis, acessórios para rádio, um grande transmissor de avião e muitos outros objetos de valor para a época, que, segundo a polícia, eram procedentes dos EUA. E mais uma vez, como o blog é interativo, lá vem o Antonio Claret Maciel dos Santos nos informar que seu tio Antonio dos Santos era o delegado, que junto com o escrivão da  Polícia Civil, Mario Castilho, e Levi encarregado do Aeroporto foram os responsáveis pelo aprisionamento da carga. Eles chegaram a tempo de prender parte dos volumes, abandonados no avião. A outra parte da carga já tinha sido recolhida pelos contrabandistas, que sumiram na estrada, sem dar chances de serem presos. O valor da mercadoria apreendida era de 3 milhões de cruzeiros. O avião ficou lacrado no Galeão até as "autoridades competentes" terem os papéis das mercadorias. Se acharam?

Digamos, quase perfeita

Com o passar dos anos houve necessidade de fazer reformas na pista "quase perfeita", inaugurada em 1951. Em 1988, o governo de Newton Cardoso liberou recursos e o aeroporto foi reformado, quando recebeu o nome de Aeroporto Fernando Levenhagen de Mello, nome do pai de Mauricio Guedes Mello, que ocupava na época o cargo de Secretário de Transportes de Minas.

Em 2014, o governo de Dilma Russef anunciou recursos para ampliação e reforma dos aeroportos regionais, e o de Caxambu estava na lista dos 13 aeroportos de Minas Gerais a serem reestruturados. Dentre as melhorias, a revitalização da pista, o pátio das aeronaves, nova sinalização luminosa, sistema de torre de controle e mais o setor de combate a incêndios. O projeto de ampliação foi incluído no programa de investimentos e logística para aviação, fazendo com que o aeroporto atendesse 32 cidades da região. Depois de reformado, poderia receber aeronaves com até 100 passageiros. Também estava previsto um terminal de passageiros de 700 m2. Uhg! 700 m2? Ai, não vou falar do transporte público, nem da pequenina e apertada rodoviária de Caxambu. Agora, falando sério, 700 m2 para uns poucos gatos pingados que aterrissam no aeroporto de Caxambu eram um exagero!

E o inferno está cheio de bem-intencionados. O ministro da Aviação Civil, Moreira Franco, no seu discurso, em Caxambu, declarava que o transporte aéreo era agora de massa, e não mais apenas para elite brasileira. "Não só as pessoas tiveram melhoria de renda, mas ao longo desses anos o preço da passagem de avião caiu. Hoje, se o brasileiro se programa, ele compra passagem (de avião) mais barata do que a de ônibus". Voar naquela época era não só coisa para os pássaros, mas também para aqueles que tinham dinheiro, hoje nem tanto.

Herói duas vezes morto

Ah, o Tenente O`Reilly? Nenhuma lembrança daquele Tenente aviador que, em 1931, sobrevoou pela primeira vez Caxambu e faleceu em acidente aéreo. O herói e seu feito foram esquecidos. O campo de pouso se transformou em aeroporto e agora tinha outro nome. O nosso herói O`Reilly estava duas vezes morto.
Foto:
Fotos Antigas de Caxambu
Fonte:
O Patriota, 1951
O Globo 2012
Correio da Manha, 1951
O Jornal, RJ, 1957
A Noite, RJ, 1951
A Batalha, 1939
Diário de Noticias, RJ
Agradecimentos:
A Arnaldo Messias pelas suas memórias publicadas como comentário na postagem do texto  no Facebook.
Revisão:
Paulo Barcala

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