Milharal plantado por Joaquim Roque no pomar de vó Gervásia. |
Seu Joaquim Roque fez parte do universo de nossa família, tanto na roça, onde moravam Justiniana e Sabina, que ele chegou a conhecer e conviver, quanto na cidade, quando nos meses de novembro, dezembro vinha cuidar da horta da vó Gervásia, administrada pelo tio Silvio, capinando, plantando milho e confeccionando cercas de bambus intransponíveis, uma verdadeira obra de arte, da qual Janice Drumont e eu presenciamos.
Com vocês Janice e suas, nossas lembranças:
Conta! Conta, seu Joaquim!
Conta! Conta, seu Joaquim!
Margaridas sendo plantadas, beirando a cerca da casa do eletricista Luiz (também chamado "porsuavêz", fato a ser esclarecido em outra história). Crianças rodeando aquele velhinho negro, papai noel antítese do tradicional, muito negro, rosto marcado pela varíola, estatura mínima, mãos ultra calejadas. Ele focado no serviço, a gente criança, a infernizar a vida dele, rei da paciência, pedagogo prático. Conta! conta! seu Joaquim... e ele: não sei não, depois vocês vão ficar com medo.... conta seu Joaquim , conta!!!!!
E ele: Antes de vir pra cá, trabalhei numa fazenda. Mas era uma fazenda enorme, muito velha. O dono, que era viúvo e também velho, toda noite me mandava fazer uma fogueira no patio e dizia que era pra espantar coisa ruim. E era eu quem também buscava a lenha. E toda vez que ia buscar, passava longe da capoeira porque já tinha visto uns barulhos esquisitos que sempre vinham de la. Não sabia se era saci, mas coisa boa que não era... Aí teve um dia que enquanto catava a lenha, ouvi uns gritos tão altos que parecia alma penada morrida no fogo. Sai correndo e voltei sem a lenha. E o patrão ficou zangado, foi dormir preocupado e ainda me disse. Se acontecer alguma coisa a culpa é sua. Fiquei com medo mas tinha que ir dormir, então fui.
La pelas tantas, a noite já ia alta, começou o barulho no corredor. Um barulho de chinelos que arrastavam ( e ele fazia o som: "shiac shiac"), que iam e vinham pelo corredor afora. Na casa não tinha mais ninguém, só eu e nhô Lau e nhô Lau, nunca vi de chinelo... Quando os passos chegaram bem perto da porta do quartinho que eu dormia, o barulho parou... Eu sabia que tinha alguém ali, mas nem por deus que eu ia querer saber quem era. Daí a pouco la ia o chinelinho e voltava. E tornava a parar na minha porta. E foi a noite inteira assim, e eu rezando o "creindeuspai" e fazendo o sinal da cruz (e ele explicava pra gente como era a oração "creio em deus pai, todo poderoso, criador do céu e da terra..." e desenhava no corpo o sinal da cruz).
La pelas tantas, já com o dia quase pra amanhecer, peguei coragem e quando o chinelinho parou na porta, gritei: é o senhor nhô Lau. E nada... ninguém respondeu. Nasceu o sol e ainda custei a sair do quarto de tanto medo que fiquei. Na cozinha encontrei nhô Lau tomando cafe. Perguntei quem estava passeando a noite no corredor e ele me disse: ninguém Joaquim, a falecida que ficou brava com a falta da lenha, que a fogueira que faço todo dia é pra dar a ela um pouco de luz coitada. Ela tinha um monte de pecado então não conseguiu ir para um bom lugar e o capeta que vigia ela, mora la na capoeira. E a historia parava aí...
E a gente: o que o senhor fez seu Joaquim? E ele: Eu minha fia? Eu tô é aqui!!! arrumei correndo minhas trouxas e vim parar aqui. E não passo mais por la de jeito nenhum. Vocês que ficam aí embrenhando no mato, nas beiras do Bengo, que tomem cuidado... que tem muita coisa por ai que a gente nem sabe o que é.
KKKKKK Imagina o medão da meninada!!!!!!!
"Conto Caxambuense ou a História do jardineiro Joaquim Roque (filho de escravos) para arquivo da família Ayres Solange Ayres"
Este texto foi escrito por Janice Drumont, vizinha de frente da casa da vó Gervásia, na antiga Rua Magalhães Pinto, a qual ela chamava de "vó Juruva", e que a considerava como vó "por ser minha vó antes mesmo de eu saber falar".
À nossa infância...
Foto: Meu padrinho Jorge, que sempre vinha me visitar no mês de janeiro, data do meu aniversário, 1965.
bom lembrar, bom contar Solange....
ResponderExcluir