"... pelo que se descobre daquele monte, que aparece um mundo novo, muito alegre: todo campo bem estendido, e todo regado de ribeirões e por ele se caminha com alegria, porque tem os olhos que se ver e contemplar na perspectiva do Monte de Caxambu, que se levanta às nuvens com admirável altura". (1) "... a altitude do seu pico, avaliado em 1.090 metros, não encontra igual pelos arredores, não obstante o acidente notável do terreno." (2)
O sertão das Gerais que ainda não era Minas
O Morro de Caxambu foi na história referencia para disputas de fronteiras entre as Capitanias de
São Paulo e
Minas Gerais, iniciadas por volta dos anos de 1700. Meu pai,
José Ayres, quando criança, contava histórias das disputas de fronteiras entre Minas e São Paulo e apontava para o
Morro de Caxambu referindo-se a um "marco" postado lá pelos paulistas. Eu me perguntava, será que era aquela cruz?
Mas antes vamos decifrar a palavra "
Caxambu", associada ao morro que deu origem ao nome da cidade. Ha várias interpretações. Uns comparavam-no pelo formato, a um gigantesco tambor, usados pelos africanos cacha (tambor) e mumbú (música), que juntado os vocábulos chega-se a "Caxambu", outra de raízes tupi assim: caa - xa - umbú, para indicar
o mato que vê o riacho. Prevaleceu a denominação de origem africana.
Em 1711, Antonio João Antonil publicou, em Lisboa, o "Cultura e Opulência do Brasil" descrevendo na 3° parte as "Minas do Ouro" e os caminhos do sertão. Conta sobre os bandeirantes que chegaram até o Rio Verde, depois à Boa Vista. "... com alegria, porque tem os olhos que ver e contemplar na perspectiva do Monte de Caxambu, que se levanta às nuvens como admirável altura".
O morro foi tomado pelos bandeirantes como referencia para o caminho entre Baependi, Rio Grande e Carrancas.
No final do século XVII os bandeirantes paulistas descobriram areias auríferas no sertão das Gerais, que não era ainda Minas e a boataria se espalhou rapidamente em
Portugal. Houve uma "corrida ao ouro" e um grande afluxo de gente proveniente de todas as partes na busca eldorado. Do Brasil todo acudia gente em direção ao
Vale do Rio Paraíba, até Vila Rica, hoje
Ouro Preto, passando pelo Vale do Inghay,
Aiuruoca, a nossa
Baependi, da Comarca do Rio das Mortes,
São João D`El Rey,
Mariana,
Sabará e
Pitanguy. Imaginem o que acontece quando se trata de ouro e riquezas minha gente... Incidentes entre os bandeirantes e os novos que chegaram eram constantes e a região se tornou violenta e perigosa. E para melhor administrar os conflitos, inclusive para a cobrança de impostos, a Coroa portuguesa iniciou o desmembramento das Capitanias de
São Paulo da Capitania do
Rio de Janeiro, e em 1720 a criação da Capitania das
Minas de Ouro.
"Pelo Alvará de 02 de dezembro de 1720, era criada a Capitania de
Minas Gerais distinta de
São Paulo tendo como limites onde se lê: “determino por limite do sertão, pela parte que confina com o Governo de Minas os mesmos confins que tem a Comarca da Ouvidoria de São Paulo, com a Comarca da Ouvidoria do Rio das Mortes”, isto é, o sertão ignorado e impreciso (Moraes Filho, 1920, p. 15) , (1).
"A instalação da
Vila de São João Del Rey desmembrada de
Vila Rica, em 1713, foi conservado os mesmos limites entre
Vila Rica e a
Vila de Guaratinguetá, que pertencia a Comarca de São Paulo e mais a criação da
Comarca do Rio das Mortes e cuja a sede era
São João Del Rey chamava a atenção das autoridades mineiras a “Serra da Mantiqueira” como baliza natural entre as “Minas” e "São Paulo", (2).
E os ânimos se acirraram. Os marcos territoriais foram sendo levados de lá para cá, e de cá para lá. "As autoridades da Câmara de Guaratinguetá fincaram um “marco” no
Morro do Caxambu, que era mais ou menos a metade do caminho entre
Guaratinguetá (São Paulo) e
São João Del Rey (Minas Gerais), lavraram um “Auto de Posse”, em 1714. A Câmara de São João Del Rey nesta data, mandou arrancar o marco de pedra e levá-lo para o alto da Serra da Mantiqueira, conforme havia sido decretado, em reunião de 06 de abril de 1714. Nesta data determinou-se que o limite sul da
Comarca do Rio das Mortes fosse a
Serra da Mantiqueira e a oeste o Sertão desconhecido" (3). Se houvesse mantido o marco, pretendido pelos paulistas, a Capitania das Minas Gerais, teria perdido os atuais municípios de
Passa Quatro,
Itanhandú,
Pouso Alto,
São Lourenço e
Soledade de Minas.
Morro do Cachumbú
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Cartografia de 1738 |
Em 1727, o governador de São Paulo enviou uma carta ao Rei de Portugal sobre a mudança do marco de divisão, estabelecendo "
o morro de Caxambu ou Boa Vista" como divisão. Em 1748, a Província de São Paulo perde sua autonomia ficando sob a jurisdição do Rio de Janeiro, de
Gomes Freire e ao ser restabelecida, em 1765, após 17 anos, o governo de
Luiz Antonio de Souza reclama a divisão do
Morro de Caxambu e dando a questão novamente como aberta. Oh, não!
A Cartografia do ano de 1766, mostra a verdadeira situação dos lugares por onde se fizeram as sete principais divisões que marcavam a fronteira das Capitanias, aqui escrito como Morro do "Cachumbú". (vide carta abaixo)
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Cartografia de 1766 |
No Brasil Império, entre os anos de 1827 e 1879, tanto a Província de São Paulo como a Província de Minas Gerais, emitiram vários documentos, pareceres diversos e não se chegavam a um acordo. Desde então as demarcações foram reclamadas pelos diversos governos e, somente em 1935, quando foi publicado o Decreto Constitucional do Governador de São Paulo
Armando de Salles Oliveira, que conseguiram a definitiva delimitação entre os dois Estados pondo fim a mais de 200 anos de disputas territoriais. Ufa!
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Cartografia de 1873 |
Programa de saúde: Sobe o morro, desce o morro
A estrada no Morro de Caxambu foi inaugurada em 25 agosto de 1873, paga por um estancieiro do Sul do Brasil, chamado Conceição, era um "caminho em ziguezague, um M, com quatro pernas, pelas quais se ia ao alto do Morro de Caxambu". Na administração de Camilo soares, o caminho tomou a forma que tem hoje. Em 1886, o Morro é citado no jornal
O Baependiano, na Seção Gazetilha, sob o título: "
Efeitos prodigiosos das Águas de Caxambu sobre os Dispépticos".
"Depois de uns vinte dias de estação d`aguas, pouco mais ou menos, já não se conhece quasi aquelle homem que acabamos de ver ha dias todos desfeito e desanimado. Elle jé tem sangue, carne, cor, graça, força, e tanto assim é que já vae passear em Baependy e sobe até o alto
morro de Caxambu! No fim dos quarenta ou cinquenta dias está o nosso homem bom como um pero!"
E lá estava o Bairro do Trançador nos seus primórdios...
Se falamos do
Morro de Caxambu, não podemos deixar aqui de citar o
Bairro Trançador, que já existia na Planta Cadastral de Caxambu de 1937. No seu sopé encontrava-se a residência de
José Fernandes Ayres de Lima, o Trançador-pai (1835-1897) que emprestou ao bairro o seu apelido. Lá ele morava e tinha seu "ateliê", onde confeccionava artefatos de couro como relhos, celas para cavalos. Assim o lugar ficou conhecido como "Trançador". O local era caminho de passagem de Tropas e Tropeiros, transportando gado, mantimentos provenientes de
Conceição do Rio Verde em direção à
Baependi e outras cidades.
Tira cruz, põe cruz
Ah, agora as disputas territoriais ficaram somente na lembrança dos historiadores, mas o tira e põe cruz não cessou. Para mostrar que Caxambu também era Terra de Santa Cruz, o mesmo marco que os navegantes fincaram ao aportarem, na hoje Cabrália, quando do descobrimento do Brasil, foi postado no alto do Morro.

"A enorme cruz de ferro, cuja deformação evidencia intenso esforço dos ventos, acha-se cravada em bloco de concreto e pedra, de forma aproximadamente troncônica" (3).
A velha cruz não existe mais. Inaugurada, em 3 de maio de 1928, iluminou por muitas décadas o contorno do Morro de Caxambu, sendo substituída por uma estatua do Cristo Redentor, promessa de Dona Ivone que exercia a profissão de cabeleireira e moradora da cidade, nos anos de 1960. A Cruz original de ferro, foi uma reciclagem de trilhos de trem, sendo substituída pela de concreto.
Na ocasião, a Cruz foi abençoada pelo Padre Galvão, vigário de Niterói, que estava hospedado no Hotel de Caxambu. No seu sopé a inscrição de autoria do médico residente na cidade
Mario Artur Milwald: "A sombra desta árvore viva e cresça Caxambu". A que árvore mesmo ele se referia? Wanda Milward, neta do médico nos dá a resposta: A árvore a que ele se refere é alusão a cruz de Cristo, de madeira.
Piquenique e carrapatos
Quem fez piquenique no morro de Caxambu levanta a mão! Eu! Nos domingos, quando não havia o advento da televisão e seus aborrecidos programas, as famílias resolviam fazer uma prazeirosa caminhada até o alto do Morro, após o almoço. No caso o ramo da
Família Ayres/Rodrigues/ Pereira (foto), os netos e bisnetos do Velho Traçador, empreenderam a caminhada, num ensolarado domingo de 1948.
Geralda Pereira carregou praticamente quase toda a sua prole junto, mais as irmãs e sobrinhas. Em estilo de verão total, ao alto esta a
Ruth, de chapéu, segue sua mãe,
Geralda Pereira,
Ricardo, (casado com Tereza) e outras duas filhas,
Tereza,
Dirce,
a pequena
Anita (no centro da cruz) e igualmente pequena,
Dalva (última sentada à direita). Ainda, sentadas
Nicinha,
Magali (neta de
Maria José Rodrigues Freitas, a vó Mariquinha). Ah, faltou uma! Como assim? Não estamos vendo ninguém mais aí. Ah, era
Graça Pereira Silveira que ainda estava na barriga de sua mãe Geralda, na foto de braços cruzados, já protegendo a cria. Eles ainda posaram sob a antiga cruz. Ah, só me lembro ter voltado do passeio cheia de carrapatos.
Como chegar lá
Ha dos caminhos para empreender a subida. O primeiro e o preferido pela maioria, inicia na rua
João Pinheiro, passando pelo belo prédio do
Grupo Escolar Padre Correia de Almeida, à direita, e no fim da rua vê-se o Hospital Casa de Caridade São Vicente de Paula, a Santa Casa. Aconselho a fazer uma pequena parada e visitar a
Igreja Santa Izabel da Hungria. Segue-se aí o caminho com uma pequena mata, continuidade da mata do Parque das Águas, onde à direita se encontra a "Cruz de Suzana", lugar onde ocorreu o
Crime de Suzana, em 1922, contado neste blog.
O outro caminho é através do próprio
Bairro Trançador. Toma-se a rua
Joaquim dos Santos. No alto da subida, ha uma possibilidade de se transpor para a
Avenida Barão do Rio Branco e seguir o camino descrito acima. Nela toma-se novamente à esquerda o caminho e... Estamos quase lá. Da estrada, chega-se ao caminho principal da Estrada do Morro. E... apreciem a paisagem.