domingo, 8 de agosto de 2021

O desabafo/Carta da princesa Izabel ao Conselheiro Francisco de Paula Mayrink/ Assunto: Igreja Santa Isabel da Hungria de Caxambu

Princesa Isabel e o Príncipe Pedro
 

O Blog publica aqui na íntegra a carta da princesa Isabel, endereçada a conselheiro Mayrink sobre as razões de sua mágoa com a construção da Igreja Santa Isabel da Hungria. Teria mesmo Isabel feito a promessa de construir um templo devido sua suposta infertilidade? Na carta não há nenhuma alusão quanto à promessa de construir a igreja, através do uso das águas de Caxambu. 

Boulogne-Sur-Seine, 28 de maio de 1895.

Ilmo. Sr Conselheiro Francisco de Paula Mayrink:


Recebi a missiva do fiel amigo, comunicando-me que resolveu concluir à sua própria custa as obras do templo há tantos anos paradas do "Morro da Cruz", em Caxambu. Foi esse templo, como se sabe, iniciado sob meus auspícios e denominado, na ocasião, pelo povo mineiro, Santa Isabel, não só por honrosa deferência à minha pessoa como por ter coincidido a primeira visita que fiz ao local como o dia consagrado pela Igreja Romana à Santa húngara de quem tenho o nome.

Julgava que nada mais existisse desse templo, pois a última informação que tive foi a de que iam demolir a por há tanto construída, para a edificação de uma casa de caridade. Daí a surpresa que me causou sua carta. Sensibilizou-me a idéia de fazer o amigo os pagamentos das obras em meu nome para dar aos caxambuenses a impressão de quem sou eu quem termina a construção do prédio. Assim procedendo, quer como disse, além de agradar aos locais, prestar-me também a mim, um serviço, evitando que me apodem de perjura os que proclamam ainda, em Caxambu, haver eu feito uma promessa sem a ter cumprido. Não quer que na empresa apareça o seu nome!... Jamais vi igual desprendimento às vaidades do mundo! Confesso que, como meu pai, tenho pelo seu espírito de generosidade e renúncia particular admiração. Não nos esquecemos, p. ex., de quando, sem esperar recompensar, quando já não tínhamos o poder, prestou aos meus um favor que lhe custou dissabores e algumas indiretas represálias por parte do Governo Provisório.

Foi quanto, na tardes de 17 de novembro de 1889, no mesmo dia em que embarcamos para o exílio na canhoneira "Paraíba", fez-nos baldear para o navio "Alagoas" de sua frota, na Ilha Grande, litoral fluminense, por saber do desconforto e insegurança que nos oferecia o barco que, para conduzir-nos à Europa, nos pusera a disposição o novo governo.

Renovo, pois, muito comovida, os meus agradecimentos pela intenção que o levou a pretender fazer os pagamentos da construção da Igreja de Santa Isabel, em meu nome.

Seria, insisto, a generosidade, que lhe é, aliás, peculiar, o móvel único desse ato. Sim, porque não aparecendo no negócio o seu nome, nem sequer o reconhecimento público da obra receberá o senhor. Agradeço-lhe o sacrifício, mas não quero que a Igreja, que se propõe ressuscitar, seja a mesma que imaginei e apadrinhei na juventude. Deve ser outra. A primeira poderia com razão ser considerada obra minha, mas esta não: é sua, legitimamente sua. Faça , pois os pagamentos em seu próprio nome e de-lhe, outro título. Não é por orgulho que o peço, Sr Conselheiro, mas porque jurei não contribuir com mais um ceitil para a construção, desde que, ao chegar em 1873 ao Rio de Janeiro a notícia do desaparecimento misterioso do dinheiro depositado em conta bancária para aquele fim, começaram os adversários do Império atribuir o fato a uma ação desonesta de meu esposo. Responsabilizaram assim tacitamente o Príncipe pela paralização dos trabalhos. As calúnias como sabe, contra ele no setor de negócios, sucediam-se irritantemente, desde o término da Guerra do Paraguai. Visaram talvez com isso encobrir a lembrança do seu heroísmo, já que voltaram de lá - para quem queria ver honestamente os fatos - como um dos principais contribuintes de nossa vitória. Não podendo, para empanar-lhe o brilho, atacá-lo por nenhum outro lado, faziam-no maldosamente por esse. No caso de Caxambu, possuía ele, felizmente recibo da importância (vultosa para a época) que em meu nome entregara para a construção. Reproduziu em 1874, a meu conselho, esse importante documento de defesa em vários jornais, e o senhor mesmo o deve ter visto. Solidária como Príncipe em face aos acontecimentos, resolvi, depois do nascimento do nosso primogênito, não mais interessar por aquele templo. Os amigos de Caxambu, que estavam a par das minhas justas mágoas, bem como os que criam a versão da promessa, escreviam-me sempre, esperando pacientes, anos a fio, que me decidisse a enviar mais dinheiro para o término das obras. Faziam-no não que julgassem impossível conseguir de outro modo o auxílio. Pelo contrário: ser-lhes-ia isso facílimo através das autoridades civis, do clero, de capitalistas generosos, ou ainda do povo por subscrição. Mas não lhes convinha dessa maneira... Convinha-lhes apenas que a Igreja fosse inteiramente obra minha. E isso pelo meu título, e não propriamente pela minha pessoa. Havia também inimigos que rezavam para que eu, magoada, desistisse definitivamente de tudo e a Igreja viesse em consequência a tomar outro nome. Foram estes os vencedores. Ao invés de lhe proporcionar tal prazer, quisera de coração atender aos poucos e verdadeiros amigos. Mas atendendo-os estaria, é obvio, vilipendiando meu marido.

Não se importe, sr. Conselheiro, com esta decisão. A república venceu, e aí mesmo em Caxambu, que é uma ínfima partícula na nação brasileira, encontrará o senhor muita gente ao seu lado, essa mesma cujo interesse e apagar de vez as últimas reminiscências do regime deposto. Muitos, creia, o louvarão por verem que partiu do senhor espontaneamente a resolução de mudar a invocação da igreja. Se, contudo, para defender-se de injúrias, achar ser preciso (o que julgo improvável) publicar esta carta, tem, desde já, para tanto, o meu consentimento. Minha comoção diante da generosidade e modéstia de seu gesto em querer completar as obras em meu nome, gastando em tal empresa somas que poderiam mais tarde fazer grave falta na sua família, proporcionou-me, na fase de recolhimento e tristes em que ainda me encontro, um oportunidade providencial de desafogo, a qual se reflete nesta tão longa missiva. Bem sabe que é contra meus hábitos expandir-me assim. Talvez esteja, pela extensão e o teor da epístola, ferindo igualmente as conveniências da nobreza. Costumo, no entanto, em casos especiais como este os da consciência e do coração.

Sensibilizou-me, repito, sr. Conselheiro a intenção generosa do seu gesto, que me ensejou esta oportunidade inesperada a benfazeja de desopressão.

Com que mágoa evoco as cenas narradas num diário do Rio por Jacques Ourique, ocorridas em 15 de novembro de 89 em casa de Deodoro, quando aquele que, na expectativa ha atual de algum benefício, antes vezes beijara a mão de meu pai, atendia sorridente a massa desordenada e delirante que ali fora homenageá-lo, depredando, alcoolizada talvez, as insígnias da monarquia. É, pois de esperar que, à exceção dos bairristas de Caxambu, que desejam seja eu a executora das obras, o povo brasileiro se alegre com a resolução que julgo dignamente tomar. Creio na alegria do povo pelo antagonismo (sincero ou interessado) que vem (ao que leio) em sua maioria, ultimamente manifestando pelas coisas do Império. Assim, para que a Igreja que o senhor, tão bem intencionado, se propõe terminar, não seja nem possa parecer a mesma que só recordações muito tristes me traz, suplico-lhe diga ao povo a verdade, dando à Igreja ao mesmo tempo outro nome. Sei bem que sente ao ler esta súplica, mas não se preocupe - Caxambu, estancia que tanto ama e pela qual tanto tem feito, nada perderá... Santa Isabel de Hungria tampouco, pois vou iniciar brevemente outro templo sob sua invocação em Serqueux, norte da Franca, para cuja inauguração será convidado. Não morro, esteja certo, sem dar, eu a mesma, a santa de minha devoção de menina o templo que, com tanta fé, ideei em Caxambu

Recomendações minha e do Príncipe a D. Clara.
Renovando ainda minha súplica e meus agradecimentos, sou sua como sempre, muito afeiçoada.


(ass.) Isabel, Condessa d`Eu

Caxambu Grifos meus
Foto: 
Arquivo Museu Imperial de Petrópolis
Fonte:
Lessa, Francisco de Paula Mayrink, in Vida e Obra do Conselheiro Mayrink (Completada por uma Genealogia da Família), Pongetti. 
Agradecimentos:
Pedro Henrique Ribeiro, historiador, colaborador do Blog da Família Ayres.

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