Na noite de 9 de março de 1960, uma quarta-feira, as internas do Colégio Santa Terezinha foram arrancadas do seu sono e, de camisolas, obrigadas a fugir das chamas que atingiam o prédio.
O fogo devorou toda a estrutura do prédio e o trabalho de 30 anos das Irmãs da Providência-Gap. Várias vezes ampliado, restaurado, remodelado, o colégio recebera, no início do ano letivo de 1960, 360 alunas, 68 delas internas, entre filhas de caxambuenses e de famílias das cidades da região como Cruzília, São Vicente de Minas, Bocaina de Minas, Seritinga, Minduri e outras tantas.
Mas antes de começar a narrar a história do colégio, não posso deixar de citar Antônio Claret, um verdadeiro "rato de arquivo", que nos ajudou a encontrar o "Histórico da Escola Normal Santa Teresinha-Caxambu". Como? Bem, só ele sabe. Seu bom relacionamento com as Irmãs da Providência de Itajubá, onde sua irmã estudou e serviu, Claret desencavou um documento datilografado que nenhum de nós haveria de conhecer.
Tampouco poderíamos recuperar parte da história do colégio sem consultar a nossa biblioteca familiar Célia Ayres de Lima/Araújo. Para a minha surpresa ela, a tia Célia, estudou lá dos 7 anos até os 17 anos. A irmã mais velha, Mercedes/Ayres/Soler, a colocou no grupo escolar, mas só cursou dois meses, sendo então enviada para o colégio das freiras para se tornar normalista. Normalista era chique, disse tia Célia nas nossas conversas telefônicas Brasil-Alemanha em 23 de junho de 2020. Lembrou-se de suas professoras, as irmãs Amélia, Stanislau, Josephina e Rita, assim como da madre superiora irmã Marcel. Por tia Célia, ficamos sabendo que o prédio já existia, quando da instalação do colégio.
Em 1° de fevereiro de 1928, as irmãs Radegunda, Albertina e Catarina, invocando as bênçãos do padre Moye, fundador da Congregação da Providência de Gap, Franca, abrem as portas do colégio para a comunidade de Caxambu, sob a coordenação da madre superiora Maria Rosa de Lima.
Martinho Moye foi um sacerdote francês que, em 14 de janeiro de 1762, funda a escola Vigy, para levar as crianças o conhecimento religioso às crianças. À frente do trabalho estava Margarite Lacomte , a primeira semente da Congregação das Irmãs da Providencia.
Elas chegaram ao Brasil em 1904 e se instalaram em Carmo do Rio Claro, sul de Minas Gerais. A separação entre Igreja e Estado na Franca significou o fim do ensino religioso e por religiosos nas escolas públicas. As congregações religiosas foram proibidas de atuar em hospitais e instituições legais. A alternativa foi a expansão da ordem para a América Latina.
Em 1907 abriram um convento em Itajubá, que permanece até hoje como sede da congregação. Elas foram convidadas a iniciar os trabalhos em Caxambu pelo monsenhor João de Deus, que na época estava às voltas com a construção do Hospital São Vicente de Paulo, a Santa Casa.
Diário de uma escola

Várias irmãs dirigiram o colégio. Foram elas:
1930-1933, irmã Auxence
1933-1939, irmã Marcel
1939-1940, irmã Chère Soeur du Sauveur
1940-1944, irmã Marcel
1940-1944, irmã das Dores
1946 -1952, irmã Blandine
1952-1955 , irmã Marcel
1955-1960, irmã São Paulo
1960- Maria Lucia Paim
Já no seu início, o colégio recebeu subvenções conforme a lei 173, assinada pelo prefeito Mario Artur Alves Milward em 1929. O valor da subvenção anual era de 10:000$000, mais a isenção de todos os impostos e taxas municipais. Também foi concedido à instituição o aluguel do prédio, em forma de subvenção, num esforço para que o trabalho educacional tivesse sucesso.
O prédio sofreu várias intervençõesa partir de 1936, quando a congregação adquiriu o terreno. As reformas terminaram em 1942, com o aumento do número de salas de aula e o dormitório das internas.
Em 11 de marco de 1937, o então governador interventor Benedito Valadares assinaria um decreto reconhecendo o colégio como estabelecimento de formação de docentes do ensino primário. Estava oficializado agora como parte da educação governamental. Em 7 de fevereiro, Alcides Lins, interventor federal, assina a autorização para que o colégio formasse também professores para o ensino secundário. O trabalho para que o colégio fosse reconhecido como instituição oficial do Estado foi levado adiante pelos políticos locais, pelas famílias influentes e pelo bispo de Campanha, diocese à qual a instituição estava subordinada.
A primeira turma de normalistas de Caxambu
O Patriota, 1937 |
O colégio, situado praticamente no centro da cidade, era motivo de visitas de muitos políticos que prometiam e prometiam. Juscelino Kubistchek fez a sua visita em 28 de maio de 1951, e como sempre prometeu...
"Visitou ainda o Governador Kubistchek a 'Escola Normal Santa Terezinha', onde futuramente talvez sejam instaladas as repartições estaduais em Caxambu, e a Escola Reunida de Caxambu Velho. Segundo prometeu S. Excia, serão construídas, pelo Estado, mais duas Escolas Reunidas em Caxambu" (O Patriota). Ah, talvez, já escrevia o repórter, talvez...
Mas eram as incansáveis irmãs quem estavam à frente das obras. Em 1955 empreenderam a construção da clausura e de um galpão para as alunas. Quatro anos depois, a Congregação consegue comprar um terreno de cinco alqueires no bairro Bosque, onde mantinham um serviço de lavanderia, horta e pomar. Esta chácara cheguei a visitar como atividade da classe, e fizemos um piquenique lá. Na época estavam construindo um pequeno lago para criação de peixes. Fomos advertidas para não "chegar perto" das margens. Era o medo da gente cair e se afogar. Tudo tão limpo e arrumadinho...
Era a madrugada do fatídico 9 de março de 1960, três dias após o início do ano letivo e do retorno das internas. Era também o dia da visita de Jânio Quadros à cidade, em campanha eleitoral para o pleito de 3 de outubro. A foto acima, segundo cartão postal da cidade, é o ultimo registro do prédio antes de ser incendiado. Segundo meu pai, José Ayres, eletricista, ele já teria advertido as irmãs para a troca da fiação na lavanderia, mas as providências chegaram tarde.
O corre-corre na madrugada foi grande, e, felizmente, não houve mortes. Como o prédio não estava no seguro, houve perda total. Tudo que se pode recuperar ficou depositado na rua, como algumas peças do museu da escola, 120 carteiras escolares e... o Zé Maria. Quem se lembra dele? Sim, o esqueleto que a gente chamava de Zé Maria foi salvo das labaredas, ficando exposto na pracinha ao lado da Casa Guedes. Ele foi testemunha da calamidade, lembra Graça Pereira Silveira. Uma visão trágica. Ah, pelo menos salvaram o Zé Maria.

A reconstrução
A reconstrução ficou então na mão de seus benfeitores, dentre eles o dinamarquês e empresário Sorensen, que tinha uma fábrica de laticínios em Cruzília, e cuja filha, Elizabeth, estudava na instituição. Sorensen, eleito presidente da Associação de Pais e Mestres da Escola, toma a frente das obras da reconstrução. Um dos que também fizeram parte dos trabalhos foi o austríaco Rodolfo Weber, mestre de obras na cidade. Conta o neto Rodolfinho Weber, que o avô constatou a solidez da antiga construção. Debaixo do colégio, até hoje estão as vigas de eucaliptos que faziam parte da antiga base de sustentação do prédio.
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O Patriota, 1937 |
Poderia enumerar muitas e fazer injustiça com outras, mas como estamos no blog da Família Ayres, não podemos deixar de destacar a normalista Graça Pereira Silveira (foto ao lado com seu diploma) minha professora no pré-primário, que me ajudou a construir barquinho à vela e que, mesmo não querendo, não conseguiu escapar do seu destino de professora, indo lecionar na escola municipal de São José dos Campos até se aposentar.
Balbino, Antonio Gilberto. Igreja e a educação família no Sul de Minas (1900-1950): O ultramontanismo e as incursões da modernidade. Itabira, 2018.
Folha Mineira (MG), 1962 a 1963
Jornal O Patriota, 1929-1951
Colégio Sagrado Coral de Jesus, 1907-2015
Agradecimentos muitíssimos especiais a Antonio Claret pelo seu empenho em conseguir documentos e informações que compõem o nosso texto.