quarta-feira, 15 de maio de 2024

A incrível vida do louro e atlético Pierre Borday/ Melhor ator dramático do Hemisfério Sul de 1954, que nasceu em Caxambu?




Quando comecei a escrever o texto, sobre o ator Pierre Borday, baseado nas informações contidas no artigo de David Nasser da revista O cruzeiro, não sabia o que me esperava. A citação que um caxambuense de nascimento tenha feito carreira artística nos EUA, voltando ao Brasil para rever e representar na sua terra natal, me conduziu a... a... escarafunchar a história. Guardadas muitas notas e fotos nos meus arquivos, a cada enxadada, como diria a minha prima Graça Silveira, achava uma minhoca. E que minhocas!

O pai Elias (Saliba) Argel Salameh

Segundo David Nasser, entre os guerrilheiros árabes mais destacados na guerra da Jordânia era o ex-revolucionário de 1930 no Brasil, Elias (Saliba) Argel Salameh, nascido na Jordânia, casado com Souraya Tarsha. Elias viveu alguns meses em Caxambu, como sócio do Bechara Curi e arrendatário da chácara de Demétrio Jamal, na represa do Jacaré. Trabalhou em Aiuruoca e lutou ao lado das tropas mineiras no túnel de Passa Quatro, na revolução constitucionalista de 1930, que São Paulo organizou contra o governo de Getúlio Vargas (1930-1945). Posteriormente Elias mudou-se para o Rio de Janeiro e foi ser comerciante de jóias. Retornou em 1936 para sua terra natal, o Líbano, "pobre como chegara à Palestina". Mas parece que de negócios ele entendia, pois "conseguiu vários contratos de obras de engenharia, montou casa de acessórios de automóveis e a guerra o enriqueceu".(1)

O louro e atlético ator Pierre Borday/Uma opinião sincera sobre a mulher brasileira

Esses personagens de aparição um tanto efêmera para a história de Caxambu vieram com a leva de imigrantes que compunham o universo de cidadãos sírios e libaneses, alguns se foram, como a família Salameh, mas muitos ficaram, como os proprietários da Casa Oriental, da Casa Armênia...

Jornal da Semana, 
1953, onde é citado
Caxambu como a 
cidade de nascimento
de Borday
Muitas das informações deste texto foram baseadas nas informações do primo David Nasser, que tinha a fama de exagerar nas tintas das reportagens que produzia juntamente com o fotógrafo Jean Mason. Nasser também morou em Caxambu até os 12 anos de idade e estudou no Colégio Padre Correia de Almeida. Essa é verdade verdadeira.

Segundo Nasser, Borday teria nascido em Caxambu e vivido até seus seis anos na cidade. E dentre tantas dúvidas do local de seu nascimento, e pesquisado nos arquivos paroquiais, nada foi encontrado, talvez porque fosse de outra confissão religiosa, bem como nos registros de nascimentos. Seria mais uma invenção do primo David Nasser? Temos sim o documento que ele entrou no Brasil, em 1956, um passaporte libanês, onde consta que ele nasceu em Haifa, Palestina em 29 de fevereiro de 1929 (foto ao alto). Curiosamente, Borday, numa entrevista de 1953 para o jornal Correio Paulistano, confirma sua cidadania brasileira, quando perguntado sobre o que achava sobre a mulher brasileira: - "Minhas patrícias (naturalmente sou brasileiro) são as mais atrativas deste mundo. As mais elegantes. É uma opinião sincera." 

Pierre Borday, segundo Nasser, foi levado de volta para o Líbano pelo pai, onde cresceu e se tornou lutador de boxe, profissão que ainda constava no seu documento de entrada no Brasil, em 1956 (foto ao alto). Declarado no seu passaporte estava pugilista em vez de ator. Como pugilista defendeu o Líbano e o Egito, obtendo títulos para os dois países na categoria peso leve e já usava o nome de Pierre, acrescentando o Borday. Então veio a guerra da Palestina. 

Os países  entraram em confronto militar. Pedro, que estava na idade de se alistar, teve que interromper seus estudos de medicina na Universidade Americana de Beirute, assim escrevia Nasser,  e lutar pela integridade  do Líbano e da Síria. Com a tomada de Haiffa pelos sionistas, Elias e o filho "embrenharam-se nas montanhas comandando uma grupo de 200 voluntários, espalhando terror e a morte entre os ocupantes".(1) Ao terminar a guerra, ele voltou para a faculdade para concluir seus estudos de medicina e, posteriormente, foi fazer aperfeiçoamento em Paris. Lá teve contato com o teatro e se tornou pupilo de Louis Jouvet durante quatro anos. Após a morte de Jouvet, em 1951, imigrou para os Estados Unidos. Aqui na cronologia da nossa história, temos que fazer uma pausa para respirar, ou melhor duas pausas...

Borday, em entrevista ao jornal Correio Paulistano de 1954, num artigo intitulado "O melhor ator da língua Árabe", contraria as  informações do primo Nasser ao afirmar que ele teria estudado três anos na Academia Dramática de Beirut, e não de medicina, tendo lá ganho o primeiro prêmio. Tinha vontade de ampliar seus horizontes como ator, e mudou-se para Paris. No artigo em questão é citado novamente a sua cidade de nascimento: Caxambu.

Ainda nos currículos enviados aos jornais brasileiros, quando esteve no Brasil, dizia Borday que teria atuado em Paris, na segunda versão da peca Le Diable et le bon Dieu, O diabo e o bom Deus, um drama escrito por Jean Paul Sartre, juntamente com ator e diretor de teatro Louis Jouvet. Ora, ora. A peça estreou em Paris, em 7 de junho, e Jouvet faleceu em 16 de  agosto de 1951, portanto não houve "segunda versão". O protagonista havia falecido um mês após a estreia da peça  em Paris. Assim já se turbinavam os currículos.

De fato, Borday entra nos Estados Unidos em 10 de outubro de 1951, para participar de campeonatos de luta de boxe amador, assim estava em seu visto de passaporte. Sua carreira profissional como pugilista na América é desconhecida, mas a de ator não. Sua vocação era mesmo para a arte de representar.

Casou-se em Nova York, em 1951 com Leona Farran (1932-2023) e, em dezembro de 1952, chega ao Brasil para atuar na peça escrita por Pedro Bloch, As mãos de Eurídice, a convite de Mauricio Schwartz, quando numa oportunidade, se encontraram em Nova York. A peça teve estreia em janeiro de 1953, no Rio de Janeiro.

Assim conta o primo David Nasser na revista O Cruzeiro: "Sua pátria o atraia. Queria rever seus patrícios duas vezes: os árabes-brasileiros, os descendentes de sirios-libaneses". Problemático e que ele não falava português, para fazer uma carreira no Brasil, e assim traduziram a peça  para o árabe, que foi apresentada para a comunidade sírio-libanesa. A peça teve como diretor o professor George Efeiche com cenários de libaneses de Darcy Evangelista. A tradução foi supervisionada pelo ministro Omar Abou Richeh considerado o maior poeta do Oriente. Borday faria uma tournée pela América latina, passando por São  Paulo, Montevidéu, Buenos Aires, Santiago. A tournée, segundo a imprensa, durou 3 anos. A intenção era que o trabalho fosse apresentado  nos países orientais, o que aconteceu no teatro de Kuwait, em 1954. Antes fez diversas apresentações nos espaços culturais das comunidades sírio-libanesas do Rio janeiro e São Paulo. Em 26 junho de 1953, os porto-alegrenses viram As mãos de Eurídice no Teatro São Pedro, uma apresentação financiada pelo jornal da colônia libanesa, O Vigilante e seu produtor Charles Mansur.

Nos EUA As mãos de Eurídice foi apresentado no Widdi Catering, antigo Center Theater, originalmente chamado de Palace Theatre, inaugurado em 1914 e renomeado em 1930. Está localizado na 56th Street, em Sunset Par; no bairro de Brooklyn, Nova York. O local que estava em péssimo estado de conservação, quando Subhi Widdi o adquiriu, em 1985  nos anos 1960, e o transformou em restaurante e local de eventos de toda sorte, que até hoje esta nas mãos da família.
 
As mãos de Eurídice

O monólogo narra as desventuras do escritor Gumercindo Tavares que decide abandonar a família e fugir com Eurídice, uma jovem bela e ambiciosa. Os dois vão para Mar del Plata, na Argentina. Ele a cobre de joias e presentes caros, e ela, por sua vez, torra a fortuna do amante em cassinos, acabando por levá-lo à ruína financeira. Para reverter a situação, Gumercindo propõe vender as joias, mas Eurídice não aceita. Após sete anos, Gumercindo retorna arrependido à sua família. Mas ela já não é a mesma: a esposa tem outro, a filha casou, e o filho havia morrido por causa da tuberculose. Nesse meio tempo, Eurídice reaparece e, novamente, o escritor pede-lhe as joias de volta. Como ela recusa-se a devolvê-las, Gumercindo a mata. (Wikipédia)

Tempos perdidos/Vi, li e ouvi

Sua estada no Brasil teve duração de dois anos. Ele ficou hospedado na casa de seu primo David Nasser, na Tijuca, Rio de Janeiro, endereço dado ao entrar no Brasil, quando das suas apresentações na cidade. Em vários artigos citados nos jornais da época, havia promessas de trabalho no Brasil para teatro e cinema, por exemplo, ter sido convidado para trabalhar na Rangel Filmes Ltda, em 1952; para a adaptação da peça para o cinema Tempos Perdidos, tendo como papel principal Borday a atuar em filme na antiga Vera Cruz e Kino Filmes. Segundo o noticiário ele iniciaria, em setembro de 1953, um filme sobre boxe, com direção do próprio Pierre Borday, tendo Palmezani Filho como assistente, e interpretado por Riva Nimitz, Marco Granado, Viriato Augusto e Lia Cortese. Não achamos nenhuma continuidade dos tais projetos artísticos depois de sua partida para Nova York, em dezembro de 1954. Foram... tempos perdidos? 

Em janeiro de 1955, envia ao Correio Paulistano um cartão de felicitações de Ano Novo. Na lista das congratulações de Nova York, também se encontrava o teatrólogo Augusto Boal. Em 20 de janeiro de 1955 foi a última vez que se noticiava a presença do ator na imprensa brasileira com o seu texto Vi, li e ouvi, publicado no Correio Paulistano, noticiando que a música de "O cangaceiro" "Muié Rendera" fazia sucesso em Johnson's Brothers.

New York! New York!

Escarafunchando os arquivos do Carnegie Hall, encontramos as datas de 11 e 25 de novembro de 1956 na lista de apresentações como "One man show", no Recital Hall, promovido pelo Fellows of Odessa, uma associação beneficente financiada pelos imigrantes judeus de Odessa, Ucrânia, em Nova York. 

Segundo as informações dadas aos jornais da época, ele teria realizado curso de direção e produção  na Profissional Theatre Wings, sob a orientação de James Walch; fez teatro e televisão, com passagens pelo Carnegie Hall, como artista convidado. Por característica de ator dramático, foi eleito o Best Dramatic Actor do Hemisfério Sul, em 1954. Aqui fazemos uma terceira pausa para respirar e perguntar. O título foi concedido nos EUA por sua atuação na América do Sul, com a peça  As mãos de Enrídice? Porque nesta data ele ainda estava atuando abaixo da linha do equador, isto é, no circuito Rio, São Paulo e Porto Alegre.

Em 1958 atuou no Arts Festival, Rhode Island, Nova York, e em julho, novamente no Carnegie Hall. Esteve em cartaz seis meses consecutivos no 54th St. Theatre Broadway. Na ocasião tinha sua própria serie de TV, em Nova York, "601 Park Ave". Conhecido e respeitado em sua terra, foi aclamado no Starco Theatre de Beirute e no National Theatre na Syria, aparecendo em 80 produções locais. Retornou para os Estados Unidos para atuar no filme Not for love

O seu trabalho como artista pode ser visto no filme libanês Broken Wings (1964), em que ele interpreta a trágica vida do poeta Khalil Gibran. As cópias do filme foram dadas como perdidas e achadas em uma igreja abandonada, em Beirute. O filme voltou a vida, ou melhor, à cena. Depois de encerrada a sua carreira artística, Borday, abriu um restaurante de comida libanesa em Rhode Island. Faleceu na cidade de Dade, Flórida, USA, em 29 de fevereiro de 1996.
E ainda continuamos a perguntar: Teria ele nascido mesmo em Caxambu?

 Atuação no Brasil na peça As mãos de Eurídice, de Pedro Bloch

Nota: Muitas das informações  transcritas aqui  foram retiradas de textos de David Nasser, principalmente esta de Pierre Borday ter nascido em Caxambu.  Nelson Rodrigues colega do escritor David Nasser assim o definia:

"O que sei é que sua técnica de repórter tem tal eficiência, que os maiores absurdos passam a adquirir uma tremenda veracidade e o leitor acredita piamente em tudo. Quer dizer, a fantasia, se existe, não aparece como tal. E vem daí, talvez, o motivo de maior de sua popularidade de repórter." Mauro Dias: David Nasser, o repórter que inventava a notícia, copyright O Estado de São Paulo, 4/11/01

Fotos:
NYC Tax Photo Collection, 1939-41
Internet
Fonte: 
Carnegie Hall Rose Archives
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Jornal do Brasil (RJ) - 1950-1959
(1) Palestina Árabe - Paz na terra de Jesus Cristo. O Cruzeiro, 1948 por David Nasser. 
Porque o Rei Abdullha não morreu na cama. O Cruzerio - 1928 a 1985
Agradecimentos: a Julio Jeha, sempre

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