domingo, 11 de junho de 2023

Fonte Venâncio / A história de um talentoso marceneiro chamado Venâncio da Rocha Figueiredo





Quando Venâncio da Rocha Figueiredo faleceu, em 15 de junho de 1931, aos 76 anos de idade, houve uma grande comoção na cidade. Com ele ia-se a história da captação das primeiras fontes do Parque das Águas de Caxambu. Por mais de cinquenta anos, ele exercera o seu trabalho na cidade. Pouco antes de falecer ainda trabalhava na Empresa das Águas.

E quem foi que conheceu Venâncio em sua infância?  Claro, nossa biblioteca familiar, minha tia Célia Ayres. "Ele vivia embrulhado, num cobertor, num cachecol, sei lá, numa capa, e vivia sentado numa cadeira de balanço lendo jornal". Assim era a visão de Célia criança de Venâncio. A casa era grande, conta ela, com terreno cheio de árvores e folhagens, onde havia duas máquinas de costura, onde suas irmãs, minhas tias, Mercedes Ayres/Soler e Catarina Ayres aprenderam a costurar com a filha do Venancio, a Sá Mariquinha, com juntamente com duas outras aprendizes, a Sá Julieta e Mariinha, mulata gorda que cantava na igreja".

Venâncio da Rocha Figueiredo Júnior nasceu em 1855, foi registrado na paróquia de Baependi, filho de Venâncio da Rocha Figueiredo, político ativo na cidade, e de Anna Carlota Nogueira. O casal teve quatro filhos: Ana Nogueira, nascida em 18 de julho de 1853, batizada por Luiz Fernandes da Costa Guimarães e Marisena Honoria Nogueira; Maria Luiza/Augusta da Rocha Figueiredo, batizada na Capela de Nossa Senhora dos Remédios, em 19 de novembro de 1854, futura esposa de Targino Pereira Noronha, proprietário de umas das primeira padarias da povoação, a Padaria Caxambu, em sociedade com Fernando Levenhagen, nos anos de 1883.

Seu pai não era um qualquer. Em 1880 foi nomeado procurador do comendador e proprietário de terras Antonio Theodoro Fortes Bustamante. Como político local, era membro da elite sul mineira e teve sua mulher, Anna Carlota Nogueira e a filha Anna Nogueira, convidadas para participar da comissão dos festejos em homenagem à Princesa Izabel, quando de sua visita a Caxambu. Venâncio filho, aos 13 anos de idade, ainda era muito jovem para ir à festa, mas ao completar os seus 17 anos, estava de casamento marcado com Maria Josepha de Mello e Souza.

Venâncio, um baiano de nascimento

Certidão de casamento de Venancio e Maria Josepha, 1855

































 

Ao achar a certidão de seu casamento, pensei que devia haver um erro de assento. Ele nasceu e foi batizado... na Bahia. Na verdade, ele era mesmo baiano de nascimento. Sua mãe grávida foi visitar parentes na província vizinha e por lá ele nasceu. A certidão, achada quando estava pesquisando sobre meu tataravô, é confirmada no texto Caxambu: de água santa a patrimônio estadual, de Maria de Lourdes de Lemos.


Às pressas 

O casamento realizou-se em altar privado na casa do político e autoridade local, o coronel Joaquim Ignacio de Mello e Souza, no dia 21 de julho de 1872, tendo como testemunhas Antônio Pereira Gomes Nogueira e José Garcia de Oliveira. A pressa de casar tinha uma razão: o seu primogênito não nasceu nove meses depois do casamento, e sim uma semana antes da cerimônia. 
 
O menino, que também se chamou Venâncio, foi batizado quase um mês depois, em 15 de agosto, em tempo para ser registrado como "filho legítimo", pois todas as crianças que nasciam fora dos casamentos eram considerados "naturais". Naquela época, uma criança viveria com essa pecha pelas regras não escritas da sociedade colonial. A criança viveu apenas 4 anos, falecendo em Conceição do Rio Verde, onde a família residia, e lá foi sepultado.

Seus outros filhos foram Venâncio Figueiredo Neto (1872-?), José da Rocha Figueiredo (1873-?), Brasilino da Rocha Figueiredo (1875-?, Maria Augusta da Rocha Figueiredo (1876-?),
Manoel da Rocha Figueiredo (1882-?) e Rosa da Rocha Figueiredo (1883-?). 

Venâncio teve também duas filhas com Clementina Rodrigues Ramos: Bertha / Rodrigues Ramos/ da Rocha Figueiredo (1893-?) e Margarida da Rocha Figueiredo (1895-?)

O multi talentoso marceneiro



Ao longo da vida, Venâncio demonstrou inteligência e competência no seu trabalho de captação das fontes de Caxambu. Na juventude, fora empregado da Casa Costa Guedes, tornando-se amigo de seu patrão, José Maria Costa Guedes. O Almanak Sul Mineiro traz Venâncio como marceneiro em Baependi e Caxambu, uma profissão que requeria talento para o trabalho manual. No seu livro, Maria de Lemos, escreve que ele  fazia também concertos em relógios e prestava serviços de bombeiro. Como auto-didata, foi ajudar o os doutores Viotti e Enout a captarem as fontes do Parque das Águas de Caxambu (fotos 2, 3, 4).

Em 1880, foi nomeado para compor a mesa de jurados em questões administrativas de Baependi. Venâncio estava cadastrado como eleitor em 1881, 1884 e, em 1896, fazia parte do Conselho Distrital na função de engenheiro, juntamente com Martinho Cândido Vieira Licio, secretário, José Ricardo Barbosa, fiscal de Caxambu, e Manoel Fernandes Moreira, fiscal de Soledade.

Ao terminar o trabalho de captação da fonte Leopoldina, Venâncio iniciou os trabalhos da fonte Duque de Saxe.  Então ele recebeu ordens para suspender, o que o fez. Na sua avaliação os trabalhos "prosseguirão sem incidente de ordem alguma, alvo as  dificuldades inerentes a fonte profundas". O motivo que se havia propalado, é que se havia perdido suas nascentes. Contra argumentava ele no anúncio publicado, em 9 de abril de 1892, no Jornal do Comercio do Rio de Janeiro: "as fontes lá se achao intactas e em condições de se fazer a mais perfeita captação".

A Empresa das Águas

Em 1890, o Conselheiro  Mayrink adquire a Empresa das Águas e contratou o engenheiro Henrique Lalligant, vindo diretamente da França, para prosseguir coma captação da fonte Dona Leopoldina, em lugar de Venâncio, pois o seu trabalho tinha gerado controvérsias. Sem sucesso, Lalligant deixou o trabalho e o Conselheiro Mayrink chamou Venâncio de volta para realizar o trabalho.

Em artigo publicado na Revista Brasileira de Geografia, Virgilio Correia Filho confirma o talento de Venâncio para o trabalho: "Nos serviços de captação das fontes, distinguiu-se Venâncio da Rocha Figueiredo, pelo seu tino prático e paciência na escolha dos veios d'água." Ele devia ter razão, senão Venâncio não teria sido convidado para trabalhar com o engenheiro Benjamim Jacob no governo de Rodrigo Sales, no serviço de captação das águas de Lambari entre 1905 e 1906. Lá foi ele ajudar as vizinhas Cambuquira e Lambari a ver suas águas brotarem (foto 1).

"O mesmo padrão de demonstração é representado em Águas Virtuosas de Baependy, quando da extração das fontes Leopoldina (1891) e Duque de Saxe (1893), no parque do Caxambú. Os estudos de época demonstram que a vazão de água a partir da captação direto do veio da rocha é muito maior do que brotando no solo naturalmente. Preocupava-se com a profundidade exata de perfuração do veio correto, já que uma mesma rocha poderia apresentar mais de um veio d`agua, como no caso da rocha do Parque de Lambary." (1)

O talento de Venâncio para a captação das nossas águas estava então confirmado. Ele não era versado somente em coisas da água - era multi-talentoso. Foi ele quem fez funcionar o primeiro telefone na povoação, em 31 de setembro de 1888, mais precisamente no casarão  da família Guedes. Costa Guedes organizou uma companhia tendo Venâncio como técnico.

Em 1903, juntamente com o capitão Nicolau Tabolar, ocupou-se da iluminação pública das ruas de Caxambu, que era  feita a gaz acetileno. Em 1912, estava ele de volta ocupado na captação da fonte Mayrink, (foto 2 e 3), cujas análises ficaram a cargo de Cezar Diogo e Esteves Assis (foto abaixo).


Homenagem ao Mérito


Em setembro de 1891, quando foi dado como encerrada a captação da fonte Leopoldina, os aquáticos, aqueles frequentadores assíduos da povoação, renderam-lhe homenagem presenteando-o com um cartão de ouro com o emblema da bandeira republicana cravejado de brilhantes com a seguinte inscrição: "A Venâncio da Rocha Figueiredo Junior, homenagem ao mérito, fonte magnésiana, os aquáticos de Caxambu". A solenidade a aconteceu no hotel da Empresa. Ah sim, esse mereceu e merece nossas homenagens.

Venâncio foi sepultado no cemitério paroquial de Caxambu, com todas as honras, acompanhado da Sociedade S. José, a loja maçônica local, a Confraternidade Mineira, da qual ele fazia parte. José Ribeiro Guedes, filho de José Maria Costa Guedes, lhe rendeu as últimas homenagens, relembrando sua biografia.

Homenagem póstuma 

Quatro anos após sua morte, em 1935, a Empresa procurava uma fonte capaz de produzir gás para o abastecimento dos banhos gasosos do balneário. O que mais poderia ser achado no parque além de...  água? Em 1936 fizeram sua captação definitiva e suas águas inundavam de saúde a piscina. Então acharam por bem homenagear Venâncio. Antes tarde do que nunca. Em 1943, é inaugurada a fonte Venâncio, tendo na ocasião discursado Floriano Lemos, médico, jornalista, que residiu em Caxambu, e foi um grande propagador das águas de Caxambu, e que empresta seu nome ao gêiser que jorra no parque.

Fotos:
Revista Fon-fon
Gumagüinhas Memórias de Águas de Lambary
Caxambu 1894-1905, Resumo de fatos administrativos da Freguesia e Vila de Caxambu, em torno de 16 de setembro de 1901, 1955.
Arquivo privado de José Pereira Dantas filho
 
Fontes:
(1) SILVA, Francislei Lima, in A Politica Hidráulica nas Estancias Balneárias de Águas Virtuosas de LEMOS, Maria de Lourdes, in Fontes e Encantos de Caxambu, 1998. Lambary e Baependy (Caxambu) em finais do século XIX e início do século XX, 2012.
Jornal do Comércio, 1892
Boletim do Grande Oriente do Brasil / Jornal Oficial da Maçonaria Brasileira 1871-1889
O País, Rio de Janeiro, 1911
Diário de Notícias do Rio de Janeiro, 1931.
Revista Fon-fon
Gumagüinhas Memórias de Águas Virtuosas de Lambary
PELUCIO, José Alberto, in Baependi e Caxambu 1894-1905, Resumo de fatos administrativos da Freguesia e Vila de Caxambu, em torno de 16 de setembro de 1901. (Palestra realizada no Rotary de Caxambu, em comemoração do aniversário da cidade), 1955.
Lemes, FLORIANO, in Caxambu: de Água Santa a Patrimonio Estadual. Fonte Floriano de Lemes, Vol, II, 2007.
 
Agradecimentos
José Pereira Dantas filho
A Julio Jeha, sempre

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