quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Ruth de Lima Patricio, a enfermeira do Hospital Matarazzo


Ruth de Lima Patricio, em sua residência no Bairro do Trancador, em Caxambu
Fotografada por Graça Pereira da Silveira, 2016
Contar a história de Ruth Lima Patricio é contar a história de muitas vidas. Em maio de 2016 Ruth recebeu em sua casa, em Caxambu, Maria das Graças Pereira  Silveira, nossa enviada especial para realizar as entrevistas que tem nos dado muita alegria. Assim Ruth compartilhou conosco sua história pessoal, muito pessoal.

Os antepassados de Ruth, seus avós, bisavós, tataravós...

Os mais antigos ancestrais conhecidos até agora da Familia Ayres de Lima/Rodrigues de Freitas são seus tataravós,  João José de Lima e Silva  (1798-1875) e Joana Thereza Ribeiro (1807-1860), encontrados no Sensu da cidade de Pouco Alto, feito pela Província de Minas Gerais, no ano de 1838. Este documento nos foi enviado por cortesia pelo Arquivo Público Mineiro. Lá podemos ver os filhos do casal, Virgolina Balbina de Lima (1833-?), José Ignacio de Lima (1835-?), Thereza Ribeiro de Lima (1837-?) e quatro escravos: Adão, Vicente, Benedicto, Salustiana, José. No registro ainda não constavam, Rufino de Lima (1853-?) José de Lima (?-?), adotado e... Maria Ribeiro de Sousa Lima (1841-1903), sua bisavó que ainda não havia nascido até esta data. (foto)



Seus bisavós maternos de eram José Fernandes de Lima, (1835-1897) o Trançador-pai  e Maria Ribeiro de Souza Lima (1841-1903) e que foram pais de:

1- Emiliana de Lima (1861-1910), 
2- Manoel José de Lima (1866-1908), seu avo, Sebastiana de Lima (1869-1911),
3- Josephina Ayres de Lima (1869-?)
4- José Ayres de Lima, o Trançador-filho (1873-1843), que se casou com a vó Gervásia Maria da Conceição (1876-?),
5- Cecílio José de Lima (1876-1914),
6- Maria Ayres da Silva, a Mariinha (1879-?),
7- Maria José de Lima, a Mariquinha (1882-1946),
8- Roza Ayres de Lima (1882-1895),
9- Anna Ayres de Lima, a Lica (1883-?), 
10- Izabel Ayres de Lima (1885-?).

Seus avós pelo lado materno, Manoel José de Lima (1866-1908) casou-se com Elisa  Candida de Jesus (1861-1906) e tiveram 3 filhos: São eles:

1- Maria Elisa Lima (1897-1938),
2- João de Deus (1902-1991),
3-Sebastiana de Lima (1904-1957).

Portanto Ruth é bisneta de José Fernandes Ayres, o Trançador-pai, ou velho, como eles o chamavam na época, que deu nome ao Bairro Trançador, na cidade de Caxambu. O lado paterno de Ruth Lima Patricio não foi por nós ainda pesquisado.

A mãe de Ruth: 14, 41, 13, os números do seu destino

Maria Elisa Ayres Lima, (1897-1938)
Estes parecem o números coincidentes, mas eles governaram a vida de sua mãe  Maria Elisa de Lima  como se fossem os números do seu destino. Ela e casou muito jovem com José Pedro Patrício, aos 14 anos de idade e até 41 anos de idade, trouxe  ao mundo 13 filhos. 

A história de sua mãe  tem um grande paralelo com a vida dos avós Manoel, aqui biografado e Elisa que faleceram muito jovens deixando 3 filhos pequenos: a mãe Maria Elisa Lima, o tio João de Deus,  também biografado  e  a tia Sebastiana de Lima.

A família se mudou de Caxambu, quando a primeira filha, a Julieta ainda era pequena. O pai, exercia profissão de pedreiro e foi trabalhar em outras cidades levando os filhos junto.  Assim eles nasceram em diferentes lugares como Campanha, Itanhandu, Itajubá, Campos do Jordão. São  eles:

1-  Julieta  Lima Patricio (1913-1995),
2-  Rui de Lima Patrício (?-?),
3-  Rubens de Lima Patricio (?-?),
4- Rupércio Patricio (?-?),
5- Fernando Patricio (?-?),
6- Maria José de Lima (?-?),
7- Edith Lima Patrício (?-?)
8- Ruth de Lima Patrício (1935-).
Os outros 5 quatro irmãos não temos registros.

No dia de natal do ano de 1938, sua mãe deixa a terra prematuramente. Um fulminante ataque de coração. Fotografada para a eternidade não em vida, mas em morte como era costume da época, sua filha guardou registro como uma relíquia. É a lembrança da mãe querida. Nesse dia não teve presente, nem árvore de natal que consolasse a pequena Ruth, que tinha apenas 3 anos de idade, e nem os outros 12 irmãos.

Um dia ali, outro acolá

Por determinação do Juizado de Menores, as crianças foram levadas para serem  criadas em diferentes abrigos infantis. Ruth foi parar na cidade de Pindamonhangaba, e posteriormente,   enviada para o Abrigo da Divina Providencia, sob a direção de Dona Severina, na Rua da Mooca, 113, em São Paulo (façam uma visita virtual), juntamente com Rui. Disse ela que Dona Severina era severa, mas tinha bom coração. Ao completar 10 anos teve autorização para se mudarem para a casa de sua irmã  Julieta, que na época tinha 25 anos de idade. Julieta praticamente abrigou outros irmãos, além dos "de criação". Assim era. Feliz das duas irmãs Ruth e Julieta que conseguiram permanecer unidas e foram para São  Paulo e encontraram um lugar para trabalhar  no Hospital Matarazzo. E... Senta que lá vem história!

Hospital Matarazzo: Saúde dos ricos para os pobres

Cartaz chamando para a quermesse para
arrecadar fundos para  o Hospital

A história do Hospital Matarazzo tem início em 1878, quando da chegada das levas de imigrantes italianos ao Brasil. Os Matarazzos foram um dos que fizeram fortuna como as família dos Pignatari, Gamba, Falchi. Unidos criaram associações para dar apoio aos italianos e suas famílias que no Brasil labutaram com a esperança de uma vida nova. Os mais ricos se engajaram para melhorar as condições de saúde dos mais necessitados e assim fundaram a Società Italiana di Beneficente.

Eles tinham por filosofia construir um hospital de qualidade e voltado para o atendimento dos imigrantes italianos e seus descendentes com o lema: "Que o dinheiro dos ricos se reverta para a saúde dos pobres". O Conde Francisco Matarazzo foi um dos quem mais se engajou  no projeto, que no futuro iria se tornar um grande  complexo hospitalar da cidade de São Paulo e do país.  Não somente ele, mas também sua esposa, a Condessa Filomena se empenhou no projeto e pessoalmente na construção da maternidade que levou o seu nome.

Em 1881, a Society adquiriu um terreno para a construção do prédio, no Bairro Bexiga, onde residia a população menos favorecida da cidade, os imigrantes e os negros. Em 1904, foi inaugurada o prédio nomeado de Humberto I.  E não podemos negar que foi um grande acontecimento para a cidade de São  Paulo, devido ao números de Fords Bigode estacionados em frente ao prédio (foto).  A comunidade de italianos era muito unida e empreendedora e continuaram organizando festas beneficentes para arrecadar fundos, além de receberem contribuições em dinheiro. Sendo assim o hospital se transformou num complexo hospitalar ao longo do século XX com novas alas e serviços, tornando-se assim referencia no atendimento à saúde dos paulistanos.

Inauguração do Hospital Matarazzo em 1904



Ruth Lima Patrício, enfermeira auxiliar na festa de
 Natal dos funcionários do Hospital Matarazzo, São  Paul0


Melhor da America Latina!

Na década de 70, o hospital foi considerado um excelente espaço de formação de novos profissionais da saúde. A maternidade era vista como a melhor da América Latina! Destaca-se que entre os seus funcionários, uma parteira oficial dos Matarazzos, que, a partir de então passou a fazer ali os partos dos filhos, sobrinhos netos do Conde Francisco. O hospital tinha mais fama que o Hospital das Clínicas, sendo o primeiro a abrigar um banco de sangue do Estado.

E neste hospital cheio de histórias encontramos as duas irmãs: Ruth e Julieta. Julieta começou a trabalhar, em 1951, como copeira e Ruth, em 1957, nos serviços gerais,  pois não havia como hoje, divisão de trabalho. Elas começaram do nada, conta. Na ausência de algum funcionário ela ajudava onde era necessário.  Sendo  assim as Irmãs que administravam o hospital, iam selecionando as candidatas de acordo com o seu "talento" para os diversos serviços. Ruth foi trabalhar como enfermeira-auxiliar, na maternidade trocando fraudas dos recém-nascidos, dando mamadeiras... Ela conta que também trabalhou poucos dias como enfermeira substituta, na casa de Maria Pia Matarazzo, (foto abaixo) a filha do Conde...


O clima de trabalho era bom e elas tinham boas colegas. Elas moraram em diversos lugares, na 9 de Julho, na Rua Santo Antonio, no Bairro Bela Vista, em quartos alugados, pois assim como hoje os aluguéis na capital paulista eram muito caros. Para aqueles que quiserem fazer uma curta viagem à Sao Paulo, a Rua Santo Antonio, no Bairro Bela Vista, 20 minutos a pé do serviço de Ruth, não precisa comprar passagem é só clicar aqui: Rua Santo Antonio. Uma única casa lembra ainda a década de 50, quando essas elas passaram a caminho do hospital.

São   Paulo acorda

Mas mesmo depois de tanta história é quase impossível acreditar que, em 1993, as atividades hospitalares tenham sido encerradas. A administração dependia de doações e também das contingências político-econômicas e foi impossível sobreviver as crises. Abandonado serviu de... estacionamento. De vez enquanto do local ouvia-se suspiros de vida e eventos eram realizados como por exemplo a Casa Cor.

Mais surpreendente ainda é que os descendes dos Matarazzos não conseguiram dar continuidade a grande obra de seus antepassados. O mais proeminente deles, várias vezes eleito pelo Partido dos Trabalhadores  como vereador, deputado estadual, federal, senador pelo Estado de São o Paulo, Eduardo Matarazzo Suplicy, bisneto do Conde de Matarazzo não conseguiu evitar que o hospital entrasse  em falência financeira, e pior ainda, a sua quase total demolição.

Mas  um dia os  cidadãos paulistanos acordaram de um pesadelo e ocuparam o prédio do hospital  para salvá-lo das garras dos empresários, que queriam transformar o complexo histórico em shopping center. Felizmente e infelizmente. Agora tombado pelo Patrimônio Histórico, e assim com um novo ser, parido em sua maternidade, será transformado em espaço cultural, felizmente. Infelizmente, porque se fechou um hospital. A  foto do patriarca, que ainda continuou pendurada na parede do hospital, foi testemunha do descaso com o seu legado. O que diria hoje o velho Matarazzo sobre tudo isso?

Memoria? Ou a falta dela?

São Paulo a terra do trabalho, mas quem celebra são os patrões.  Eles são sempre homenageados, sempre. A Francisco Matarazzo foi dado nome a avenida, no bairro Água Branca e na Praça Sousa Aranha ha uma estatua de bronze dele. E para os que ajudaram a construir seu império? Nenhuma lembrança. Outros nomes de homens públicos, políticos estão espalhados pelas ruas das cidades em monumentos ou bustos. Ah sim! Lembraram dos trabalhadores. A via Leste, denominada "Rodovia dos Trabalhadores" foi inaugurada, em 1982, e...  rebatizada como Ayrton Sena, após o seu falecimento, em 1994. Houve promessas de construir um Museu do Trabalhador, mas até hoje não saiu do papel. Então com licença senhores estamos aqui recuperando as histórias pessoais dos quem bravamente contribuíram para o crescimento de São  Paulo e do Brasil.

De volta às origens, de volta ao Bairro Trançador

Rupercio de Lima Patrício com
 filhos José Paulo e Izaura
Julieta contava sempre que tinha família em Caxambu. Ruth não tinha a mínima idéia onde era.  Um dia, trabalhado como diarista, um senhor indicou-a "um lugarzinho para descansar". Era a cidade de Caxambu. Em 1974, resolveram empreender uma visita à cidade e procurar um tio que supunham ainda estar vivo. Elas se hospedaram na antiga pensão Nha Chica e saíram a sua procura.  E encontraram! O tio João de Deus, aqui já biografado, funcionário do Parque das Águas, lembra? Que felicidade. Separados  ha quase meio século pelo destino, agora se reencontraram no Bairro Trançador, local onde dos seus antepassados fundaram suas famílias e viveram.

E felizes pelo reencontro, voltaram para São  Paulo, quando tiveram notícia que vizinho ao tio havia uma casa à venda. Logo as economias foram mobilizadas para a compra do imóvel.

O destino as colocou de volta à cidade dos seus, pais, avós e bisavós. No ano 1987, já aposentadas, Julieta com 27 anos, Ruth com 30 anos de trabalho, vieram definitivamente de mudança para Caxambu. Ruth quando adolescente foi morar com Julieta, agora Julieta veio morar com ela. Rupércio, falecido, ainda temos um registro. Ele visitou a irmã  e deixou uma foto de recordação justamente como seus filhos José Paulo e Izaura.

No ano 1980, morou na casa também o Rubens junto com as irmãs, voltando posteriormente para São Paulo. Ruth e Julieta, que casou-se em idade avançada,  permaneceram sem descendentes. Julieta faleceu, em 1995, aos 81 anos, de problemas cardíacos. Ruth ficou para nos contar a sua, a nossa história.

Julieta Ayres de Lima, Hospital Matarazzo,
primeira à esquerda e suas colegas de trabalho.
Agradecimentos:

Agradecimentos especiais pelo emrenho de Maria das Graças Pereira Silveira e seu marido Vander  Silveira, pelo trabalho de resgate de memória de nossa família atravéz da história oral, bem como Maria de Lurdes de Deus, Neusa Santos, que nos ajudaram a trazer novos fatos à luz da história. Para os nossos antepassados, para os nossos filhos, netos, bisnetos...

Fonte:
Rodrigues, Jaime. O museu inexistente, 2011
Fotos:
Do arquivo pessoal de Ruth Lupércio de Lima.

2 comentários:

  1. Como sempre, história rica e bem contada. Vidas que importam e ficam registradas.

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  2. Como sempre, história rica e bem contada. Todas vidas importam e deixam seu legado, aqui registrados.

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