sexta-feira, 22 de julho de 2016

A triste sina de Josephine Ayres de Lima


Araticum, Annona crassiflora, fruta nativa do cerrado mineiro
Para reconstruir esta pequena biografia de Josephina  contamos com fragmentos de lembranças de nossa "biblioteca familiar viva": Celia Ayres de Lima, filha de José Ayres de Lima, o Trançador-filho, com Gervásia Ayres de Lima, e o recém descoberto  Sylvio Aires de Lima, pertencente ao "tronco dos Ayres",  filho de Anna Ayres de Lima conhecida como Lica, e neto de José Fernandes Ayres, o Trancador-pai. Sem falar em todo o trabalho de pesquisa de campo que foi realizado por outro membro da Familia Ayres/Freitas/ Pereria, Maria das Graças Pereira da Silveira, que hoje mora em Sao José dos Campos, e que, por destino e uma felicíssima coincidência, mora  próximo ao Sylvio e seus descendentes. Foram horas de café com bolo de fubá e prosa, muita prosa... De fato uma força-tarefa que não foi realizada sozinha, tendo como seu escudeiro Vanderlei Silveira, o Vander, marido, motorista, "arquivo em áudio vivo" ... Assim estamos podendo contar e recontar as histórias. A eles os nossos sinceros agradecimentos.

Pois bem, vamos então a... Josephina.



Josephina Ayres de Lima nasceu em 31 de marco de 1869 e foi batizada no dia 18 de abril, na cidade de Baependi, pelo Reverendo João  José Rodrigues. O curioso é que o batizado não foi realizado na igreja, mas na casa  de seus padrinhos, que eram  ao mesmo tempo os anfitriões, o Comendador José Pedro Américo de Mattos e Dona Maria Adriana de Mello e Mattos.  O lugar tinha força  simbólica. A casa denominada "Palacete"  foi onde a Princesa Isabel e sua comitiva ficaram hospedados na sua estada em Baependi em 1868. Imaginem o que significava para o povo daquela época!

Josephina foi a terceira filha do casal José Fernandes Ayres de Lima-Trançador pai e Maria Ribeiro de Souza Lima. Antes dela nasceu Emiliana de Lima (1861-1910), Manoel José de Souza Lima (1866-1908), Sebastiana Lima (1869-1911). Depois dela vieram José Ayres de Lima o Zé Trancador-filho, (1873-1943),  Maria de Lima, a Mariinha (1876-?), Cecílio Jose de Souza (1876-?), Maria Ayres de Lima, (1876-?), Maria José de Lima, a Mariquinha (1881-1946), Roza Ayres  de Lima (1882-1895), Anna Ayres de Lima  a Lica (1885-?) e Izabel Ayres de Lima (1885-?).

Os seus avós pelo lado materno eram João José de Lima e Silva e Joanna Thereza, que foram encontrados no Sensu da cidade de Pouso Alto, no ano de 1839, como consta abaixo. A mãe de Josephina, Maria Ribeiro de Souza Lima nesta época ainda não era nascida.


Fico aqui pensando e analisando, que relações teria o seu pai, José Fernandes Ayres -Trancador pai, com toda essa gente? Muitos de seus filhos foram batizados por... "gente importante", como por exemplo o filho Manoel, que foi batizado pelo  Manoel de Seixas Batista, aquele que compôs a comissão de recepção da Princesa Izabel. Ele constava nas listas de votação da época, isto é, era cidadão  eleitor. E, naquela época, para ser eleitor o cidadão tinha que ter dinheiro e posição social. Já a outra filha  Maria da Conceição, a Mariinha, teve como testemunha de casamento um "Alferes", o Antonio José de Castilho.

Dançando com a Princesa

O padrinho  de Josephina, José Pedro Américo de Mattos era uma pessoa pública e deputado da Província.  Ele assinou, junto com outras tantas personalidades, o documento que lançou a pedra fundamental para a construção da Igreja Santa Isabel da Ungria, na presença da Princesa Izabel, em sua visita à Caxambu, no ano de 1868.

José Pedro era muito rico e benquisto na cidade, mas, por ser mulato, não gostava de frequentar as festas sociais, em razão da discriminação. Especialmente em bailes, notava ele a resistência de algumas damas da sociedade ao convidá-las para dançar. Estávamos então em pleno tempo da escravidão, e o que se podia esperar dessa sociedade  senão o desdém a alguém "de cor"?  

Mas, a história conta que, como anfitrião do casal imperial, ele não pode se recusar em participar do baile em homenagem à princesa, no palácio imperial da cidade de Baependi. Assim permaneceu ele alheio  e distraído, quando a orquestra iniciou a primeira valsa... O Conde d`Eu tomou a princesa pela mão e levou-a ostensivamente, pelo salão, até em frente ao seu anfitrião, e ofereceu-a como par. Pelo sorriso que ela lançou em direção a ele ficou impossível recusar o convite, e então rodaram  sozinhos no salão ao som da valsa.  Depois da atitude do casal imperial, o comendador recebeu todas as atenções das outras damas, que queriam então te-lo como par. E ele respondeu: "Não, minha senhora, muito obrigado. Queira desculpar-me, mas quem dançou com a Princesa não pode dançar com outra mulher". Bem feito!

Ah, então voltemos à gata borralheira Josephina... Aos 26 anos foi mãe solteira  de José de Souza Lima,  nascido em 25 de julho de 1896 e batizado em 3 de agosto, na Capela Nossa Senhora dos Remédios, em Caxambu,  como "filho natural", que significava que ele não tinha pai conhecido, ou sua mãe não era oficialmente casada. Assim o estigma de "mãe solteira" devia ficar o máximo possível dentro da família e talvez por essa a razão da escolha dos padrinhos da criança. Eles  eram  dois irmãos de Josephina: Cecílio Jose de Souza e Maria José de Lima, a vó Mariquinha. Se hoje a questão de ser "mãe solteira" é absorvida sem grandes problemas pela sociedade, naquela época devia sido um choque para a família.

Certidão de nascimento de José Ayres de Lima, filho de Josephina, 1896.
E aos 31 anos ela foi mãe novamente de Maria, batizada Maria Josephina de Lima na Capela Nossa Senhora dos Remédios, em Caxambu, sendo os padrinhos: Venceslau Apolinário de Miranda e a cunhada Salviana Maria da Conceição (que era irmã  de Sabina Maria da Conceição) e esposa de seu irmão Cecílio Ayres de Lima, ele que ja tinha sido padrinho anteriormente de seu filho João .

Certidão de nascimento de Maria Ayres de Lima, filha de Josephina, 1901.
Ela morava no bairro Trançador, em terras doadas pela sua madrinha com seus dois filhos, João  e Maria. Mas um dia o destino veio bater por duas vezes à sua porta. Em 17 de novembro de 1918 faleceu de gripe sua filha Maria, aos 16 anos.

Certidão de óbito da filha de Josephina, Maria  Josephina de Lima

Josephina continuou morando na casa no alto do bairro com seu filho até que...

Os perigosos caminhos do Sertão

A história resgatada através de Sylvio Aires de Lima conta que o filho de Josephina também iniciou sua carreira profissional como "tropeiro" acompanhando o seu tio e padrinho Cecílio pelos caminhos de Minas, uma profissão não sem riscos e perigos.

Era conhecido que os chefes de tropeiros, para aumentar os seus lucros, evitavam os caminhos oficiais, onde eram cobrados impostos, pedágios, taxas de suas mercadorias. Os caminhos paralelos não indicavam que a honestidade reinava entre eles. Os tropeiros não só levavam mercadorias, mas também contrabandeavam ouro em pó, nos cabos de relhos, nas selas ou escondidos entre suas "tralhas". Não era de se esperar que as tropas passassem por esses caminhos incólumes.


"Nos idos de 1.700, o temor entre os comerciantes que transitavam pela Estrada Real era tão grande - diante das notícias de perigo e incertezas do roteiro - que muitos já deixavam prontos os seus testamentos antes de cada viagem. Cruzar a rota do ouro e dos diamantes era uma verdadeira aventura no século XVIII. Homicídios, roubos e contrabandos eram frequentes. Embora as ações dos salteadores e bandoleiros, na maioria das vezes reprimidas, nem sempre as autoridades tiveram sucesso.

O palco da violência não se limitou às estradas, alcançando também os sertões e as serras. E em menor escala as vilas. Uma forma usada pelos senhores para se protegerem era a companhia de negros, sempre armados e cachorros. A maior parte dos ataques acontecia à noite. Ninguém era poupado, fosse mulher, criança ou idoso." (1)

As quadrinhas de Minas na época do ouro eram bem organizadas. Nos caminhos da serra da Mantiqueira atuou uma delas 3 anos, chefiada pelo chamado "Montanha". O grupo tinha a estratégia de matar os policiais para roubar as fardas que eram usados como disfarces de verdadeiros soldados para roubar os tropeiros. Foi desmantelada em 1786 pelo militar Tiradentes.

Outra quadrinha denominada "Mão de Luva", atuava entre o Rio de Janeiro e Minas Gerais. Recebeu este nome pois o chefe usava luva. Eram contrabandistas, considerados perigosos pelas autoridades. Comercializavam  ouro, e estavam prontos para matar quem os atacassem. O grupo foi desarticulado pelas tropas do governo de Minas.

A quadrinha dos "Vira-Saia" tinha como fama seus integrantes serem extremamente perversos. As tropas do governo tiveram dificuldade de desarticular o bando que "teriam um pacto com o diabo". O bando se desfez no início do século 19 e acredita-se que tenham migrado para Bahia.

O grupo do "Sete Orelhas" era chefiado por Januário Garcia Leal, que foi assim apelidado, por portar um colar  com sete orelhas humanas, arrancadas dos homens que mataram seu irmão. A quadrinha aterrorizou Minas Gerais, no final do século 18 e não era tão organizada como as demais, mas usava as mesmas formas perversas de matar. Os seus integrantes se dispersaram pelo sertão afora sem que pudessem mais serem avistados.

Perigo de ser assaltado nas estradas era real e quase dois séculos depois não era menor. E foi o que aconteceu. Numa dessas jornadas ao acompanhar  uma boiada para a cidade de Cruzeiro, a tropa foi assaltada e João  o filho de Josephina foi morto. Conta Sylvio que ele foi morto juntamente com o seu tio e padrinho, Cecílio que o introduziu na vida de tropeiro. Infelizmente não temos  ainda data nem certidões para comprovar o fato, mas estamos ainda nas pesquisas.

Josephina  acometida de uma severa depressão, após a perda do filho, se refugiou em  sua casa e lá faleceu sozinha (em data desconhecida até agora), pois se recusava ter uma companhia.

E Sylvio Aires de Lima conta a sua versão da história... 



E continuando...



E o araticum ficou na lembrança

A nossa biblioteca familiar Celia Ayres de Lima, a filha caçula de Gervásia e José Trançador, lembra com carinho da tia que sempre que a visitava. Ela sentava na escada da varanda de  sua casa,  na Rua Quintino Bocaiúva, e abria um embornal cheias de frutas de araticum que presenteava à sobrinha. Assim foi.

Fonte:  

Jornal "O Patriota".
Gravura:Uniforme dos soldados da Cavalaria, 1730, Aquarela, Walter Rodrigues.
Ouro e Minas, 300 anos de história.

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