quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Camilo Ferreira Junior, o escravo

Igreja Matriz de Baependi
Um dia o pequeno escravo, ao receber a tarefa de retirar o pó do oratório da casa da fazenda, pode chegar perto do nicho situado no canto da sala, onde ficava a imagem de Jesus cruxificado. Advertido por sua mãe, sempre baixava os olhos toda vez que passava em frente a ele. Muitos anos mais tarde, ao adentrar a igreja Matriz, no dia do seu casamento, voltou à lembrança o pequeno oratório, lugar sagrado da casa, onde fora batizado. Neste dia impressionou-o a imensidão da igreja, o cheiro de insenso, a penumbra, as cores azuis dos nichos onde se encontravam os Santos, o brilho do ouro. E diante das gigantes dimensões das imagens se sentiu novamente pequeno.




Camilo, filho "natural" de Justina, escrava de João José de Lima ,foi batizado pelo Vigário Joaquim Gomes do Carmo,em 13 de setembro de  1858, no oratório do Chapeu, também denominado Lagoinha do Chapéu, hoje bairro de Baependi, por José Florencio Bernardes e Thereza Ribeiro de Lima. E como era comum naquela época os escravos adotarem nomes de seus respectivos senhores, foi denominado "Camilo Ferreira Junior" de João Ferreira Simões, que era dono de sua mãe.

Um detalhe da certidão que me passou despercebido: O nome de sua mãe Justiniana foi escrito erroneamente como "Justina" que era escrava, até a data de 1858, de João José de Lima, que viria a ser o avô de José Ayres de Lima, o Trançador por parte de mãe. Em alguma data, entre 1858 e 1861, data de nascimento de seu irmão Salviano, sua mãe Justiniana aos 17 anos mudou de proprietário e foi ser propriedade de João Ferreira Simões.

Não posso dizer ao certo se por compra ou doação, Camilo foi parar nas mãos de seu padrinho José Florencio Bernardes como escravo. O certo era que, uma forma dos senhores de escravos utilizavam para burlarem as leis de 15 de setembro de 1869 e a Lei do Ventre Livre de 1871, que proibiam os menores escravizados de serem separados das famílias, bem como a compra e o tráfego, era a adoção "por apadrinhamento", pois assim os menores permaneciam "em família". Este fato se confirma quando analisamos a certidão de nascimento de Camilo (foto acima) que teve seu status de "escravo" de José Florencio Bernardes até seu casamento em fevereiro de 1888.

Se Camilo foi separado de Justiniana, também não posso aqui afirmar de forma definitiva, mas o interessante é que os lugares em que viveram as famílias de José Florencio Bernardes, João José de Lima, João Ferreira Simões, Virgolina Balbina de Lima eram sempre citados nas certidões como: ChapeuLagoinha do ChapeuOratório do ChapeuFazenda São Pedro, hoje município de Baependi, indicando que as famílias residiam próximas umas as outras, ou moravam na mesma casa ou conjunto de casas  com seus escravos Justiniana Maria da Conceição, a Nana , sua mãe e sua irmã Sabina Maria da Conceição.  

Senta que lá vem história!

No Brasil Colonial o batismo tinha duas funções a social, a entrada do pagão no seio da Igreja Católica e outra mais profana: interessava aos senhores de escravos o registro dos inocentes, com o nome do proprietário, o que lhe garantia a posse efetiva dos mesmos.

As crianças sem pai conhecido, segundo historiadores, eram mais comuns serem separadas de suas mães se comparados com as crianças pertencentes a um núcleo familiar negro. A prática era a separação em idade improdutiva, isto é, ainda muito pequenos. Pesquisando vários documentos, tento aqui reconstruir a história de nosso personagem Camilo, que de alguma forma  ficou sob custódia da família de seus padrinhos e servindo a eles como escravo. 

É bom lembrar que escravos eram valiosos no Mercado da cidade de  Mariana no período de 1858 a 1887, pois sob pressão da Inglaterra, o Brasil no poderia mais importar negros da África e uma alternativa para os senhores era a reprodução do seu próprio plantel. Então as crias eram "benvindas" no sentido negativo da palavra para os pequenos.

Pois na localidade do Chapeu o nosso Camilinho participava de atividades simples na fazenda. A medida que crescia também crescia a carga de suas tarefas. Quando muito pequeno acompanhava sua mãe na capina de ervas daninhas, semeadura do milho, cuidava dos animais domésticos. No campo, ajudava a descaroçar algodão, descascar mandioca, fabricar cestos e cordas. Também trazia e levava recados bem como pode ter trabalhado como pagem, arreava cavalos, lavava os pés das pessoas da casa e mesmo escovava as roupas e engraxava os sapatos de seus donos.


Camilo teve a infelicidade de nascer antes da proclamação da Lei do Ventre Livre de 1871, conhecida por Lei do Rio Branco, e antes da Lei Áurea, portanto ele nasceu e permaneceu escravo até o seu casamento como consta no registro (foto ao lado), três meses antes da abolição da escravidão. Ao completar 30 anos num sábado de fevereiro de 1888 tomou a mão de Ana de Jesus em casamento, na Igreja Matriz de Baependi. Foram testemunhas Francisco Ignácio de Lima, filho de João José de Lima e Silva, o avô de José Ayres de Lima, o Trancador, e João José da Natividade. Em 13 de maio de 1888 a princeza Izabel assinava a Lei Áurea libertando os escravos de seus grilhões e senhores, mas não de suas árduas vidas. Camilo faleceu em data até agora desconhecida.

Solange Ayres, Kreuzau, Janeiro de 2015.



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