domingo, 17 de novembro de 2024

Chácara das Uvas no roteiro turístico da cidade de Caxambu na década de 1950/ Só saudades


 A minha querida prima de segundo grau, Jacqueline Diorio, filha de Sylvio Ayres Diorio, o Sylvinho, já  falecido, me enviou está preciosidade. A saudade mata a gente.

domingo, 10 de novembro de 2024

José Joaquim de Sousa Pacheco/ um veterano da guerra do Paraguai sepultado em Caxambu



A postagem poderia ser iniciada com a frase: "Antonio Claret, um detetive no cemitério", por ter achado tantos pedaços de nossa história espalhados pelas lápides. O penúltimo foi o jazigo de Benedito Alves de Belém, outro veterano da Guerra do Paraguai, um pernambucano que faleceu em Caxambu, aos 100 anos de idade. Nós demos a ele dignidade: seu túmulo foi restaurado à expensas de Claret, e escrevemos sua história. Agora essa. Ai Claret!

Sim, sim, um português foi defender a bandeira do Brasil na contenda da Tríplice Aliança. Joaquim José de Souza Pacheco foi para guerra juntamente com o companheiro Antonio José de Castilho Junior, o avô  do padre Castilho da cidade de Caxambu. Ambos eram muito jovens quando ingressaram no exército de Voluntários de Pátria indo combater na Guerra do Paraguai (1865-1870). Sabemos que Castilho participou de combates, foi ferido, voltou como herói, e por um decreto imperial conseguiu o posto de fiscal da cidade de Baependi, já Pacheco construiu sua carreira como comerciante na cidade de Conceição do Rio Verde, e veio a falecer em Caxambu onde foi sepultado. 

Igreja de São Martinho de Recezinhos, Penafiel, Portugal, construída em 1568,
onde Joaquim José Souza Pacheco foi batizado, em 1846.

A guerra e os portugueses na guerra

A guerra do Paraguai foi o maior conflito armado da América do sul. Seu início se deu quando Solano Lopes na sua visão expansionista, invadiu o Mato Grosso e a Argentina. O império do Brasil e as repúblicas da Argentina e Uruguai se uniram para enfrentar o Paraguai. Ela teve início em fins de 1864 e terminou, em 1870, com a derrota devastadora para o Paraguai, com um custo altíssimo de civis mortos, entre 50 a 90% da população masculina. O Brasil não saiu melhor, pois endividou-se com os bancos ingleses, oque causou um grande desgaste político e acelerou da queda da monarquia. A Argentina foi a que mais levou vantagens, conseguindo a ampliação de seu território. O pequeno Uruguai, saiu como entrou, sem nada ganhar além das vidas perdidas. 

Devemos lembrar que o Conde D`Eu, consorte da Princesa Isabel, personagens do império, e que em Caxambu foram eternizados com nomes de fontes do Parque das Águas, estava à frente das tropas brasileiras, quando assumiu o comando, substituindo Caxias, praticamente no último ano da guerra, em fevereiro de 1869, e foi o responsável por escrever um dos mais vergonhosos capítulos da história do império. Na Batalha de Acosta Nü, acontecida em agosto de 1869, 3.500 crianças, recrutadas como soldados pelo exército paraguaio, foram cachinadas por 20 mil soldados. Sem palavras.

Até então a campanha militar dos portugueses na Guerra do Paraguai é ainda desconhecida. Portugal tentava manter-se "neutro", assim como todos os países europeus, posição que perdurou durante todo o conflito. Documentações diplomáticas comprovam a intervenção do governo brasileiro em convocar cidadãos portugueses para que acompanhassem os militares no Brasil. Passados o ardor patriótico dos primeiros meses da guerra da convocação voluntária de brasileiros para ingressarem nos batalhões da Guarda Nacional, e de Voluntários da Pátria, muitos cidadãos portugueses foram encorajados a se engajarem, voluntariamente, com o objetivo a troco de dinheiro, substituindo brasileiros que não desejavam ir para a guerra. Assim de alguma forma José Joaquim de Souza Pacheco foi para a guerra, e ainda bem que voltou, senão não estaríamos aqui contando as histórias.

De volta à Portugal/ A genealogia dos Souzas e Pachecos


Recezinhos de São Martinho, Penafiel, Portugal

Perambulei (virtualmente) muitos dias pelas ruas da velha São Martinho de Penafiel, antigo Recezinhos, na província Entre Douro e Minho, próximo a cidade do Porto, norte de Portugal, local de nascimento de José Joaquim de Souza Pacheco. Pensei encontrar a pequena localidade no estado que Pacheco a deixou há quase 165 anos, quando tudo ainda estava nos primórdios, paisagens bucólicas, casas antigas, alguma lembrança do passado... ledo engano! Hoje a Recezinhos de São Martinho tem não somente ruínas (foto), mas casas chiques, dizendo muito da situação econômica da região que até hoje é ainda baseada na agricultura, e principalmente no cultivo de uvas.

Joaquim José de Souza Pacheco nasceu 28 de março  de 1845,  e foi batizado em 7 de março  de 1846, na igreja de Recezinhos (foto). Ele era filho de Antonio Souza Pacheco e Maria Rosa Machado. Na localidade há um grande número de sobrenomes Souza Pacheco desde os anos de 1700. Para aquelas bandas há até um rio chamado Souza. E para mergulharmos na genealogia, Souza é topônimo relacionado às Terras de Sousa e as famílias que habitavam às margens do rio Souza, do latim Saxa, seixos: pedras. O primeiro a ter o sobrenome, segundo genealogistas, o nobre Dom Egas Gomes de Sousa, um nobre militar nascido em 1035. Assim a localidade se chamou Terras de Souza, na freguesia de Novelas, em Penafiel, perto de onde nasceu o nosso veterano. Já o Pacheco vem do latim Pacieco significa "aquele que vem de Espanha", e teria surgido na Península Ibérica. A primeira pessoa registrada com o sobrenome de Pacheco, em Portugal, teria sido Fernão Rodrigues Pacheco. Outra personalidade histórica foi Duarte Pacheco Pereira (1460-1533), que participou das negociações do Tratado de Tordesilhas, assinado em  22 abril de 1529, entre o a coroa portuguesa e espanhola, para dividir as terras "descobertas e por descobrir", resultantes da viagem de Cristóvão Colombo. Chega! Voltemos ao nosso Pacheco.

Porque tanto portugueses resolveram partir para a colônia? Uma de muitas explicações foi a limitação do desenvolvimento econômico, de estruturas agrárias tradicionais de Portugal. Na falta de industrialização que pudesse absorver a mão de obra, muitos foram tentar sua sorte além-mares. O Brasil exercia um atração para os portugueses. Um mundo, que apesar de desconhecido atraía gente de toda a idade. Minas Gerais, particularmente, atraiu os que estavam a procura de ouro e fortuna.

Em alguma data que ainda não pudemos identificar, Pacheco imigrou para, ainda colônia Brasil, vindo a residir primeiramente em Baependi, depois na povoação de Contendas, hoje Conceição do Rio Verde. Na ocasião eclodia a guerra do Paraguai. Não sabemos também se Pacheco foi convocado, ou se apresentou voluntariamente para compor o exército dos Voluntários da Pátria na Guerra. Ele fazia parte do exército da Guarda Nacional, e no decorrer de sua carreira, obteve a patente de "alferes" e mais tarde a de "major".


Em 13 de junho de de 1873, três anos após o fim da guerra, casa-se no altar privado de Antonio José de Seixas, seu sogro, em 13 de junho de 1873, em Baependi com Silvéria Candida de Seixas, conhecida como Tuca, tendo como testemunhas José de Seixas Batista e Zeferino José da Motta. Da união nasceram: Maria Pacheco (1874-?); Antonio Pacheco (1875-?), Joaquim Pacheco (1876-?), Augusto de Souza Pacheco (1877-?); Ovidio de Souza Pacheco (1883-?9 Alzira Seixas Pacheco (1883); Cincinato de Souza Pacheco (1885-?). Eurico de Souza Pacheco casado com Adolphina de Souza Pacheco (batismo 1911 menina Sylveria).Teodomiro de Souza Pacheco . (?-1950). 

Em 1874 aparece como "negociantes de fazendas, ferragens, armarinho, etc" no Almanak Sul Mineiro de Conceição do Rio Verde com o nome da razão social "Seixas Pereira e Pacheco". Era a oportunidade que o português teve de começar a vida nos negócios com a ajuda da família de sua esposa.

Contendas/ justificando o nome

Seguimos algumas pistas de sua residência em Conceição. Em 1883 um fiscal da cidade comunica à câmara de Baependi, a qual a povoação estava subordinada, por uma denuncia anônima, que o Pacheco teria fechado um terreno à margem do Rio verde, que ficava entre a sua horta, e um terreno do logradouro público. O fiscal solicitava a comissão informar a Pacheco para  que a contenda se resolvesse "seja tudo de harmonia com o direito". O caso, ou a "contenda" justifica o nome da cidade. Em 1758 o lugar foi denominado Contendas, exatamente devido as brigas entre os fazendeiros pela posse de terras. Posteriormente passou a chamar Águas de Contendas, e em 1948, o distrito passou a pertencer a Conceição do Rio Verde.  Pacheco então honrou a tradição. 

Almanak Sul Mineiro, 1883/Conceição do Rio Verde
Não só de contendas vivia Conceição. Além de ser "homem de negócios", com os títulos militares, Pacheco era uma autoridade na cidade. Ele tinha a patente Alferes da Guarda Nacional, e posteriormente foi promovido a Major pela sua participação no Exercito de Voluntários da Pátria. Pacheco era exaltado pela suas "brilhantes qualidades cívicas que o exornão  o seo carácter de cidadão de uma Patria Livre, a quem já prestou. V. S. valiosos serviços nos campos memoráveis do Paraguay". Ele auxiliava a justiça pública no serviço de segurança da pequena povoação. Em 1883 deu apoio ao segundo cadete Nicolao Antonio de Tassara de Padua, quando descobriam o autor do roubo feito por José Antonio de Campos, na igreja Matriz e o levaram para prisão.

Joaquim José de Souza Pacheco na década de 1880 figurava no Almanak Sul Mineiro como comerciante na cidade de Conceição de Rio Verde. Eram os famosos armarinhos onde eram vendidos "fazendas" tecidos, bem como produtos alimentícios. O sal era produto de destaque pra o rebanho de bovinos, e a carne produzida era destinada aos mercados do Rio de Janeiro. Em 1882 fez um requerimento à câmara de Baependi pedindo revisão dos pesos e medidas para a cobrança de impostos. Como negociante solicita a reformulação dos pesos e medidas como forma de cálculo dos impostos. Na época as unidades eram de varas, covados, balança e marcos, que caíram em desuso pela reforma. 

Almanack Sul Mineiro, 1884/Conceição do Rio Verde
Em 1883 arrematou serviços na cidade, aprovados pela câmara de Baependi. Isto queria dizer que ele prestava serviços de manutenção de água, luz, logradouros públicos, consertos da ponte sobre o rio  Verde, que foi várias vezes destruída por enchentes. Como era comum, investidores locais executavam os serviços, a serem reembolsados, posteriormente, pelos cofres da Província. Reconhecido como veterano da guerra, solicita Pacheco, em 1883, sua inscrição eleitoral, em Conceição, o que lhe daria direito de participar das eleições. Poderia ser eleitor somente aqueles que tivesse posses financeiras, ou no caso dele, patente militar, mas houve a imposição  de  que se naturalizasse, oque seria "um processo sumário", já que fora oficial do exército dos Voluntários da Pátria. 

Estrada Minas -Rio/ Estação de Contendas (Conceição do Rio Verde)



No dia 23 de junho de 1883 chega bufando o trem de lastro à Conceição do Rio Verde. A locomotivas Buarque de Macedo n° 8, em homenagem a Manuel Buarque de Macedo, ministro da Agricultura do Império, e seus 3 vagões de passageiros eram esperados ao som da banda de música e mais 3.000 pessoas que compareceram ao evento. O percurso de Cruzeiro até Três Corações do Rio Verde tinha uma extensão de 170 km e o maquinário correu numa média de 52 km por hora. Estava presente  o engenheiro chefe da estrada sr. Staley, bem como todas autoridades politicas da corte, Cruzeiro e claro, Pacheco que era o secretário da comissão da organização do acontecimento histórico para a cidade. Não faltou neste dia o baile no final na casa do sr. Barbosa, o anfitrião da festa, com comes e bebes.

Em 1900 Pacheco tinha seu título de major e residia em Caxambu, pois achamos diversos registros paroquiais que comprovam sua estada definitiva na cidade.

Destacamos dois de seus filhos: Antonio de Souza Pacheco também seguiu carreira militar, capitão do exercito em 1919. Ele foi casado com Alcina Azambuja (1902), em Santa Vitoria do Palmar, Rio Grande do Sul, e faleceu na cidade de  Porto Alegre, Rio Grande do Sul, em 16 de dezembro de 1944, e Theodomiro Souza Pacheco, casado com Maria Faria de Pacheco. Theodomiro ingressou na faculdade de Direito de São Paulo cursando de 1911 a 1915, com locação de grau em dezembro de 1916. Exerceu a advocacia até 1950. Faleceu em São Paulo em 30 de julho de 1950.


Joaquim José de Souza Pacheco faleceu em 1908, às quatro horas da manhã, em Caxambu, aos 56 anos de idade, e foi sepultado no Cemitério da Paróquia de Nossa Senhora dos Remédios. Pacheco deixou grande descendência espalhada por Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul. Muitos de seus ancestrais ainda vivem em Portugal.

Fonte:
O Baependiano O Patriota (MG)
Diário de Minas (MG) 1866 a 1875.
A Actualidade: órgão do Partido Liberal (MG) 1878 a 1881.
Jaceguai, Artur (Almirante), in Reminiscencias da Guerra do Paraguai. Biblioteca do Senado.
Diário de Minas (1866 a 1875).
ABPF - Regional Sud de Minas. História e noticias da Regional Sul de Minas.
Noticiador de Minas (MG) 1868 a 1871.
Pharol (MG) 1876 a 1933.
CAMPOS, Bruno do Nascimento, inTropas de Aco: Os caminhos de Ferro no Sul de Minas (1875-1902).
SANTOS, Gerada, in A população da cidade de S. Martinho de Penafiel nos séculos XVII e XIX (17900-1807).
CHIAVENATO, Julio José in Genocídio Americano: A Guerra do Paraguai.
Arquivo Público Mineiro
Arquivo Nacional do Porto/ Tombos
Arquivo Distrital de Vila Real
CUNHA, Afonso Henrique Carvalho in, A Emigração para o Brasil no distrito de Vila Real (1838-1860). Universidade do Minho.
AH Aventuras na histórias web Ha 151 anos, mais de 3 mil crianças eram mortas na Batalha de Acosta Nu.
PAULA, Edgley Pereira, in A Guerra do Paraguai na imprensa portuguesa (1864-1870): entre a neutralidade oficial e o apoio à causa brasileira, Universidade de Coimbra, 2022.
Folhinhas de Laemmert - Chronica dos principaes acontecimentos concernentes á actual Guerra do Paraguai, 1865.
Foto:
Arquivo privado de Antonio Claret Maciel realizada no cemitério de Caxambu na dada de 2018.
Foto da Igreja de São Martinho de Recezinhos: Ecoreabilita, web.
Agradecimentos a Julio Jeha, sempre
Nota:
Antonio Maciel Claret, advogado, formado em 1975 pela Universidade de São Paulo. Autor dos livros: A Família Maciel em Baependi e a Saga do Tenente José Francisco Maciel, em 2016, e Memórias da Fazenda da Roseta e do Barão de Maciel, em 2019.

Solange Ayres, Licenciada em História pela Universidade Federal de Minas Gerais, e desde 2013 escreve o Blog Família Ayres, histórias e memórias da cidade de Caxambu e Baependi, juntamente com Graça Pereira Silveira, professora aposentada do ensino fundamental de São José dos Campos, São Paulo.