Em 1887 parece que já era costume as crianças assistirem a... "matança", e alguns condenaram o "espetáculo pouco próprio para se exibir à vista de uma população, principalmente crianças, que assim cedo se habituam à crueldade", noticiava o Jornal O Baependiano. Parece que os animais eram sacrificados clandestinos, fora do matadouro Municipal. Mas se o jornal condenava a presença das crianças no sacrifício dos animais em casas privadas, nada fazia para evitar o espetáculo no Matadouro da cidade.
Na década de 1960 o espetáculo era grátis. Claro que não havia condições de por cortina no Matadouro e assim as crianças como eu podiam assistir o horrendo espetáculo sem censura.
Por mais de uma vez, Janice Drumont, a vizinha de frente lá da antiga Rua Quintino Bocaiuva, relata suas lembranças de infância para o nosso Blog, onde tudo era aventura, mesmo as cenas mais macabras produzidas pelo antigo Matadouro de Caxambu de onde provinha a matéria prima , o couro, empregado pelos nossos avôs José Ayres de Lima e bisavô Jose Fernandes Ayres, no seu trabalho como Trançadores.
"Dava para ver nos olhos das vacas"
Caminhávamos pela poeirada da rua até chegar a pequena ponte estreita, de parapeito de canos, sobre o Bengo, que nesta parte já se afunilava transformado em pequeno córrego bem fétido. Do outro lado a majestosa Fazenda Santa Terezinha, (veja no google onde era originalmente a entrada da Fazenda) palco de mil e uma travessuras. Era atravessar a ponte e pegar a trilha de areia fina e logo se via o prédio antigo, ladeado do curral onde as “vítimas” esperavam desconfiadas, o sacrifício com hora marcada. Dava para ver nos olhos das vacas a sentença, a expressão da condenação. Íamos em bando e se aí estivéssemos nos dias de matança víamos a cerca do curral com as pessoas empoleiradas aguardando os restos que o comércio não aproveitaria... e diziam até que aguardavam pra beber sangue retirado quente, na hora... Mistério não confirmado, nunca vimos ninguém bebendo sangue alí, mas a idéia nos embrulhava o estômago, argh!!!! E alguns justificavam que o sangue era saboroso, dobrava a força e era até adocicado. Certo é que “frango ao molho pardo” também era feito com sangue e a gente bem que apreciava. Mas pensar no sangue vivo da vaca nos parecia até sacrilégio.
Tudo uma viagem, tudo uma aprendizagem
Seguindo adiante, logo depois, vinha a escola. Unidade pobre, onde faltava tudo. Mas no corredor ao lado da diretoria um grande cartaz com guloseimas mostrava a fartura que nenhum aluno ali teria. Calhava que quase sempre passávamos por aí próximo ao horário da merenda e era comum ouvir o canto da criançada em fila la dentro, cuja letra sugestiva dizia: “Pão com queijo, manteiga e leite também, é a merenda gostosa que a todos convém....” A canção rimava na letra, retumbava na música, mas virava incoerência no cérebro, pois cada um de nós sabia que aquelas crianças daquele bairro talvez nunca vissem manteiga e muito menos queijo.
Alí perambulávamos até que passasse um carro de boi que rangeria levando a gente em cima, passando de volta em frente as nossas casas e de la até o outro lado da cidade na entrada do bosque, ponto final para as crianças na estação, e dali era voltar correndo em bando, de volta a casa em final de aventura.
Nada era isento de sentido. Tudo aprendizagem.... e a gente nem sabia, só se divertia."
Agradecimentos:
A Janice, que tem sempre colaborado com o Blog da Família Ayres. Através de seu olhar nos remete as lembranças de vidas vividas, na antiga rua Quintino Bocaúva, hoje rua Magalhães Pinto, em Caxambu.
Para ler
Cliquem aqui e leiam também: (A completa história da construção do Matadouro da Cidade de Caxambu)
A Janice, que tem sempre colaborado com o Blog da Família Ayres. Através de seu olhar nos remete as lembranças de vidas vividas, na antiga rua Quintino Bocaúva, hoje rua Magalhães Pinto, em Caxambu.
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Cliquem aqui e leiam também: (A completa história da construção do Matadouro da Cidade de Caxambu)