E se algo mudou nos últimos 30 anos foi a revolução no mundo virtual e aqui mesmo neste mundo virtual, pude pesquisar os arquivos da Igreja que continham informações de batismo, matrimônio e óbitos que iam para atras no tempo, precisamente no ano de 1700, quando o Brasil tropeçava nos seus próprios passos, dando início à colonização das Capitanias Hereditárias e escrevendo por tortas linhas a triste história da escravidão. Isto era o Brasil.
Lendo os arquivos, apesar de curtos textos informativos sobre datas, locais e pessoas, obtém-se muitas informações, principalmente podemos lê-las nas entrelinhas. E que entrelinhas! Se uma criança nasceu “natural”, era porque não tinha pai declarado, ou conhecido, como é o caso de vó Gervásia e bisavó Sabina.
Se hoje em dia, este fato não é hoje revelante, naqueles tempos era vergonha da família e a pessoa carregava a pecha até os seus últimos dias de vida. Se a anotação vinha “filho legítimo”, ele tinha pai e mãe seu status na sociedade. Havia também o filho “exposto”, que significava ou que foi abandonado pelos pais, ou de pais ignorados. Quanto mais antigo os arquivos, mais se encontra “expostos”, isto é, crianças abandonadas.
O vivo arquivo dos mortos
Entretanto o mais interessante dos arquivos pesquisados foi e é o arquivo dos óbitos, ou dos mortos. Lá o escrivão, no caso o padre, fazia as últimas e derradeiras anotações sobre o defunto, seja ele criança, muitas delas! ou adultos. Aqui temos um verdadeiro retrato do passado do Brasil Colonial, das diferenças sociais, da triste vida que levava os seus cidadãos e os considerados “não cidadãos”, os negros escravos.
No início dos anos de 1900 a mortalidade infantil pode ser contada. Tristes estatísticas.
Morria-se “sem assistência” de pneumonia, meningite, gripe, sarampo, tétano no umbigo, escrito como “mal do umbigo”, coqueluche, como “catarro sufocante”, “bexigas” ou varíola, difteria, tifo, cólera, sarna (sic) e males do intestino citados como “diarréia“, “vermes intestinais” ou… “ataque de bichas”.
Certidão de óbito de João de 1901 |
Talvez por isso a minha tia avó, Maria Ayres de Lima, a Mariinha, irmã do meu avô José Ayres de Souza Lima, casada com Francisco Thomé da Silva em 1898 perdeu seus 5 filhos, Antonio, João, José, Otávio e Francisca que vieram ao mundo entre 1898 e 1906, faleceram pouco depois de nascidos. Antonio de bronquite, Francisca de febre intestinal, o pequeno João de poucas semanas de sífilis (foto), José de cólicas intestinais e Otávio (foto) de… sarna. O destino dessas crianças não foi diferente de tantas outras…
Certidão de óbito de Octavio de 1906 |
Tuberculose era o “mal do século” e ceifou muitas vidas nas tristes paragens do Santo Antonio do Piracicaba povoado da região de Baependi e na chamada “Águas Virtuosas de Caxambu”(Caxambu ainda pertencia à Comarca de Baependi e somente ganhou autonomia administrativa em 1901). Quando não se sabia exatamente a causa-mortes, assentava-se “síncope cardíaca”, “ataque do coração” ou “lesão cardíaca”. Algumas doenças nos arquivos mais antigos tinham outras denominações. Assim arteriosclerose ou “incômodo das faculdades mentais” ou “marasmo senil” foi a causa mortis aos 84 anos de idade o proprietário de escravos José Ferreira Simões, em 1919, “dono” de minha bisavó Sabina Maria da Conceição (1865- ?).
O trabalho foi quase de detetive. Assim que achava um nome ele era ponto de partida para outra procura, pois as certidões, em sua maioria contém nome dos pais ou cônjuges. Até o presente colecionei na árvore genealógica da Família Ayres cerca de 900 pessoas, cuja maioria não esta mais entre nós.
Texto: Solange Ayres, Kreuzau, Alemanha, 2013.
Nenhum comentário:
Postar um comentário