terça-feira, 24 de maio de 2016

João de Deus, 40 anos dedicados às águas milagrosas


Carteira de trabalho de João  de Deus de 1927
A primeira surpresa que um documento nos trouxe: Na carteira de trabalho o nome do pai de João  de Deus "Manoel Fernandes". Ha muito o sobrenome "Fernandes" tinha desaparecido dos sobrenomes registrados da família e ao depararmos com a carteira de trabalho de nosso biografado, emoção pura: Ele de fato existiu! Assim como o nome do pai, José Fernandes Ayres, o Trançador-pai, às vezes nos registros assinado "Silva" e que também que desapareceu dos registros. Era comum ao gosto dos que faziam as anotações tanto eclesiais, cartórios ou escrivães escrever o que lhes era ditado , não raro com vocábulos diferentes. Mas não importa. Hoje vamos recuperar a história pessoal de João  de Deus.

Monsenhor José  João de Deus



Não, não,  o nosso João não  era religioso nem Monsenhor! José João de Deus (?-1946) foi o primeiro pároco da cidade de Caxambu empossado em 1 de janeiro de 1906, fundador da Santa de Caridade São  Vicente de Paulo, a Santa Casa, em 1926  e foi quem inspirou o pai a dar o nome ao batizado. Então José João de Deus batizou João de Deus. Bom lembrar que o Monsenhor celebrou ainda nas famílias Ayres e Rodrigues Freitas outros batismos, casamentos e assinou certidão  de óbito  de outros nossos familiares.

Os pais e os pais adotivos

Bem, o nosso João de Deus era filho de Manoel Fernandes de Lima e Elisa/Candida de Jesus, nascido em 8 de março de 1902 e batizado em 5 de abril pelos padrinhos Bonifácio José da Silva e... Thereza Constestina Soler, aqui a primeira esposa de Salvador Soler, que depois de viúvo, casou-se novamente com Mercedes Lima/Soler, filha de Gervásia Maria Ayres e José Ayres de Lima, o Trançador-filho.

João ficou órfão de pai e mãe muito cedo. Primeiro falece sua mãe em conseqüência de uma lesão cardíaca, e dois anos mais tarde perde também o seu pai, que faleceu em 25 de abril de 1908, às 5 horas da tarde, provavelmente doente a dias, pois chegou a ser "confessado e encomendado" por Monsenhor José João de Deus.

Na data  em que seus pais faleceram ele e suas irmãs eram ainda muito pequenos. Maria Elisa (1897-?), com 9 anos, João  de Deus (1902-1991) com 4 e Sebastiana de Lima (1904-1957) com 2 anos.  A solução foi a solidariedade da Família Ramiro de Freitas e da tia Mariquinha  que acabou acolhendo o pequeno João. O fato é que João  cresceu na família do "onde come um, come... 12, ele era o número 12°. O destino de suas duas outras irmãs ainda esta para ser pesquisado.

Piadinhas ácidas

Então descobri quem foi o autor das "piadinhas ácidas". Em conversas com tia Célia, a nossa biblioteca familiar, fazendo pesquisas sobre a vó Mariquinha e sua família, relatou ela que sempre via o tio Ramiro passar na rua com tábuas provenientes do engarrafamento, que a Empresa doava para os funcionários para serem utilizadas como lenha e que o passante contava de quando em vez umas "piadinhas ácidas".  Na verdade a tia acreditava que o passante fosse o tio Ramiro até descobrirmos que era João  de Deus, o sobrinho adotado por vó Mariquinha. Ah, o quão ácidas  eram as piadinhas eu não cheguei a perguntar...

Os avós e bisavós

Os seus bisavós pelo lado paterno, João  José de Lima e Silva e Joanna Thereza de Lima, achados num documento inédito, abaixo, vieram procedentes da cidade de Pouso Alto, onde foram cadastrados no sensu de 1839. De lá eles  se mudaram para a região do Chapeo em Baependi. Sua avó Maria de Souza Lima, que casaria com José Fernandes Ayres, Trancador pai, até esta data não havia nascido.



Em ambos os lados dos antepassados de João  de Deus, segundo relatou Maria Lourdes de Deus, sua filha, eram escravos. Sua avó Elisa era descendente de escravos, pelo lado paterno, nasceu em 1861, quando a escravidão ainda não havia sido abolida. Nesta data também ela não poderia ter sido beneficiada pela pelo lei do Ventre livre do ano de 1871.

Águas Virtuosas

Mas antes prosseguir com a biografia de João de Deus, vamos contar um pouco sobre a cidade e do lugar onde ele trabalhou por mais de 40 anos...

No ano de 1903  Caxambu foi elevada à categoria de cidade de vila, separando-se de Baependi da qual sua administração estava ligada e em 1915 adquiriu seu "status" de cidade. Muitas mudanças ocorreram na cidade, que agora deixava de ser chamada de "Águas Virtuosas", para adquirir sua verdadeira identidade como Estancia de Águas Minerais: Caxambu. Seu nome já havia corrido mundo e ficou mais conhecida pela visita da Princesa Isabel ao local em 1868. Mas muito  antes de ser famosa, antes das águas serem engarrafadas para serem exportadas em caixas de madeira para todo o Brasil, o local onde é hoje  o Parque das Águas era pura lama, um pântano...  

Morféticos, dispépticos, reumáticos, loucos

Todos queriam banhar-se nas "águas milagrosas". O lugar era originalmente um  poço e lá se chegava através de um a picada na mata, onde foram colocados paus no qual se podiam apoiar e colher água, sem se afundar na lama. No local também acudiam os morféticos, dispépticos, reumáticos, papudos, cancerosos, cegos, loucos, loucos! que  se limitavam a beber da água milagrosa; a maior parte banhavam na lama seus membros cobertos de chagas. Com o tempo  morféticos se tornaram numerosos e começaram a afugentar os outros enfermos e em 1840 o juiz municipal ordenou a retirada  dos pobres coitados enxotando-os como  elementos perniciosos acampados na borda do Morro. 
Contam que os lázaros abandonaram o acampamento e  jogaram praga  condenando o lugar. E para afugentar-los definitivamente, atearam fogo nas choupanas, umas 40, e assim o acampamento foi purificado pelas chamas. Tal o trauma causado pelo incidente que somente em 1844 o local voltou a ser procurado. Contraditoriamente eles, os leprosos, contribuiriam para a propagação da qualidade das águas que curaram suas feridas. Agora todos queriam experimentar também o "milagre" e assim ascendeu a curiosidade atraindo doentes na esperança da cura também para seus males. Nasceram as "Águas Milagrosas".


A exploração comercial das águas porém foi iniciada em 1886 com contrato feito entre o governo da Província e particulares. Na época foram feitas várias obras para a captação das águas, bem como melhoramento da infra-estrutura para atender os "aquáticos", isto é a aqueles que faziam suas estações de água, na ainda pertencente à Baependi. De concessão em concessão, em 1904 a exploração e administração denominada Empresa das Águas volta para o Governo estadual.

O casório

João de Deus foi um dos seus trabalhadores e  teve a carteira de trabalho assinada em 10 de março  de 1927 no cargo de "operário", aos 25 anos de idade, ainda solteiro nesta data, com um salário de cinco mil oitocentos e seis cruzeiros. Mas não demorou muito o casamento aconteceu. Em 28 de julho, na agora Igreja Nossa Senhora dos Remédios,  ele se casa com Zilda Morais, tendo como testemunhas do enlace Antonio Bartholomeu Gonçalves e Joaquim Ferreira Leite, casado  com Etelvina Rodrigues Freitas (1898-?), a filha de Maria José de Lima, a Mariquinha.

Certidão de Casamento de João  de Deus e Zilda Moraes
Normalmente os casamentos eram  celebrados nos fins de semanas, mas  a cerimonia que se realizaria às pressas, foi um pedido de seu pai Guilherme, que também era funcionário da Empresa das Águas. Ele estava muito doente e solicitou adiantar a data, apressando o dia do casamento. Monsenhor José João de Deus, o mesmo pároco que fez o seu batismo e que lhe emprestou o nome, teve que acordar no dia muito cedo. A cerimonia foi feita às  às 6:30 numa fria da manhã de uma quarta feira  do mês de  julho de 1927. E quando na rua da Torrefação de Café, o cheiro do grão torrado subiu ao ar e os noivos ainda comiam bolo com os padrinhos de casamento, receberam a notícia de que seu pai havia falecido... Dona Filomena, a sogra, agora viúva foi morar com a nova família.


Da esquerda para direita ao alto: José João, Ana e Julio, abaixo da 
esquerda para direita: Maria de Lurdes, Francisco, Lucília.
Os romeiros 

E passado um ano de seu casamento nasce a 9 de julho de 1928, primeira filha, Maria Elisa, batizada po por Ramiro Rodrigues,  marido de vó Mariquinha em cuja casa ele foi criado. Em 10 de maio de 1930 nasce Alice, em 7 de fevereiro de 1932, José. Depois vieram José João de Deus, (1932-?), Joaquim de Lima,  (?-?) Francisco de Lima, (?-?) Ana de Lima/Morais, (?-?) Manoel de Lima, (?-?) Lucília de Lima, (?-?) Julio de Lima, (?-?) Maria de Lourdes de Deus, (1942-).

A família costumava fazer peregrinações à Aparecida do Norte, no mês de dezembro, quando das comemorações do aniversário da cidade e levar suas preces à nossa Senhora de Aparecida, a santa, cuja imagem apareceu na rede de pescadores no rio Paraíba do Sul, no ano de 1717. Neste dia os lambe-lambe tinham muito trabalho registrando para a eternidade os romeiros e suas famílias naquelas máquinas antigas. Obrigatória era a Basílica Velha, construída no ano de 1888 como paisagem de fundo.

No dia da foto, faltou o pai, João de Deus, pois a família não podia ir toda. É que na época todos tinham suas "a criações", isto é, porcos, galinhas. E como os romeiros saiam sábado e só voltavam na segunda à noite de trem, alguém tinha que ficar para cuidar deles. "Os bichos tinham que cumê ", relatou a filha Lurdes. Então o pai neste ano não saiu na foto e ficou para tratar da... Bicharada.

João  ficou viúvo  em 1947, quando Zilda  faleceu aos 60 anos de um derrame. Mas a solidão não  durou muito tempo  e depois de pouco tempo "ja estava firme"; e como na modernidade, permaneceram morando em casas separadas.


João trabalhou na Empresa das Águas por 30 anos, mas continuou lá ainda por mais 10 anos depois de aposentado. Muitos milhões de garrafas passaram pelo crivo de seus olhos. Ele controlava a máquina que colava os rótulos nas garrafas de diferentes tamanhos. Na baixa temporada ajudava os jardineiros a embelezar o Parque.  Ao todo 40 anos dedicados ao trabalho. João  faleceu em idade avançada, aos 89 anos de problemas cardíacos.
Assim foi.


Fonte: Henrique Monat, Caxambu
IBGE: Caxambu, Engenheiro Virgílio Correia Filho, 1940

Agradecimentos  muito especiais à Maria de Lurdes de Deus, filha de João  de Deus, que nos forneceu preciosas informações para a reconstrução da história da família, bem como os seus "tesouros", fotos e documentos guardados durante décadas que agora serão publicados aqui no Blog da Família Ayres.

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