sábado, 22 de julho de 2017

Dalva Monteiro, a princesa / A Radio Caxambu nos anos de 1960.



Dalva Monteiro, podia ser o nome artístico dela se tivesse feito do seu robby uma profissão: cantora. - Mas criatura, onde você aprendeu a cantar, perguntei eu. E Dalva respondeu: "-Não sei. Vivia cantando", respondeu ela. Era fã da cantora Angela Maria e o repertório escolhido para apresentar na rádio Caxambu era... da Angela Maria. Babalu, um clássico, foi varias vezes entoado. Dalva não somente cantava ao vivo, com também chegou a gravar um disco daqueles disco-bolacha. Sua voz cantou "Às margens do Bengo" de autoria de Mauricio Ferreira, um hino à cidade, além de canções para as mães, impressas num disco de prata, que desapareceu na ocasião de sua mudança. Parece incrível que tudo isso tenha acontecido, em Caxambu. Sim, sim.

A Rádio Caxambu nos anos de 1960

A Radio já tinha escrito sua história vinte anos antes da atuação de Dalva Monteiro como cantora. E assim se passaram 20 anos que seus microfones foram abertos. Os Irmãos Curi faziam sucesso por todo o lugar. Jorge Curi se consagrara jornalista esportivo e o irmão, Ivon Curi, como cantor e artista de cinema. Suas carreiras deslancharam. Outras pequenas estrelas brilharam na velha Caxambu que agora tinham que disputar audiência com o novo meio de comunicação: a televisão. Mas mesmo assim a Radio mantinha sua programação diversificada e o seu público fiel.

Alberto Curi e a coleção de discos do irmão
 Ivon Curi com sua eletrola.
Dalva começou a trabalhar na radio, quando tinha apenas 14 anos, fazendo trabalho voluntário e era a menina do "faz tudo". Recebia as solicitações de músicas na recepção, fazia uma limpezinha aqui e acolá, além de... cantar. Na época a rádio era comandada por Mauricio Ferreira e tinha lá duas ajudantes, a quem Dalva chamava, "as meninas do som". Eram as irmãs Mercedes e Angelina Motta encarregadas de colocar as músicas, digo, os discos. Não gente, não se apertava um botão e a música estava no ar, como hoje tudo no digital. Os discos tinham que ser pré-selecionados e estar à mão e... baixar a agulha. Agulha? É. Do toca discos, do que mais estaríamos falando? Toca discos? É, eletrola! O que é isso? Ah, deixa pra lá, é muito complicado explicar. Estamos falando de pré-história para os leitores do século XXI, mas assim era nos anos 60.
Dois locutores se revezavam nos microfones: Braulio e Vitor Silva. A Radio tinha muita audiência e grande participação popular. Durante a semana havia o Carnê  Social, um programa que rolava toda tarde, e quem quisesse oferecia música aos aniversariantes do dia. Bastava escrever um bilhete e entregar na recepção da Rádio para Dalva, quando estava de serviço, para que fosse lido a dedicatória ao vivo. O ouvinte ficava em casa com o ouvido grudado no radio esperando o seu nome ir ao ar. Nos fins de semana a programação era diferente. Os shows eram ao vivo! Sim, naquele prédio no centro da cidade, atras da Cascatinha, na pracinha central da cidade, funcionava a Radio Caxambu com toda sua parafernália, estúdio, palco, auditório. Muitos cantores de fora se ofereciam para cantar. O público acompanhava no auditório e aplaudia e chegando até ficar de pé, dependendo do desempenho do cantor. A entrada era franca, gratuita mesmo para o povo.

Janice Drumont, a nossa vizinha de frente e suas lembranças no Rancho Alegre e o escritor Malba Tahan

Nos domingos e segundas  a atração era o programa, Rancho Alegre, de auditório e ao vivo. Aos domingo o Rancho  era dedicado às crianças. Elas que eram as estrelas, ou melhor, estrelinhas. Janice Drumond, a nossa vizinha lá na Rua Quintino Bocaúva, chegou a cantar num desses, domingos na Hora da Criança, em cima de um caminhão, em vestido de chita e sempre nos presenteia com suas lembranças:

"Do lado de lá da praça, algumas residências, e a rádio, ah a rádio.... quanta memória dai. E de frente pra radio, as muretas, mesmo formato e proporção, mesma função, mas muitas funções agregadas. Ponto noturno do povão, grupo mais numeroso que o grupo dos importantes, estes sim usavam as muretas pra sentar, fazendo aquela fila colorida de gente nos sábados a tarde, servindo pra ver melhor as externas da radio, onde Jackson do pandeiro e Almira corria solto, ao vivo, em cima do caminhão, com a filha da Ivone pintora no acordeon, o Leônidas alfaiate na bateria e adivinha quem nas maracas? Eu mesma, com meus 4 anos. Leônidas marido da babá Heloísa, tão bom baterista quanto alfaiate, tá certo que bebia um tanto e tinha umas idéias malucas, uma delas a de me treinar pra cantar musicas de letras bem improprias pra idade, fazer ele mesmo a saia de chitão da apresentação e me subir no caminhão, maracas na mão, sem entender nada. Até hoje agradeço a ele o estimulo musical. Eu fazia direitinho o que ele mandava e arrancávamos muitas palmas do publico, agradecimentos da rádio, ainda que o saldo final era sempre muita palmada. Meu pai ficava uma arara.

Lembro de uma palestra na rádio, palestrante Malba Thaan. Autofalante propagando o dia todo. Não tinha idade pra saber quem ele era, penso que nem ele sabia que tornaria quem se tornou. Ao publicar sua maior obra, “O Homem que Calculava”, deu uma palestra de matemática na radio, demonstrava curiosidades matemáticas árabes e eu fui com mamãe, não tinha com quem ficar. Achei tão interessante sem entender que fui lá onde ele estava, à frente, e mamãe foi convidada a se retirar porque ele já tinha pedido pra não levar criança. Senti o clima, guardei o genial Malba Thaan como apenas um velho chato. Mais tarde vencendo a resistência pra ler o Homem que calculava, vi no prefacio que toda a obra foi escrita em Caxambu. Sabe onde? Sentado na mureta da praça. E eu tive o prazer histórico, desprazer pra ele, de atrapalhar o lançamento."

Outras moças da cidade também cantavam como Rosa Taveira, que morava no Trançador, Ana Maria, Maria Letícia, casada com o Pote e a irmã Maria das Graças Pereira, a Graça, a filha caçula de Geralda de Freitas, também subiu no tal caminhão. Por não ter ensaiado direito, esqueceu a musica no meio. Cantava  o "Lencinho Branco". Lencinho precisou ela depois para enxugar as lágrimas de decepção que passou perante a platéia. Sniff, sniff...

Princesa por um dia

Voltemos à Dalva. Um dia Dalva Monteiro foi princesa. O concurso era daqueles de quem mais vendia bilhetinhos. Dalva ficou em segundo lugar, perdeu para Maria Letícia, que ficou em primeiro. Na entrega da faixa de "Princesa da Radio Caxambu" o seu namorado não compareceu. Quem foi acompanha-la no evento foi o cunhado Francisco Arsenio (foto). O namorado deu o ultimato: ou me namora ou canta. Resolveu namorar e abandonou precocemente a carreia de cantora. Se diz muito feliz com a escolha. Casou-se fez família e teve 3 filhos que lhe deram alegrias: Paulo Henrique, Eduardo e Alexandre. Parou de cantar e foi ser feliz, assim conta ela.

Cantar por cantar

Almoçar no restaurante, onde era a rádio dá uma dorzinha no coração, murmura Dalva. O restaurante já foi auditório, teatro com uma cortina cor de vinho. Ah, as janelas de venezianas continuam as mesmas, relembra. Desejamos que continuem assim, que o povo se preocupe em preservar o conjunto arquitetônico que cerca a Praça 16 de Setembro, tombado pelo Patrimônio Histórico de Minas Gerais, dentro do contexto das obras Chico Cascateiro. Hoje Dalva canta no coral de Caxambu, o CRAS, uma inciativa para a terceira idade, situado na antiga Estação Ferroviária e tem como professora a Rosana. Dalva não canta mais o repertório de Angela Maria, mas ainda bem que ela voltou a cantar. Vai, Dalva, ataca aí o "Babalu" para a gente ouvir, vai!
Fotos: 
arquivo privado 
Fonte:
O Carioca, por Miguel Curi: Jorge Curi em câmara lenta, 1944
Jornal das Mocas
Revista do Radio, 1949.
O Jornal, RJ.
A manha, RJ, 1946.
A Noite, 1940-1949

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